Perdão de Dívida e seus Reflexos Contábeis e Tributários

Debt Forgiveness – Tax and Accounting Implications

Alexsandro Broedel Lopes

Professor Titular de Contabilidade na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP. Graduado em Contabilidade pela FEA/USP e em Direito pela FDUSP e PhD in Accounting and Finance pela Manchester Business School. Ex-Diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Trustee da IFRS Foundation. E-mail: broedel@usp.br.

Gabriela Tuba

Pós-graduada em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e em Direito Constitucional pelo Centro de Extensão Universitária (CEU Law School). Graduada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Advogada na área tributária e societária em São Paulo. E-mail: gabrielatuba@hotmail.com.

Resumo

O presente estudo busca apresentar elementos contábeis e tributários que versam sobre os efeitos que o perdão de dívidas tributárias traz aos contribuintes e analisar, também, a utilização de normas contábeis como fundamento para as decisões recentes proferidas no âmbito do Carf e do Poder Judiciário, no sentido de que a adesão aos programas representa o desreconhecimento de um passivo, implicando receita tributável tendo em vista que há incremento patrimonial, independentemente da mensuração do passivo tributário e da natureza da sua eventual redução.

Palavras-chave: receita tributável, desreconhecimento de passivo, mensuração do passivo, perdão de dívida, IRPJ, CSLL, PIS e Cofins.

Abstract

The present study seeks to present accounting and tax elements on the effects the forgiveness of tax debts brings to taxpayers and also analyze the use of accounting standards as arguments in recent precedents of Carf and the Judiciary, considering that adherence to the programs represents the derecognition of a liability, implying taxable income, given that there is an increase in equity, regardless of the measurement of the tax liability and the nature of its eventual reduction.

Keywords: taxable income, liability derecognition, liability measurement, debt forgiveness, IRPJ, CSLL, PIS and Cofins.

I. Introdução

Em decisões proferidas recentemente tanto no Judiciário quanto no Carf, temos visto prosperar o entendimento da Receita Federal do Brasil em relação à tributação dos valores contábeis correspondentes à redução de juros e multas decorrentes da adesão dos contribuintes aos programas de regularização tributária, sob o argumento de que tais valores representam acréscimo patrimonial para o devedor e, portanto, estariam sujeitos à incidência de IRPJ, de CSLL, de PIS e de Cofins.

Os fundamentos utilizados como amparo às manifestações contrárias aos contribuintes limitam-se à afirmação de que, na redução dos passivos tributários decorrentes de juros e multa, a renúncia dos valores para o pagamento à vista configuram sua extinção definitiva, razão pela qual, embora não se configure efetivamente um ingresso financeiro, nem tampouco se verifique qualquer contraprestação, tais valores devem receber o tratamento tributário aplicável às receitas operacionais das companhias.

Todavia, como se detalhará adiante, essas manifestações podem ser passíveis de interpretação diversa, especialmente diante do reconhecimento do valor justo do passivo tributário, conceito determinante para se aferir o efetivo acréscimo patrimonial apto a ensejar a tributação.

II. Posicionamento da Receita Federal do Brasil sobre o perdão de dívida tributária

Os programas instituídos para a regularização de tributos em atraso, que concedem aos contribuintes perdão da infração praticada, permitem o pagamento dos débitos tributários com redução dos valores devidos à título de multa e juros e, eventualmente, de forma parcelada.

No âmbito federal, diversos parcelamentos especiais foram introduzidos nos últimos anos; além das reduções nos valores das multas, dos juros e prazos para o pagamento, permitem também a quitação do valor devido com créditos de prejuízos fiscais e de base de cálculo negativa da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

Em estudo publicado pela Receita Federal do Brasil (RFB) intitulado “Parcelamentos tributários – análise de comportamento e impacto (Revista da Receita Federal, 2016), o órgão aponta a criação de aproximadamente 30 programas de parcelamentos especiais, desde o ano 2000.

Embora significativas as reduções de multas e juros sobre os débitos incluídos nos programas de parcelamento, a legislação, de maneira geral, não regula o tratamento fiscal da parcela equivalente a estas reduções.

De fato, apenas em casos específicos o legislador discorreu expressamente sobre os efeitos tributários destas parcelas. No “Refis da Crise” da Lei n. 11.941/2009 “a parcela equivalente à redução do valor das multas, juros e encargo legal” foi excluída da tributação nos seguintes termos1:

“Art. 4º

Parágrafo único. Não será computada na apuração da base de cálculo do Imposto de Renda, da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, da Contribuição para o PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins a parcela equivalente à redução do valor das multas, juros e encargo legal em decorrência do disposto nos arts. 1º, 2º e 3º desta Lei.”

Os programas posteriores – PRT (MP n. 766/2017) e PERT (Lei n. 13.496/2017) nada trouxeram sobre este tema.

Assim, omissão legal permitiu ao fisco adotar seu próprio entendimento sobre o tratamento tributário da parcela correspondente às reduções dos programas de parcelamento, considerando-a uma receita para fins fiscais, enxergando a redução do passivo do contribuinte e, consequentemente, o aumento do patrimônio do devedor.

A Solução de Consulta Cosit n. 65/2019 explicita o entendimento fazendário de que a adesão ao programa de parcelamento representa uma redução do passivo do contribuinte em contrapartida a uma conta de receita (tributável):

“8. Assim, a cada período de inadimplência, devem, os contribuintes, reconhecer as parcelas respectivas, contabilizando-as a débito da conta de despesa operacional e à contrapartida da conta que registra o débito (passivo tributário).

9. Os parcelas reduzidas pelo PERT – juros de mora e multas compensatórias – são dedutíveis como despesa operacional na determinação do Imposto de Renda – IR, conforme Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995:

[...]

10. À conta que registra o débito do tributo ou contribuição é adicionado o valor de tais encargos. Quando da adesão ao PERT, há uma ‘bonificação’ em forma de redução desses juros e multas, ou seja, o passivo tributário é reduzido. A contrapartida deste saldo reduzido deve ser uma conta de receita. Evidentemente que caso na apropriação dos juros e multas compensatórias a empresa tenha aproveitado as despesas para redução da base de cálculo dos tributos, a reversão ou a recuperação dessas parcelas deverá compor a base de cálculo dos tributos no momento em que revertidas ou recuperadas.”

Esse posicionamento também foi aceito pela 7ª Turma do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região, em decisão sobre o PERT, instituído pela Lei n. 13.496/2017, alegando que não havia dispositivo na norma afastando a incidência de tributos sobre os valores de juros e multas perdoados, ou seja, no entendimento daquele tribunal, o perdão de dívida representa acréscimo patrimonial2.

O entendimento do Fisco e mesmo as discussões nos Tribunais desconsideram a inexistência de ingresso financeiro e, muitas vezes, a inexistência de qualquer redução de passivo tributário aos contribuintes, aplicando um suposto efeito contábil para acrescer a base tributável.

III. Aspectos tributários

Importante destacar que o Plenário do Supremo Tribunal Federal já decidiu, em rito de repercussão geral3 que o conceito de receita previsto no art. 195, I, b, da Constituição Federal, não se confunde com o conceito contábil, devendo a receita bruta ser entendida como o ingresso financeiro que resulta em acréscimo patrimonial para o contribuinte:

“O conceito de receita, acolhido pelo art.195, I, ‘b’, da Constituição Federal, não se confunde com o conceito contábil. Entendimento, aliás, expresso nas Leis 10.637/02 (art. 1º) e Lei 10.833 (art. 1º), que determinam a incidência da contribuição ao PIS/Pasep e da Cofins não cumulativas sobre o total das receitas, ‘independentemente de sua denominação ou classificação contábil’. Ainda que a contabilidade elaborada para fins de informação ao mercado, gestão e planejamento das empresas possa ser tomada pela lei como ponto de partida para a determinação das bases de cálculo de diversos tributos, de modo algum subordina a tributação. A contabilidade constitui ferramenta utilizada também para fins tributários, mas moldada nesta seara pelos princípios e regras próprios do Direito Tributário. Sob o específico prisma constitucional, receita bruta pode ser definida como o ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivo, sem reservas ou condições.”

Dada a manifestação do STF, sob a ótica dos contribuintes, o eventual resultado positivo registrado contabilmente não configura receita tributável por inexistência de ingresso financeiro. Portanto, é incabível a sua inclusão na base de cálculo de PIS, Cofins, bem como na composição do lucro sobre o qual incidirá IRPJ e CSLL.

Não obstante, o que se verifica em vasta jurisprudência sobre o tema é o entendimento diverso: a discussão corrente não considera aspectos contábeis relevantes à discussão em análise, quais sejam eles: (i) o valor justo do passivo tributário; e (ii) a existência real de acréscimo patrimonial.

Os trechos transcritos a seguir ilustram a ausência de uma análise mais profunda sobre os aspectos mencionados:

a. TRF: reduções do parcelamento constituem receita nova4

“4. Os valores renunciados quando do pagamento à vista configuram extinção definitiva do passivo contábil empresarial e, em contrapartida, receita nova no ativo contábil quando da adesão ao PERT, sujeitando-se à tributação do PIS/Cofins sob o regime não cumulativo, tomando essas contribuições por base de cálculo a receita ou o faturamento total do contribuinte – Leis 10.637/02 e 10.833/03.”

b. TRF: reduções do parcelamento constituem receita operacional5

“1. A Lei nº 13.496/2017, ao instituir o Programa Especial de Regularização Tributária PERT, nada dispõe acerca do afastamento da tributação sobre os valores de juros e multas perdoados, não se podendo estender a exceção trazida na Lei nº 11.941/09 a essa nova modalidade de parcelamento, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade.

2. A remissão de dívida, por representar um acréscimo patrimonial para o devedor remitido, é tributável tanto pelo IRPJ, quanto pela CSLL, pela Cofins e pelo PIS, uma vez que o lançamento contábil dá-se forçosamente mediante crédito de receita operacional (distinta da receita financeira). Para que não fosse tributável haveria a necessidade de norma isentiva, a qual deve ser interpretada literalmente, segundo o art. 111, II, do CTN (Solução de Consulta Cosit n. 17 – SRRF01/Disit).”

IV. A confissão da dívida

É de se questionar se a controvérsia sobre o tratamento fiscal da receita das reduções previstas no parcelamento não seria inócua, haja vista que o contribuinte, ao aderir ao parcelamento, também deveria reconhecer e deduzir em sua apuração fiscal a despesa da dívida parcelada em sua integralidade, antes das reduções previstas no parcelamento.

Isto porque a legislação dos programas de parcelamento exige a confissão de dívida em relação aos débitos parcelados:

• Parcelamento Ordinário – Lei n. 10.522/2002: “Art. 12. O pedido de parcelamento deferido constitui confissão de dívida e instrumento hábil e suficiente para a exigência do crédito tributário, podendo a exatidão dos valores parcelados ser objeto de verificação.”

• PAES – Lei n. 10.864/2003: “Art. 1º § 2º Os débitos ainda não constituídos deverão ser confessados, de forma irretratável e irrevogável.”

• PAEX – MP n. 303/2006: “Art. 1º § 2º Os débitos ainda não constituídos deverão ser confessados, de forma irretratável e irrevogável.

• Refis da Crise – Lei n. 11.941/2009: “Art. 5º A opção pelos parcelamentos de que trata esta Lei importa confissão irrevogável e irretratável dos débitos em nome do sujeito passivo na condição de contribuinte ou responsável e por ele indicados para compor os referidos parcelamentos, configura confissão extrajudicial nos termos dos arts. 348, 353 e 354 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, e condiciona o sujeito passivo à aceitação plena e irretratável de todas as condições estabelecidas nesta Lei.”

• Parcelamento do PIS e da Cofins das Instituições Financeiras – Lei n. 12.865, de 2013: “Art.39 § 8º Enquanto não consolidada a dívida, o contribuinte deve calcular e recolher mensalmente parcela equivalente ao montante dos débitos objeto do parcelamento, dividido pelo número de prestações pretendidas.”

• Programa de Regularização Tributária – PRT – MP n. 766/2017: “Art. 1º, § 3º A adesão ao PRT implica:

I – a confissão irrevogável e irretratável dos débitos em nome do sujeito passivo na condição de contribuinte ou responsável e por ele indicados para compor PRT, nos termos dos art. 389 e art. 395 da Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil, e condiciona o sujeito passivo à aceitação plena e irretratável de todas as condições estabelecidas nesta Medida Provisória;”

• PERT I Lei n. 13.496/2017: “Art. 1º § 4º A adesão ao PERT implica: I – a confissão irrevogável e irretratável dos débitos em nome do sujeito passivo, na condição de contribuinte ou responsável, e por ele indicados para compor o PERT, nos termos dos arts. 389 e 395 da Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil);”

O contribuinte, ao aderir ao parcelamento, portanto, confessa os fatos, isto é, reconhece a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária, devendo, portanto, reconhecer a dívida (caso ainda não tenha sido registrada em sua contabilidade):

“Confissão significa o reconhecimento da verdade, feita pela própria pessoa interessada e consiste na afirmação de fatos que se projetam diretamente contra o confitente, importando em uma declaração de serem verdadeiros os fatos arguidos contra si mesmo, o que envolve, desde logo, a assunção da inteira responsabilidade pelas consequências que eles acarretarem e da jurisprudência.”6

“a confissão espontânea de dívida com o pedido de adesão ao Refis representa um inequívoco reconhecimento do débito, nos termos do art. 174, IV, do CTN, ainda que o parcelamento não tenha sido efetivado”7.

Seguindo neste entendimento, a despesa reconhecida para o registro do débito confessado para a adesão ao parcelamento pode ser deduzida da apuração do lucro real, conforme expressa previsão legal:

Art. 41. Os tributos e contribuições são dedutíveis, na determinação do lucro real, segundo o regime de competência.

§ 1º O disposto neste artigo não se aplica aos tributos e contribuições cuja exigibilidade esteja suspensa, nos termos dos incisos II a IV do art. 151 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, haja ou não depósito judicial.”8

Não é outra a conclusão da Solução de Consulta n. 66, de 2011 – Disit/SRRF07 ao reconhecer a possibilidade de dedução da despesa decorrente do reconhecimento dos débitos parcelados:

“Os débitos do sujeito passivo relativos a tributos e contribuições lançados em auto de infração e consolidados em parcelamento já deferido são dedutíveis, regra geral, na determinação do lucro real, segundo o regime de competência, sendo vedada a dedução do imposto de renda de que for sujeito passivo como contribuinte ou responsável em substituição ao contribuinte.

Os débitos do sujeito passivo relativos a juros de mora referentes a tributos e contribuições lançados em auto de infração e consolidados em parcelamento já deferido são dedutíveis, na determinação do lucro real, segundo o regime de competência.”

Assim, exceto pelas multas por infrações fiscais9, o contribuinte que confessa a dívida como requisito para adesão a um programa de parcelamento, poderia deduzir da sua apuração a despesa da dívida parcelada em sua integralidade, antes das reduções previstas no parcelamento, reduzindo total ou parcialmente a tributação da receita decorrente destas mesmas reduções.

Nesta linha, o contribuinte que incluísse seu débito no programa da Lei m. 13.496/2017 (PERT), verificaria os seguintes efeitos em sua apuração fiscal:

PERT

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* observou-se a alíquota combinada de 9,25% do PIS/Cofins do regime cumulativo. Se as reduções sobre os juros/multa moratória fossem enquadradas como receita financeira, a alíquota sobre esta parcela seria de 4,65%.

Este efeito seria mais relevante para o “Refis da Crise”. Como a Lei n. 11.941/2009 determinou expressamente a exclusão da parcela equivalente à redução do valor das multas, juros e encargo legal da base de cálculo do Imposto de Renda, da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, da Contribuição para o PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins, o contribuinte teria um “duplo benefício”: a dedução da despesa com o tributo e seus acréscimos e a não tributação da receita das reduções do parcelamento:

Refis da Crise / duplo benefício

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V. Aspectos contábeis

Com a publicação da Lei n. 11.638/2007, as normas contábeis brasileiras se aproximaram, quase que literalmente, das correspondentes normas internacionais de contabilidade – IFRS, que trouxe significativas alterações nos critérios contábeis, ensejando o regime tributário de transição, instituído pela Lei n. 11.941/2009. Após o término do referido regime de transição e por meio da publicação da Lei n. 12.973/2014 consolidou-se a distinção entre as normas contábeis e aquelas relativas à incidência tributária. Nesse sentido, o legislador foi cuidadoso ao determinar no art. 58 da Lei que:

“Art.58. A modificação ou adoção de métodos e critérios contábeis, por meio de atos administrativos emitidos com base em competência atribuída em lei comercial, que sejam posteriores à publicação desta Lei, não terá implicação na apuração dos tributos federais até que lei tributária regule a matéria.

Parágrafo único. Para fins do disposto no caput, compete à Secretaria da Receita Federal do Brasil, no âmbito de suas atribuições, identificar os atos administrativos e dispor sobre os procedimentos para anular os efeitos desses atos sobre a apuração dos tributos federais.”

A distinção entre regras contábeis e tributárias se faz relevante no presente caso, pois o valor justo do passivo tributário determina a existência (ou inexistência) do acréscimo patrimonial para justificar a tributação.

Com a adoção do Conceptual Framework, o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) fixou o significado de receita10 para fins de escrituração contábil, incluindo-se aí o tratamento do perdão de dívida já reconhecida na escrituração contábil, e de desreconhecimento11 de um passivo:

“4.47. A receita deve ser reconhecida na demonstração do resultado quando resultar em aumento nos benefícios econômicos futuros relacionado com aumento de ativo ou com diminuição de passivo, e puder ser mensurado com confiabilidade. Isso significa, na prática, que o reconhecimento da receita ocorre simultaneamente com o reconhecimento do aumento nos ativos ou da diminuição nos passivos (por exemplo, o aumento líquido nos ativos originado da venda de bens e serviços ou o decréscimo do passivo originado do perdão de dívida a ser paga).”

“5.26. Desreconhecimento é a retirada de parte ou da totalidade de ativo ou passivo reconhecido do balanço patrimonial da entidade. O desreconhecimento normalmente ocorre quando esse item não atende mais à definição de ativo ou passivo:

(a) para o ativo, o desreconhecimento normalmente ocorre quando a entidade perde o controle da totalidade ou de parte do ativo reconhecido; e

(b) para o passivo, o desreconhecimento normalmente ocorre quando a entidade não possui mais uma obrigação presente pela totalidade ou parte do passivo reconhecido.”

Cumpre-se destacar que, em relação aos passivos tributário incidentes sobre o lucro, existe regramento contábil específico e vale voltar ao disposto no IAS 12, CPC 32 no Brasil, que determina que “passivos de tributos correntes referentes aos períodos corrente e anterior devem ser mensurados pelo valor esperado a ser pago às autoridades tributárias”, ou seja, não há que se falar em passivo diferente daquele valor que o contribuinte espera pagar.

Trata-se de ponto relevante para o tema em análise, dado que o fato de haver um auto de infração exigindo determinado tributo não implica o reconhecimento imediato de um passivo contábil. Isso porque, o passivo é uma obrigação presente da entidade, e essa obrigação mesmo sendo objeto de questionamento pelo fisco, pode nunca se materializar ou se materializar por valor diferente, ou seja, nem todos os autos de infração recebidos se tornam efetivamente passivos contabilizados.

O mesmo entendimento se aplica ao débito confessado no âmbito do parcelamento. O reconhecimento de um passivo contábil deve levar em conta o “valor esperado a ser pago às autoridades tributárias”. Se ao aderir ao parcelamento o contribuinte já conhece quais as reduções serão cabíveis sobre o débito, não se pode desconsiderar as reduções do benefício fiscal do parcelamento no registro do passivo.

Em outras palavras, no caso do perdão de dívida tributária concedido no âmbito de anistia ou parcelamento, com consequente redução de multa e juros, o passivo deve ser reconhecido pelo seu valor justo, ou seja, o valor a ser pago, portanto, com todos os efeitos, positivos ou negativos, trazidos pela legislação, tendo em vista que, ao aderir aos programas de regularização fiscal instituídos pelo Governo, o contribuinte passa a se sujeitar à confissão da dívida consolidada naquele momento.

Considerando a hipótese de o contribuinte aderir a um parcelamento com reduções integrais de multas e juros, se estes acréscimos não estavam reconhecidos em sua contabilidade no momento da adesão, não há qualquer receita de redução.

VI. Conclusão

Para fins contábeis, receitas são aumentos nos ativos, ou reduções nos passivos, que resultam em aumentos no patrimônio líquido. Diferentemente, para fins tributários, não basta o registro contábil, é necessário o ingresso financeiro, o que não se verifica nas situações de perdão de dívidas

Não obstante, o que se verifica nas discussões técnicas fazendárias ou mesmo na jurisprudência que se formou sobre o tema é a inobservância de aspectos contábeis relevantes à discussão em análise, pois se desconsidera a necessidade de se observar o valor justo do passivo tributário, situação que evidencia a inexistência de qualquer acréscimo patrimonial e afasta qualquer pretensão tributária sobre a operação.

1 Disposições semelhantes foram replicadas no Parcelamento do PIS e da Cofins das Instituições Financeiras da Lei n. 12.865, de 2013 e no Parcelamento de débitos do IRPJ e da CSLL decorrentes da Tributação sobre Bases Universais (TBU) da Lei n. 12.865, de 2013.

2 Processo n. 1011182-17.2018.4.01.3800.

3 Recurso Extraordinário n. 606.107/RS.

4 TRF 3ª Região, 6ª Turma, ApCiv – Apelação Cível n. 5001508-68.2019.4.03.6123, Rel. Des. Federal Luis Antonio Johonsom Di Salvo, j. 5.3.2021, Intimação via sistema, data: 8.3.2021.

5 TRF 1ª Região, 7ª Turma, Apel n. 51011182-17.2018.4.01.3800, Rel. Des. Federal José Amilcar Machado, j. 30.7.2021, DJe 30.7.2021 e DJe 30.7.2021.

6 PA n. 13974.000015/87-18, 3ª Câmara do Primeiro Conselho de Contribuintes, Rel. Conselheiro Antonio da Silva Cabral.

7 STJ, REsp n. 1.162.026/RS, Rel. Min. Castro Meira, 2ª Turma, DJe 26.8.2010.

8 CTN: “Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário:

VI – o parcelamento.”

9 Lei n. 8.981/1995: “Art. 41. Os tributos e contribuições são dedutíveis, na determinação do lucro real, segundo o regime de competência. [...]

§ 5º Não são dedutíveis como custo ou despesas operacionais as multas por infrações fiscais, salvo as de natureza compensatória e as impostas por infrações de que não resultem falta ou insuficiência de pagamento de tributo.”

10 Pronunciamento Conceitual Básico (R1).

11 Pronunciamento Técnico CPC 00 (R2).