Competência Tributária: Tipos ou Conceitos? Da Necessidade de um Exame Crítico dos Pensamentos de Misabel Derzi, Luís Eduardo Schoueri e Humberto Ávila
Tax Power: Types or Concepts? The Need for a Critical Examination of the Thoughts of Misabel Derzi, Luís Eduardo Schoueri and Humberto Ávila
Valter de Souza Lobato
Professor de Direito Financeiro e Tributário da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre e Doutor em Direito pela UFMG. Presidente da Associação Brasileira de Direito Tributário (ABRADT). Advogado em Belo Horizonte. E-mail: lobato@sachacalmon.com.br.
José Antonino Marinho Neto
Mestrando em Direito Público pela UFMG, sob a orientação da Professora Misabel Abreu Machado Derzi. Pós-graduando em Direito Constitucional pelo IDP. Pesquisador do Observatório de Macrolitigância Fiscal (IDP). Advogado em Belo Horizonte. E-mail: antoninoneto@outlook.com.br.
Resumo
O presente estudo discute a temática da competência tributária – se veiculadora de tipos ou conceitos – com foco no estudo das posições doutrinárias de Misabel Derzi, Luís Eduardo Schoueri e Humberto Ávila. Objetiva-se, após a exposição do entendimento dos citados juristas, examinar as referidas posições em perspectiva crítica, apontando-lhes não apenas as divergências quanto às conclusões, mas sobretudo quanto às premissas e o desenvolvimento do raciocínio.
Palavras-chave: competência tributária, tipos, conceitos.
Abstract
The present study discusses the issue of tax power – whether it conveys types or concepts – focusing on the study of the doctrinal positions of Misabel Derzi, Luís Eduardo Schoueri and Humberto Ávila. The objective is, after exposing the understanding of the aforementioned jurists, to examine these positions in a critical perspective, pointing out to them not only the divergences regarding the conclusions, but above all regarding the premises and the development of reasoning.
Keywords: tax power, types, concepts.
1. Introdução
Tornou-se clássica na literatura nacional, em especial nos últimos 30 anos, a seguinte indagação: as normas de competência tributária veiculam tipos ou conceitos? A este respeito, o pensamento de Misabel Derzi pode ser considerado o marco inicial do debate em seus devidos termos, quando, ao final da década de 1980, a tributarista mineira fez publicar a mais importante obra sobre os tipos e conceitos na doutrina brasileira, ao defender – e muito embora a discussão específica sobre a competência tributária não tenha ocupado a centralidade daquele estudo – que o pensamento conceitual domina a análise em relação às normas de competência tributária.
Anos mais tarde, Luís Eduardo Schoueri elaborou compreensão em sentido contrário, entendendo pela utilização dos tipos pelas normas de competência tributária. Contudo, o debate doutrinário reacendeu em 2018, não apenas em virtude de uma série de julgamentos proferidos pelo STF, mas, sobretudo, pela publicação de obra do Professor Humberto Ávila, defendendo a tese conceitual.
O que se disse acima é facilmente comprovável por meio de uma análise rápida de obras coletivas e revistas especializadas em matéria tributária. Há uma série de textos nos quais a questão é discutida, em especial quando o tema de fundo envolve a tributação de novas tecnologias e aspectos da economia digital. Via de regra, a opção entre tipos ou conceitos quando da análise da competência tributária adota um caráter quase preliminar às demais discussões, seja para acompanhar o pensamento tipológico, seja para endossar a necessidade de compreensão conceitual.
O presente estudo possui objetivo singelo, mas que se reveste de relevância: a necessidade de examinar as posições dos citados juristas em perspectiva crítica, ou seja, apontando-lhes não apenas as divergências quanto às conclusões, mas sobretudo quanto às premissas e o desenvolvimento do raciocínio. Isso porque, segundo nos parece, há substanciais diferenças quanto à compreensão das próprias categorias envolvidas e o foco de análise. Mais do que isso, é uma singela forma de os autores deste artigo homenagearem estes três professores que tanto marcam com suas lições.
À guisa exemplificativa, Derzi e Ávila concordam na conclusão no sentido que as competências constitucionais tributárias veiculam conceitos e não tipos. Contudo, a compreensão de ambos sobre o que vem a ser tipos e conceitos é sobremaneira distinta. Outrossim, Schoueri confere elevada importância ao papel da lei complementar para a solução do deslinde da controvérsia, assim como Ávila, ainda que em sentido contrário. No entanto, Derzi não chega a tanto, dada a importância atribuída por ela à Metodologia Jurídica como elemento suficiente para se concluir pelo pensamento conceitual.
Nesse sentido, o presente estudo de divide em duas grandes partes. Inicialmente, busca-se examinar os principais argumentos suscitados por Derzi, Schoueri e Ávila para a defesa de suas respectivas posições. Após, busca-se comparar seus argumentos, no intuito de cumprir com os objetivos deste trabalho, consoante exposto acima, para que, ao final, se possa extrair conclusões que podem ser retiradas deste tão importante debate.
2. Competências tributárias: tipos ou conceitos?
2.1. O pensamento de Misabel Derzi
Na obra Direito tributário, direito penal e tipo1, a discussão envolvendo a utilização de tipos ou de conceitos pelo constituinte para a atribuição de competências tributárias não ocupa a posição de centralidade da discussão. Pelo contrário, trata-se de trabalho muito mais voltado à Metodologia Jurídica, e, por isso mesmo, dotado de inevitável abrangência. Contudo, nele a ilustre Professora Misabel Derzi não deixa de se manifestar a respeito do tema objeto do presente estudo, como viremos de expor, em apertada síntese.
Misabel Derzi inicia sua exposição abordando os diversos significados da palavra “tipo”, cuja origem sequer remonta ao ramo jurídico. Com firme esteio nas lições de Erich Heyde, aduz a citada jurista que inicialmente o vocábulo tipo significava tanto uma forma (molde), quanto modelo. No terreno da Medicina, o tipo adquiriu a acepção de forma básica. Por influência das Ciências Naturais, sobretudo a Botânica e a Zoologia, nas Ciências Humanas o tipo foi introduzido apenas no fim do século XIX, quando do estudo da Lógica. Nessa área do conhecimento, também adquiriu o significado de forma básica, “como ordenação do conhecimento que guarda a possibilidade de transições fluidas e ininterruptas”2, em oposição ao princípio lógico-formal aristotélico da identidade e sua respectiva tendência classificatória.
Com a incorporação deste vocábulo nas ciências sociais, algumas outras acepções foram formuladas para a palavra “tipo”, tais como os tipos frequente ou empírico, representativo, total e ideal3. A despeito dessas distinções, em função da aproximação dos tipos com a realidade, bem como da variedade entre as características individuais de cada objeto (ausência de limites rígidos entre as notas que o compõem), o tipos passaram a ser apreendidos como aquilo que capta o comum e o repetitivo, em oposição ao conceito de classe:
“Em geral, aborda-se a oposição entre o conceito tradicional de classe e o moderno, de tipo. Enquanto o conceito classificatório é seletivo e rígido, excluindo ou incluindo o objetivo que, de acordo com suas propriedades, pertença ou não ao conjunto, o tipo é um conjunto não delimitado, fluido que não trabalha com a relação de exclusão ‘ou... ou’, mas sim com um ‘até um certo grau’ ou ‘mais ou menos’.”4
No Direito, a pluralidade de acepções da palavra tipo é ainda mais acentuada do que nos demais ramos das ciências sociais. Contudo, Misabel Derzi identificou basicamente três significados distintos da palavra tipo na Ciência do Direito: (i) como metodologia jurídica, (ii) como criação legislativa e (iii) como modo de pensar atinente à execução das normas tributárias5.
Na primeira acepção, a metodologia tipológica se opõe à conceitual-classificatória. Com efeito, esta última parte da premissa da existência de um sistema jurídico rígido e completo, por meio do qual o Direito se vale de conceitos classificatórios, cujas notas que compõem o objeto são definidas, rígidas e irrenunciáveis. O que há, portanto, é uma abstração conceitual, compreendida como “o processo pelo qual se dá a separação, a percepção isolada e, ao mesmo tempo, a denominação e a determinação genérica das características do objeto”6. Em se tratando de uma abstração, portanto, o que há é a seleção de determinadas características ou objetos que interessam ao pensamento científico, de modo que aquilo que compõe a realidade e não foi selecionado torna-se irrelevante. Nesse sentido, a metodologia conceitual opera por meio de um juízo subsuntivo, a partir da definição das notas que compõem o objeto, de modo que “o conceito será sempre operacionalmente fechado, tenderá à classificação e à axiomatização, ainda que cognitivamente suporte mutação”7.
A metodologia tipológica, por sua vez, compreende o tipo como um conceito de ordem, “mais adequada para captar as fluidas transições da vida”8. Assim, racionaliza-se por meio de um juízo comparativo, em que os objetos se prestam a ser “formas representativas ou médias para servir de medida a outros fenômenos”9. Por isso, os tipos são ordenados em função de suas notas, sem a rigidez que marca a metodologia conceitual. Nesse sentido, ao captar aquilo que é o comum e o repetitivo na realidade, “o tipo não é definido, mas apenas descrito, suas características não são indispensáveis, sendo que algumas delas podem faltar”, e, em virtude de sua aproximação com a realidade, “o tipo é mais concreto e rico de conteúdo que o conceito”. Em suma:
“São, pois, notas próprias da concepção por tipo: certa temporalidade ou fluidez em seus contornos, a indefinibilidade, a totalidade da imagem decisiva para seu reconhecimento, a abertura ao real o que a faz mais concreta e próxima da realidade do que o conceito classificatório e a aptidão para ordenar os fenômenos através da comparação, sem rígidos cortes de secção.”10
Como criação legislativa, denominou-se tipos aquilo que os penalistas denominam Tatbestand e os tributaristas fato gerador do tributo. Há, nesta acepção, uma impropriedade na utilização do termo “tipo”, exatamente porque as duas figuras supracitadas representam inequívocos conceitos classificatórios. Contudo, a elas nos referiremos mais adiante, nesta breve exposição da obra de Misabel Derzi.
Em que pese as diferenças quanto aos usos e concepções a respeito dos tipos, Misabel Derzi identifica um sentido comum a todos eles: “uma abstração generalizadora que abandona as diferenças individuais – um padrão”11.
Quais seriam, portanto, as características dos tipos propriamente ditos? Consoante a lição da renomada jurista, os tipos seriam marcados pelas caraterísticas da abertura, gradação, sentido, inteireza e aproximação da realidade. Com efeito, a abertura adviria da renunciabilidade de suas notas, já que o tipo capta aquilo que é o comum; a gradação resultaria exatamente em virtude da abertura, de modo que as notas dos tipos podem se dar e se combinar em graus distintos, razão pela qual o tipo se ordenaria através de comparações, sem que isso implique “obscuridade ou falta de clareza”; a inteireza estaria relacionada às duas características supracitadas, de modo que as notas componentes dos tipos são interdependentes, conformando o seu sentido; e a aproximação da realidade seria característica relacionada à ausência de rigidez ínsita aos conceitos, o que permite descrever com mais propriedade o seu objeto12.
Do que resulta ser o pensamento tipológico essencialmente comparativo, seja entre tipos distintos, seja dentro do próprio tipo13.
Questão importante no pensamento jurídico tipológico diz respeito à relação entre os tipos e o Direito Positivo, a Ciência do Direito e a Lógica. Consoante ensina Misabel Derzi, as linguagens do Direito Positivo (prescritiva) e da Ciência do Direito (descritiva) não são formalizadas, porém formalizáveis. Ressalte-se que por formalizar deve-se entender a substituição das “significações referentes a fatos e condutas por variáveis lógicas e as partículas (todo, e, não, ou... ou, se... então) que exercem funções fixas, definidas, por constantes lógicas”14. Cite-se como exemplo a formalização “Se A, deve ser B”.
Nesse sentido, uma vez que “o tipo não se reduz a uma variável lógico-formal” – e também assim o são os conceitos classificatórios – o tratamento que se deve dar a ele é no sentido de uma “nova metodologia jurídica”, que exige considerações tanto de ordem lógica quanto extralógica. Ou seja, a identificação de tipos e conceitos no ordenamento jurídico é questão de Metodologia, que independe de formalizações lógicas.
Daí que o extralógico assume relevo para a solução da questão. Com efeito, a decisão entre tipos e conceitos possui cariz necessariamente extralógico, porque condizente a movimentos “inerentes às significações e conteúdos fáticos-axiológicos”15.
Com efeito, em uma visão estritamente jurídica, os tipos e conceitos diferenciam-se, para além das notas que o ordenamento lhes tenha conferido16, pelos valores subjacentes ao ramo jurídico nos quais se manifestem. Como salienta Misabel Derzi, “tudo dependerá dos princípios e tendências prevalentes, por detrás do tipo ou do conceito”17.
Daí afirmar a ilustre jurista que o caminho metodológico correto para distinguir os pensamentos tipológico e conceitual passa pela indagação “se as características, usadas na determinação, são necessárias e suficientes para delimitar o conteúdo do pensamento de outros conteúdos”18. Em caso de resposta afirmativa a esta indagação, estar-se-á diante de conceitos, tal como prevalece no Direito Penal, no Direito Tributário e no Direito Civil (quanto aos direitos reais). Lado outro, a tendência predominante será o pensamento tipológico, tal como ocorre no Direito Civil obrigacional, em que é comum o surgimento de formas mistas, como os contratos de shopping center e de leasing.
Deve-se frisar, com a merecida ênfase, que o correto é dizer em tendência de pensamento conceitual e tipológico. Isso porque o exclusivismo inexiste a este respeito. Tipos e conceitos coexistem não apenas no sistema jurídico como um todo, mas também dentro de cada ramo em especial.
Contudo, é inegável que chave metodológica para a prevalência de determinado pensamento sobre outro sofre forte influência dos princípios que informam cada ramo jurídico. A questão é colocada nos seguintes termos por Misabel Derzi:
“O tipo propriamente dito, por suas características, serve mais de perto a princípios jurídicos como o da igualdade, o da funcionalidade e permeabilidade às mutações sociais e o da justiça. Em compensação, com o seu uso, enfraquece-se a segurança jurídica, a legalidade como fonte exclusiva de criação jurídico e a uniformidade. O conceito determinado e fechado (tipo no sentido impróprio), ao contrário, significa um reforço à segurança jurídica, à primazia da lei, à uniformidade no tratamento dos casos isolados, em prejuízo da igualdade, da funcionalidade e adaptação da estrutura normativa às mutações socioeconômicas.”19
Exatamente em função dos princípios da segurança jurídica e da legalidade, exigentes das separações rígidas entre as notas componentes das espécies penais e tributárias é que a tendência conceitual-classificatória prevalece no âmbito do Direito Penal e do Direito Tributário, operando-se por meio de juízos subsuntivos. Essas conclusões são formuladas em estudo minucioso sobre a teoria do delito (impropriamente denominado tipo)20 e do Tatbestand tributário – hipótese de incidência (em que a legalidade material naquele ramo é denominada impropriamente pela corrente majoritária como princípio da tipicidade)21.
Contudo, ainda nesses ramos se pode constatar a existência de resíduos tipológicos22, o que confirma a tese da Professora no sentido de que a diferença entre tipo e conceito se dá por uma questão de grau, bem como que ambas as categorias jurídicas de pensamento coexistem não apenas no sistema jurídico como um todo, mas também no âmbito interno de cada ramo do Direito.
Misabel Derzi cuida do tema da relação entre competências tributárias e tipos/conceitos em capítulo destinado à relação entre os dois modos de pensar e os princípios jurídicos. E aduz que as competências tributárias veiculam conceitos em especial por conta do princípio federativo que animou a rigidez de sua repartição, incompatível com a fluidez do pensamento tipológico:
“No Brasil, a questão da discriminação da competência tributária é manifestação do próprio federalismo, por configurar partilha, descentralização do poder de instituir e regular tributos.
Sendo assim, as ordens jurídicas tributárias (federal, estadual e municipal), que convivem na ordem nacional, são produzidas por órgãos legislativos próprios das comunidades descentralizadas, uma vez que são manifestação da distribuição do poder estatal, vale dizer, da competência para instituir e regrar tributos.
Ora, o tipo como ordenação do conhecimento em estruturas flexíveis, de características renunciáveis, que admite as transações fluidas e contínuas e as formas mistas, não se adapta à rigidez constitucional de discriminação da competência tributária.
Essa rigidez tem como pedra básica a competência privativa, mola mestra do sistema, o qual repele a bitributação e evita a promiscuidade entre tributos distintos. Conceitos como bitributação, invasão de competência, bis in idem, identidade ou diversidade entre espécies tributárias, necessários ao funcionamento harmônico e à aplicação das normas constitucionais não se aperfeiçoam por meio das relações comparativas do “mais ou menos” ou “tanto mais... quanto menos” inerentes ao pensamento tipológico. Muito mais ajustam-se às excludentes “ou... ou” e às características irrenunciáveis e rígidas dos conceitos determinados.”23
Em recente manifestação sobre o tema, Misabel Derzi reforça seu posicionamento no sentido da prevalência da metodologia conceitual:
“A Metodologia não é uma linguagem sobre a Ciência do Direito, mas, como alertam os lógicos, está também no interior da Ciência, já que o método depende do modo de ser especial do objeto. O método tipológico de investigação do Direito e da Ciência jurídica só pode ser adequado se demonstrado que o Direito, como seu objeto de análise, comporta tipos e em que medida e extensão. Onde o Direito tende a conceitos classificatórios, fechados, por razão de segurança jurídica, a aplicabilidade do método tipológico fica bastante reduzida ou impedida, assim como se dilata nos setores onde prosperarem direitos fundamentais como a livre iniciativa e a autonomia pessoal, permeáveis às mutações contratuais e negociais, por exemplo. São, pois, a segurança jurídica, a previsibilidade e o federalismo os critérios extralógicos/normativos que marcam a tendência para o uso dos conceitos em relação às normas de competência, em contraste com a liberdade negocial inerente à autonomia pessoal de planejamento que reclama a adesão aos tipos. Assim também, foi a observação da realidade empírica (sujeita à fluidez e à lei da continuidade de uma ordem à outra, no campo da biologia, por ex.) que inspirou a ordenação do conhecimento por meio de tipos – e não por rígidos conceitos. Defenderam os lógicos, biólogos e botânicos o uso de outros métodos – como o tipológico – que permitissem uma adaptação à realidade mutante, contínua e fluida.”24
Estabelecidos os principais pontos do pensamento da Professora a respeito do tema, passa-se a uma breve exposição do pensamento de Luís Eduardo Schoueri.
2.2. A posição de Luís Eduardo Schoueri
Não se tem notícia de outro autor na doutrina nacional que melhor tenha defendido a tese segundo a qual “é na lei complementar, e não no texto constitucional, que se encontram os conceitos que delimitam e determinam a competência tributária”25 do que Luís Eduardo Schoueri.
O Catedrático do Largo de São Francisco inicia sua exposição reconhecendo a rigidez da repartição de competências tributárias presente na Constituição de 1988 – e não apenas nela, mas também em Constituições pretéritas. Contudo, estribado nas lições de Sampaio Dória, afirma que sua origem não se deu em virtude do princípio federativo, mas sim como modo de evitar a superposição de exigências tributárias. Daí a afirmativa de Schoueri no sentido de que “o constituinte de 1988 tinha uma noção (tipológica) da existência de tributos e com eles trabalhou na previsão de recursos financeiros para o Estado”26.
Do conhecimento de tais realidades tributáveis, Schoueri sustenta que, na repartição das competências privativas para a instituição de impostos valeu-se o constituinte de “expressões fluidas, que por vezes implicariam uma interpenetração, possibilitando, até mesmo, o nascimento de conflitos de competência”27, não solucionáveis, portanto, no âmbito constitucional.
Partindo-se de noção similar à de Misabel Derzi sobre o que vem a ser tipos e conceitos28, Schoueri manifesta sua discordância com relação ao tema das competências tributárias. Na sua visão, o próprio constituinte previu a existência de conflitos de competência, relegando à lei complementar a sua solução. No mister dessa solução é que os conceitos seriam definidos, de modo a estabelecer limites rígidos ao legislador ordinário:
“Ora, tratassem os elencos dos artigos 153, 155 e 156 de conceitos, então se extrairiam dali seus limites, dispensando-se o emprego de lei complementar. Surge, assim, o relevante papel da lei complementar para trazer os contornos definitivos da competência tributária.
Tal conclusão não se afasta, outrossim, da lição de Misabel, já que nosso sistema federativo importa, efetivamente, uma rígida repartição de competências. É neste sentido que se compreende a decisão do constituinte de não deixar que a fluidez natural aos tipos implicasse conflitos entre as três esferas políticas.
O constituinte quis que o legislador ordinário tivesse limites rígidos para a sua atuação. Uma discriminação de competências que se pretenda rígida exige subsunção entre a situação tributável e o conceito, em estrita relação de identidade; para o tipo, entretanto, não há que se falar em subsunção: dois objetos, conquanto distintos, cabem em um mesmo tipo. Fazia-se necessário, assim, que aquela realidade, que fora expressa no texto constitucional por meio de tipos, passasse a ter uma expressão conceitual.
Encontra-se, aqui, o papel da lei complementar: a solução de conflitos de competência e a definição das hipóteses tributárias e bases de cálculo implicam a criação, pelo legislador complementar, de definições das realidades contempladas pelo constituinte.
Noutras palavras, enquanto o constituinte contemplou a realidade econômica do ponto de vista tipológico, com a fluidez a ele inerente, impôs ao legislador complementar a tarefa de expressar a mesma realidade através de conceitos, seja por meio de definições de ‘fatos geradores’, bases de cálculo e contribuintes, seja através da imposição de limites em casos de conflitos.”29
E prossegue Schoueri, citando exemplos nos quais a teoria por ele defendida teria guarida no próprio texto constitucional:
“Esta função da lei complementar se extrai em vários momentos na Constituição Federal.
Começa-se pelo próprio artigo 146, I, da Constituição Federal, cuja redação permite concluir que o constituinte previu a possibilidade de haver conflitos de competência, cabendo à lei complementar resolvê-los. Tivesse o constituinte apresentado conceitos na repartição de competências, então seria inútil este dispositivo, já que os conceitos teriam seus limites bem definidos, não havendo espaço para conflitos. Estes surgem, potencialmente, da fluidez dos tipos.
O mesmo artigo 146, em seu inciso III, ‘a’, revela o importante papel na matéria da definição dos tipos constitucionais: ao confirmar o papel da lei complementar na definição dos ‘fatos geradores’, bases de cálculo e contribuintes, o constituinte tinha consciência de que ele próprio não definira (não conceituara) tais elementos essenciais dos impostos que ele previra. À lei complementar é que caberá tal tarefa.
Finalmente, evidenciando o papel da lei complementar nossa definição, vale ver a competência residual, prevista no artigo 154, I, do texto constitucional. Ganha contornos de lógica a decisão do constituinte de exigir lei complementar para que a União exerça sua competência residual. Afinal, esta se dará em campos que não estejam na competência de outras pessoas jurídicas de direito público. Ora, se estas competências se definem por lei complementar, acerta o constituinte ao exigir instrumento equivalente para a competência residual.”30
Contudo, Schoueri adverte para o fato de que a lei complementar encontra limites no texto constitucional, de modo que, nesse proceder, alega-se que “este conceito abrange situação que não é típica daquela figura constitucional”31. Ademais, a tipologia constitucional permite que se compreenda a inclusão de “novas características e deixando de relevar outras que no passado eram importantes”32, ou seja, o que permitiria a sua própria evolução.
2.3. Humberto Ávila e o retorno ao pensamento conceitual
Consoante asseverado alhures, Humberto Ávila renovou o debate a respeito das competências tributárias – em especial se veiculadoras de tipos ou conceitos – na tributarística nacional em 201833, por meio de publicação de obra de fôlego sobre o tema. Na visão deste eminente jurista, as competências tributárias veiculam conceitos, dada a completa incompatibilidade entre esta categoria jurídica e os tipos.
Ávila inicia seu estudo expondo o que entende por tipos e conceitos. Estes últimos seriam marcados pela atribuição de significados a determinadas expressões, seja em âmbito intensional, ou seja, elencando propriedades necessárias e suficientes dos termos, seja extensional, de modo a denotar os membros abrangidos pelo próprio conceito. Nesse sentido, “como tais propriedades são exaustivas, nenhuma outra pode ser agregada sem que implique a modificação do próprio conceito”34. Já os tipos seriam marcados pela descrição de notas que comumente ocorrem na realidade, sem a exaustão e rigidez das características conceituais, de modo que “as propriedades típicas são, desse modo, fluidas, ilimitadas e exemplificativas”35.
Em seguida, Ávila acentua que as normas de competência tributária são dotadas de função prescritiva, exatamente porque dirigem o comportamento dos seus destinatários, os legisladores dos entes federados. Eis um ponto fundamental da teoria deste autor: a incompatibilidade entre tipos e regras de competência tributária adviria exatamente do fato da ausência de prescritividade daqueles – tipos não seriam prescritivos – ou seja, não seriam norma propriamente dita:
“[...] a assunção segundo a qual os termos constantes dos dispositivos constitucionais que atribuem poder de tributar exprimiriam tipos levaria, direta ou indiretamente, intencional ou não intencionalmente (pouco importa), à descaracterização das regras de competência: elas deixariam de ser significados de enunciados prescritivos, com eficácia comportamental direta e indireta, qualificados como abstratos, heterônomos e coativos em sentido amplo, e passariam a ser significados de enunciados descritivos, sem eficácia comportamental direta, qualificados como concretos, autônomos e não coativos.”36
Nesse sentido, é possível extrair algumas conclusões parciais a respeito da teoria de Humberto Ávila:
– Há incompatibilidade entre as competências tributárias – de caráter heterônomo – e os tipos, porquanto estes últimos expressam enunciados descritivos, incompatíveis com a função prescritiva própria das normas de competência, permitindo que o próprio destinatário da norma possa se autorregular;
– As regras de competência, diferentemente dos tipos, não se referem a objetos individuais e passados, mas qualificam comportamentos futuros, referindo-se a uma classe de casos;
– As regras de competência não se harmonizam com tipos, os quais, por apenas condensarem características habituais do objeto, não podem ser traduzidos em parâmetros bem definidos, motivo pelo qual sua utilização equivaleria a transformar a regra de competência em mera recomendação ao legislador, resultando no esvaziamento de sua normatividade, roubando-lhes, pois, a juridicidade37.
Ultrapassada a parte inicial de seu livro, Humberto Ávila passa a discorrer sobre a relação existente entre as competências tributárias e as definições dos conceitos a serem exercidas pela lei complementar no ordenamento jurídico nacional.
Na visão do autor, é fato que os conceitos necessitam de definições, exatamente porque uma definição “cumpre precisamente a função de esclarecer os limites ou as fronteiras de um conceito, indicando o que é e o que não é nele incluído, por meio da indicação de critérios”38. Contudo, Ávila adverte que as definições, ainda assim, não conseguem eliminar, por completo, as ambiguidades, vaguedades ou indeterminações do conceito.
Assim, versando sobre o papel constitucional atribuído à lei complementar consistente na definição de fatos geradores e base de cálculo de impostos e à solução de conflitos de competência, Ávila de tal modo rebate o entendimento segundo o qual a constituição veicularia tipos a serem posteriormente conceituados:
“Sendo assim, porém, o fato de a Constituição ter atribuído à lei complementar a função de definir os tributos e suas espécies – e, com relação aos impostos nela discriminados, os fatos geradores, as bases de cálculo e os contribuintes – não significa dizer que tais elementos não foram conceituados no texto constitucional. Ao contrário: precisamente porque conceituados é que precisam ser definidos, pois, se os termos utilizados pela Constituição não exprimissem significados, estes não precisariam ser explicados por meio de definições. Eles precisam ser explicados precisamente porque exprimem significados, pois, do contrário, não poderiam ser explicados – faltaria o que explicar. Daí afirmar-se que o termo ‘explicar’, derivado do latim explicare, significa retirar as dobras (‘plicas’) ou desdobrar, esclarecendo o que estava obscuro, como quem retira as dobras de um tecido previamente existente para torná-lo mais liso.
Em verdade, o argumento de que a atribuição à lei complementar da função de definir determinados elementos afastaria a existência de conceitos pressupõe que a definição atribui significado a um termo. A definição não atribui significado a um termo: é o emprego de um termo que transmite seu significado. A definição de um significado apenas o explica, tornando-o mais preciso, quando, naturalmente, ela cumpre a sua função. Não fosse assim, todo termo empregado, quando não definido, não possuiria significado. Fosse isso verdadeiro, porém, não só a função limitadora da Constituição não poderia ser cumprida quando os termos constitucionais não fossem definidos, como o próprio processo de comunicação entre as pessoas não poderia ser concretizado quando as palavras ou expressões empregadas pelos interlocutores não fossem por eles definidas[39].
[...] mesmo quando há definições, as imprecisões conceituais não são eliminadas; são apenas diminuídas. Sendo assim, o fato de a Constituição ter atribuído à lei complementar a função de dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre os entes federados (art.146, I), não impede o surgimento de conflitos de competência. Fosse isso verdadeiro, não existiriam, por exemplo, conflitos de competência entre os entes federados porque várias leis complementares definiram os fatos geradores, as bases de cálculo e os contribuintes dos impostos discriminados na Constituição, como é o caso do Código Tributário Nacional, no tocante aos tributos em geral, da Lei Complementar 87/1996, no tocante ao imposto sobre circulação de mercadorias, e da Lei Complementar 116/2003, no tocante ao imposto sobre serviços. A verdade, contudo, é que, apesar disso, os conflitos entre os entes federados continuam existindo e sempre poderão potencialmente surgir. Com já dito e repetido, isso ocorre porque as definições, embora contribuam para diminuir a ambiguidade dos termos e a vagueza dos significados, não as eliminam por completo.”40
O que haveria, portanto, na visão de Humberto Ávila, é o por ele denominado processo contínuo de especificação conceitual, cujo início se daria na própria Constituição até os atos praticados pelas autoridades administrativas.
Por fim, ainda na teoria do Professor Ávila, questão relevante a respeito das definições diz respeito à relação entre os termos utilizados pelo texto constitucional e a legislação a ele pretérita. Com efeito, sustenta Ávila que quando a Constituição se vale de determinado termo, “sem o modificar por meio de uma definição estipulativa nem o precisar por meio de uma redefinição, termina por incorporar o significado comum (ordinário ou técnico) que apresentava o termo ao tempo em que foi promulgada”41. Ressalte-se, por isso mesmo, que faleceria competência ao legislador para modificá-lo, dadas a força normativa e a supremacia constitucionais.
3. Da necessidade de um exame crítico dos pensamentos de Misabel Derzi, Luís Eduardo Schoueri e Humberto Ávila: estamos debatendo nos mesmos termos?
Consoante assinalado alhures, o objetivo do presente estudo não é tanto o de tomar posição a respeito da controvérsia, mas sim o de assinalar as principais distinções entre os pensamentos de Misabel Derzi, Luís Eduardo Schoueri e Humberto Ávila quanto ao tema. Por certo, os autores desde já se manifestam no sentido de reputar mais acertado o entendimento de Misabel Derzi, mas para tanto acredita-se que se reveste de suma importância tecer os esclarecimentos pertinentes no que diz respeito aos sensíveis pontos de distinção entre as três correntes outrora expostas, ainda que com a brevidade de que dispomos e que o trabalho exige.
Segundo se nos afigura, não basta ao estudioso de Direito Tributário se posicionar pela veiculação de tipos ou conceitos quanto às competências tributárias, sem antes se atentar para determinadas peculiaridades doutrinárias. Essa é a razão para a escolha da indagação que dá nome ao presente tópico do estudo: estamos debatendo os mesmos termos? Acredita-se que a resposta seja negativa.
Para tanto, em exercício de abstração, valemo-nos de três critérios de análise das examinadas posições doutrinárias: (i) premissa, (ii) desenvolvimento e (iii) conclusão. Por premissa, quer-se referir à concepção que cada autor possui sobre o que vem a ser tipos e conceitos. Com desenvolvimento está-se a dizer sobre a própria construção argumentativa de cada autor. Por fim, a conclusão é a posição em si, ou seja, se as competências tributárias veiculam tipos ou conceitos.
Uma comparação entre as posições de Derzi e Schoueri nos permite anotar que há, entre elas: (i) similar premissa, (ii) parcial diferença no desenvolvimento e (iii) distinta conclusão.
Com efeito, os citados professores não parecem divergir sobre o que são tipos e conceitos. A distinção da conclusão advém da parcial divergência quanto ao desenvolvimento: enquanto Misabel Derzi toma sua posição por questões de Metodologia Jurídica – o extralógico representado pelos princípios do federalismo e da segurança jurídica em matéria tributária – Schoueri desloca o foco da discussão para o veículo normativo responsável por definir o fato gerador e a base de cálculo dos impostos, bem como para dirimir conflitos de competência, qual seja, a lei complementar.
É bem verdade que Schoueri se utiliza de um argumento histórico-político-institucional para sustentar que o princípio federativo não teria sido o responsável pela rigidez de repartição de competência tributária levada a cabo pelo constituinte, bem como sustenta que os tipos permitiriam a evolução dos signos constitucionais frente à mudança da realidade social42. Contudo, o argumento central do professor paulista para sustentar que os termos que exprimem os signos de competências tributárias veiculam tipos – e, por isso, dotados de fluidez, gradação e da combinação das notas que o informam – reside na ideia segundo a qual o constituinte teria atribuído o papel de conceituar os impostos ao legislador complementar, assim como o de dirimir os conflitos de competência. Tanto assim o é que a afirmativa a seguir, muito embora de autoria de Misabel Derzi, poderia ter sido proferida pelo próprio Schoueri: “quando o direito fecha o tipo, o que se dá é a sua cristalização em um conceito de classe”43. Não seria exatamente esse o papel da lei complementar tributária na visão do Catedrático do Largo de São Francisco?
A este respeito, vale salientar importante distinção traçada por Misabel Derzi: a de que os conceitos são passíveis de mutação, ao passo que os tipos apenas se adaptam à realidade social. Este ponto é fundamental para entender a necessidade de estudo do tema. O problema que se coloca se volta exatamente no fato de que a compreensão da veiculação de tipos nas normas de competência tributária comprometeria os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança:
“Ora, uma visão tipológica aberta (e o tipo é sempre aberto, como demonstrou Larenz) não autorizaria a defesa da não surpresa – irretroatividade, anterioridade ou espera nonagesimal – pois é da sua natureza a plena adaptabilidade às circunstâncias. A tipologia não configura mudança ou mutação. O operador do direito estaria dotado de poderes de ordenação normativa praticamente infinitos. O legislador complementar disporia sobre o núcleo da competência dos entes estatais; as fazendas públicas avançariam para dispor conforme a necessidade, urgência e emergência; o juiz, ao construir a regra, estaria sob o comando de meros modelos disponíveis – não obrigatórios – para construir tributos. Como os tipos não mudam, apenas se adaptam ou surgem novos (e ainda que atípicos, valeriam), as conhecidas categorias do distinguishing e do overruling, assim como as modulações de efeitos pela responsabilidade da confiança gerada perderiam o sentido. Após uma decisão tipológica, por que razão haveria confiança gerada, ou expectativa, se o contribuinte deve esperar possíveis adaptações, conforme a necessidade ou urgência?”44
Já uma comparação entre as posições de Schoueri e Ávila conduz à seguinte situação: (i) distinta premissa, (ii) similar desenvolvimento e (iii) distinta conclusão.
Faz-se necessário gizar que a compreensão de Ávila sobre os tipos é diversa da de Schoueri (e, por via de consequência, da compreensão de Derzi), em especial porque os tipos, na visão de Ávila, jamais teriam função prescritiva, consistindo em puras descrições da realidade.
No entanto, do ponto de vista do desenvolvimento, há uma similaridade entre ambas as posições. Similaridade esta, vale dizer, quanto ao foco da discussão, uma vez que as noções de Ávila a respeito do processo contínuo de especificação conceitual rebatem diretamente a argumentação desenvolvida por Schoueri. O papel que Ávila atribui às definições dos conceitos procura superar as considerações a respeito do papel atribuído à lei complementar pela Constituição. Se para Schoueri o processo de conceitualização tem início na lei complementar, para Ávila este processo se dá no próprio texto constitucional. O que a lei complementar faz é definir, explicar algo previamente conceitualizado. Em resumo, ambos os autores discutem a origem das notas dos conceitos estampados nas hipóteses de incidência tributária.
Por fim, uma comparação entre as posições de Derzi e Ávila denotam (i) distinta premissa, (ii) parcial distinção no desenvolvimento e (iii) similar conclusão.
Quanto à premissa, conforme dissemos acima, é fato que a noção de tipo de Ávila é radicalmente distinta da posição de Misabel Derzi. Isso porque, como dito, o professor reputa incompatível a utilização de tipos com funções normativas prescritivas.
Esta distinção foi absolutamente bem captada por Thomas Bustamante. Em passagem longa, mas que reputamos impecável, nos valemos das lições do professor da Vetusta Casa de Afonso Pena para, com ele, concordar com as noções de tipo de Misabel Derzi:
“[...] não é correto dizer nem que apenas normas do tipo regra podem ser enunciados prescritivos, nem que o simples fato de um enunciado não ser uma regra torne esse enunciado uma descrição. Isso porque as regras não são a única espécie de enunciados prescritivos. A título de exemplo, quando o legislador constitucional fixa um princípio no sentido alexyano, é dizer, quando ele fixa um mandado de otimização de certos estados de coisas ideais, como, por exemplo, a eficiência administrativa, ele não está descrevendo, mas prescrevendo que a administração seja eficiente, e tornando obrigatório que se persiga a eficiência na máxima medida possível, ou seja, tornando antijurídica qualquer medida administrativa que fracasse em promover um nível suficiente de satisfação deste princípio.
Do mesmo modo, não há nada na natureza das coisas ou nenhuma propriedade metafísica da linguagem que torne impossível a utilização de enunciados tipológicos em proposições normativas. Na literatura jurídica de Direito Civil, por exemplo, se encontram importantes estudos sobre a responsabilidade civil que sustentam, com boa dose de rigor científico e credibilidade, um ‘sistema móvel’ de determinação dos elementos caracterizadores das obrigações jurídicas. [...]
Como se observa, o modelo de responsabilidade civil de Wilburg propõe um modo de pensar e interpretar o Direito que poderia facilmente ser classificado como ‘tipológico’. Por essa razão, para Canaris, ainda que seja verdadeira a asserção de que o sistema jurídico é composto, em sua maioria, por partes rígidas, é dizer, partes determinadas por princípios hierarquicamente organizados, sem margem para enunciados tipológicos e o tipo de ordenação valorativa que Wilburg propõe para ramos específicos do direito, nada obsta a que o próprio sistema jurídico (o qual, por natureza, tem, todo ele, natureza prescritiva) contenha partes móveis em que as consequências jurídicas sejam estabelecidas por meio de um tipo de natureza prescritiva.
De modo análogo, é equivocado dizer que tipos, por alguma propriedade ontológica, só possam ser empregados em um discurso descritivo, de modo que estaria metafisicamente proibida a sua utilização como parte de um enunciado prescritivo. Nesse sentido, como explica Frederick Schauer, em valioso estudo sobre a tomada de decisão com base em regras, explica que todas as regras (mesmo as regras morais e as regras jurídicas, que são formuladas de modo prescritivo) são construídas a partir de uma ‘generalização descritiva’ onde o autor da regra seleciona certas características particulares e descreve as situações abstratas em que essa generalização é tida como válida para inferir consequências universalizáveis.
Quando formulamos enunciados prescritivos, fazemos exatamente esse tipo de generalização para estabelecer quais são as suas instâncias de aplicação. A diferença entre enunciados tipológicos e enunciados conceituais se refere, portanto, à maneira como essas características são compiladas pelo autor da regra. Não se refere, portanto, ao fato de estarmos lidando com um enunciado descritivo ou prescritivo. Como explica Schauer, ‘quando separamos os predicados factuais de uma regra prescritiva de suas consequências, vemos o predicado factual como generalizações do mesmo modo que nas generalizações descritivas examinadas anteriormente’.
O cerne da distinção entre tipos e conceitos, portanto, não é que os primeiros se prestam apenas a realizar descrições; o ponto central não é o de que apenas os últimos são compatíveis com um operador deôntico que torne x obrigatório, permitido ou proibido. Pelo contrário, o que importa é a maneira como a descrição de uma situação é feita, ou seja, a maneira como se enuncia a generalização. Quando lidamos com normas do tipo regra, a descrição da conduta a ser adotada ou do estado ideal de coisas em que a regra se aplica é formulada de modo canônico, de sorte que todas as características apresentadas são necessárias e suficientes. Quando lidamos com enunciados – prescritivos ou descritivos, não importa – tipológicos, o diferencial é que os elementos característicos da definição não são estritamente vinculantes, já que a gradualidade se contrapõe à canonicidade dos conceitos.”45
No que diz respeito ao desenvolvimento, dizemos que a distinção argumentativa é parcial, porque Ávila se volta para o debate travado com Schoueri a respeito das definições levadas a cabo pelo ordenamento infraconstitucional, ao passo que Misabel Derzi situa-se no caminho metodológico-axiológico (muito embora Ávila repita à exaustão e com total acerto o compromisso de sua teoria com o valor do Estado de Direito e do princípio da supremacia da Constituição). Em artigo recente a respeito do tema, Misabel Derzi reafirma sua clássica posição, com ainda mais clareza:
“A grande questão não está no aprofundamento lógico. Mas extralógico. A metodologia adequada (tipos ou conceitos?) não fica à discrição livre do intérprete. Isso seria arbitrário, pois a escolha depende de fundamentação em princípios, regras e metas constitucionais. Não será o lógico ou o metodológico a definir o objeto, mas o contrário, o metodológico é que depende da natureza do objeto.
São os direitos e garantias fundamentais como a livre iniciativa, a liberdade de estabelecimento e de comércio, a liberdade assentada na autonomia privada que provocam a utilização da metodologia tipológica no direito dos contratos, adequada a validar os acordos e consentimentos de vontade, ocorridos no tráfego jurídico. Os tipos-modelos legais, normativos (que alguns poderiam chamar de parâmetros, protótipos ou arquétipos jurídicos), constantes das leis civis, são dispositivos, não são obrigacionais, que estão disponíveis, e a que se chega por comparação, do típico ao atípico. Evidentemente, sendo tipos normativos – perdem algo da sua descritividade pura – para entrar no mundo do dever ser, conformando-se aos limites do lícito (objeto lícito, forma prescrita ou não defesa em lei, agente capaz...) mas mesmo assim, há uma fluidez transitiva intertipos e intratipos, a que a lei atribui plena validade (e não se está a falar de enunciado veritativo da realidade, mas da realidade jurídica normativamente válida). [...]
A regra de competência tributária constitucional é cogente, deve assegurar o pleno funcionamento do federalismo, como irreversível núcleo da Constituição de 1988. Nunca é demais frisar que a Constituição surgiu em um contexto de redemocratização em que o princípio federal, desde sua origem, resultou menos da pressão da realidade como fato sociológico anteposto, e mais de uma decisão político-jurídica, para cumprir uma função adicional que não pode ser negligenciada: a de preservação da democracia e da liberdade. Essa a meta principal: preservação da democracia e da liberdade. Portanto, a alteração dos limites constitucionais da regra de competência, por singela interpretação assentada na metodologia tipológica, suprime recursos de um Ente federado para projetar em outro, altera a repartição de receita tributária e os fundos de participação de Estados e de Municípios. O desarranjo não se daria apenas no campo das receitas mas se projetaria no campo das despesas, é claro, inviabilizando-se os serviços próprios do Ente estatal prejudicado.
Tratar as regras de competência como se fossem tipos dispositivos à moda do direito civil, transforma as competências privativas em meras sugestões de modelos a seguir, para se permitir o livre trânsito intertipos ou intratipos, com que se estimulam os conflitos federativos ao extremo. Não é esse o sistema constitucional brasileiro, tão minucioso e cuidadoso na atribuição de poderes tributários: regras privativas, conceituação dos tributos, previsão de leis complementares na prevenção de conflitos federativos e na finalização do desenho constitucional de cada imposto. Os fundos de participação de Entes estatais na arrecadação de outros pressupõem a estabilidade das regras de competência de onde promanam os recursos e o equilíbrio financeiro das pessoas políticas decorre exatamente da escolha de uma metodologia que possa conferir certeza e segurança.
Muda-se, assim, a regra da separação de poderes, fortalecendo-se os demais poderes, Executivo e Judiciário, em detrimento do Legislativo. Finalmente, projetam-se os contribuintes em insegurança grave. Dá-se um desarranjo, um desequilíbrio sistêmico inaceitável.”46
Acresça-se, ainda, que as considerações da Professora não contrariam aquelas de Ávila em um debate com Schoueri. Pelo contrário, seria até mesmo de se supor que Derzi concordaria com as objeções de Ávila quanto à conceitualização supostamente operada por meio de leis complementares.
Tanto assim o é que Misabel Derzi, após salientar que o tipo não pode ser confundido com o obscuro/indeterminado47, adverte para o fato de que a adoção do método tipológico em sede competências tributárias prejudicaria o próprio controle de constitucionalidade das leis complementares, é ver:
“Feitas essas considerações, é necessário lembrar que o uso do método tipológico para interpretar as regras de competência, que somente estão na Constituição, projeta as práticas variadas das fazendas públicas, ou dos contribuintes, assim como do legislador ordinário ou complementar no campo do modal permitido ao contrário do obrigatório. O método tipológico, em que as características são renunciáveis e inexauríveis, a rigor, conhece o atípico, não previsto (em razão da continuidade e da fluidez da realidade) mas ainda assim, o atípico continua plenamente lícito e válido. Se deduzirmos que as regras de competência são tipológicas, poderemos declarar inconstitucional uma lei complementar, que adota um imposto de renda atípico, ou um ICMS ou ISS também atípicos? Não. Tantas vezes, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a invalidade de lei complementar, ou de parte dela, exatamente por desbordar dos conceitos constitucionais. Há que haver um núcleo conceitual rígido, e há, com o qual podemos aferir a constitucionalidade das normas infraconstitucionais, inclusive das leis complementares.”48
Por tais razões é que se pretendeu tecer as presentes considerações a respeito dos debates entre os citados autores.
4. Conclusões
Por todo o exposto, a despeito da dificuldade ínsita ao debate sobre a metodologia adequada à compreensão das competências tributárias, conclui-se que é de fundamental importância compreender as premissas e o desenvolvimento das principais teorias surgidas entre nós para que, após, possa o estudioso adotar as conclusões que considerar adequadas.
Contudo, ao estudioso do Direito é preciso atenção para que o desenvolvimento de teorias não se perca em disfunções inconciliáveis. Renovados na lição da Catedrática Mineira, os tipos não mudam, mas se adaptam, enquanto os conceitos mudam, mas mudam por rompimento e somente assim pode ser respeitada a segurança jurídica, a irretroatividade do Direito e a confiança, pressupostos irrenunciáveis da Ciência do Direito Tributário.
5. Referências bibliográficas
ABRAS, Jorge Ricardo El; MARIANO, Vinícius Lula; MARINHO NETO, José Antonino. Tipos, conceitos e a competência tributária residual. In: MATA, Juselder da; BERNARDES, Flávio Couto; LOBATO, Valter de Souza (org.). Tributação da sociedade moderna: economia digital, compliance tributário, direitos sociais e reforma tributária. 1. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2019.
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DERZI, Misabel Abreu Machado. Tipos e conceitos. A incompatibilidade do modo de pensar por “tipos” as regras de competência tributária constitucionais (federalismo, separação de poderes, segurança jurídica e direitos e garantias fundamentais). In: MITIDIERO, Daniel; ADAMY, Pedro (coord.). Direito, razão e argumento: a reconstrução dos fundamentos democráticos e republicanos do direito público com base na teoria do direito. Liber Amicorum Professor Humberto Ávila. São Paulo e Salvador: Malheiros e JusPodivm, 2021.
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SCHOUERI, Luís Eduardo. A lei complementar e a repartição de competências tributárias. IX Congresso Nacional de Estudos Tributários. Sistema tributário nacional e a estabilidade da federação brasileira. São Paulo: Noeses, 2012.
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SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
1 DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2007.
2 DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2007, p. 37.
3 “O tipo frequente ou empírico de G. Jellinek se obtém por abstração das notas comuns que a maioria dos casos singulares oferece. Igualmente, tipo médio ou frequente, de que nos fala Rickert ou Weber, representa uma construção que leva em conta a média das diferenças de grau entre ações qualitativamente semelhantes em seu sentido. No tipo médio e no frequente sempre se pressupõe que, realmente, objetos com notas típicas se apresentaram, embora em diferentes graus de intensidade. O tipo representativo designa a espécie mais expressiva dentro da série, ou aquela que contém com especial intensidade as notas típicas, permanecendo ligado à concretude, pois não é imaginado, mas obtido a partir da realidade. Como exemplifica Heyde, a tulipa pode ser considerada a representante das monocotiledôneas. [...] O tipo total, ou tipo como imagem total, é um conceito fundamental. Para Leenen, por exemplo, é o que efetiva e definitivamente caracteriza o pensamento tipológico. Também Karl Engisch e Larenz realçam o tipo como totalidade, uma conexão de notas, partes ou funções em relação recíproca. O tipo como forma ou imagem total vincula-se à intuição, necessariamente, razão pela qual tipo e intuição, tipo e totalidade são conceitos que se complementam. [...] Max Weber, entretanto, emprega a expressão tipo ideal, em sentido distinto de Jellinek. O tipo ideal weberiano não é normativo, mas lógico. A Sociologia emprega, além do tipo médio ou empírico, o ideal que é um instrumento de conhecimento da realidade, uma ordenação conceitual de fenômenos sociológicos e, como tal, uma generalização abstrata, necessariamente mais vazia que a realidade concreta do histórico. Os tipos ideais de Weber são puros, não encontráveis, nesse estado, na realidade. São estruturas que mostram em si a unidade mais consequente de uma total adequação de sentido e, quanto maior a sua abstração, maior a sua utilidade como instrumento científico.” (DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2007, p. 41-42)
4 DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2007, p. 43-44.
5 Por extravasar os objetivos do presente estudo, não abordaremos com mais vagar esta última acepção. Trata-se de modo de pensar caracterizado pela generalização que despreza as particularidades individuais, com vistas a facilitar aplicação em massa das leis fiscais de forma eficiente, de modo a concretizar o princípio da praticidade, implícito no ordenamento jurídico. Via de regra, o impropriamente denominado método de pensar tipificante se manifesta por meio de presunções constantes de normas infralegais, tais como regulamentos, pareceres normativos e portarias administrativas. No Direito Tributário brasileiro, estas presunções estão ligadas a tabelas de valores relativas ao IPTU e ao IPVA, bem como na substituição tributária progressiva no âmbito do ICMS (DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2007, p. 318-382).
6 DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2007, p. 51-52.
7 DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2007, p. 56.
8 DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2007, p. 56.
9 DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2007, p. 57.
10 DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2007, p. 58.
11 DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2007, p. 69.
12 “São apontadas como notas próprias do tipo, em oposição ao conceito: a abertura, a gradação, o sentido, a inteireza e a aproximação da realidade. Como conjunto aberto, o tipo é um sistema elástico de características, não limitadas, renunciáveis, vale dizer, características que podem até faltar em certos objetos, os quais, apesar disso, são dados como típicos. A gradação decorre dos diferentes graus de intensidade, frequência, e combinações em que se dão as características de um tipo. Essa graduabilidade leva à possibilidade de ordenação em série comparativa, com base no relacional ‘mais ou menos’. Enquanto no conceito classificatório tem cabida a identificação do gênero e a separação rigorosa entre as espécies, na tipológica isso não será possível, mas apenas se dá uma escala comparativa que vai do mais ou menos típico, até o limite do atípico. Leenen faz uma importante observação: a graduação do tipo não é obscuridade ou falta de clareza, ambas ‘qualquer possibilidade de caracterização’. E exemplifica, observando que homem, mulher e imóvel são conceitos. Não são tipos. Já a onerosidade nos negócios forma um tipo, pois entre os polos, doação de um lado e compra e venda a preço de mercado de outro, há inúmeros degraus de onerosidade. O limite é o grau zero, onde, nitidamente, se vê o tipo doação em sua forma plena: a partir daí, dão-se transições fluidas até o tipo pleno oposto: compra e venda a preço de mercado. A totalidade ou inteireza do tipo se manifesta através da interdependência de seus traços, os quais formam uma estrutura. O conhecimento do modo de vinculação entre as características de um tipo, sua combinação e interpendência é que levam à totalidade e clareza do tipo. Essa estrutura ou inteireza são o sentido, a identidade do sentido do todo, que é de fundamental importância para o reconhecimento do tipo. O tipo, por isso, permite maior aproximação com realidade jurídica, por se tratar de uma abstração rica de conteúdo, uma descrição plena de dados referenciais do objeto.” (DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2007, p. 75-76)
13 DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2007, p. 76.
14 DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2007, p. 73.
15 DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2007, p. 78.
16 “O tipo jurídico só se apresenta, como tal, segundo as notas que o ordenamento normativo lhe tenha conferido. As características do tipo como abertura, gradação, inteireza, sentido e aproximação à realidade são modeladas na norma ou normas que o prescrevam. Observe-se que a aproximação à realidade significa tão somente aproximação à realidade jurídica, a qual se manifesta pela descritividade inerente ao tipo e riqueza de dados referenciais ao objeto. O objeto, a realidade jurídica, são o sentido com o qual a norma colhe o fato. A facticidade pura nem é objeto jurídico, nem coincide com ele. A aproximação à realidade é nota distintiva do tipo porque, no conceito abstrato genérico, que é pobre de conteúdo significativo, está presente de modo muito reduzido. Por sua vez, a abertura do tipo, que se revela na inesgotabilidade de suas notas, torna-o mais adequado a adaptar-se às situações vitais novas, enquanto a forma de pensar, por conceitos rígidos e fechados, está sempre em atrito com a vida.” (DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2007, p. 90-91)
17 DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2007, p. 92.
18 DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2007, p. 92.
19 DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2007, p. 114-115.
20 DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2007, p. 155-240.
21 DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2007, p. 241-317.
22 No âmbito do Direito Penal, Misabel Derzi aponta como resíduos tipológicos o método relativo às causas excludentes de ilicitude, inconfundíveis com as espécies incriminatórias. Ademais, poder-se-ia falar em tipicidade – em sentido estrito – no que diz respeito à dosimetria penal. Nessa senda, a lei se limita a fixar os critérios para a sua aplicação, mas a sua gradação não se submente a um juízo subsuntivo, mas sim comparativo, por força do princípio da igualdade. Já no Direito Tributário, os resíduos tipológicos se manifestariam na competência do Poder Executivo para alterar a alíquota de determinados tributos, respeitados os limites máximo e mínimo da Constituição ou da lei, conforme seja o caso. Nessas hipóteses, a tipologia adviria de necessidades ligadas à política aduaneira e econômico-financeira dos governos (DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2007, p. 236-241 e 316-317).
23 DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2007, p. 137.
24 DERZI, Misabel Abreu Machado. Posfácio. In: BREYNER, Frederico Menezes. Competência tributária e modelos de categorização: tipos, conceitos e protótipos (no prelo).
25 SCHOUERI, Luís Eduardo. A lei complementar e a repartição de competências tributárias. IX Congresso Nacional de Estudos Tributários. Sistema tributário nacional e a estabilidade da federação brasileira. São Paulo: Noeses, 2012, p. 679. No mesmo sentido: SCHOUERI, Luís Eduardo. Leasing e discriminação de competências na jurisprudência do STF. In: SOUZA, Priscila de; CARVALHO, Paulo de Barros (org.). 30 anos da Constituição Federal e o sistema tributário brasileiro. 1. ed. São Paulo: Noeses, 2018, p. 727-761.
26 SCHOUERI, Luís Eduardo. A lei complementar e a repartição de competências tributárias. IX Congresso Nacional de Estudos Tributários. Sistema tributário nacional e a estabilidade da federação brasileira. São Paulo: Noeses, 2012, p. 680.
27 SCHOUERI, Luís Eduardo. A lei complementar e a repartição de competências tributárias. IX Congresso Nacional de Estudos Tributários. Sistema tributário nacional e a estabilidade da federação brasileira. São Paulo: Noeses, 2012, p. 681.
28 Isso se depreende não apenas a citações diretas que Schoueri faz de Misabel Derzi no texto citado, mas também, com mais vagar, em SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 232-266.
29 SCHOUERI, Luís Eduardo. A lei complementar e a repartição de competências tributárias. IX Congresso Nacional de Estudos Tributários. Sistema tributário nacional e a estabilidade da federação brasileira. São Paulo: Noeses, 2012, p. 690-691.
30 SCHOUERI, Luís Eduardo. A lei complementar e a repartição de competências tributárias. IX Congresso Nacional de Estudos Tributários. Sistema tributário nacional e a estabilidade da federação brasileira. São Paulo: Noeses, 2012, p. 691-692.
31 SCHOUERI, Luís Eduardo. A lei complementar e a repartição de competências tributárias. IX Congresso Nacional de Estudos Tributários. Sistema tributário nacional e a estabilidade da federação brasileira. São Paulo: Noeses, 2012, p. 693.
32 SCHOUERI, Luís Eduardo. A lei complementar e a repartição de competências tributárias. IX Congresso Nacional de Estudos Tributários. Sistema tributário nacional e a estabilidade da federação brasileira. São Paulo: Noeses, 2012, p. 694.
33 ÁVILA, Humberto. Competências tributárias: um ensaio sobre a sua compatibilidade com as noções de tipo e conceito. São Paulo: Malheiros, 2018.
34 ÁVILA, Humberto. Competências tributárias: um ensaio sobre a sua compatibilidade com as noções de tipo e conceito. São Paulo: Malheiros, 2018, p. 12.
35 ÁVILA, Humberto. Competências tributárias: um ensaio sobre a sua compatibilidade com as noções de tipo e conceito. São Paulo: Malheiros, 2018, p. 13.
36 ÁVILA, Humberto. Competências tributárias: um ensaio sobre a sua compatibilidade com as noções de tipo e conceito. São Paulo: Malheiros, 2018, p. 33.
37 ABRAS, Jorge Ricardo El; MARIANO, Vinícius Lula; MARINHO NETO, José Antonino. Tipos, conceitos e a competência tributária residual. In: MATA, Juselder da; BERNARDES, Flávio Couto; LOBATO, Valter de Souza (org.). Tributação da sociedade moderna: economia digital, compliance tributário, direitos sociais e reforma tributária. 1. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2019, p. 357-358.
38 ÁVILA, Humberto. Competências tributárias: um ensaio sobre a sua compatibilidade com as noções de tipo e conceito. São Paulo: Malheiros, 2018, p. 41.
39 ÁVILA, Humberto. Competências tributárias: um ensaio sobre a sua compatibilidade com as noções de tipo e conceito. São Paulo: Malheiros, 2018, p. 43-44.
40 ÁVILA, Humberto. Competências tributárias: um ensaio sobre a sua compatibilidade com as noções de tipo e conceito. São Paulo: Malheiros, 2018, p. 45.
41 ÁVILA, Humberto. Competências tributárias: um ensaio sobre a sua compatibilidade com as noções de tipo e conceito. São Paulo: Malheiros, 2018, p. 50.
42 A este respeito, a objeção formulada por Misabel Derzi nos parece insuperável: “Tributos podem surgir em função das necessidades de caixa do tesouro e não, espontaneamente, na realidade social.” (DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2007, p. 63)
43 DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. 2. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: RT, 2007, p. 58.
44 DERZI, Misabel Abreu Machado. Posfácio. In: BREYNER, Frederico Menezes. Competência tributária e modelos de categorização: tipos, conceitos e protótipos (no prelo).
45 BUSTAMANTE, Thomas. Há espaço para o pensamento tipológico no direito brasileiro? Notas sobre o diálogo entre Humberto Ávila e Misabel Abreu Machado Derzi. In: MITIDIERO, Daniel; ADAMY, Pedro (coord.). Direito, razão e argumento: a reconstrução dos fundamentos democráticos e republicanos do direito público com base na teoria do direito. Liber Amicorum Professor Humberto Ávila. São Paulo e Salvador: Malheiros e JusPodivm, 2021, p. 269-279.
46 DERZI, Misabel Abreu Machado. Tipos e conceitos. A incompatibilidade do modo de pensar por “tipos” as regras de competência tributária constitucionais (federalismo, separação de poderes, segurança jurídica e direitos e garantias fundamentais). In: MITIDIERO, Daniel; ADAMY, Pedro (coord.). Direito, razão e argumento: a reconstrução dos fundamentos democráticos e republicanos do direito público com base na teoria do direito. Liber Amicorum Professor Humberto Ávila. São Paulo e Salvador: Malheiros e JusPodivm, 2021, p. 176-200.
47 “Assim, o tipo não é vagueza, indeterminação ou abstração. Ao contrário. Por ter a pretensão de descrever a realidade, fluida e transitiva, o tipo se mantém mais próximo dela por meio da descritividade de suas notas, nem necessárias, nem exaustivas. Foi o que sempre identificamos no mundo dos contratos, em que os modelos legais apresentam-se no modal dispositivo, são meros tipos, ou mesmo protótipos, que as partes podem eleger, modificar, criar novos, não desenhados nas leis, e por causa disso denominados de atípicos. Mas tais versões atípicas não perdem validade, nem são ilícitas. Elas são plenamente válidas no direito privado (desde que observados os requisitos gerais de validade dos contratos). E é isso exatamente que pretende o direito: dar espaço à autonomia empresarial; acolher o exercício do direito ao planejamento; à livre iniciativa e estabelecimento. O tipo, nesse caso, é dotado de notas renunciáveis e não exaustivas, a fim de abrigar as ordens não imaginadas pelo legislador, criadas na realidade e no tráfego jurídico e, para isso, os tipos contratuais têm estrutura flexível, não significando indeterminação ou abstração extremada.” (DERZI, Misabel Abreu Machado. Posfácio. In: BREYNER, Frederico Menezes. Competência tributária e modelos de categorização: tipos, conceitos e protótipos (no prelo))
48 DERZI, Misabel Abreu Machado. Posfácio. In: BREYNER, Frederico Menezes. Competência tributária e modelos de categorização: tipos, conceitos e protótipos (no prelo).