Prescrição Tributária como Causa de Extinção da Punibilidade nos Crimes contra a Ordem Tributária

Tax Statute of Limitation as a Cause of Extinction for Punishment in Crimes against the National Financial System

Jacqueline Mayer da Costa Ude Braz

Doutora e Mestre pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-graduada em Direito Tributário pela Fundação Getulio Vargas (FGV) e pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet). Coordenadora do Grupo de Estudos Tributação e Novos Modelos de Negócio (GETNMN) do Ibet. Professora e advogada. E-mail: jacqueline@barroscarvalho.com.br.

Alana Gomes de Medeiros

Mestranda e especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet). Graduada em Direito pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Professora e advogada. E-mail: alanagm.adv@gmail.com.

Recebido em: 20-7-2022 – Aprovado em: 4-10-2022

https://doi.org/10.46801/2595-6280.52.8.2022.2219

Resumo

O artigo analisa os argumentos em defesa da consideração da prescrição tributária como causa extintiva da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária frente ao sistema jurídico brasileiro. O trabalho parte do exame dos crimes contra a ordem tributária, identificando os tipos penais e suas previsões legais, bem como a possibilidade de extinção da punibilidade pelo pagamento. Posteriormente, discute-se a obrigação tributária, seus elementos e causas extintivas. Adiante, discorre-se sobre a prescrição tributária, seu prazo e efeito enquanto causa extintiva da obrigação. Após, aborda-se criticamente os fundamentos utilizados para afastar a prescrição como causa extintiva da punibilidade dos crimes contra a ordem tributária. O objetivo do trabalho é avaliar se a extinção do crédito tributário pelo fenômeno prescricional extingue também a punibilidade do crime contra a ordem tributária, considerando nessa análise se é hipótese de interpretação extensiva e/ou aplicação analógica da norma que determina a extinção da punibilidade pelo pagamento.

Palavras-chave: obrigação tributária, prescrição tributária, crimes contra a ordem tributária, extinção da punibilidade.

Abstract

This paper analyzes the arguments in defense of the tax statute of limitation as a cause of extinction for punishment in crimes against the national financial system in the Brazilian legal system. The work begins with the review about crimes against the national financial system, identifying the criminal offences and their legal provisions, as well as remarking the possibility of extinguishing the penalty with payment. Subsequently, tax obligation, its elements and its extinguishing causes are discussed. Going forward, the tax statute of limitations, its terms and its effects as a cause of an obligation’s extinction are examined. After that, the fundamentals that are used to remove the statute of limitation as a cause of extinction of the punishment for crimes against the national financial system are critically approached. The objective of this paper is to evaluate if the tax credit extinction through the tax statute of limitation also extinguishes the punishment for the crime against the national financial system, taking in consideration in this study if it is a hypothesis of extensive interpretation and/or analogical application of the rule that determines the extinction of punishment through payment.

Keywords: tax obligation, tax statute of limitation, crimes against the national financial system, punishment extinguishing.

Introdução

O direito tributário positivo veicula um conjunto de normas jurídicas que visa, em termos gerais, à instituição, arrecadação e fiscalização de tributos. Para alcançar tais objetivos, as normas tributárias estabelecem relações jurídicas, ora denominadas obrigações tributárias, a partir das quais emergem deveres jurídicos ao sujeito passivo e direitos ao sujeito ativo.

O descumprimento dos deveres jurídicos estabelecidos em lei tributária pode caracterizar “meras infrações ou ilícitos tributários, bem como crimes fiscais1, dessa maneira definidos em preceitos da lei penal”2. Nesse contexto, tem-se a Lei n. 8.137/1990, que, em seu primeiro capítulo, define os crimes contra a ordem tributária, os quais somente admitem o oferecimento de denúncia após proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente, nos termos do art. 83 da Lei n. 9.430/19963.

Tal cenário permite indagar acerca da necessidade de manutenção da punibilidade desses crimes, quando da extinção do crédito tributário. Essa indagação revela-se ainda mais pertinente caso se considere as normas que autorizam a extinção da punibilidade dos crimes contra a ordem tributária na hipótese de pagamento do tributo; é o caso, por exemplo, do que dispõe o art. 34 da Lei n. 9.249/19954.

O art. 156 do Código Tributário Nacional (CTN) prevê as causas extintivas do crédito tributário, entre elas a prescrição. Tendo isso em vista, o presente trabalho propõe-se a refletir a seguinte questão: a prescrição enquanto causa extintiva do crédito tributário também pode ser considerada causa de extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária?

A partir disso, busca-se identificar os crimes contra a ordem tributária e a possibilidade de extinção da punibilidade desses; compreender as causas de extinção da obrigação tributária, estabelecer o conceito geral da prescrição e reconhecer seu efeito; bem como analisar criticamente os argumentos que desconsideram a prescrição como causa extintiva da punibilidade dos crimes fiscais.

1. Extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária

A norma jurídica tributária institui uma série de deveres jurídicos ao particular, os quais, quando descumpridos, podem caracterizar ilícitos administrativos tributários ou ilícitos penais tributários – os chamados crimes contra a ordem tributária. Sobre estes últimos, preleciona Edmar Oliveira Andrade Filho:

“Havendo crime, incidiriam as normas do Direito Penal Tributário, que dizem respeito ao conjunto de normas jurídicas que tutelam o patrimônio do sujeito ativo da obrigação tributária e que prescrevem penas privativas de liberdade e multa, sempre que o descumprimento de tais obrigações se der por meio de artifícios fraudulentos, segundo a descrição contida na lei, e que estejam presentes os elementos que informam a culpabilidade.”5

O Código Penal vigente não destina parte específica ao estudo desses crimes6, o que durante muito tempo dificultou a identificação e denúncia. Eles costumavam ser enquadrados em tipos penais diversos (estelionato, falsidade material ou ideológica de documentos etc.).

Nesse contexto, foi editada a Lei n. 4.729, de 14 de julho de 1965, a qual definiu como crime de sonegação fiscal as práticas previstas em seu art. 1º7. Posteriormente, foi então publicada a Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990, que, trazendo previsões bastante semelhantes às da Lei n. 4.729/1965, definiu os crimes contra a ordem tributária.

1.1. Crimes contra a ordem tributária

A Lei n. 8.137/1990, em seu capítulo primeiro, estabelece os crimes contra a ordem tributária: os arts. 1º e 2º contemplam a previsão dos crimes praticados por particulares – de maior relevância para o estudo deste trabalho –, enquanto o art. 3º refere-se aos crimes praticados por funcionários públicos.

Conforme o art. 1º do referido diploma legal, constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: (i) omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias; (ii) fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal; (iii) falsificar ou alterar nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento relativo à operação tributável; (iv) elaborar, distribuir, fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou inexato; (v) negar ou deixar de fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou fornecê-la em desacordo com a legislação. Para este crime, é cominada pena de reclusão de dois a cinco anos e multa.

Segundo Hugo de Brito Machado, o crime de supressão ou redução de tributo “é crime material, de dano, pois para sua consumação é indispensável a ocorrência do resultado consistente na supressão ou redução do tributo devido aos cofres públicos”8. Esse também é o entendimento que vem sendo adotado pelos tribunais pátrios, inclusive com a edição da Súmula Vinculante n. 24, a qual prevê que: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei 8.137/1990, antes do lançamento definitivo do tributo”. Veja-se julgado acerca da referida natureza de crime material de dano:

“Agravo regimental no recurso especial. Crime contra a ordem tributária. Art. 1º, I, da Lei 8.137/90. Sonegação fiscal. Dolo específico. Desnecessidade. Agravo regimental improvido. 1. A conduta omissiva de não prestar declaração ao Fisco com o fim de obter a redução ou supressão de tributo, quando atinge o resultado almejado, consubstancia crime de sonegação fiscal, na modalidade do inciso I do art. 1º da Lei n. 8.137/1990 (REsp 1.637.117/SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 07/03/2017, DJe de 13/03/2017). 2. Agravo regimental improvido.” (AgRg no REsp n. 1.857.830/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 19.05.2020, DJe 25.05.2020)

Depreende-se, portanto, ser a constituição definitiva do crédito tributário requisito necessário à tipificação do crime de supressão ou redução de tributo.

Nos termos do art. 2º da Lei n. 8.137/1990, por sua vez, constitui crime contra a ordem tributária: (i) fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo; (ii) deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos; (iii) exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como incentivo fiscal; (iv) deixar de aplicar, ou aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento; (v) utilizar ou divulgar programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei, fornecida à Fazenda Pública. Para esses crimes, a lei comina pena de detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

1.2. Extinção da punibilidade

Identificados os crimes contra a ordem tributária e suas penas, deve-se observar a existência da possibilidade de afastamento da aplicação das sanções penais cominadas, por meio da extinção da punibilidade. Sobre o assunto, ensina Edmar Oliveira Andrade Filho9: “as causas de extinção da punibilidade atuam como inibidoras da aplicação da sanção penal, extinguindo o direito que tem o Estado de aplicar punição quando da ocorrência de crime de qualquer natureza”.

No que se refere aos crimes contra a ordem tributária, a previsão de extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo vivenciou períodos de grande instabilidade legislativa. A primeira norma a prever a extinção da punibilidade em razão do pagamento do tributo foi a Lei n. 4.357/1964.

Seguindo a mesma linha, a Lei n. 4.729/1964 também previa, em seu art. 2º, que o recolhimento do tributo antes de ter início, na esfera administrativa, a ação fiscal própria, extinguiria a punibilidade do crime de sonegação fiscal.

A Lei n. 8.137/1990, por sua vez, tratou da extinção da punibilidade em seu art. 14: “Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos nos art. 1º a 3º quando o agente promover o pagamento de tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia”.

Sobreveio, então, a Lei n. 8.383/199110, que revogou expressamente as disposições relativas à extinção da punibilidade pelo pagamento constante dos dispositivos legais supracitados – Leis n. 4.357/1964, n. 4.729/1964 e n. 8.137/1990 –, causando verdadeiro terrorismo fiscal, nas palavras de Hugo de Brito Machado11.

Nova tentativa de edição dessa norma se deu com a Lei n. 8.696/1993, que em seu art. 3º previa a extinção da punibilidade dos crimes previstos nos arts. 1º a 3º da Lei n. 8.137/1990 quando o agente promovesse o pagamento do tributo antes do encerramento do procedimento administrativo. Tal dispositivo, entretanto, foi vetado pelo Executivo.

Somente com a Lei n. 9.249/1995 restabeleceu-se a extinção da punibilidade pelo pagamento. Veja-se:

“Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.”

É importante observar que o texto legal transcrito traz como marco temporal para efeito extintivo pelo pagamento o recebimento da denúncia. Trazendo previsão mais benéfica ao contribuinte, despontou a norma do art. 9º da Lei n. 10.684/2003:

“Art. 9º É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.

§ 1º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.

§ 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.”

O dispositivo acima permite concluir que o pagamento integral do tributo, realizado a qualquer tempo – ainda que após o trânsito em julgado da condenação12 –, acarreta a extinção da punibilidade dos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1º e 2º da Lei n. 8.137/1990. Este foi o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC n. 81.929:

“Ação penal. Crime tributário. Tributo. Pagamento após o recebimento da denúncia. Extinção da punibilidade. Decretação. HC concedido de ofício para tal efeito. Aplicação retroativa do art. 9º da Lei federal nº 10.684/03, cc. art. 5º, XL, da CF, e art. 61 do CPP. O pagamento do tributo, a qualquer tempo, ainda que após o recebimento da denúncia, extingue a punibilidade do crime tributário.” (HC n. 81.929, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Rel. p/ Acórdão Min. Cezar Peluso, Primeira Turma, julgado em 16.12.2003, DJ 27.02.2004, p. 32, ement. v. 2141-04, p. 780)

Posteriormente, entretanto, a Lei n. 12.382/2011 alterou o art. 83 da Lei n. 9.430/1996, que passou a prever:

“Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.

§ 1º Na hipótese de concessão de parcelamento do crédito tributário, a representação fiscal para fins penais somente será encaminhada ao Ministério Público após a exclusão da pessoa física ou jurídica do parcelamento.

§ 2º É suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos no caput, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal.

§ 3º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.

§4º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no caput quando a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento.”

Assim, o § 2º do artigo acima citado retoma marco temporal para a suspensão da pretensão punitiva estatal, que somente ocorrerá caso o pedido de parcelamento tenha sido realizado antes do recebimento da denúncia criminal.

Nota-se que tal exigência não se repete no § 4º, que trata da extinção da punibilidade, razão pela qual entende-se que, nesse ponto, a nova lei não afetou o art. 9º, § 2º, da Lei n. 10.684/2003. Segue trecho de decisão proferida pelo Ministro Dias Toffoli nos autos do HC n. 119.245 ao tratar do tema:

“Pois bem, no que concerne ao requerimento incidental formulado pelos impetrantes, registro o entendimento que externei por ocasião do julgamento da AP nº 516/DF-ED pelo Tribunal Pleno, no sentido de que a Lei nº 12.382/11, que regrou a extinção da punibilidade dos crimes tributários nas situações de parcelamento do débito tributário, não afetou o disposto no § 2º do art. 9º da Lei 10.684/03, o qual prevê a extinção da punibilidade em razão do pagamento do débito a qualquer tempo. Com efeito, o que o legislador ordinário não limitou, a meu ver, não cabe ao Poder Judiciário, em substituição a ele, fazê-lo.” (HC n. 119.245 MC, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 06.09.2013, publicado em processo eletrônico, DJe-178, divulg. 10.09.2013, public. 11.09.2013)

Diante da sucessão de leis no tempo, percebe-se que, no que toca à suspensão e extinção da punibilidade, a determinação da norma aplicável ao caso concreto dependerá de análise acurada dos marcos temporais.

2. Extinção da obrigação tributária pela prescrição

Para estudar a extinção da obrigação tributária, é preciso relembrar que o Direito é o conjunto de normas vigentes em determinado momento e em dado espaço territorial. As normas, por sua vez, são construídas pelo intérprete a partir da leitura dos enunciados prescritivos de direito positivo. Elas podem ser tidas como normas em sentido amplo, ou seja, aquelas significações construídas pelo intérprete a partir do texto legal, ou normas em sentido estrito, descritas pelo intérprete por meio da estrutura hipotético condicional e com sentido deôntico-jurídico completo.

A norma jurídica em sentido estrito é composta, como anotado anteriormente, de hipótese e consequência. A primeira descreve um fato de possível ocorrência, com as suas coordenadas de espaço e de tempo. Já a segunda prescreve a relação jurídica que se formará entre sujeito ativo e sujeito passivo e que tenha por objeto o tributo, caso esse fato ocorra e seja descrito em linguagem competente.

A partir da descrição desses elementos, torna-se possível avaliar como se dá a extinção da obrigação tributária.

2.1. Extinção da obrigação tributária

Constituída a obrigação tributária, ela poderá sofrer mutações durante a sua existência até ser extinta seja pelo seu cumprimento seja pelas demais hipóteses previstas no ordenamento. A extinção da obrigação dar-se-á por meio do desaparecimento de algum dos seus elementos integrantes, de forma que o vínculo obrigacional necessariamente também será desconstituído.

Sendo assim, a obrigação tributária poderá se extinguir pelo desaparecimento: (i) do sujeito ativo, (ii) do sujeito passivo, (iii) do objeto, (iv) do direito subjetivo que é titular o sujeito ativo (crédito tributário), e/ou (v) do dever jurídico que é titular o sujeito passivo (débito tributário). Pode-se afirmar que, analisando a estrutura normativa, essas seriam causas lógicas de extinção da obrigação tributária. No entanto, o legislador não consagrou expressamente todas elas ao editar o art. 156 do CTN, que estabelece que:

“Art. 156. Extinguem o crédito tributário:

I – o pagamento;

II – a compensação;

III – a transação;

IV – remissão;

V – a prescrição e a decadência;

VI – a conversão de depósito em renda;

VII – o pagamento antecipado e a homologação do lançamento nos termos do disposto no artigo 150 e seus §§ 1º e 4º;

VIII – a consignação em pagamento, nos termos do disposto no § 2º do artigo 164;

IX – a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória;

X – a decisão judicial passada em julgado.

XI – a dação em pagamento em bens imóveis, na forma e condições estabelecidas em lei.”

Assim como a constituição da obrigação tributária, a sua extinção demanda a formalização em linguagem jurídica do fato previsto em lei como suficiente à extinção do vínculo obrigacional. Isso se dará por meio da edição de outra norma individual e concreta, como ensina Paulo Cesar Conrado:

“[...] a extinção da obrigação tributária, entendida como fato jurídico, não se aperfeiçoa pela só verificação, no mundo social, nas causas alinhadas no art. 156 do Código Tributário Nacional (‘fatos geradores da extinção’), senão por sua tradução na competente linguagem normativa individual e concreta”13.

Verificada, pois, a ocorrência de uma das causas extintivas do art. 156 do CTN, deverá haver a tradução na linguagem normativa individual e concreta a fim de que aquela possa operar seus efeitos de extinguir a obrigação tributária.

Tendo em vista as premissas assentadas, pode-se concluir que a extinção do crédito tributário acarreta simultaneamente a extinção da própria obrigação tributária, uma vez que aquele apresenta-se como elemento necessário desta. Seguindo essa linha de raciocínio, pode-se comentar cada uma das causas extintivas da obrigação tributária, buscando-se esclarecer qual elemento constitutivo do vínculo obrigacional será afetado por cada uma delas.

Iniciando-se pelo pagamento, tem-se que este se dá quando o sujeito passivo, ou terceiro em seu nome, cumpre o dever jurídico que lhe era atribuído de realizar o objeto prestacional da obrigação tributária, isto é, paga. Visto como causa extintiva, ele acarreta o desaparecimento do dever jurídico e, consequentemente, do direito subjetivo do qual era titular o sujeito ativo. Operam de modo semelhante – extinção do dever jurídico – a conversão do depósito em renda, o pagamento antecipado e a homologação do lançamento, a consignação em pagamento e a dação em pagamento de bens imóveis.

A compensação e a transação fazem desaparecer simultaneamente o direito subjetivo e o dever jurídico, conquanto envolvam, respectivamente, a extinção obrigações recíprocas e a realização de concessões mútuas. A remissão, compreendida como o perdão da dívida, no caso de ser total, extingue o direito subjetivo de exigir a prestação e, por conseguinte, o dever jurídico de cumpri-la.

A decadência implica a perda do direito de lançar, o que, a priori, impede a própria constituição da relação jurídica tributária. Dessa forma, a decadência pode ser compreendida como causa extintiva do direito de lançar, em detrimento da disposição legal que lhe atribui efeitos de causa extintiva da obrigação tributária. Somente será possível imputar efeitos extintivos da obrigação tributária quando o fato da decadência for reconhecido após à instalação do vínculo obrigacional14. Considerada a ambiguidade do termo, tem-se que a decadência, enquanto causa extintiva, pode levar ao perecimento do direito de praticar o lançamento como do direito subjetivo de cobrar o tributo já lançado.

A decisão administrativa irreformável e a decisão judicial transitada em julgado, apesar de arroladas como causas extintivas, são, em verdade, veículos introdutores, no mundo jurídico, dos eventos acima identificados. Eles são suficientes para determinar o desaparecimento do vínculo obrigacional tributário15. A norma individual e concreta posta no sistema eliminaria, assim, o direito subjetivo do sujeito ativo.

Intencionalmente, deixou-se de abordar neste tópico uma das causas extintivas da obrigação tributária previstas no art. 156 do CTN: a prescrição. Por sua importância para abordagem do tema objeto do presente trabalho, será ela estudada separadamente.

2.2. Prescrição como causa de extinção da obrigação tributária

O direito positivo, enquanto instrumento que visa à ordenação das condutas intersubjetivas, demanda um grau de certeza e estabilidade às relações, o que impede a perpetuação de situações jurídicas indefinidas. Tendo isso em vista, não raramente são editadas normas jurídicas que atribuem ao decurso do tempo efeitos jurídicos extintivos de direitos e deveres, é o caso do instituto prescricional.

Aurora Tomazini de Carvalho pondera três perspectivas possíveis para o estudo do conceito da prescrição:

“Neste sentido, os conceitos de decadência e prescrição podem ser analisados sob três perspectivas: i) numa instância normativa, enquanto norma jurídica que compõe o sistema do direito positivo; ii) numa instância factual, como acontecimentos do mundo, relatado em linguagem competente; e iii) numa instância efectual, como efeito jurídico atribuído a tal acontecimento.”16

Neste trabalho, adotar-se-á o primeiro enfoque, tratando-se a prescrição como instituto normativo. Isso porque esse estudo considera as seguintes premissas: (i) o direito deve ser entendido enquanto conjunto de normas; e (ii) somente após relatadas em linguagem jurídica as causas de extinção da obrigação tributária poderão operar seus efeitos.

Faz-se necessário estabelecer também que a prescrição, em seara tributária, disciplina dois tipos de relações jurídicas distintas: (i) o direito de o Fisco exigir o tributo; e (ii) o direito de o contribuinte pleitear o indébito tributário. Considerado o objeto deste trabalho, a análise se restringirá à prescrição do crédito do Fisco.

Conforme assinalado, a prescrição está intimamente relacionada à atribuição de efeito jurídico ao decurso do tempo. Dessa forma, tem-se o elemento “passagem do tempo” como figura central do conceito desse instituto normativo, ao passo que eventual efeito se apresenta fora da esfera de definição deste, sendo consequência da sua aplicação. Sobre o assunto, preleciona Renata Elaine Silva Ricetti Marques:

“Prescrição é o nome do instituto jurídico que disciplina o fim do limite do tempo para se alcançar a exigibilidade do crédito tributário. Assim como na decadência, o instituto da prescrição não pode ser conceituado pelo seu efeito, e sim pelo que ele contém que é o tempo, isto é, o fim do tempo da exigibilidade do crédito.”17

A prescrição tributária, sob a ótica do direito do Fisco, é a norma que estabelece o fim do tempo da exigibilidade do crédito tributário. Em outras palavras, ela determina o limite temporal do Fisco para realizar a cobrança (administrativa e judicial) do crédito tributário.

Eurico Marcos Diniz de Santi18, também retratando a prescrição enquanto norma jurídica, a diferencia no plano geral e abstrato e individual e concreto. No primeiro, sustenta que a norma prescricional apresenta, em sua hipótese, o decurso do tempo qualificado pela omissão do Fisco no exercício do direito de ação e, em seu consequente, a previsão abstrata da extinção do direito de ação ou do crédito. Já no plano individual e concreto, elas são introduzidas por ato de aplicação e apresentam, no antecedente, o fato concreto do decurso do tempo qualificado pela omissão do Fisco e, no seu consequente, a objetiva relação jurídica extintiva do direito de ação ou do crédito do Fisco.

A prescrição está prevista no art. 174 do CTN, cuja redação atual prevê:

“Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.

Parágrafo único. A prescrição se interrompe:

I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal;

II – pelo protesto judicial;

III – por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;

IV – por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do débito pelo devedor.”

Da leitura do dispositivo, infere-se que o prazo prescricional do crédito do Fisco é de cinco anos, contados da data da constituição definitiva do crédito tributário. É necessário observar que a previsão de cinco anos da norma (tempo do direito) não implica, necessariamente, a passagem de cinco anos em termos cronológicos (tempo social). Isso porque o sistema jurídico estabelece formas próprias de contagem de tempo que se contrapõem à fluidez contínua do tempo social, o que faz sobretudo por meio de causas suspensivas ou interruptivas da contagem de prazos19.

Isso posto, findo o prazo prescricional, contado segundo o tempo do direito, sem que o crédito do Fisco tenha sido satisfeito, aplicar-se-á a norma da prescrição tributária, momento a partir do qual seu efeito jurídico será propagado.

2.2.1. Efeitos da prescrição tributária

O estudo do efeito decorrente da prescrição tributária exige a análise conjunta das normas construídas a partir do disposto nos arts. 174 e 156 do CTN. O primeiro deles prevê em seu caput que “a ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos”, o que, em um juízo primário, leva o intérprete a atribuir tão somente efeitos processuais ao fenômeno prescricional.

O art. 156 do CTN dispõe sobre as hipóteses de extinção do crédito tributário, assinalando que: “Art. 156. Extinguem o crédito tributário: V – a prescrição e a decadência”.

Dessa forma, se a prescrição tributária acarreta a extinção do direito subjetivo do sujeito ativo de exigir o cumprimento do objeto da obrigação – crédito tributário –, extingue-se também a própria obrigação tributária.

Conjugando, então, as duas normas apontadas, percebe-se que a prescrição tributária gera efeitos extintivos não somente do direito de pleitear judicialmente o tributo, mas também da própria obrigação tributária. Nesse sentido, são valiosos os ensinamentos de Renata Elaine Silva Ricetti Marques ao concluir que a prescrição extingue toda a obrigação tributária, não apenas o direito de propor a ação, mas toda a obrigação:

“O que deve ficar claro é que a norma de prescrição do direito tributário esgota o limite temporal para a cobrança (administrativa e judicial) do crédito tributário e não apenas o limite temporal da ação de cobrança – Execução Fiscal (vide idem 5.6) [...] O direito de exigir é direito material, se assim não fosse, não teria o efeito de extinção o crédito decorrente do direito material. Sem mencionar que, se os efeitos da prescrição fossem apenas processuais, o direito ainda existiria, e a exigência poderia permanecer administrativamente, o que não ocorre em razão do efeito extintivo. Ademais, o objetivo do instituto não seria alcançado, que é a pacificação das relações sociais, permitindo a consolidação da segurança pública.”20

Eurico Marcos Diniz de Santi também entende que, com a redação do art. 156, V, do CTN, restou superada a doutrina que atribuía à prescrição o efeito de somente extinguir a ação, asseverando inclusive o direito de repetição do indébito daquele que paga tributo prescrito: “Em suma, o pagamento de crédito tributário decaído ou prescrito, em razão das aludidas normas que cuidam da extinção do crédito tributário, faz surgir para o contribuinte o direito ao débito do Fisco.”21

Infere-se, portanto, que a prescrição, entendida como instituto normativo que estabelece o fim do tempo para exigir o crédito tributário, tem como efeito a extinção do próprio crédito e da obrigação que este compõe, tornando impossível a cobrança do tributo, seja pela via judicial ou pela via administrativa. Em outras palavras, a prescrição tributária extingue o crédito tributário e, por conseguinte, o correlato dever jurídico do sujeito passivo, que se verá livre da obrigação, a qual também restará extinta ante o desaparecimento dos elementos que a compõem.

3. Prescrição enquanto causa extintiva da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária

Conforme exposto, a infração de deveres jurídicos tributários pode, eventualmente, configurar conduta tipificada como crime contra a ordem tributária, previsto na Lei n. 8.137/1990.

Para oferecimento de denúncia nesses casos, é imprescindível que tenha sido proferida decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente, conforme o supracitado art. 83 da Lei n. 9.249/1995. Reforçando a necessidade de exaurimento da seara administrativa para início da persecução penal, tem-se também o teor da já citada Súmula Vinculante n. 24.

Dada a imprescindibilidade do crédito tributário para a atuação penal do Estado em situações de crimes contra a ordem tributária, a ocorrência da prescrição e a consequente extinção do crédito tributário criam um cenário incerto em torno da punibilidade de eventual crime dessa natureza.

Diante dessa problemática, correntes opostas de pensamento foram formadas. De um lado, defende-se que a ocorrência da prescrição tributária é incapaz de provocar repercussões na esfera penal; do outro, sustenta-se a capacidade do fenômeno prescricional de extinguir a persecução penal do contribuinte, especialmente considerada a possibilidade de extinção da punibilidade.

3.1. Argumentos contrários à extinção da punibilidade pela prescrição postos pela doutrina e pela jurisprudência

Por ser a posição dominante atualmente nos tribunais pátrios, iniciar-se-á este estudo com os argumentos contrários à atribuição de efeitos de extinção da punibilidade penal à prescrição tributária. Foram identificadas três alegações principais: (i) a prescrição atinge somente o direito de ação; (ii) as instâncias tributária e penal são autônomas entre si; e (iii) a prescrição não pode ser equiparada ao pagamento para fins de extinção da punibilidade.

O primeiro argumento, provavelmente o mais frágil e menos utilizado, sustenta que a prescrição tributária atinge somente o direito de cobrança do Fisco, nos termos do próprio art. 174 do CTN. Nessa visão, a ocorrência da prescrição acarreta meros efeitos processuais à esfera tributária, restando preservada a relação de direito material, e não provoca qualquer interferência na esfera penal22-23.

O segundo argumento assevera a independência entre as instâncias tributária e penal, de forma que o reconhecimento da prescrição tributária, ainda que considerada a extinção do crédito tributário, não é capaz de produzir efeitos na esfera penal. Essa posição vem sendo adotada pelos tribunais pátrios e encontra aceitação considerável entre os aplicadores do direito, como se pode perceber do julgado que segue:

“Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial. Crime contra a ordem tributária (art. 1º da Lei n. 8.137/90). Prescrição. Independência das esferas cível, administrativo-tributária e penal. Acórdão recorrido em consonância com a jurisprudência do STJ. Agravo regimental improvido.

1. As instâncias administrativo-tributária, cível e penal são independentes, o que reflete no reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva estatal. Desse modo, a extinção do crédito tributário pela prescrição não implica, necessariamente, a extinção da punibilidade do agente. Precedentes do STJ. 2. Agravo regimental improvido.” (AgRg no AREsp n. 202.617/DF, Rel. Min. Campos Marques (Desembargador Convocado do TJ/PR), Quinta Turma, julgado em 11.04.2013, DJe 16.04.2013)

Traz-se, ainda, fundamento defendido por Aurora Tomazini de Carvalho24, para quem a palavra “pagamento”, nos moldes apresentados nas normas que tratam da extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária, refere-se à satisfação do crédito tributário. Em outras palavras, pagamento, para fins de extinguir a punibilidade, equivale às causas previstas no art. 156 do CTN capazes de satisfazer o crédito tributário pelo sujeito passivo da obrigação tributária (compensação, transação, conversão do depósito, consignação em pagamento, dação de bem imóvel). Nesse sentido, para a citada professora, a prescrição não estaria apta a extinguir a punibilidade do crime contra a ordem tributária, uma vez que não configura fato satisfativo do crédito do sujeito ativo da obrigação tributária. Sobre o assunto, discorre Aurora Tomazini de Carvalho:

“Seguindo a mesma linha de raciocínio, nos casos de prescrição, a relação jurídica tributária é extinta, não por um fato satisfativo do contribuinte perante o Fisco, mas pela inércia deste na execução de seu crédito. Neste sentido, a prescrição do direito do Fisco em matéria tributária não é causa de extinção da punibilidade penal dos crimes contra a ordem tributária.”25

Por último, destaca-se a posição assumida por Ana Lya Ferraz da Gama Ferreira, que critica a própria norma que prevê a extinção da punibilidade pelo pagamento no caso dos crimes contra a ordem tributária. Para a autora, a previsão legal privilegia os sujeitos de boa condição econômica e ignora a lesão à coletividade perpetrada nesses crimes, em flagrante inconstitucionalidade por violação ao princípio da isonomia e da seletividade do Direito Penal:

“Assim, o cenário normativo vigente, somado a estudos sobre o sistema social, político, econômico e ideológico sobre o tema permitem concluir que a extinção da punibilidade pelo pagamento decorre também de manifestação ideológica do sistema capitalista. Desvirtua-se a finalidade da pena na busca de fins arrecadatórios, qualificando o bem jurídico tutelado como disponível. Extinguir a punibilidade daqueles que possuem condições financeiras para pagar, valoriza os interesses da classe dominante e a previsão ‘em tese’ de aplicação desse benefício a todos os sujeitos infratores desse delito demonstra uma aparente ‘legitimidade’ ideológico do privilégio penal.”26

Como se pode perceber do exposto, os argumentos colocados para desconsideração dos efeitos penais da prescrição tributária encontram fortes aliados na doutrina e na jurisprudência nacionais.

3.2. Contraponto aos argumentos apresentados

Apesar da relevância dos fundamentos até aqui apresentados, sua prevalência torna-se controversa diante dos entendimentos que se formam em sentido oposto.

Inicialmente, tem-se que a alegação de que a prescrição atinge somente o direito de ação revela uma verdadeira confusão entre o instituto prescricional do direito civil e do direito tributário. Conforme asseverado no subcapítulo destinado à análise da prescrição tributária, ela não possui somente efeitos processuais (como se dá na prescrição civil), mas também gera a extinção do crédito tributário e da própria obrigação tributária, nos termos do art. 156, V, do CTN.

Nesse sentido, é inconcebível negar efeitos penais à prescrição sob o argumento de que ela somente atinge o direito de cobrança do Fisco, uma vez que o Código Tributário Nacional é cristalino ao atribuir-lhe efeitos extintivos da relação jurídica tributária. Esse também é o posicionamento adotado em julgamentos do Superior Tribunal de Justiça:

“Civil e tributário. Parcelamento de crédito tributário prescrito. Impossibilidade. Crédito extinto na forma do art. 156, V, do CTN. Precedentes. 1. Consoante decidido por esta Turma, ao julgar o REsp 1.210.340/RS (Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 10.11.2010), a prescrição civil pode ser renunciada, após sua consumação, visto que ela apenas extingue a pretensão para o exercício do direito de ação, nos termos dos arts. 189 e 191 do Código Civil de 2002, diferentemente do que ocorre na prescrição tributária, a qual, em razão do comando normativo do art. 156, V, do CTN, extingue o próprio crédito tributário, e não apenas a pretensão para a busca de tutela jurisdicional. Em que pese o fato de que a confissão espontânea de dívida seguida do pedido de parcelamento representar um ato inequívoco de reconhecimento do débito, interrompendo, assim, o curso da prescrição tributária, nos termos do art. 174, IV, do CTN, tal interrupção somente ocorrerá se o lapso prescricional estiver em curso por ocasião do reconhecimento da dívida, não havendo que se falar em renascimento da obrigação já extinta ex lege pelo comando do art. 156, V, do CTN. Precedentes citados.

2. Recurso especial não provido.” (REsp n. 1.335.609/SE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 16.08.2012, DJe 22.08.2012)

É exatamente por esse efeito extintivo que o sujeito passivo possui o direito de pleitear a devolução de valores pagos a título de crédito tributário prescrito, conforme o art. 165 do CTN27, e que a Fazenda Pública não poderá se negar a fornecer certidões negativas em caso de ocorrência da prescrição dos tributos.

Nesse contexto, é importante observar que a possibilidade de repetição do indébito referente ao pagamento de tributo prescrito torna inócua a manutenção da ação penal quando verificada a prescrição tributária, visto que:

“[...] basta que o acusado adimpla o débito tributário, a qualquer tempo, até após o advento do trânsito em julgado da sentença penal condenatória em que terá extinta sua punibilidade e ato contínuo, peça repetição do indébito, uma vez que pagou crédito tributário extinto”28.

No que se refere à suposta autonomia entre as instâncias tributária e penal, reconhece-se certo grau de independência entre os ramos. Entretanto, esse fato não pode ser utilizado como justificativa para inviabilizar o diálogo das normas jurídicas que, em última análise, compõem conjuntamente um mesmo sistema jurídico. O sistema jurídico é uno e indecomponível, passível de cisão apenas para fins didáticos29.

Em verdade, esse diálogo é constantemente reforçado pelo Direito Penal Tributário, que se vale de aspectos próprios da legislação tributária para definir institutos importantes da esfera penal. Veja-se exemplos destas situações:

“Assim, a pretensa independência entre as esferas tributária e penal tributária não se confirma em pelo menos outras três situações: i) quando necessário recorrer-se a esfera tributária (lançamento definitivo) para se definir o momento consumativo do ilícito penal ii) quando os efeitos do pagamento do crédito no âmbito tributário implicam na extinção da punibilidade penal, e iii) quando o parcelamento do débito em âmbito administrativo tem por consequência a suspensão do processo penal e do prazo prescricional penal.”30

Dessa forma, não subsiste justificativa para que a independência entre as instâncias tributária e penal seja alegada arbitrariamente somente em algumas situações, enquanto em tantas outras a convivência entre estes ramos se faz de forma harmônica e necessária à aplicação das normas.

Além disso, ressalte-se que o Direito Penal deve observar o princípio da intervenção mínima, ressaltando o caráter subsidiário desse ramo do direito, o qual deve atuar como a última medida protetora a ser considerada. Sobre o assunto, preceitua Rogério Greco:

“O Direito Penal deve, portanto, interferir o menos possível na vida em sociedade, devendo ser solicitado somente quando os demais ramos do Direito, comprovadamente, não forem capazes de proteger aqueles bens considerados de maior importância.”31

Assim, se o próprio Direito Tributário, quando da ocorrência da prescrição, reconhece a extinção da obrigação tributária e a liberação do sujeito passivo do seu dever jurídico, o uso do Direito Penal para repelir a conduta do particular mostra-se medida desproporcional, inadequada e desnecessária. Ora, revela-se contraditório insistir na ação penal por crimes contra a ordem tributária, quando a dívida sequer existe na esfera tributária e o seu pagamento tampouco é aceito pelo sujeito ativo da extinta obrigação jurídica32.

Passando, então, à análise das normas jurídicas que autorizam a extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária quando do pagamento integral do tributo, tem-se que o estudo deve versar sobre as possíveis acepções da palavra “pagamento”.

Conforme asseverado anteriormente, para Aurora Tomazini de Carvalho, o termo pagamento, nesse contexto, abarcaria as hipóteses de extinção do crédito tributário por meio de uma conduta satisfativa, excluindo-se dessas a prescrição. Acontece que as normas penais admitem o uso de interpretação extensiva e analogia desde que favoráveis ao réu, nos termos do art. 3º do Código de Processo Penal, in verbis: “A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito”.

Apesar de serem institutos bastante similares, a interpretação extensiva ocorre quando o intérprete alarga o alcance da norma, para que se possa conhecer a exata amplitude desta, por entender que o legislador disse menos do que efetivamente pretendia33. Nesse caso, atribui-se “um sentido amplo a certos vocábulos contidos na norma, de sorte a ampliar, ou estender o alcance desta”34.

Por outro viés, a analogia se dá na aplicação a uma hipótese não prevista pela norma de disposição normativa relativa a um caso semelhante35. Em outras palavras, a analogia permite a aplicação da norma prevista para determinado caso a um outro que não está contemplado nas hipóteses normativas, mas a estas razoavelmente se assemelha.

Diante dessas considerações, seja por meio de uma interpretação extensiva ou mesmo por uso da analogia, a palavra pagamento deve ser interpretada em equivalência a qualquer outra forma de extinção do crédito tributário prevista no art. 156 do CTN, independentemente da capacidade satisfativa do tributo, por ser esta a posição mais favorável ao acusado. Nesse sentido, ensina Hugo de Brito Machado:

“É possível, sim, a utilização da analogia em matéria penal, desde que para favorecer o acusado. No caso, porém, nem é necessária a aplicação analógica. Basta a interpretação extensiva da norma que determina a extinção da punibilidade pelo pagamento. Interpretação extensiva que se impõe pelo princípio de que o favorável deve ser ampliado, enquanto o odioso deve ser restringido. A palavra ‘pagamento’, nessa norma, tem sentido amplo. Significa extinção do crédito tributário. Aliás, seria até ridículo admitir que a dação em pagamento, por exemplo, ou a compensação, ou a consignação em pagamento, ou a decisão judicial que afirma não existir a dívida tributária não são causas de extinção da punibilidade. Não temos dúvida de que a criminalização do ilícito tributário tem na verdade objetivos utilitaristas. Visa realmente a compelir o contribuinte ao pagamento do tributo. Não tem conteúdo ético algum, até porque as autoridades fazendárias não respeitam os princípios éticos no trato com os contribuintes. Deles na verdade pretendem obter, a qualquer custo, recursos financeiros para um Estado que se revela cada vez menos eficiente na prestação dos serviços públicos.”36

Desse modo, conclui-se que extinto o crédito tributário, por qualquer das hipóteses do art. 156 do CTN, inclusive a prescrição, restará também extinta a punibilidade dos crimes contra a ordem tributária, uma vez considerada a possibilidade de analogia e/ou interpretação extensiva da norma que determina a extinção da punibilidade pelo pagamento.

Por fim, as críticas apontadas à própria norma que estabelece a extinção da punibilidade pelo pagamento não são capazes de impedir o reconhecimento da prescrição tributária como desencadeadora de efeitos penais, porque: (i) a norma que prevê a possibilidade de extinção da punibilidade pelo pagamento encontra-se em plena vigência, impondo sua aplicação a todos os casos que se amoldam à sua previsão fática; e (ii) o Direito Penal deve ser aplicado observando o princípio da intervenção mínima, inexistindo razão para se persistir em uma perseguição penal quando o Direito Tributário determina a extinção do crédito tributário.

Conclusão

O crescente uso da ação penal como forma indireta de cobrança de tributos provoca reflexões acerca da integração dos mecanismos jurídicos tributários e penais, especialmente no que diz respeito à aptidão da prescrição tributária para produzir efeitos extintivos da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária.

A ocorrência da prescrição acarreta a extinção não somente do direito de cobrança por parte do Fisco, mas, também, da própria relação jurídica obrigacional tributária, ante a determinação legal contida no art. 156, V, do CTN.

Outrossim, o descumprimento da obrigação tributária pode configurar crime contra a ordem tributária, conforme hipóteses previstas na Lei n. 8.137/1990. Para esses crimes, vislumbra-se a existência de normas autorizadoras da extinção da punibilidade por meio do pagamento do tributo devido.

Admite-se a equiparação da prescrição tributária ao pagamento para fins de extinção da punibilidade penal nos crimes contra a ordem tributária, visto que o direito penal comporta a ocorrência de analogia e/ou interpretação extensiva da norma. Uma vez que a prescrição e o pagamento são formas de extinção da obrigação tributária, ambas previstas no art. 156 do CTN, é possível, por meio de analogia e/ou interpretação extensiva da norma que determina a extinção da punibilidade pelo pagamento, concluir que a ocorrência da prescrição tributária acarretará os mesmos efeitos na esfera penal.

Portanto, a prescrição tributária deve ser considerada causa de extinção da punibilidade nos casos de crime contra a ordem tributária, porque extingue a própria obrigação tributária. Esse entendimento mostra-se relevante sob pelo menos dois aspectos: constitui uma visão alternativa ao posicionamento dominante na jurisprudência pátria atual, que impede a atribuição de efeitos penais à prescrição tributária; e configura meio hábil ao combate da utilização da esfera penal como instrumento de cobrança de dívidas tributárias que já estejam prescritas e, por conseguinte, extintas.

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1 Entende-se que os crimes fiscais compreendem os ilícitos penais tributários de forma ampla, ao passo que os crimes contra a ordem tributária são somente os tipos penais previstos no Capítulo I da Lei n. 8.137/1990.

2 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 30. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 521.

4 “Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia.”

5 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Direito penal tributário: crimes contra a ordem tributária e contra a previdência social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 23.

6 O art. 334 do Código Penal é um exemplo isolado de dispositivo que faz referência direta a tributos.

7 “Art. 1º Constitui crime de sonegação fiscal: I – prestar declaração falsa ou omitir, total ou parcialmente, informação que deva ser produzida a agentes das pessoas jurídicas de direito público interno, com a intenção de eximir-se, total ou parcialmente, do pagamento de tributos, taxas e quaisquer adicionais devidos por lei; II – inserir elementos inexatos ou omitir rendimentos ou operações de qualquer natureza em documentos ou livros exigidos pelas leis fiscais, com a intenção de exonerar-se do pagamento de tributos devidos à Fazenda Pública; III – alterar faturas e quaisquer documentos relativos a operações mercantis com o propósito de fraudar a Fazenda Pública; IV – fornecer ou emitir documentos graciosos ou alterar despesas, majorando-as, com o objetivo de obter dedução de tributos devidos à Fazenda Pública, sem prejuízo das sanções administrativas cabíveis. V – Exigir, pagar ou receber, para si ou para o contribuinte beneficiário da paga, qualquer percentagem sobre a parcela dedutível ou deduzida do imposto sobre a renda como incentivo fiscal.”

8 MACHADO, Hugo de Brito. Crimes contra a ordem tributária. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 328.

9 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Direito penal tributário: crimes contra a ordem tributária e contra a previdência social. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 146.

10 “Art. 98. Revogam-se o art. 44 da Lei nº 4.131, de 3 de setembro de 1962, os §§ 1º e 2º do art. 11 da Lei nº 4.357, de 16 de julho de 1964, o art. 2º da Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, o art. 5º do Decreto-lei nº 1.060, de 21 de outubro de 1969, os arts. 13 e 14 da Lei nº 7.713, de 1988, os incisos III e IV e os §§ 1º e 2º do art. 7º e o art. 10 da Lei nº 8.023, de 1990, o inciso III e parágrafo único do art. 11 da Lei nº 8.134, de 27 de dezembro de 1990 e o art. 14 da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990.”

11 MACHADO, Hugo de Brito. Crimes contra a ordem tributária. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2011.

12 Entendimento consolidado na jurisprudência. “Habeas corpus. Impetração em substituição ao recurso cabível. Utilização indevida do remédio constitucional. Violação ao sistema recursal. Não conhecimento. 1. A via eleita revela-se inadequada para a insurgência contra o ato apontado como coator, pois o ordenamento jurídico prevê recurso específico para tal fim, circunstância que impede o seu formal conhecimento. Precedentes. 2. O alegado constrangimento ilegal será analisado para a verificação da eventual possibilidade de atuação ex officio, nos termos do artigo 654, § 2º, do Código de Processo Penal. Crime contra a ordem tributária. Condenação transitada em julgado. Pagamento do tributo. Causa de extinção da punibilidade. Artigo 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003. Coação ilegal caracterizada. Concessão da ordem de ofício. 1. Com o advento da Lei 10.684/2003, no exercício da sua função constitucional e de acordo com a política criminal adotada, o legislador ordinário optou por retirar do ordenamento jurídico o marco temporal previsto para o adimplemento do débito tributário redundar na extinção da punibilidade do agente sonegador, nos termos do seu artigo 9º, § 2º, sendo vedado ao Poder Judiciário estabelecer tal limite. 2. Não há como se interpretar o referido dispositivo legal de outro modo, senão considerando que o pagamento do tributo, a qualquer tempo, até mesmo após o advento do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, é causa de extinção da punibilidade do acusado. 3. Como o édito condenatório foi alcançado pelo trânsito em julgado sem qualquer mácula, os efeitos do reconhecimento da extinção da punibilidade por causa que é superveniente ao aludido marco devem ser equiparados aos da prescrição da pretensão executória. 4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para declarar extinta a punibilidade do paciente, com fundamento no artigo 9º, § 2º, da Lei 10.684/2003.” (HC n. 362.478/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 14.09.2017, DJe 20.09.2017)

13 CONRADO, Paulo Cesar. Processualidade e extinção da obrigação tributária. Processo tributário analítico. São Paulo: Noeses, 2011. v. 1, p. 53.

14 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 30. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

15 CONRADO, Paulo Cesar. Processualidade e extinção da obrigação tributária. Processo tributário analítico. São Paulo: Noeses, 2011. v. 1.

16 CARVALHO, Aurora Tomazini de (org.). Decadência e prescrição em direito tributário. 2. ed. São Paulo: MP, 2010, p. 43.

17 MARQUES, Renata Elaine Silva Ricetti. Curso de decadência e de prescrição no direito tributário: regras do direito e segurança jurídica. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2019, p. 90.

18 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e prescrição no direito tributário. São Paulo: Max Limonad, 2000.

19 PEIXOTO, Daniel Monteiro. Prescrição intercorrente e a Lei Complementar n. 118/05. II Congresso Nacional de Estudos Tributários. São Paulo: Noeses, 2005.

20 MARQUES, Renata Elaine Silva Ricetti. Curso de decadência e de prescrição no direito tributário: regras do direito e segurança jurídica. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2019, p. 91.

21 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Decadência e prescrição no direito tributário. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 242.

22 Veja-se julgado amparado nesta corrente: “Direito Penal. Sonegação de contribuições previdenciárias. Artigo 337-A do CP. Consumação. Súmula nº 78 do TRF. Crédito Tributário definitivamente constituído. Prescrição. Artigo 174 do CTN. Independência das esferas. Artigo 109, inciso V, do Código Penal. Inocorrência. Autoria e Materialidade comprovadas. Condenação mantida. Pena. Substituição. 1. É pacífico na jurisprudência que a consumação dos crimes contra a ordem tributária somente ocorre após a consolidação, em sede administrativa, dos respectivos créditos. 2. Diante do princípio da independência entre as esferas, eventual conclusão em procedimento tributário quanto à prescrição, necessariamente, não vincula o feito criminal, haja vista que o art. 174 do CTN trata da possibilidade de cobrar o Fisco o crédito tributário, não guardando qualquer relação com a pretensão punitiva do Estado. 3. Dessa forma, observado o prazo prescricional para o crime (art. 109, V, do Código Penal) não há falar na sua ocorrência. 4. Demonstrado nos autos que o réu sonegou contribuição social previdenciária por longo período impõe-se sua condenação às penas do art. 337-A, I, c/c art. 71 do CP. 5. Substituição da privativa de liberdade por restritivas de direitos, em observância às diretrizes elencadas no art. 44 do CP.” (TRF4, ACR n. 0006686-87.2005.4.04.7015, Sétima Turma, Rel. Élcio Pinheiro de Castro, D.E. 25.08.2011)

23 GUIMARÃES, Cynthia Fittipaldi Silva; ALMEIDA, Thiago Martins de. Efeitos penais da prescrição tributária: uma análise à luz do princípio da subsidiariedade e do paradigma da autonomia. In: SANTIAGO, Nestor Eduardo Araruma; BORGES, Paulo César Côrrea; SOUZA, Claudio Macedo de (coord.). Direito penal, processo penal e constituição. Florianópolis: Conpedi, 2014. Disponível em: https://bit.ly/3OGGOVk. Acesso em: 08 mar. 2020.

24 CARVALHO, Aurora Tomazini de (org.). Decadência e prescrição em direito tributário. 2. ed. São Paulo: MP, 2010.

25 CARVALHO, Aurora Tomazini de (org.). Decadência e prescrição em direito tributário. 2. ed. São Paulo: MP, 2010, p. 347.

26 FERREIRA, Ana Lya Ferraz da Gama. Direito penal tributário: da norma jurídica prevista no artigo 1º da Lei nº 8.137/90 e a extinção da punibilidade pelo pagamento. 2016. 154 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2016, p. 150.

27 “Processual civil e tributário. Repetição de indébito. IPTU. Artigos 156, inciso V, e 165, inciso I, do CTN. Interpretação conjunta. Pagamento de débito prescrito. Restituição devida. 1. A partir de uma interpretação conjunta dos artigos 156, inciso V (que considera a prescrição como uma das formas de extinção do crédito tributário) e 165, inciso I (que trata a respeito da restituição de tributo) do CTN, há o direito do contribuinte à repetição do indébito, uma vez que o montante pago foi em razão de um crédito tributário prescrito, ou seja, inexistente. Precedentes: (REsp 1.004.747/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 18/06/2008; REsp 636.495/RS, Rel. Min. Denise Arruda, DJ 02/08/2007). 2. Recurso especial provido.” (REsp 646.328/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 04.06.2009, DJe 23.06.2009)

28 PESSOA, Paulo Brandt. Crime contra a ordem tributária: a vedação à extinção da punibilidade pela prescrição do crédito tributário. Rio de Janeiro, 2018, p. 14. Disponível em: https://bit.ly/3ycFySy. Acesso em: 08 mar. 2020.

29 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 30. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

30 GUIMARÃES, Cynthia Fittipaldi Silva; ALMEIDA, Thiago Martins de. Efeitos penais da prescrição tributária: uma análise à luz do princípio da subsidiariedade e do paradigma da autonomia. In: SANTIAGO, Nestor Eduardo Araruma; BORGES, Paulo César Côrrea; SOUZA, Claudio Macedo de (coord.). Direito penal, processo penal e constituição. Florianópolis: Conpedi, 2014, p. 13. Disponível em: https://bit.ly/3OGGOVk. Acesso em: 08 mar. 2020.

31 GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 17. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015, p. 97.

32 GUIMARÃES, Cynthia Fittipaldi Silva; ALMEIDA, Thiago Martins de. Efeitos penais da prescrição tributária: uma análise à luz do princípio da subsidiariedade e do paradigma da autonomia. In: SANTIAGO, Nestor Eduardo Araruma; BORGES, Paulo César Côrrea; SOUZA, Claudio Macedo de (coord.). Direito penal, processo penal e constituição. Florianópolis: Conpedi, 2014, p. 13. Disponível em: https://bit.ly/3OGGOVk. Acesso em: 08 mar. 2020.

33 GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 17. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015.

34 MACHADO, Hugo de Brito. Crimes contra a ordem tributária. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 286.

35 GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 17. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2015.

36 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 35. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 514.