Exercício de Compreensão Crítica do Acórdão do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.446 (2022) e de suas Consequências Práticas sobre o Planejamento Tributário no Direito Brasileiro

Exercise of Critical Understanding of the Brazilian Supreme Court’s Judgement in the Direct Action of Unconstitutionality 2,446 (2022) and its Practical Consequences on Tax Planning and Tax Avoidance in Brazilian Law

Marciano Seabra de Godoi

Doutor (Universidade Complutense de Madri) e Mestre (UFMG) em Direito Tributário. Professor Visitante convidado da Universidade Autônoma de Madri (2022). Coordenador e Professor do Programa de Pós-graduação em Direito da PUC Minas. E-mail: m.godoi@rolim.com.

https://doi.org/10.46801/2595-6280.52.19.2022.2262

Resumo

O artigo investiga o que o Supremo Tribunal Federal decidiu no acórdão da ADI n. 2.446 sobre a validade, o conteúdo e o alcance prático da norma do parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional, comparando o dispositivo e a fundamentação de tal julgamento com as posturas e propostas apresentadas pela doutrina nacional nas últimas duas décadas, com o objetivo de avaliar os impactos e as consequências que o julgado do STF pode provocar no conflituoso campo da imposição de limites ao planejamento tributário.

Palavras-chave: planejamento tributário, elisão, evasão, jurisprudência, Supremo Tribunal Federal.

Abstract

The paper investigates what the Brazilian Supreme Court decided in the ADI 2,446 ruling, regarding the validity, content and practical scope of the norm of the sole paragraph of art. 116 of the Brazilian National Tax Code, comparing the ruling and legal reasoning of such judgment with the positions and proposals presented by the national tax literature in the last two decades, with the objective of evaluating the impacts and consequences that the judgment of the Supreme Cour can cause in the conflicting field of imposing limits on tax avoidance.

Keywords: tax planning, avoidance, evasion, case law, Brazilian Supreme Court.

1. Introdução e advertência prévia

Vinte e um anos após o seu ajuizamento perante o Supremo Tribunal Federal (STF), a ação que contestava a validade do parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional (CTN) foi finalmente julgada pelo plenário da Corte em 2022 (ADI n. 2.446, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 27.04.2022).

Esperava-se que a decisão do STF (cujo acórdão conta com apenas três votos escritos) fosse tecnicamente mais elaborada e pudesse contribuir para delimitar com mais clareza os atuais poderes da autoridade fiscal para coibir o planejamento tributário abusivo. Mesmo assim, o acórdão do STF teve méritos, ao afastar categoricamente uma interpretação equivocada sobre o parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional (a interpretação sustentada na petição inicial da ação) e ao sinalizar – ainda que grosso modo – as possíveis funcionalidades dessa norma. Por outro lado, a Corte omitiu-se quanto à análise da questão crucial da relação entre as prerrogativas fiscais contidas no art. 116, parágrafo único, do CTN e as prerrogativas fiscais mencionadas no art. 149, VII, do mesmo diploma – uma omissão cujas consequências práticas (aparentemente não percebidas ou consideradas pelos membros da Corte) podem ser extremamente nocivas para a segurança jurídica e a justiça tributária.

Antes de adentrar o tema do artigo, faço uma breve advertência, necessária para combater a visão, bastante arraigada no meio acadêmico jurídico, de que criticar aberta e diretamente posicionamentos vertidos em obras acadêmicas ou em decisões jurisprudenciais configuraria desrespeito ou falta de consideração para com as pessoas autoras das obras ou decisões criticadas.

Como venho afirmando em vários trabalhos que publiquei ao longo das últimas décadas, a crítica aberta e franca às decisões do STF por meio de livros e artigos faz parte do controle social das decisões do Tribunal, controle social necessário para preservar e realimentar a legitimidade política da jurisdição constitucional1. Neste controle social, os membros da academia jurídica podem e devem jogar um papel central. Ao exercerem essa função com franqueza, rigor e seriedade, indicando erros, contradições, omissões e deficiências em acórdãos e votos dos julgadores, os acadêmicos não estão desvalorizando ou desrespeitando o Supremo Tribunal Federal. Muito pelo contrário, estão dialogando com a Corte e seus membros, valorizando seu papel institucional com o objetivo de velar pela qualidade argumentativa e técnica de suas decisões.

Diálogo semelhante se realiza por meio de críticas públicas, francas e diretas a respeito de visões doutrinárias defendidas em livros, artigos, teses e dissertações. Essas críticas que dão nome e sobrenome aos autores e autoras dos trabalhos criticados, sem dúvida pouco frequentes na academia jurídica brasileira, não devem ser vistas como engendrando desrespeito ou desestima, pois são na verdade uma manifestação de valorização e consideração aos autores e autoras das obras criticadas2. Defender ou sustentar que determinadas posturas e propostas doutrinárias incidiriam em erros valorativos ou interpretações equivocadas de conceitos, teorias ou obras de outros autores não significa duvidar da honestidade intelectual nem desqualificar os autores e autoras dos trabalhos analisados3, e sim valorizar o produto de sua pesquisa, estabelecendo com ela um diálogo crítico e aberto que contribui para o dinamismo e o avanço do campo científico em questão.

Por outro lado, não se pode esquecer que a tributação está no centro das distintas visões contemporâneas sobre moralidade política e social. Estudar o fundo moral, as filiações valorativas e ideológicas de determinadas teses defendidas por tributaristas (como a tese do dever fundamental de pagar tributos, a tese do direito fundamental à economia de tributos, a tese da tipicidade cerrada, a tese da extrafiscalidade moralizadora de costumes etc.) também faz parte do quefazer do jurista que se dedica, atento aos problemas e conflitos de seu tempo e de sua sociedade, ao estudo e pesquisa do direito tributário. Assim, quando o debate entre acadêmicos do direito tributário se refere não a aspectos estritamente técnicos ou formais limitados à aplicação de normas específicas, mas a visões substantivas e globais sobre o sentido contemporâneo do tributo e o modo de interpretar suas normas, é natural que um autor ou autora considere as propostas de outro autor ou autora como conservadoras, retrógradas, utópicas, carentes de respaldo constitucional etc. Do mesmo modo, é natural que se considerem e critiquem as mensagens e desdobramentos políticos e ideológicos contidos nas obras analisadas. Tais diagnósticos valorativos se referem às ideias, teorias e propostas em discussão na arena pública, e não supõem qualquer qualificação negativa das pessoas que as formulam ou propõem4.

2. Constatações iniciais quanto ao que decidiu o STF no julgamento da
ADI n. 2.446

Não há dúvida quanto a algumas definições contidas no acórdão da ADI n. 2.446. Por unanimidade, decidiu-se rechaçar a alegação da petição inicial da ação (formulada pela Confederação Nacional do Comércio em 2001) de que o parágrafo único do art. 116 do CTN seria uma norma que proibiria o planejamento tributário por meio da adoção da interpretação econômica e da autorização da tributação por analogia. Também por unanimidade, considerou-se que o parágrafo único do art. 116 do CTN, não sendo uma “norma antielisão”, é uma norma que combate a “evasão fiscal”, campo em que não se insere o planejamento tributário que afasta licitamente a ocorrência do fato gerador. Outra definição objetiva foi a de que a norma introduzida no CTN pela LC n. 104 é plenamente constitucional, vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes. Esta corrente minoritária decidiu que a norma seria inconstitucional pelo motivo de violar o “princípio da reserva de jurisdição”, que colocaria somente nas mãos do Poder Judiciário a prerrogativa de declarar simulados os atos e negócios praticados pelos contribuintes, não podendo a simulação ser declarada pela autoridade fiscal no ato do lançamento. Finalmente, decidiu-se à unanimidade que o art. 116, parágrafo único, do CTN depende, para sua aplicação concreta, da edição de uma lei ordinária ainda não aprovada pelo Congresso Nacional.

3. O que significa a afirmação, tal como realizada várias vezes no acórdão da ADI n. 2.446, de que o art. 116, parágrafo único, do CTN não é uma “norma antielisão”?

Como afirmei acima, não cabe dúvida de que todos os ministros decidiram que o art. 116, parágrafo único do CTN não é uma norma de combate à “elisão fiscal”. Mas qual o sentido exato dessa afirmação, tal como formulada nos três votos escritos que compõem o acórdão? A meu ver, essa afirmação, tal como posta no acórdão, tem um sentido inicial claro e inequívoco, e um desdobramento prático que engendra dúvidas e alguma obscuridade.

O sentido inicial, claro e inequívoco, é o de que a norma não proibiu a prática da economia tributária lícita, não autorizou a tributação por analogia, não determinou a cobrança de tributos sem a ocorrência de fato gerador, por meio de uma interpretação à margem da legalidade. Neste sentido é que os votos afirmam e reafirmam que não se trata de uma “norma antielisão”, com o termo “elisão” usado no sentido de um comportamento em que o contribuinte busca vias alternativas e evita licitamente aquelas opções que resultam em maior carga tributária.

Vejam-se os seguintes trechos, bastante claros, do voto da Relatora, dos quais os outros dois votos escritos não divergiram:

“Não se comprova também, como pretende a autora, retirar incentivo ou estabelecer proibição ao planejamento tributário das pessoas físicas ou jurídicas. A norma não proíbe o contribuinte de buscar, pelas vias legítimas e comportamentos coerentes com a ordem jurídica, economia fiscal, realizando suas atividades de forma menos onerosa, e, assim, deixando de pagar tributos quando não configurado fato gerador cuja ocorrência tenha sido licitamente evitada.” (p.10-11 do acórdão)

“De se anotar que elisão fiscal difere da evasão fiscal. Enquanto na primeira há diminuição lícita dos valores tributários devidos pois o contribuinte evita relação jurídica que faria nascer obrigação tributária, na segunda, o contribuinte atua de forma a ocultar fato gerador materializado para omitir-se ao pagamento da obrigação tributária devida.” (p.13 do acórdão)

A rigor, essa afirmação, tal como contida no acórdão da ADI n. 2.446, nunca foi objeto de discordância por parte de autores que, como eu, identificamos desde o primeiro momento no art. 116, parágrafo único, do CTN uma norma geral antiabuso, distinta de uma típica norma destinada a combater a evasão-sonegação. Autores como Ricardo Lobo Torres5, Marco Aurélio Greco6 e Sergio André Rocha7 nunca defenderam que o art. 116, parágrafo único, do CTN teria eliminado ou proibido a elisão tributária no sentido de um planejamento tributário lícito, como se, a partir da aprovação do dispositivo legal, os contribuintes estivessem obrigados, por uma espécie de dever moral ou cívico, a escolher em sua vida patrimonial e negocial as vias mais pesadamente tributadas. Quando esses autores afirmam que o art. 116, parágrafo único, do CTN é uma norma geral antielisão, o sentido que eles dão a essa expressão é bem distinto do sentido da expressão “norma antielisão” tal como utilizada no acórdão da ADI n. 2.446. Uma “norma geral antielisão”, na obra desses autores, é uma norma que coíbe o planejamento tributário abusivo (realizado com abuso de direito, fraude à lei etc.) e não o planejamento tributário lícito8; nos votos escritos que compõem o acórdão da ADI n. 2.446, uma norma antielisão é uma norma que coíbe o planejamento tributário lícito.

Na verdade, a afirmação de que a norma do art. 116, parágrafo único, do CTN veio proibir o planejamento tributário lícito é feita não na obra dos autores mencionados no parágrafo anterior e sim nas páginas da petição inicial da ADI n. 2.446 e na obra do autor mais citado nesta petição – Ives Gandra da Silva Martins9. Se formos às manifestações doutrinárias que, contrapondo-se às propostas de Ricardo Lobo Torres, Marco Aurélio Greco e Sergio André Rocha, defendem a inconstitucionalidade de normas gerais antiabuso, veremos que, em geral, a norma do art. 116, parágrafo único, do CTN não é reputada como inconstitucional e sim como uma norma válida10. É o caso, por exemplo, de Alberto Xavier, o autor que mais difundiu a tese do conceitualismo formal e da tipicidade cerrada no direito tributário brasileiro, e que não reputava inválido o art. 116, parágrafo único, do CTN11.

Portanto, com sua afirmação de que o art. 116, parágrafo único, do CTN “não é uma norma antielisão”, vale dizer, não é uma norma proibitiva do planejamento tributário lícito, o acórdão do STF não diverge nem da corrente doutrinária de autores como Ricardo Lobo Torres, Marco Aurélio Greco e Sergio André Rocha, nem da corrente doutrinária de autores ditos formalistas, como Alberto Xavier.

A questão passa então a ser a seguinte: ao afirmarem não o que a norma em questão não é (uma norma antielisão), mas o que a norma em questão é (uma norma antievasão), os votos escritos do acórdão da ADI n. 2.446 foram tão claros e inequívocos, especialmente quanto aos seus desdobramentos práticos? Outra questão a ser considerada: ao afirmarem e reafirmarem várias vezes que a norma combate a “evasão fiscal”, estariam os votos escritos da ADI n. 2.446 tomando algum partido na conhecida divergência (que fez correr rios de tinta na doutrina tributária brasileira das últimas décadas) entre os autores ditos formalistas (que consideram inconstitucionais as normas gerais antiabuso) e os autores que consideram válidas (e também necessárias) as normas gerais antiabuso?

4. Como interpretar, no contexto do acórdão, a afirmação de que o art. 116, parágrafo único, do CTN combate a “evasão fiscal”?

Se lemos somente o voto da Relatora, não fica nada claro o que significa, em termos práticos, o art. 116, parágrafo único, do CTN ser uma norma contra a evasão fiscal. Isso quer dizer que a norma combate exclusivamente os atos de sonegação que engendram fraudes inclusive criminalmente punidas? Isso quer dizer (como defendia Alberto Xavier) que somente os atos praticados com simulação (num sentido bastante restrito) podem ser desconsiderados, e construções como abuso de direito, fraude à lei e abuso de formas não podem ser utilizadas pelo fisco para fins de desconsideração dos atos e negócios praticados pelo contribuinte? Ou essas figuras (abuso de direito, fraude à lei e abuso de formas) situam-se, a juízo do acórdão do STF, no campo da ilicitude-evasão combatida pelo art. 116, parágrafo único, do CTN e, por isso, podem ser utilizadas pelo agente fiscal para fins de desconsideração dos atos e negócios praticados pelo contribuinte?

Há um trecho do voto da Relatora que parece indicar que comportamentos artificiosos, como os em fraude à lei ou com abuso de formas, poderiam ser tidos como evasão tributária. Na página 11 do acórdão, afirma-se que a norma do art. 116, parágrafo único, do CTN admite os planejamentos tributários que utilizam comportamentos “coerentes com a ordem jurídica”. Se o adjetivo coerente for tomado num sentido mais técnico e específico, pode significar a exigência de que não haja artificialismo nem ausência de causa jurídica12 nos atos e tramas negociais utilizados pelo contribuinte em seu planejamento tributário. Mas o voto não desenvolve esse raciocínio, que fica somente sugerido. Por isso a impressão geral que se tem é que a Relatora propôs-se a si mesma uma só tarefa: afastar a alegação da petição inicial de que o dispositivo questionado proibia o planejamento tributário lícito à margem da legalidade. Realizada essa tarefa (que é de se reconhecer que foi feita com clareza em seu voto), nada mais haveria a argumentar ou decidir.

Um trecho curioso do voto da Relatora é aquele que contém a afirmação de que o art. 116, parágrafo único, do CTN confere “máxima efetividade não apenas ao princípio da legalidade tributária mas também ao princípio da lealdade tributária”13. Esse “princípio da lealdade tributária” não está catalogado nem estudado na doutrina brasileira, reconhecidamente pródiga e criativa em sua veia principiológica. No contexto do voto da Relatora, pode-se interpretar que o princípio se refere à lealdade da autoridade administrativa responsável por realizar o lançamento tributário (que não pode cobrar tributo sem que esteja configurado e realizado seu fato gerador), ou à lealdade do contribuinte (que não pode ocultar por dissimulação a ocorrência do fato gerador). Num ou noutro caso, considero que o tal princípio da lealdade mais confunde do que esclarece o significado da legalidade tributária. Aliás, parece-me um arroubo retórico a afirmação do voto da Relatora de que o art. 116, parágrafo único, do CTN visa conferir uma “máxima efetividade” ao princípio da legalidade (p. 10 do acórdão). Com efeito, não há qualquer explicação no voto sobre em que consistiria essa “máxima efetividade”, ou qual seria a contribuição do dispositivo em questão para conduzir a legalidade tributária de um grau médio ou moderado a um grau máximo de efetividade.

Portanto, não é possível, partindo exclusivamente do voto da Relatora, ter razoável segurança sobre o sentido prático da afirmação de que a norma do art. 116, parágrafo único, do CTN combate a evasão fiscal. Mas lendo-se o voto do Ministro Lewandowski, que apoiou expressamente a afirmação da Relatora de que a norma é contra a evasão e não contra a elisão, a situação é bem distinta. Fazendo remissão à doutrina de Sacha Calmon Navarro Coêlho, o voto do Ministro Lewandowski é muito claro em sua interpretação do dispositivo questionado na ação, ao afirmar que (p. 20 do acórdão):

“caberá à autoridade administrativa ‘investigar a presença de vícios capazes de macular a existência do negócio jurídico (simulação e dissimulação) ou a sua validade, em fraude à lei, abuso de forma ou abuso de direito’”.

Vale dizer, comportamentos em fraude à lei, abuso de forma e abuso de direito são inequivocamente situados pelo voto no âmbito da evasão fiscal, e, portanto, são considerados como institutos a serem aplicados no âmbito da desconsideração de atos e negócios jurídicos mencionada no art. 116, parágrafo único, do CTN. Aqui já se pode identificar com clareza o seguinte: a afirmação do voto de que a norma é contra a evasão, ao incluir expressamente em tal campo os atos em fraude à lei, abuso de direito ou abuso de formas jurídicas, tem o mesmo sentido geral da afirmação dos autores que identificam no dispositivo uma norma antiabuso.

No terceiro voto escrito do acórdão, o Ministro Toffoli concorda com a Relatora e com o Ministro Lewandowski que a norma impugnada não veda o planejamento tributário lícito e sim as “condutas ilícitas” (p. 30 do acórdão). A certa altura, referindo-se ao voto do Ministro Lewandowski, afirma que dele não diverge “quanto aos adjetivos atribuídos à medida a que se refere o dispositivo questionado e a suas consequências” (p. 32 do acórdão). Esse trecho, além de indicar que o Ministro Toffoli concorda com o Ministro Lewandowski que a desconsideração traz consequências gravosas para o contribuinte e por isso deve obedecer ao devido processo legal, parece também indicar que o Ministro Toffoli compartilha a visão de que comportamentos em fraude à lei, abuso de forma e abuso de direito situam-se no âmbito da evasão fiscal, e, portanto, são considerados como institutos a serem aplicados no âmbito da desconsideração de atos e negócios jurídicos mencionada no art. 116, parágrafo único, do CTN.

Quando faz menção às informações prestadas pela Presidência da República, o Ministro Toffoli mencionou a afirmação de que “dissimular abrange o simular, mas tem maior amplitude do que esse, podendo abranger, em tese, hipóteses de abuso de direito, fraude à lei e utilização de negócios indiretos” (p. 29 do acórdão), e em seu voto não questiona tal assertiva, parecendo apoiar não somente esta, mas também as demais alegações da Presidência da República.

A única divergência do Ministro Toffoli em relação ao voto do Ministro Lewandowski é quanto à pretensa aplicação da reserva de jurisdição: para o Ministro Toffoli, a Constituição não veda que uma autoridade administrativa eventualmente negue eficácia, para fins de lançamento tributário, a determinados atos e negócios jurídicos praticados pelo contribuinte, nos termos do art. 116, parágrafo único, do CTN, ficando tal negativa de eficácia naturalmente sujeita ao controle judicial a posteriori. Já o Ministro Lewandowski, que nesse ponto teve o apoio do Ministro Alexandre de Moraes (sem voto escrito), considerou que o art. 116, parágrafo único, do CTN autoriza uma anulação de atos e negócios jurídicos, a qual somente poderia ser realizada por um membro do Poder Judiciário, daí decorrendo sua inconstitucionalidade.

Não há no voto do Ministro Toffoli qualquer divergência em relação à afirmação expressa do Ministro Lewandowski de que comportamentos em fraude à lei, abuso de forma ou abuso de direito incluem-se no campo da evasão e, portanto, devem ser considerados para fins de aplicação do art. 116, parágrafo único, do CTN; a divergência ocorre exclusivamente quanto à questão de ser ou não necessário que somente os membros do Poder Judiciário promovam a desconsideração de atos e negócios jurídicos prevista no dispositivo em questão.

Portanto, dos três votos escritos do acórdão, um deles manifestou clareza sobre o que se deve entender por evasão fiscal para fins de aplicação do art. 116, parágrafo único, do CTN, incluindo expressamente neste campo os comportamentos em fraude à lei, abuso de forma ou abuso de direito. Como nos outros dois votos não há nada que indique uma divergência explícita ou implícita a esse entendimento, creio que o mais correto é considerar que essa é a orientação senão decidida, pelo menos sinalizada pelo acórdão da ADI n. 2.446: no campo da evasão fiscal combatida pelo art. 116, parágrafo único, do CTN encontram-se, além dos atos simulados, os comportamentos em fraude à lei, abuso de forma ou abuso de direito.

5. A adoção da visão dualista elisão-evasão (tertium non datur) indica que prevaleceu no acórdão da ADI n. 2.446 a tese da inconstitucionalidade das normas gerais antiabuso no direito tributário brasileiro?

Há uma corrente doutrinária, da qual considero fazer parte, que interpreta o art. 116, parágrafo único, do CTN como a introdução no ordenamento jurídico de uma norma geral antiabuso que, conforme mencionado na exposição de motivos da LC n. 104/2001, se destina a limitar os planejamentos tributários artificiosos “praticados com abuso de forma ou de direito”. A maioria dos países europeus possui, há muitas décadas, uma norma deste tipo, como Espanha, Portugal, França e Alemanha14. Para essa corrente doutrinária, as condutas de planejamento tributário artificioso e abusivo podem e devem ser combatidas pelo ordenamento jurídico, mas não devem ser equiparadas às condutas de sonegação fiscal que envolvem ocultação de fatos, adulteração de documentos, declarações falsas, etc., visto que, no primeiro, caso há a construção de uma trama negocial que promove um contorno indireto das normas cogentes, e, no segundo caso, há uma tentativa de ocultação de um claro descumprimento dos deveres legais.

Por essa razão, por ver uma diferença entre o padrão jurídico do comportamento daquele contribuinte que lavra uma escritura de compra e venda de um imóvel com valor inferior ao que foi realmente transacionado para escapar ao imposto sobre o ganho de capital (simulação-sonegação-evasão) e o padrão jurídico do comportamento daquele contribuinte que procura escapar ao imposto sobre o ganho de capital por meio de um encadeamento de criações e extinções de pessoas jurídicas de modo artificial e sem causa jurídica (planejamento abusivo), é que a corrente doutrinária à qual me filio divisa três campos no âmbito das condutas que resistem ativamente ao tributo15: o campo do planejamento tributário lícito (elisão), o campo do planejamento tributário abusivo (que recorre ao abuso de direito, ao abuso de formas, à fraude à lei) e o campo da sonegação-evasão (simulação fraudulenta, falsificações etc.).

No acórdão da ADI n. 2.446, esperava-se que essa visão tripartida fosse analisada e que o STF fornecesse razões no sentido de sua adequação ou não ao ordenamento tributário brasileiro, especialmente após a aprovação do art. 116, parágrafo único, do CTN. Contudo, essa visão tripartida não foi sequer mencionada no acórdão, cujos três votos escritos adotam expressamente a visão bipartida, que somente considera haver o campo da elisão (planejamento tributário lícito) e o campo da evasão.

Como a visão bipartida elisão-evasão também é a adotada pelos autores (como Alberto Xavier e Ives Gandra da Silva Martins) cujas análises e propostas abrem um campo larguíssimo para o planejamento tributário – inclusive aquele que lança mão de encadeamentos negociais artificiais e sem causa jurídica, poder-se-ia concluir que o acórdão do STF na ADI n. 2.446, adotando a visão bipartida, alinhou-se à visão e às propostas daqueles autores. Mas a análise do acórdão indica que isso não aconteceu, visto que, conforme se verificou na seção anterior, da análise conjunta dos três votos escritos ressai a interpretação de que, no campo da evasão fiscal a ser combatida pelo art. 116, parágrafo único, do CTN, encontram-se, além dos atos simulados, os comportamentos em fraude à lei, abuso de forma ou abuso de direito.

Num estudo publicado em 2007, comparei as visões de Sacha Calmon Navarro Coêlho, Misabel Abreu Machado Derzi, Alberto Xavier e Ives Gandra da Silva Martins acerca dos limites do planejamento tributário. Minha conclusão foi que, não obstante os quatro autores afirmem a dualidade elisão-evasão e rechacem prima facie a constitucionalidade de normas gerais antiabuso, suas posições substantivas são bem distintas16. Enquanto os autores de Minas Gerais admitem expressamente a utilização dos institutos do abuso de formas jurídicas, vício da causa ou abuso da função instrumental do negócio para impor limites aos planejamentos tributários, Ives Gandra da Silva Martins e Alberto Xavier sempre se bateram pela inconstitucionalidade da utilização dessas noções no âmbito do planejamento tributário.

Sergio André Rocha expandiu essa investigação e incluiu na comparação as obras de Sampaio Dória e Hugo de Brito Machado17. Suas conclusões foram que Misabel Derzi, Sacha Calmon, Sampaio Dória e Hugo de Brito Machado adotam teorias binárias ou dicotômicas (elisão-evasão) e ostentam posições moderadas sobre os limites do planejamento tributário, em contraposição às posições extremamente permissivas de autores que se contentam com a regularidade formal dos atos e negócios para concluir pela licitude do planejamento tributário, considerando como inconstitucional o controle do planejamento com base nas noções de abuso de formas, ausência de causa, fraude à lei e abuso de direito. Segundo a posição de Ives Gandra da Silva Martins e Alberto Xavier, a Constituição permitiria que o legislador civil combatesse o abuso de direito ou a fraude à lei nos comportamentos dos particulares que buscam escapulir artificiosamente de suas obrigações (vide arts. 166, VI, e 187 do Código Civil), mas a Constituição não consentiria que o legislador fizesse o mesmo com relação aos contribuintes que utilizam as mesmas estratégias (abuso de direito, fraude à lei, abuso de formas) para praticar negócios jurídicos indiretos e contornar seus deveres tributários18.

Pela análise realizada na seção anterior do presente estudo, verifica-se que a fundamentação dos votos escritos do acórdão da ADI n. 2.446 sinaliza um alinhamento à posição dos autores ditos moderados, cuja abordagem dualista (elisão-evasão) não veta, no âmbito do que consideram como evasão, a adoção de institutos como abuso de direito, fraude à lei, ausência de causa e abuso de formas jurídicas como mecanismos de controle do planejamento tributário.

O acórdão teria se filiado à visão doutrinária de autores como Ives Gandra da Silva Martins caso, identificando no art. 116, parágrafo único, do CTN uma norma antiabuso voltada a comportamentos considerados como abuso de direito, abuso de formas ou fraude à lei, houvesse julgado a ação procedente e declarado a inconstitucionalidade do dispositivo. Caso o acórdão tivesse caminhado neste sentido, então estariam seriamente comprometidas as autuações fiscais e acórdãos do Carf que, durante as duas últimas décadas, com base principalmente no art. 149, VII, do CTN, consideraram simulados diversos planejamentos tributários com base em construções e noções gerais como ausência de causa, artificialidade, abuso de formas etc. Essas autuações fiscais e julgados do Carf também se veriam seriamente comprometidos se houvesse prevalecido no acórdão da ADI n. 2.446 a posição dos Ministros Lewandowski e Alexandre de Moraes, visto que, segundo o decidido por esses julgadores, a autoridade administrativa estaria impedida de declarar no ato do lançamento a simulação de atos e negócios jurídicos praticados pelos contribuintes, cabendo tal prerrogativa somente a uma autoridade judicial.

6. Se a norma ainda não pode ser aplicada por falta da lei ordinária que defina os procedimentos para a desconsideração dos atos e negócios jurídicos, qual o sentido de toda essa pesquisa sobre o acórdão da ADI n. 2.446?

No início deste estudo, afirmou-se que uma das constatações incontestes sobre o acórdão da ADI n. 2.446 é que o Tribunal decidiu, por unanimidade, que o art. 116, parágrafo único, do CTN ainda não pode ser eficaz, estando sua aplicação concreta condicionada à edição de lei ordinária que defina os procedimentos para a desconsideração dos atos e negócios jurídicos mencionados no dispositivo legal. Diante de tal constatação, poder-se-ia duvidar da utilidade da pesquisa a respeito do conteúdo e do alcance dados ao art. 116, parágrafo único, do CTN pelo acórdão da ADI n. 2.446.

Considero que a pendência da lei ordinária que definirá os procedimentos para aplicação do dispositivo em nada empana a importância de compreender o que o STF decidiu sobre o conteúdo e o alcance da norma. Ao ter decidido que a norma é constitucional, que a desconsideração administrativa (sujeita a controle judicial a posteriori) não equivale à anulação e sim à negativa de eficácia dos atos e negócios desconsiderados, e principalmente ao haver sinalizado que no escopo da desconsideração estão não apenas atos simulados como também atos praticados com abuso de direito, abuso de formas e fraude à lei (que compõem na visão do acórdão o terreno da evasão fiscal), o acórdão da ADI n. 2.446 traz importantes consequências para a atividade do legislador ordinário a quem compete aprovar o procedimento para aplicação da norma, para a atividade da autoridade administrativa responsável pela decisão de desconsideração, para a atividade da autoridade judicial responsável pela revisão dessa decisão e, claro, para a própria atividade de planejamento tributário realizada pelos contribuintes.

Com efeito, o procedimento a ser definido pelo legislador ordinário deve estar atento à gravidade dos efeitos da desconsideração (tal como afirmado nos votos de Lewandowski e Toffoli) e por isso deve cercá-la com todas as garantias do devido processo legal19, além de atribuir ao fisco o ônus de demonstrar a efetiva ocorrência do fato gerador, visto que foi afastada em todos os votos a afirmativa da petição inicial da ação de que o art. 116, parágrafo único, do CTN propiciava uma tributação à margem do fato gerador e da legalidade. O procedimento a ser estabelecido em lei ordinária também deve estar atento à necessidade de as autoridades fiscalizadoras terem o ônus de caracterizar, pelos fatos e provas trazidos aos autos, a ocorrência de simulação, fraude à lei, abuso de direito ou abuso de formas jurídicas, comportamentos que o acórdão da ADI n. 2.446 sinalizou estarem inseridos no campo da evasão fiscal combatida pelo art. 116, parágrafo único, do CTN. No momento de o contribuinte realizar o seu planejamento tributário, bem como no momento de a autoridade fiscal decidir se desconsidera ou não os atos e negócios postos em prática (decisão que, caso seja no sentido da desconsideração, submeter-se-á a controle judicial a posteriori), também terão grande importância argumentativa as construções da simulação, fraude à lei, abuso de direito ou abuso de formas jurídicas, cujos contornos concretos deverão ser paulatinamente fixados à medida que for se formando uma jurisprudência sobre a matéria.

7. A simulação e os limites do planejamento tributário: por que o STF relacionou o art. 116, parágrafo único, com os arts. 97, 108, 110 e 114 do CTN, mas não se pronunciou sobre sua relação com o art. 149, VII, do mesmo diploma legal?

Quando afirmei no início do presente estudo que se esperava que a decisão do STF na ADI n. 2.446 fosse tecnicamente mais elaborada e pudesse contribuir para delimitar com mais clareza os atuais poderes da autoridade fiscal para coibir o planejamento tributário abusivo, criticava principalmente a ausência, no acórdão, de uma referência à relação entre a simulação que desde a entrada em vigor do CTN a autoridade pode e deve desconsiderar no exercício do lançamento conforme norma expressa do seu art. 149, VII, do CTN e os atos com a finalidade de dissimular cuja desconsideração é autorizada pela norma do art. 116, parágrafo único, do mesmo diploma.

Já está suficientemente analisado e documentado pela doutrina brasileira o fato de que, como o art. 116, parágrafo único, do CTN permaneceu sem eficácia concreta em virtude da derrubada de sua regulamentação pela Medida Provisória n. 66 em 2002, as autoridades fiscais não ficaram de braços cruzados e passaram a combater o planejamento tributário abusivo lançando mão da figura da simulação prevista no art. 149, VII, do CTN. Se na obra de Alberto Xavier e Ives Gandra da Silva Martins a simulação no campo tributário se restringe a atos de típica sonegação fraudulenta, deixando um amplo espaço para a prática de negócios jurídicos indiretos que o fisco não poderia questionar, na obra de conhecidos civilistas (como Orlando Gomes20) e tributaristas (como Sampaio Dória21) a figura da simulação tem natureza e tratamento distintos, abrindo-se para considerações causalistas que exigem, mais do que simples regularidade formal, consistência e coerência negocial na atuação dos particulares (seja no âmbito civil, seja no âmbito tributário)22.

Ao longo das últimas décadas, assistiu-se a uma lenta evolução da jurisprudência do Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda e posteriormente do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, com a tendência de paulatinamente abandonar concepções mais permissivas e formalistas e adotar concepções mais substanciais e exigentes quanto ao que se considera um ato ou negócio não simulado, introduzindo neste controle sobre a regularidade do planejamento tributário noções como abuso de formas, substância sobre a forma, vícios na causa jurídica, teste do propósito negocial etc. Por isso venho afirmando há vários anos que, no Brasil, para compreender-se realmente como a jurisprudência concebe e valora as operações de planejamento tributário (mantendo algumas de pé e desclassificando outras), o conceito fundamental a ser analisado é o de simulação, que vem desempenhando, na prática, o papel de “instrumento eficaz para o combate aos procedimentos de planejamento tributário praticados com abuso de forma ou de direito”, que a Exposição de Motivos da Lei Complementar n. 104/2001 havia planejado para o dispositivo do parágrafo único do art. 116 do CTN.

Essa paulatina substituição, na jurisprudência do Carf, de um conceito restrito e formalista por um conceito amplo e causalista de simulação23 é objeto de ampla crítica doutrinária, especialmente pelo fato de ser um movimento desvinculado de normas legislativas e jurisprudenciais sobre os limites do planejamento tributário e as técnicas jurídicas para seu controle24. Em 2009, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou um Recurso Especial (REsp n. 946.707, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJ 31.08.2009) em que o contribuinte questionava a legalidade (perante as normas do Código Civil que tratam da simulação) de um lançamento que, aplicando um conceito causalista e substancialista de simulação, considerou simulados determinados atos e negócios praticados pelo contribuinte, num planejamento tributário que se viu frustrado pelo fisco pela aplicação do art. 149, VII, do Código Tributário Nacional e não pelo art. 116, parágrafo único, do mesmo diploma legal. A visão causalista de simulação, adotada pela fiscalização, pelo Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda e pelos órgãos judiciais de primeira e segunda instância no chamado Caso Josapar25, acabou sendo mantida pelo STJ por meio de um movimento de jurisprudência defensiva que preferiu não julgar o mérito da discussão material posta no recurso, desperdiçando uma valiosa oportunidade de o Poder Judiciário se pronunciar com clareza e talvez lograr promover certa uniformização/estabilização quanto ao alcance da simulação no âmbito do controle dos planejamentos tributários26.

No caso da ADI n. 2.446, naturalmente não se requeria do STF (tal como se deu com o STJ em 2009) o controle de legalidade de um lançamento tributário que frustrara um planejamento tributário utilizando uma concepção contestada de simulação aplicada por força do art. 149, VII, do CTN. Mesmo assim, esperava-se que o acórdão do Tribunal adentrasse em alguma medida o tema da simulação e seu perfil geral como instrumento de combate do planejamento tributário, até porque o texto da norma objeto da ação direta contém a expressão “com a finalidade de dissimular”, tornando necessário que qualquer interpretação minimamente sistematizada da norma se posicione sobre a relação entre ela e o instituto da simulação.

Essa expectativa se mostrou ainda mais justificada na medida em que o acórdão da ADI n. 2.446 afirmou com clareza que o parágrafo único do art. 116 do CTN se destina a combater a evasão fiscal, campo em que a simulação ocupa inegavelmente um lugar de destaque. Como o voto da Ministra Cármen Lúcia afirmou que o dispositivo legal objeto da ação direta aplica-se aos casos em que o contribuinte age para “ocultar fato gerador materializado para omitir-se ao pagamento de obrigação tributária devida” (p. 13 do acórdão); como os votos dos Ministros Lewandowski e Toffoli enfrentaram a questão específica da autoridade competente para desconsiderar atos e negócios simulados em matéria tributária; como o voto do Ministro Lewandowski chegou a mencionar a definição de simulação no Código Civil e apoiou manifestação doutrinária de Roque Antonio Carrazza de que “a simulação, em rigor, é uma só, não havendo porque distinguir, como fazem alguns, a civil da fiscal” (p. 22 do acórdão), então o acórdão não poderia ter se omitido quanto a uma questão central para compreender o art. 116, parágrafo único, do CTN com um mínimo de segurança jurídica: se o art. 149, VII, do CTN prevê desde 1966 a competência das autoridades administrativas para, no ato do lançamento e sua revisão, desconsiderar atos e negócios simulados (sendo esta e não outra a verdadeira norma geral antiabuso posta em prática pelo fisco para combater os planejamentos tributários que ele considera inválidos), qual seria a relação entre essa norma original do Código de 1966 e a norma introduzida em seu art. 116 no ano de 2001 (LC n. 104)?

Poder-se-ia argumentar que o STF não está obrigado a realizar interpretação sistemática e relacionar logicamente normas específicas de um mesmo diploma jurídico no exercício do controle de constitucionalidade das normas perante ele questionadas. Mas o fato é que esse tipo de fundamentação é comum e corriqueiro nos acórdãos da Corte, tendo sido inclusive realizado no próprio acórdão da ADI n. 2.446. Com efeito, para argumentar que o art. 116, parágrafo único, do CTN não viola a legalidade tributária nem autoriza a tributação por analogia, os votos do acórdão mencionaram com destaque a não revogação, pela LC n. 104/2001, dos dispositivos do CTN relativos à reserva de lei (art. 97 e art. 114 do CTN) e à proibição de tributação por analogia (art. 108, § 1º, do CTN), chegando mesmo a exagerar em seus pruridos de interpretação sistemática e relacionar o tema do combate da evasão ao famigerado art. 110 do CTN, norma pela qual a doutrina brasileira do direito tributário tem um fascínio irresistível, nela vendo a solução para todos os problemas.

8. Uma conclusão desconcertante e perigosa que poderia ser sacada do acórdão da ADI n. 2.446 – e o argumento que pode afastá-la

Ao afirmar categoricamente que o parágrafo único do art. 116 do CTN confere poderes para que o fisco combata a evasão fiscal e, ao mesmo tempo, afirmar categoricamente que o parágrafo único do art. 116 do CTN somente será eficaz quando se aprovar a lei ordinária que definirá os procedimentos para sua aplicação, o acórdão da ADI n. 2.446 abre as portas para uma conclusão desconcertante que traria danos imensos ao sistema tributário: a de que, a partir da introdução do parágrafo único no art. 116 do CTN, revogaram-se as normas anteriores (do CTN e de outros diplomas) que conferem prerrogativas de combate pelas autoridades administrativas à evasão fiscal, especialmente as que se referem à simulação27.

Esta conclusão, que em 2001 era uma simples conjectura28, pode agora assumir ares de interpretação fiel do decidido pelo STF na ADI n. 2.446 (ainda que muito provavelmente não querida nem percebida pelos Ministros que participaram do julgamento) e ser utilizada com competência no contencioso tributário para paralisar completamente as atividades administrativas de repressão à evasão fiscal, o que seria perturbador e desconcertante em termos de balanço final de uma norma legislativa que, ao fim e ao cabo, destina-se a combater – e não a incentivar e proteger – a evasão fiscal...

Contra referida interpretação, e respeitando a decisão do STF (a meu ver equivocada) de que o parágrafo único no art. 116 do CTN tem como escopo a ampla gama de comportamentos de evasão fiscal (melhor teria sido interpretar o dispositivo como destinado a combater os planejamentos tributários abusivos), deve-se argumentar que, caso realmente a prerrogativa administrativa contida na norma do parágrafo único no art. 116 do CTN pretenda revogar/substituir todas as prerrogativas que, anteriormente a ela, davam ao fisco poderes de combate à evasão fiscal (inclusive o art. 149, VII, do CTN), então essa espécie de revogação/substituição somente pode gerar efeitos quando a nova prerrogativa fiscal encartada no parágrafo único no art. 116 do CTN estiver em condições de ser exercitada, o que somente se dará após a lei ordinária aprovar o procedimento para a aplicação concreta do dispositivo.

9. Conclusão final

É preciso não exagerar nem menosprezar as consequências jurídicas do acórdão do STF na ADI n. 2.446.

Por um lado, é plenamente possível que o parágrafo único do art. 116 do CTN continue indefinidamente – por claros motivos de política fiscal – num limbo de ineficácia, do qual o julgamento da ADI não tem naturalmente o poder de retirá-lo. Em termos de impactos sobre os rumos do planejamento tributário e seus limites no direito brasileiro, é provável que tenha muito mais peso do que este acórdão do STF a medida legislativa introduzida em 2020 pelo Congresso Nacional no art. 19-E da Lei n. 10.522/2002, de modo silencioso e com muita discrição.

Por outro lado, creio que o acórdão do STF enfraquece a postura doutrinária, ainda bastante influente no Brasil, segundo a qual seria inconstitucional combater planejamentos tributários com o recurso a construções como abuso de direito, abuso de formas e fraude à lei. Essa postura teria prevalecido caso o acórdão, identificando no art. 116, parágrafo único, do CTN uma norma antiabuso voltada a comportamentos considerados como abuso de direito, abuso de formas ou fraude à lei, houvesse julgado a ação procedente e declarado a inconstitucionalidade do dispositivo.

Na leitura que a meu ver é a mais correta, o acórdão da ADI n. 2.446 abriu discretamente as portas para que, a partir da aprovação legislativa do procedimento de aplicação do parágrafo único do art. 116 do CTN, tenhamos na prática uma atuação mais racionalmente controlável e transparente de uma norma geral antiabuso, expressão que não consta do texto do acórdão, mas cujo sentido jurídico parece-me estar nele contido.

Finalmente, é preciso alertar especialmente os responsáveis pelo contencioso administrativo a respeito do potencial disruptivo (no sentido negativo da palavra) de uma intepretação aparentemente lógica do acórdão da ADI n. 2.446, segundo a qual o STF teria visto no art. 116, parágrafo único, do CTN a única via de combate da evasão fiscal, via inoperante até que sejam definidos por lei ordinária os procedimentos para sua utilização. Essa interpretação do acórdão levaria ao triste paradoxo de uma lei reconhecidamente destinada a combater a evasão fiscal promover na prática sua completa imunização, o que seria patético e inédito na história do direito tributário contemporâneo.

10. Referências

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1 Cf. GODOI, Marciano Seabra de. Decisões judiciais que limitam de forma genérica multa de ofício a 100% do valor do tributo: desvio e deturpação da jurisprudência do STF. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Grandes questões atuais do direito tributário. São Paulo: Dialética, 2015. v. 19, p. 288-318.

2 Em 2013, publiquei um artigo (GODOI, Marciano Seabra de. A volta do in dubio pro contribuinte: avanço ou retrocesso? In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Grandes questões atuais do direito tributário. São Paulo: Dialética, 2013. v. 17, p. 181-197) analisando criticamente a dissertação de mestrado do autor Marcos de Aguiar Villas-Bôas (VILLAS-BÔAS, Marcos de Aguiar. In dubio pro contribuinte: visão constitucional em busca da proteção dos direitos fundamentais. São Paulo: MP Editora e Ferraz de Camargo, Azevedo e Matsunaga Advogados, 2012). Em 2022, publiquei nesta RDTA um artigo em coautoria com João Victor Araújo Dande (GODOI, Marciano Seabra de; DANDE, João Victor. Será mesmo o tributo uma restrição a direitos fundamentais? Revista Direito Tributário Atual v. 50. São Paulo: IBDT, 2022, p. 305-324) analisando criticamente a tese de doutorado da autora Martha Leão (LEÃO, Martha. O direito fundamental de economizar tributos. São Paulo: Malheiros, 2018). Ambos os autores publicaram artigos com respostas e críticas a minhas publicações sobre suas obras (VILLAS-BÔAS, Marcos de Aguiar. In dubio pro contribuinte: continuação do debate. Revista Dialética de Direito Tributário n. 220. São Paulo: Dialética, 2014, p. 104-124; LEÃO, Martha. Um debate sobre forma e conteúdo: os limites do debate científico e a questão específica da relação entre o direito tributário e os direitos fundamentais. Revista Direito Tributário Atual v. 51. São Paulo: IBDT, 2022, p. 484-528). Agradeço a ambos pelas observações críticas dirigidas a meus artigos.

3 Em relação às críticas de Leão (LEÃO, Martha. Um debate sobre forma e conteúdo: os limites do debate científico e a questão específica da relação entre o direito tributário e os direitos fundamentais. Revista Direito Tributário Atual v. 51. São Paulo: IBDT, 2022, p. 486-7), esclarecemos que, quando afirmamos em nosso artigo que sua obra interpreta erroneamente a obra de Paul Kirchhof e que essa obra não dá respaldo à sua conclusão de que o direito tributário deve ser interpretado de modo distinto quanto às normas de incidência (interpretação literal ou respeito maior ao texto) e quanto às normas de desoneração (interpretação finalística), não houve qualquer acusação de desonestidade intelectual da autora e sim uma divergência claramente exposta sobre o modo correto de interpretar o significado da obra do autor alemão e dos seus trechos mencionados na obra da autora brasileira.

4 Em relação às críticas de Leão (LEÃO, Martha. Um debate sobre forma e conteúdo: os limites do debate científico e a questão específica da relação entre o direito tributário e os direitos fundamentais. Revista Direito Tributário Atual v. 51. São Paulo: IBDT, 2022, p. 488), esclarecemos que nada há de desrespeito ou agressão pessoal ad hominem em nossa afirmação de que a utilização da teoria dos princípios e dos direitos fundamentais para avançar a tese da interpretação literal das normas de incidência tributária conjura a visão antiquada (e incompatível com a Constituição de 1988) do tributo como norma excepcional, assim como nenhum agravo pessoal está subentendido em nossa afirmação de que a tese de Leão tem cunho ou fundo libertarista (o que foi negado pela autora em seu artigo de resposta) e uma mensagem política e moral semelhante à da tese de Ives Gandra de que o tributo, sempre e em qualquer parte do mundo, é uma norma de rejeição social. Não se nega caráter científico e valor acadêmico a uma tese de doutorado em direito ao afirmar-se que a pesquisa se filia a determinada tradição ou inspiração moral (como o perfeccionismo, o jusnaturalismo, o pragmatismo, o libertarismo), nem se deprecia a pessoa do pesquisador com a argumentação de que sua tese propõe direta ou indiretamente a retomada ou o retorno de concepções e institutos (como o in dubio pro contribuinte ou a interpretação literal da norma de incidência tributária) que o autor da crítica (que naturalmente também parte de posições imersas num contexto moral e político-ideológico) considera retrógrados, pertencentes a um período histórico superado.

5 TORRES, Ricardo Lobo. A chamada “interpretação econômica do direito tributário”, a Lei Complementar 104 e os limites atuais do planejamento tributário. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). O planejamento tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001, p. 233-244.

6 GRECO, Marco Aurélio. Constitucionalidade do parágrafo único do artigo 116 do CTN. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). O planejamento tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001, p. 183-204.

7 ROCHA, Sergio André. Para que serve o parágrafo único do artigo 116 do CTN afinal? In: GODOI, Marciano Seabra de; ROCHA, Sergio André (coord.). Planejamento tributário: limites e desafios concretos. Belo Horizonte: D’Plácido, 2018, p. 487-515.

8 “A jurisprudência dos valores e o pós-positivismo aceitam o planejamento fiscal como forma de economizar imposto, desde que não haja abuso de direito. Só a elisão abusiva ou o planejamento inconsistente se tornam ilícitos.” (TORRES, Ricardo Lobo. A chamada “interpretação econômica do direito tributário”, a Lei Complementar 104 e os limites atuais do planejamento tributário. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). O planejamento tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001, p. 239)

9 “O artigo 116, portanto, vem ferir frontalmente o artigo 150, inciso I, da Constituição Federal, que é cláusula pétrea. [...] Como, pelo novo art. 116, não é a lei que deverá ser aplicada à hipótese impositiva, mas sim a intenção do agente de obter mais tributos, qualquer lei, apesar de rigorosamente seguida pelo contribuinte, poderá ser desconsiderada, para dar lugar à aplicação daquela que representar a maior incidência. A figura da ‘elisão fiscal’, diversa da ‘evasão’ – aquela objetivando a economia legal de tributos e esta a ilegal – deixa de existir no direito brasileiro.” (MARTINS, Ives Gandra da Silva. Norma antielisão é incompatível com o sistema constitucional brasileiro. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). O planejamento tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001, p. 125)

10 Cf. a análise que Sergio André Rocha realizou da doutrina de Hugo de Brito Machado, Misabel Abreu Machado Derzi e Sacha Calmon Navarro Coêlho sobre o planejamento tributário e a norma do art. 116, parágrafo único, do CTN (ROCHA, Sergio André. Planejamento tributário e liberdade não simulada. 2. ed. Belo Horizonte: Letramento, 2022).

11 “Em nossa opinião, bem andou o Congresso Nacional em formular o novo parágrafo único do art. 116 do modo que o fez.” (XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001, p. 156)

12 Sobre a relação entre coerência negocial, causa jurídica e figuras como fraude à lei, abuso de formas e simulação, cf. GODOI, Marciano Seabra de. Dois conceitos de simulação e suas consequências para os limites da elisão fiscal. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Grandes questões atuais do direito tributário. São Paulo: Dialética, 2007. v. 11, p. 272-298.

13 Sergio André Rocha, analisando a questão, afirmou que, da análise do voto da Relatora como um todo, é possível inferir que o conteúdo do princípio da lealdade tributária está relacionado à exigência de adoção de vias legítimas ou comportamentos coerentes com a ordem jurídica para a economia lícita de tributos (ROCHA, Sergio André. Planejamento tributário e liberdade não simulada. 2. ed. Belo Horizonte: Letramento, 2022, p. 154-155).

14 GODOI, Marciano Seabra de. Fraude a la ley y conflicto en la aplicación de la legislación tributaria. Madrid: Instituto de Estudios Fiscales, 2005.

15 GODOI, Marciano Seabra de. Planejamento tributário. In: MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Planejamento tributário. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 444-520.

16 GODOI, Marciano Seabra de. Dois conceitos de simulação e suas consequências para os limites da elisão fiscal. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Grandes questões atuais do direito tributário. São Paulo: Dialética, 2007. v. 11, p. 295-298.

17 ROCHA, Sergio André. Planejamento tributário e liberdade não simulada. 2. ed. Belo Horizonte: Letramento, 2022, p. 21-141.

18 Neste sentido, vide as posições de Alberto Xavier (Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001, p.111-149; Tipicidad y legalidad en el derecho tributario. Revista de Derecho Financiero y Hacienda Pública n. 120/1975, p. 1.257-1.309) e Ives Gandra da Silva Martins (Norma antielisão é incompatível com o sistema constitucional brasileiro. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). O planejamento tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001, p. 117-128).

19 Neste ponto concordamos com Alberto Xavier (XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001, p. 78).

20 GOMES, Orlando. Introdução ao direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 364-365; 516.

21 Cf. DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio. Elisão e evasão fiscal. 2. ed. São Paulo: José Bushatsky, 1977; ROCHA, Sergio André. O planejamento tributário na obra de Sampaio Dória. Revista Fórum de Direito Tributário n.109, jan.-fev. 2021.

22 Cf. GODOI, Marciano Seabra de. Dois conceitos de simulação e suas consequências para os limites da elisão fiscal. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Grandes questões atuais do direito tributário. São Paulo: Dialética, 2007. v. 11, p. 272-298.

23 Esse processo provavelmente será revertido pela norma do art. 19-E da Lei n. 10.522/2002, introduzida pela Lei n. 13.988/2020, que dispõe que “em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade a que se refere o § 9º do art. 25 do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972, resolvendo-se favoravelmente ao contribuinte”. Trata-se de uma medida de altíssimo impacto, cujos propósitos de alteração dos rumos do combate ao planejamento tributário são evidentes. Com essa medida, o mais provável é que os exatos limites do planejamento tributário no Brasil afinal não sejam fixados nem pelo legislativo, nem pela administração, nem pelo Poder Judiciário, e sim soberanamente pelos próprios representantes dos contribuintes no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais.

24 Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo; BARBOSA, Matheus Calichio. Brazil. In: LANG, Michael et. al. (ed.). GAARs – a key element f tax systems in the post-Beps world. Amsterdam: IBFD, 2016, p. 109-146.

25 GODOI, Marciano Seabra de; FERRAZ, Andréa Karla. Planejamento tributário e simulação: estudo e análise dos casos Rexnord e Josapar. Revista Direito GV v. 15, 2012, p. 359-379.

26 Sobre o tema da ausência de pronunciamentos do Poder Judiciário acerca dos limites do planejamento tributário, vide SCHOUERI, Luís Eduardo. O Refis e a desjudicialização do planejamento tributário. Revista Dialética de Direito Tributário n. 232. São Paulo: Dialética, 2015, p. 103-115.

27 Sergio André Rocha fez esse alerta em publicação recente (ROCHA, Sergio André. Planejamento tributário e liberdade não simulada. 2. ed. Belo Horizonte: Letramento, 2022, p. 152). O autor também observou, a nosso ver com razão, que a prevalência da postura dos Ministros Lewandowski e Alexandre de Moraes quanto à necessidade de prévio pronunciamento judicial para a desconsideração de atos simulados representaria um sério retrocesso, mediante um desenho institucional inapropriado e paralisante (ROCHA, Sergio André. Planejamento tributário e liberdade não simulada. 2. ed. Belo Horizonte: Letramento, 2022, p. 157-159).

28 Essa interpretação foi defendida por Gabriel Lacerda Troianelli em 2001, logo após a edição da LC n. 104: “Desse modo, toda e qualquer tentativa de combater a evasão fiscal, mesmo nas hipóteses expressamente permitidas no artigo 149 do Código Tributário Nacional, fica a depender da oportuna edição de lei ordinária que preveja os procedimentos específicos a serem adotados pela autoridade lançadora, como requer, hoje, o parágrafo único do artigo 116, que resulta em considerável limitação, pelo menos até que a lei ordinária regulamentadora venha a ser editada, na atividade administrativa de combate à evasão fiscal.” (TROIANELLI, Gabriel Lacerda. O parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional como limitador do poder da administração. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). O planejamento tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2001, p. 101)