O Problema da Tributação dos Créditos Presumidos de ICMS pelo IRPJ e pela CSLL

The Problem of Taxation of Presumpted ICMS Credits by IRPJ AND by CSLL

João Victor Montenegro

Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Graduando em Ciências Contábeis pela Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi). E-mail: joaovmontenegrocm@gmail.com.

Recebido em: 31-10-2022 – Aprovado em: 4-11-2023

https://doi.org/10.46801/2595-6280.56.16.2024.2268

Resumo

O presente trabalho tem o escopo de confirmar que os créditos presumidos de ICMS não poderão ser tributados pelo Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e pela Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Isso, por meio de uma delimitação da conjuntura histórica da legislação no tocante à conceituação e tributação das subvenções, bem como analisando a classificação dos créditos presumidos de ICMS como subvenções para investimento. Por fim, serão apontados os posicionamentos históricos da Receita Federal, do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e quais as mais adequadas interpretações dos órgãos acerca do assunto.

Palavras-chave: tributação, IRPJ, CSLL, créditos presumidos, ICMS, subvenções, investimento, lucro, Carf, STJ, Receita Federal.

Abstract

The present work has the scope to confirm that the presumed ICMS credits cannot be taxed by the Corporate Income Tax (IRPJ) and by the Social Contribution on Net Income (CSLL). This, through a delimitation of the historical context of the legislation regarding the conceptualization and taxation of subsidies, as well as analyzing the classification of ICMS presumed credits as investment subsidies. Finally, the historical positions of the Federal Revenue, the Administrative Council of Tax Appeals (Carf) and the Superior Court of Justice (STJ) will be pointed out and the most appropriate interpretations of bodies on the subject.

Keywords: taxation, IRPJ, CSLL, presumed credits, ICMS, subsidies, investment, profit, Carf, STJ, Internal Revenue Service.

Introdução

Os créditos presumidos de ICMS são benefícios fiscais amplamente concedidos pelas Unidades da Federação, sendo assim, uma forma de redistribuição de renda e combate às desigualdades, garantindo a efetividade dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil1.

No entanto, tais benefícios geram uma abdicação de receita aos cofres públicos e não deveriam ser concedidos com tamanha liberalidade e sem seguir um padrão constitucional de formalidades para tanto.

Apesar disso, e muito em razão das latentes desigualdades regionais, a guerra fiscal entre os Estados por meio da concessão indiscriminada de incentivos de ICMS é uma realidade histórica. Ora, aquilo que deveria ser a exceção passa a ser a regra, pois a maioria das empresas com alguma relevância para os Estados detêm benefícios fiscais de ICMS.

Em meio a este cenário, a União, temendo uma perda considerável de receita, sempre exarou entendimento de que tais benefícios devem ser tributados. E é justamente o ponto fulcral do presente trabalho delimitar se tais créditos presumidos são efetivamente receita e lucro para fins de tributação.

O ICMS é um imposto não cumulativo em que mensalmente as entidades privadas apuram débitos a partir de suas vendas e créditos a partir de suas aquisições tributadas. No entanto, uma prática muito comum nos Estados é a possibilidade de substituição dessa apuração normal pela apuração com crédito presumido.

Ou seja, os contribuintes deixam de apurar os créditos advindos das mais diversas aquisições e passam a somente utilizar um percentual de crédito presumido. Nesse caso, o termo “presumido” é utilizado em razão de o fisco supor que a empresa teria tal percentual para abater dos débitos a título de crédito.

Noutro giro, em alguns Estados, a exemplo de Pernambuco, existem benefícios de crédito presumido em programas como o Prodepe (Programa de Desenvolvimento do Estado de Pernambuco). Em tal situação, os créditos presumidos são concedidos após a apuração regular do ICMS. Ou seja, na apuração mensal do ICMS, o saldo credor do imposto sofrerá um abatimento a título de crédito presumido de ICMS.

Entendidos tais conceitos, restaria delimitar qual o propósito da concessão de tais créditos para entender se efetivamente deveriam ser tributados. Nesse sentido, no primeiro capítulo será dado um panorama histórico da legislação e jurisprudência, para no segundo capítulo efetivamente entrar na discussão da tributação de tais créditos pelos tributos incidentes sobre a renda.

A análise feita no presente trabalho é de extrema importância tanto econômica quanto jurídica, tendo em vista que a maioria dos Estados concedem tais créditos, o que envolve valores exorbitantes a serem tributados ou não pela União. Nesse interim, no âmbito jurídico, a discussão envolve uma série de leis e ditames constitucionais, como os conceitos de “lucro” e “subvenções”, bem como a classificação dos créditos presumidos de ICMS como Subvenções para Investimento.

1. Conjuntura histórica da classificação contábil e fiscal das subvenções

O tema da tributação dos créditos presumidos de ICMS remonta a tempos anteriores até mesmo da Constituição Federal vigente, iniciando com a discussão acerca das subvenções e sua classificação contábil e fiscal.

Nessa esteira, faz-se patente compilar toda conjuntura histórica da discussão, trazendo todos os conceitos necessários e inclusive a consolidação da jurisprudência nos tribunais superiores e administrativos.

Ademais, antes de adentrar especificamente nos créditos presumidos de ICMS, é necessário entender o tema das subvenções, tendo em vista que a tributação delas influencia diretamente no tratamento tributário de tais créditos.

A figura das subvenções pode ser tida de maneira geral como um auxílio econômico prestado pelo Estado e que está presente no sistema normativo brasileiro desde a Lei n. 4.320, de 17 de março de 1964, que diferencia as subvenções sociais das econômicas, habitando a regulamentação das finanças públicas.

No mesmo ano (1964), as subvenções ganharam pertinência no Direito Tributário, estampadas no inciso IV do art. 44 da Lei n. 4.506, de 30 de novembro de 19642. A referida norma previu que as subvenções para custeio ou operação integram a receita bruta operacional da empresa.

Tempos depois, a Lei das S/A (Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976) acabou por dispor sobre outro tipo de subvenção ao estabelecer que as subvenções para investimentos seriam inseridas na conta de reserva de capital, que compõe o capital social das companhias.

Ato contínuo, ainda no âmbito do Direito Tributário, é editado o Decreto-lei n. 1.598, de 26 de dezembro de 19773, estipulando que as subvenções para investimento não serão computadas na apuração do Lucro Real, sob a condição de que tal valor seja devidamente registrado em conta de Reserva de Capital, em obediência à regra contábil anteriormente citada, e somente seja utilizado para absorver prejuízos ou em incorporação ao Capital Social.

Mas ora, qual então seria a diferença das subvenções para custeio e para investimento que ensejaria a inclusão de uma no resultado operacional e a exclusão de outra?

Sobre mais, Luís Eduardo Schoueri diferencia ambas na medida em que são destinados os recursos. Desse modo, as subvenções para custeio são utilizadas para custeio de despesas das entidades beneficiadas e, por outro lado, são subvenções para investimento aquelas cuja destinação sejam os empreendimentos econômicos.

No âmbito do Poder Executivo Federal, a matéria das subvenções foi posteriormente regulada em 1978 por dois Pareceres Normativos, o Parecer Normativo n. 2, de 2 de janeiro de 1978 trouxe, de maneira mais superficial, os conceitos e as características de ambos os tipos de subvenções.

Em resumo, o PN CST n. 2/1978 estabelece que as subvenções para custeio integram a receita bruta operacional da pessoa jurídica e são destinadas à cobertura de déficits ou ao custeio de operações correntes, enquanto as subvenções para investimento devem ser destinadas à aplicação em bens e direitos, permanecendo no ativo da empresa e mantidas na reserva de capital sem passar pelo resultado.

Além disso, como requisito, as empresas beneficiárias de subvenções para investimento não poderiam restituir aos sócios o valor recebido.

Ainda no mesmo ano foi editado o Parecer Normativo CST n. 112, de 29 de dezembro de 1978 que, aprofundando a matéria, trouxe maior conceituação acerca das subvenções concedidas por meio de isenções e reduções de impostos.

Nos itens 2.8 ao 2.13 explicou-se que as subvenções para investimento, a depender do seu tratamento contábil, poderiam ser excluídas da tributação sobre a renda. Isso porque, se tratadas como “Resultados não Operacionais” deverão ser ofertadas à tributação, enquanto se diretamente contabilizados em Reserva de Capital e destinados a investimentos em ativos, poderão ser excluídos da base dos tributos sobre a renda.

O Parecer estabeleceu como requisitos para exclusão das subvenções para investimento da tributação sobre a renda: (a) a sincronia da intenção do subvencionador com a ação do subvencionado, o que impõe que tanto o Ente tenha o objetivo de incentivar investimentos por parte do contribuinte, como este deve efetivamente investir na expansão do empreendimento econômico; (b) devem ser registradas como reserva de capital e só poderão ser utilizadas para aumento de capital social ou absorção de prejuízo; (c) não poderão ser restituídas aos sócios da pessoa jurídica.

Inclusive, o Conselho de Contribuintes em diversas ocasiões analisou incentivos de acordo com tais requisitos estabelecidos pelo Parecer Normativo n. 112/1978, como se verifica nos Acórdãos n. 101-94.676, n. 101-93.716 e n. 107-05.912.

Com isso, nota-se que na década de 1970 a diferenciação entre ambas as subvenções estava na sua aplicação, na intenção dos sujeitos (subvencionador e subvencionado), para que a partir disso houvesse a delimitação se poderiam ou não ser tributadas. Porém, posteriormente houve a implementação do IFRS (International Financial Reports Standards)4 no Brasil, que alterou a contabilização das subvenções para investimento.

Pois bem, a alínea “d” do art. 182 da Lei das S/A, que previa o registro das subvenções para investimento naquela conta do Capital Social, foi revogada pela Lei n. 11.638, de 28 de dezembro de 2007.

Ainda nesse cenário, foi inserido o art. 195-A na Lei das S/A, com o advento da Lei n. 11.638/2007 e também foi promulgada a Lei n. 11.941, de 27 de maio de 2009, a qual em seu art. 18 dispôs sobre a exclusão das subvenções para investimento do Lalur, seu reconhecimento no resultado da entidade e a posterior manutenção em conta de reserva de lucros.

Também é importante mencionar que as normas contábeis no Brasil, por meio do CPC 07, estabeleceram as regras relativas às subvenções seguindo a International Accounting Standards (IAS) 20, o que consolida a convergência das regras contábeis com a legislação tributária, seja pelo seu reconhecimento como resultado de maneira a ter uma melhor quantificação do incentivo nas operações da pessoa jurídica, como pela melhor determinação do resultado tributável.

Isso, porque a subvenção para investimento se amolda perfeitamente ao conceito contábil de receita, qual seja “aumentos nos ativos, ou reduções nos passivos, que resultam em aumento no patrimônio líquido, exceto aqueles referentes a contribuições de detentores de direitos sobre o patrimônio”5, mas não serão apuradas na base de cálculo do IRPJ e da CSLL desde que respeitadas as regras impostas pela legislação tributária.

Como cena final da implementação das regras e padrões do IFRS, foi editada a Lei n. 12.973, de 13 de maio de 2014, com o propósito de encerrar de vez o processo de transição. O seu art. 30 foi especialmente destinado ao tratamento das subvenções para investimento na apuração do Lucro Real, com caput assim disposto: “As subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos e as doações feitas pelo poder público não serão computadas na determinação do lucro real [...].”

Naquele momento, para a devida exclusão das subvenções para investimento da base de incidência dos tributos sobre a renda, foi consolidado no art. 30 que era necessário o uso destas para absorção de prejuízos e aumento do capital social, não podendo haver repasse aos sócios e ainda sua manutenção em conta de Reserva de Lucros.

Ainda é importante mencionar o completo afastamento da intenção do subvencionador e sua sincronia com os investimentos do subvencionado como requisito para caracterização como subvenção para investimento.

Assim, brevemente apresentada a conjuntura histórica das subvenções até antes da promulgação da Lei Complementar n. 160, de 7 de agosto de 2017, é necessário entender como os créditos presumidos de ICMS se enquadram na discussão.

1.1. Controvérsia acerca da caracterização dos incentivos fiscais de ICMS como subvenção para investimento ou custeio

Sabe-se que o Brasil se desenvolveu com inúmeras desigualdades sociais, dada a concentração de renda nos Estados do Sul e Sudeste do Brasil, enquanto os demais Estados encontravam-se em situação econômica próxima aos estágios típicos de países subdesenvolvidos.

Assim, o constituinte originário, inconformado com tal situação, editou a Constituição Federal com dispositivos com claro fito de diminuir as desigualdades, inclusive usando o sistema tributário para tanto6.

No entanto, em que pese todos os ditames constitucionais, o Governo Federal sempre se manteve inerte, o que gerou inconformismo dos Estados que por conta própria buscaram promover o desenvolvimento de seus territórios, utilizando os incentivos fiscais de ICMS.

Promovida a tão conhecida “guerra fiscal”, o número incontável de incentivos fiscais oferecidos pelos Estados acabou por criar inúmeros conflitos de ordem tributária, haja vista que são 27 Estados e, consequentemente, o mesmo número de critérios e conjuntos normativos diferentes.

Outro ponto sensível era a dificuldade (quase impossibilidade) de concessão de incentivos, haja vista que a Lei Complementar n. 24/1975 exigia decisão unânime dos Estados para que qualquer Unidade da Federação promovesse a instituição de incentivo fiscal.

Ainda assim, muitos Estados simplesmente ignoraram tal restrição e editaram inúmeros incentivos para os mais diversos tipos de atividades.

Tendo em vista a incontável existência de benefícios, a União não perdeu tempo em tentar enquadrar tais benefícios como tributáveis. Tal prática, por muito tempo, se fez fundamentada no Parecer Normativo CST n. 112, de 29 de dezembro de 1978, o qual exigia que, para a desoneração dos incentivos, deveriam ser caracterizados como subvenção para investimento.

Assim, surgiu a discussão acerca do enquadramento dos incentivos fiscais de ICMS como subvenções para investimento, inclusive os créditos presumidos.

Desta feita, restou ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) ponderar sobre os mais diversos tipos de incentivos fiscais de ICMS, dentre eles os créditos presumidos de ICMS. Nesse sentido, a jurisprudência majoritária do Carf se fez nos termos do Parecer Normativo CST n. 112/1978 exigindo a sincronia entre o repasse dos valores pelo subvencionador e a devida aplicação pelo subvencionado nos empreendimentos (vinculação)7.

No entanto, entendo que a mais correta interpretação foi exarada nos termos do voto do Conselheiro Carlos Augusto Daniel (Acórdão n. 3402­003.0428). Naquela oportunidade, o conselheiro asseverou que “O PN CST n. 112/78 extrapolou os requisitos de caracterização de uma subvenção para investimento previstos no Decreto 1.578/77”.

Ora, pela conjuntura histórica traçada anteriormente, nota-se que houve regulamentação da tributação das subvenções para investimento antes do Parecer Normativo, este não poderia criar novas exigências além daquelas previstas em lei.

Ademais, percebe-se que apesar dos créditos presumidos de ICMS terem a mesma denominação, o Carf exercia análise quanto à forma como estavam dispostos na legislação, bem como a forma de escrituração destes créditos, além disso, exigia a comprovação da ampliação dos empreendimentos do contribuinte para a não tributação pela renda destes incentivos fiscais, já que as condições e requisitos para concessão dos créditos presumidos era muito diferente de um Estado para o outro.

Porém, com a necessária adoção de parâmetros internacionais de contabilidade no Brasil, houveram diversas mudanças legislativas, inclusive no âmbito das subvenções.

Assim, faz-se necessária uma análise mais detalhada das alterações trazidas com a implementação da IFRS no Brasil e sua influência sobre a tributação dos créditos presumidos de ICMS.

1.2. Influência do novo padrão contábil trazido pelas Leis n. 11.638/2007,
n. 11.941/2009 e n. 12.973/2014 para a contabilização das subvenções

O padrão contábil brasileiro antes da implementação da IFRS era estritamente com fins de fiscalização tributária, ou seja, as demonstrações contábeis do país serviam única e exclusivamente para serem distribuídas ao Fisco9.

No entanto, surgiu a necessidade de seguir os padrões contábeis internacionais, os quais instituíram normas contábeis com outros propósitos, a exemplo da contabilidade societária, cujo propósito maior é proporcionar aos acionistas das empresas fundamentos mais sólidos para análise da saúde da empresa.

Diante deste contexto, as alterações das normas contábeis no Brasil se iniciaram por meio das Leis n. 11.638/2007 e n. 11.941/2009, as quais também trouxeram mudanças para o âmbito tributário. Nesse sentido, o art. 18 da Lei n. 11.941/2009, que trouxe novas disposições sobre a tributação das subvenções para investimento.

Em síntese, as subvenções para investimento deveriam ser reconhecidas em conta de resultado (pelo regime de competência), assim como seriam excluídas do Livro de Apuração do Lucro Real, desde que preenchidos certos requisitos.

Com tais legislações percebe-se uma mudança nas exigências para não tributação das subvenções para investimento. O PN CST n. 122/1978 exigia a efetiva e específica aplicação da subvenção, por parte do beneficiário, nos investimentos previstos na implantação ou expansão do empreendimento econômico projetado e a perfeita sincronia da intenção do subvencionador com a ação do subvencionado. Já a norma superveniente não dispôs acerca de vinculação e sincronia, o que só reforça o Parecer Normativo extrapolou sua competência.

1.3. Entendimento da Receita Federal e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais anterior à Lei Complementar n. 160, de 2017

Em primeiro plano, cumpre esclarecer que o entendimento no âmbito administrativo acerca da matéria nunca foi uníssono, isso, de tal forma que a Receita Federal emitia soluções de consulta aplicando as exigências do Parecer Normativo CST n. 112/1978, enquanto que no próprio Carf havia divergência quanto à aplicação deste parecer.

A Receita Federal emitiu diversas soluções de consulta10 com entendimento de que, para a não tributação dos incentivos fiscais, haveria que se vislumbrar a efetiva aplicação dos recursos na expansão de empreendimentos da empresa, bem como ser verificada na legislação que concede o incentivo à sua destinação específica.

Apesar tratar-se de entendimento anterior às alterações trazidas pelo art. 30 da Lei n. 12.973/2014, este foi replicado na Solução de Consulta Cosit n. 188/2015, posterior ao referido dispositivo.

Noutro giro, apesar do entendimento da Receita, o Carf já seguia proferindo acórdãos que remontam a 2010 (anterior à Lei n. 12.973/2014) e excluem quaisquer exigências no tocante à aplicação dos recursos no ativo imobilizado ou na expansão de empreendimentos das empresas.

Nesse interim, a 2ª Turma Ordinária da 2ª Câmara do Carf, no Acórdão n. 1202-000.61611, tomou por base o entendimento da Câmara Superior de Recursos Fiscais no Acórdão 9101-000.56612 no sentido de afastar a obrigatoriedade da aplicação dos valores recebidos na efetiva implantação do empreendimento. Também é relevante citar o voto do Conselheiro Benedicto Celso Benício Júnior no Acórdão n. 110.100.66113 da 1ª Turma do Carf, em que fica demonstrada a ilegalidade do PN n. 112/1978 ao criar exigências não previstas em lei.

A determinação da norma tributária é quanto à contabilização das subvenções para investimento e sua destinação para absorção de prejuízos e aumento do capital social, ademais, também não havendo sua distribuição para terceiros, não se pode falar em tributação de tais valores.

Outrossim, a Receita Federal, por meio da Solução de Consulta n. 109/2017 aplicou exclusivamente os requisitos do art. 30 da Lei n. 12.973/2014 para fins de desoneração das subvenções para investimento, ficando a cargo do Carf interpretar adequadamente quais incentivos fiscais se caracterizam como “subvenção para investimento”.

Diante de todo este cenário nos órgãos administrativos, o Poder Legislativo, com fito de encerrar a discussão acerca de quais seriam as exigências para a exclusão das subvenções da tributação, promulgou a Lei Complementar n. 160, de 2017, a qual merece maior atenção em momento futuro.

2. Tributação dos créditos presumidos de ICMS pelos tributos incidentes sobre a renda

Como exaustivamente delimitado no capítulo anterior, a discussão acerca da tributação das subvenções é pretérita até mesmo à Constituição vigente no país, iniciando com a Lei das S/A, posteriormente com o Parecer Normativo CST n. 112/1978, bem como com as normas que trouxeram para o sistema normativo brasileiro as leis internacionais de contabilidade.

No entanto, antes de adentrar no contexto da Lei Complementar n. 160/2017, que veio para colocar uma “pá de cal” na discussão, é necessário delimitar o que seria lucro tributável para então verificar a legislação pertinente e entender como os tribunais administrativos e o Poder Judiciário entendem acerca do assunto.

Portanto, passa-se a expor todo arcabouço doutrinário acerca do conceito de renda, para fins do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).

2.1. Conceito de lucro tributável

De primeiro plano, a Constituição Federal dispõe em seu art. 153, III, que é de competência da União instituir impostos sobre a renda e proventos de qualquer natureza. No entanto, por não definir o conceito de renda, coube ao CTN em seu art. 43.

Sabe-se que o objetivo do CTN foi o de prover uma definição mais abrangente do conceito de renda, haja vista existirem duas correntes doutrinárias distintas quanto ao conceito de renda.

A primeira diz respeito ao conceito de renda-produto, criada por Herman14, já a segunda trata da renda-acréscimo patrimonial, criada por Haig15, na Alemanha e Simons16, nos Estados Unidos. Em primeiro plano, a renda-produto define-se pelo produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos. De outro lado, a renda-acréscimo patrimonial nada mais é do que a comparação entre a situação patrimonial do sujeito em dois momentos distintos.

Outrossim, o inciso I do art. 43 do CTN traz consigo o conceito de renda-produto, já o inciso II abarca o conceito de renda-acréscimo patrimonial. Portanto, o imposto sobre a renda, de competência da União, poderá incidir sobre a renda, seja ela renda-produto ou acréscimo patrimonial17.

No entanto, é necessário pontuar que, segundo Schoueri18: “Uma leitura atenta do dispositivo, por outro lado, leva-nos à conclusão de que não basta a existência de uma riqueza para que haja a tributação; é necessário que haja disponibilidade sobre a renda ou sobre o provento de qualquer natureza”.

Ou seja, não basta o aumento do patrimônio de maneira genérica para se fazer incidir os tributos da renda, é necessário que o contribuinte efetivamente tenha disponibilidade daqueles valores e que também demonstre capacidade contributiva deste.

Nessa esteira, no tocante ao Imposto de Renda da Pessoa Jurídica, o art. 210 do Decreto n. 9.580, de 22 de novembro de 2018, dispôs sobre a base de cálculo do IRPJ de maneira que esta será o lucro real, presumido ou arbitrado, correspondente no período de apuração.

O conceito de lucro real já havia previsão no art. 6º do DL n. 1.598/1977, em que o lucro real “[...] é o lucro líquido do exercício ajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas pela legislação tributária”.

Assim, sendo o lucro líquido aquele disposto nas leis societárias, e as adições e exclusões aquelas previstas na legislação tributária, não deveriam, então, as subvenções para investimentos serem tributadas.

Explica-se.

A Lei das S/A dispõe que apenas as subvenções para custeio integram o resultado operacional da empresa (adição), também é previsto no art. 523 do Decreto n. 9.580/2018 que as subvenções para investimentos não serão computadas no lucro real (exclusão).

Nessa toada, do ponto de vista fiscal-tributário, percebe-se a possibilidade de não tributação das subvenções para investimento pelo IRPJ e pela CSLL, seja pela sua exclusão prevista na legislação tributária (entendida como regra de dedução ou como benefício fiscal), ou pela ausência de fato gerador do IRPJ e da CSLL por não ser riqueza do contribuinte (não incidência) e, como se verá adiante, sendo os créditos presumidos caracterizados como subvenção para investimento, estes também não devem ser tributados.

Faço um necessário esclarecimento de que a natureza dessa exclusão das bases do IRPJ e da CSLL prevista na legislação do imposto de renda, seja como dedução ou como benefício fiscal, não é importante para o presente estudo, posto que o STJ decidiu com fundamento constitucional capaz de afastar qualquer discussão infraconstitucional.

2.2. Caracterização definitiva dos créditos presumidos de ICMS como subvenção para investimento na Lei Complementar n. 160/2017

Diante de todo o contexto histórico fornecido no capítulo primeiro deste trabalho, percebe-se que o enquadramento dos créditos presumidos de ICMS como subvenção para investimento ficava a cargo da Receita Federal e do Carf a partir de uma análise caso a caso.

Dito isso, o legislador, com fito de encerrar em definitivo tal discussão, promulgou a Lei Complementar n. 160/2017 acrescentando dois importantes parágrafos ao art. 30 da Lei n. 12.973/2014. Sendo eles, o quarto parágrafo, cuja redação estabelece que os incentivos e benefícios fiscais ou financeiros relativos ao ICMS são subvenções para investimento, vedada a exigência de outros requisitos além dos previstos no mesmo artigo.

Ora, o que tentou fazer o legislador foi afastar quaisquer critérios estabelecidos no PN n. 112/1978 e ainda acabou por definir os créditos presumidos de ICMS definitivamente como subvenção para investimento.

A partir da promulgação da Lei Complementar n. 160/2017 o cenário da tributação dos créditos presumidos de ICMS era: (i) são considerados subvenção para investimento (§ 4º do art. 30 da Lei n. 12.973/2014); (ii) devem ser escriturados na conta de Reserva de Incentivos e não podem ser repassados a terceiros; (iii) caso contrário, serão tributados.

Ou seja, não haveria dúvidas de que os créditos presumidos de ICMS seriam subvenções para investimento, mas para serem excluídos da tributação deveriam preencher os requisitos estabelecidos no art. 30 da Lei n. 12.973/2014 de contabilização dos recursos em reserva de incentivos, bem como que não fossem distribuídos aos sócios e utilizados para aumento do capital social ou absorção de prejuízo.

Nesse sentido, a própria Receita Federal, por meio da Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), emitiu a Solução de Consulta n. 11/2020 exarando entendimento mais favorável aos contribuintes, na medida em que afastou quaisquer outros requisitos, senão aqueles dispostos no art. 30 da Lei n. 12.973/2014.

Em vista deste cenário, a Receita Federal editou a Solução de Consulta Cosit n. 145, de 2020, afastando o PN n. 112, bem como afirmando que todos os benefícios estaduais promulgados até a edição da LC n. 160/2017 seriam considerados subvenções para investimento, desde que respeitadas as regras de depósito no Confaz.

No entanto, após a publicação desta solução de consulta (9 de março de 2020), foi editada a Solução de Consulta Cosit n. 145/2020 em 22 de dezembro de 2020 reformando tal entendimento no sentido de, apesar das alterações trazidas pela LC n. 160/2017, para os incentivos e os benefícios fiscais de ICMS serem caracterizados como Subvenção para Investimento, devem ser concedidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimento econômico.

Desta forma, apesar do novo dispositivo normativo vir para supostamente encerrar de vez o contencioso acerca do assunto, posicionamentos divergentes da própria Receita Federal acabaram trazendo cada vez mais conflitos.

Assim, do ponto de vista fiscal-tributário, diferentemente do entendimento exarado pela Receita, os créditos presumidos de ICMS são subvenções para investimento e não devem ser tributados pelo IRPJ e pela CSLL, com fulcro no art. 30 da Lei n. 12.973/2014, não havendo que se falar em exigência de que seja “[...] concedido como estímulo à implantação ou expansão de empreendimento econômico [...]”, pois basta a devida escrituração e o não repasse aos sócios para estarem livres de tributação.

Por fim, o Superior Tribunal de Justiça, em razão da considerável quantidade de processos judiciais sobre a matéria, julgou o caso sob a perspectiva constitucional, a qual se verá a seguir.

2.3. Entendimento do STJ quanto à matéria

O Superior Tribunal de Justiça, como dito anteriormente, apreciou a tributação dos créditos presumidos de ICMS pelo IRPJ e pela CSLL de uma ótica distinta da fiscal-tributária isso, pois, em sede de Embargos de Divergência no Recurso Especial, a Primeira Seção do STJ entendeu que não haveria que se falar em incidência do IRPJ e da CSLL sobre os créditos presumidos de ICMS sob pena de violação ao princípio do federalismo.

Contextualizando, a Fazenda Nacional opôs embargos de divergência em face do acórdão proferido nos autos do REsp n. 1.675.331/PR, o qual negava provimento a seu agravo interno sob fundamento de que o entendimento da 1ª Turma do STJ era divergente, por entender pela exoneração do IRPJ e da CSLL sobre os créditos presumidos de ICMS.

Assim, em seus embargos a Fazenda sustentou divergência de entendimentos entre a 1ª e a 2ª Turma do STJ, obrigando o debate do tema pela 1ª Seção. Porém, antes de entrar no mérito da decisão, é necessário entender os ditames constitucionais pertinentes.

Inicialmente, tratando-se do Princípio Federativo, a Constituição Federal em seu art. 150 dispõe que “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios [...] instituir impostos sobre [...] patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros”.

Sabe-se que o Princípio Federativo concede igualdade aos entes (União, Estados e Municípios) para instituição de suas normas sem que estas conflitam umas com as outras. Diante disso, não poderia a União interferir nos assuntos dos Estados e vice-versa.

A Carta Magna ainda prevê competências específicas à União como maneira de centralizar atribuições, porém, não poderia a União se valer de tais para usurpar competências dos Estados e Municípios sob razão de suposta superioridade.

Nessa esteira, o art. 150, inciso VI, alínea “a”, da CF/1988, estabelece a Imunidade Recíproca no Direito Tributário, em respeito ao Princípio Federativo, com fito de impedir que os entes da federação se tributem, justamente respeitando a máxima de que não existe hierarquia entre tais.

Passadas tais premissas delimitadas pela Constituição, passemos aos fundamentos do acórdão proferido pelo STF nos autos do EREsp n. 1.517.492/PR, mais especificamente o voto-vista da Ministra Regina Helena Costa.

Contextualizando, discutia-se a incidência do IRPJ e da CSLL sobre o benefício de crédito presumido concedido pelo Estado do Paraná aos estabelecimentos produtores de farinha de trigo e produtos derivados.

Entendeu a Ministra que se tratava de alívio fiscal com fito de promover o desenvolvimento econômico regional, tratando-se, portanto, de outorga de crédito presumido constitucionalmente aceito.

Em suas palavras, a Ministra asseverou:

“Note-se que, na linha de raciocínio esposada pelo Supremo Tribunal Federal, os créditos presumidos de ICMS, concedidos no contexto de incentivo fiscal, não teriam, com ainda mais razão, o condão de integrar as bases de cálculo de outros tributos, como quer a ora Embargante, em relação ao IRPJ e à CSLL, quer porque não representam lucro, quer porque tal exigência tem fundamento em meras normas infralegais, quer ainda, à vista de fundamento não menos importante, por malferir o princípio federativo.”

Com isso pode-se extrair três principais pontos de análise: (i) conceito de lucro; (ii) regras de dedução do IRPJ; e (iii) Princípio Federativo.

No tocante ao conceito de lucro, o STJ entendeu que os créditos presumidos não representam lucro, haja vista que são mero ingresso de caixa para posterior repasse ao Fisco.

Ora, viu-se que as subvenções para investimento são concedidas com o fito de expandir os empreendimentos praticados pelas empresas, tal expansão gera uma futura arrecadação para o próprio fisco estadual em razão do crescimento da empresa.

Quanto às regras de dedução das subvenções para investimento do imposto de renda, o STJ sequer abordou visto que não tinham importância para a conclusão adotada.

Por fim, o principal argumento trazido pelo STJ remonta ao Princípio Federativo, no qual proíbe que os entes da Federação interfiram nos assuntos uns dos outros, fundamento que por si só deveria silenciar qualquer discussão acerca da legislação infraconstitucional.

Ora, o Estado que concede crédito presumido de ICMS está por abdicar de receita com objetivo de fomentar desenvolvimento econômico em determinado setor da economia. Esta abdicação de receita não pode ser tributada pela União, pois o contribuinte não está revelando capacidade contributiva, mas sim recebendo subvenção governamental com destinação específica de expandir seus empreendimentos (independentemente do resultado financeiro advindo da expansão).

Diante disso, o que a União faz ao tributar os créditos presumidos de ICMS é onerar o patrimônio dos Estados, haja vista que aquele valor de ICMS descontado pelos créditos presumidos seria repassado aos Estados. Esta prática finda por desvirtuar o próprio objetivo do incentivo fiscal.

Em decorrência desta decisão, os contribuintes buscaram alargar a aplicação do Pacto Federativo aos demais incentivos de ICMS. Foi então que, analisando o Tema Repetitivo n. 1.18219, o Superior Tribunal de Justiça reafirmou a posição acerca dos créditos presumidos, o que fortalece ainda mais o afastamento da aplicação da legislação infraconstitucional sobre tal benefício, mas determinou que os demais incentivos de ICMS deveriam seguir os requisitos da Lei n. 12.973/2014.

Essa decisão reforça a interpretação de que as leis ordinárias não se aplicam aos créditos presumidos de ICMS para fins de tributação pelo IRPJ e pela CSLL.

2.4. Entendimentos mais recentes do Carf sobre a matéria

Em resumo, o STJ entendeu que a tributação dos créditos presumidos de ICMS pelo IRPJ e pela CSLL fere o Princípio Federativo, no entanto, o Carf não aplicou tal entendimento por algum tempo, pois não tinha caráter vinculante à Administração Tributária – o que só veio a ocorrer a partir do julgamento do Tema Repetitivo n. 1.182 do STJ.

Antes dessa vinculação, uma corrente difundida no Conselho Administrativo de Recursos Fiscal foi no sentido que a não tributação dos créditos de ICMS consiste em benefício fiscal da União e, para fazer jus a este benefício, o contribuinte deve demonstrar a efetiva destinação dos valores para implantação ou expansão do empreendimento econômico.

O voto do Conselheiro Carlos André Soares Nogueira no Acórdão n. 1401-005.75920 (de 18 de agosto de 2021) representa bem tal corrente interpretativa, em que assevera que a LC n. 160/2017 não afastou a possibilidade de exame do fiel cumprimento dos requisitos e condições para recebimento da subvenção de ICMS.

Ainda acrescentou: “[...] caso a pessoa jurídica desvie e não utilize os créditos recebidos do Estado na implantação ou expansão do empreendimento econômico, conforme as regras estabelecidas pelo ente federado, não terá direito à fruição do benefício fiscal concedido pela União, em relação ao IRPJ e à CSLL”.

Este entendimento é cabalmente divergente do que restou decidido pelo STJ, pois afastou qualquer discussão relativa à legislação ordinária, caracterizando a tributação dos créditos presumidos de ICMS como afronta ao Princípio Federativo.

Ou seja, a legislação do imposto de renda que trata das subvenções para investimento não alcança os créditos presumidos de ICMS, pois sempre esbarrará no Pacto Federativo.

Ainda que o contribuinte promova a distribuição aos sócios do valor relativo aos créditos presumidos de ICMS, o Governo Federal nunca poderá tributar estes montantes pois estaria incorrendo em uma afronta ao Pacto Federativo.

Por fim, ainda que se discuta a aplicação das regras de dedução previstas no art. 30 da Lei n. 12.973/2014, é valiosa a lição de Schoueri21 acerca da capacidade contributiva, elemento essencial para incidência de tributos: “De nossa parte, valemo-nos do princípio da capacidade contributiva, pois cada uma das circunstâncias apontadas pelo constituinte – nos arts. 153, 155 e 156 – na discriminação de competências para instituir impostos, constitui um fato signo presuntivo de capacidade contributiva”.

Destaca ainda com propriedade que, ao se falar em imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, o constituinte dá a entender que este fato econômico aponta alguma capacidade do sujeito em contribuir para os gastos do Estado.

Desta forma, as subvenções para investimento não configuram capacidade contributiva do beneficiário haja vista que seu requisito básico não circunda o lucro, receita ou resultado da empresa, mas sim tem o objetivo de promover desenvolvimento econômico, independentemente de os empreendimentos advindos da subvenção gerarem resultado positivo ou não para as empresas22.

Portanto, por não se tratar de renda, não está se falando em benefício fiscal quando da não tributação dos créditos presumidos de ICMS, mas em não incidência do IRPJ e da CSLL por inexistência de fato gerador, pois o benefício fiscal é uma renúncia de receita pelo ente público, o que pressupõe a existência de fato gerador para afastar a tributação com benefício fiscal, que não ocorre neste caso.

Ademais, é importante mencionar que nos acórdãos da Câmara Superior em 2024 (1003-004.300 e 1003-004.299), ainda não houve uma conclusão se são aplicáveis os requisitos do art. 30 da Lei n. 12.973/2014 aos créditos presumidos de ICMS, pois foi determinado o retorno dos autos à fiscalização para revisão do lançamento, razão pela qual não foi possível fazer uma análise mais contundente da posição do Carf.

3. Do novo regime das subvenções e o impacto sobre os créditos presumidos de ICMS

Mesmo com décadas de discussão, um novo capítulo desta “novela” surgiu com o advento da Medida Provisória n. 1.185/2023, posteriormente convertida na Lei n. 14.789/2023, que alterou profundamente o regime jurídico e tributário das subvenções para investimento.

Dentre as inúmeras modificações, é importante mencionar que a lei revogou o art. 30 da Lei n. 12.973/2014 e o inciso V do caput do art. 19 e § 2º do art. 38 do Decreto-lei n. 1.598/1977, que basicamente regulamentavam os aspectos fiscais das subvenções para investimento e previam a possibilidade de sua exclusão da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.

Em contrapartida, apesar de ter oferecido as subvenções para investimento à tributação, regulamentou a possibilidade de os contribuintes apurarem um crédito fiscal de IRPJ, ou seja, os contribuintes deverão tributar para depois reaver, a título de crédito, uma parcela das subvenções, aplicando a alíquota do IRPJ.

Se antes o contribuinte excluía todo o valor das subvenções da base do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins (resultando em uma alíquota de 46%), agora deverá oferta-las à tributação e apurar crédito de 25% sobre uma parcela ínfima da subvenção.

Explica-se.

O art. 2º da lei dispõe sobre o conceito de implantação e expansão, já afastado pelo STJ para fins de tributação pelo IRPJ e pela CSLL, pois no art. 7º, ao delimitar quais receitas serão utilizadas para apurar o crédito, restringe que somente as que “estejam relacionadas à implantação ou à expansão do empreendimento econômico” poderão estar na base de cálculo do crédito fiscal.

Como um segundo requisito, além de que as receitas sejam relacionadas à implantação ou expansão do empreendimento econômico, estabeleceu que também devem ser relacionadas às despesas de depreciação, amortização ou exaustão ou de locação ou arrendamento de bens de capital. Isso quer dizer que os requisitos são cumulativos entre si, o que gera uma ampla tributação.

Em outras palavras, somente as receitas utilizadas para fazer frente a essas despesas poderão estar na apuração do crédito fiscal.

Contudo, para o presente trabalho, que trata exclusivamente dos créditos presumidos de ICMS, vale analisar se os julgamentos do STJ ainda são aplicáveis, razão pela qual as discussões relativas à apuração do crédito fiscal não serão aprofundadas.

Primeiramente, no tocante ao julgamento do EREsp n. 1.517.492/PR é imprescindível relembrar que o ponto fulcral da conclusão adotada pelo STJ foi justamente o Pacto Federativo, ou seja, princípio constitucional que impede um Ente intervir nos assuntos de outro.

O Pacto Federativo por si só é justificativo suficiente para impedir qualquer lei ordinária de instituir tributação sobre os créditos presumidos de ICMS.

Sob essa premissa, é indiscutível que a Lei n. 14.789/2023 não se aplica aos créditos presumidos de ICMS.

Por sua vez, pode-se argumentar que o EREsp n. 1.517.492/PR não afastou expressamente a aplicação da Lei n. 12.973/2014 e muito menos analisou os §§ 4º e 5º do art. 30 incluídos pela Lei Complementar n. 160/2017.

Tal afirmação, a meu ver, seria incabível, pois à época do julgamento do STJ já existia ampla legislação ordinária sobre o assunto e, ainda assim, se recusou a tomar posição quanto a isso pois o argumento constitucional já era suficiente.

Em segundo plano, quando do julgamento do Tema Repetitivo n. 1.182, o STJ aplicou a legislação ordinária aos demais incentivos de ICMS, menos o crédito presumido, o que me leva a crer que o fez de maneira proposital, pois, repito, os créditos presumidos de ICMS não são tributados por fundamento superior a qualquer dispositivo de lei ordinária.

Conclusão

Viu-se anteriormente que os créditos presumidos de ICMS foram devidamente qualificados como subvenções para investimento em razão das alterações trazidas pela LC n. 160/2017 no art. 30 da Lei n. 12.973/2014 com a inclusão dos §§ 4º e 5º23.

Sendo o art. 30 da Lei n. 12.973/2014 uma regra de dedução, a exclusão das subvenções para investimento é matéria de legislação ordinária federal e sua revogação pela Lei n. 12.973/2014 seria válida.

Contudo, em razão da interpretação do STJ no EREsp n. 1.517.492/PR, reiterada na análise do Tema Repetitivo n. 1.182, o motivo para não tributação dos créditos presumidos de ICMS pelo IRPJ CSLL é o Pacto Federativo, visto que representam uma renúncia de receita pelos Estados e sua tributação seria uma redução do incentivo por via oblíqua.

Portanto, não há aplicação de nenhuma lei ordinária do Imposto sobre a Renda que influencie nos créditos presumidos de ICMS, visto que sempre esbarraria no Pacto Federativo.

Desse modo, a problemática em questão fica devidamente fundamentada pela não tributação dos créditos presumidos de ICMS pelo IRPJ e pela CSLL independentemente das regras previstas na legislação ordinária.

Bibliografia

BEVILACQUA, Lucas. Incentivos fiscais de ICMS e subvenções para investimentos: tratamento fiscal após a edição da Lei Complementar n. 160/2017. Revista Direito Tributário Atual v. 41. São Paulo: IBDT.

MACHADO, Hugo de Brito. Regime jurídico dos incentivos fiscais. São Paulo: Malheiros, 2015.

PÊGAS, Paulo Henrique. Manual de contabilidade tributária. São Paulo: Atlas, 2017.

SCHOUERI, Luís Eduardo; BARBOSA, Mateus Calicchio. Subvenções para investimento e parceria público-privada. Revista Direito Tributário Atual v. 27. São Paulo: Dialética e IBDT, 2012.

SCHOUERI, Luís Eduardo; MOSQUERA, Roberto Quiroga. Manual da tributação direta da renda. São Paulo: IBDT, 2020.

1 MACHADO, Hugo de Brito. Regime jurídico dos incentivos fiscais. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 169-199.

2 “Art. 44. Integram a receita bruta operacional:

IV – As subvenções correntes, para custeio ou operação, recebidas de pessoas jurídicas de direito público ou privado, ou de pessoas naturais.”

3 “Art. 38. Não serão computadas na determinação do lucro real as importâncias, creditadas a reservas de capital, que o contribuinte com a forma de companhia receber dos subscritores de valores mobiliários de sua emissão a título de: § 2º As subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos concedida como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos e as doações não serão computadas na determinação do lucro real, desde que:

a) registradas como reserva de capital, que somente poderá ser utilizada para absorver prejuízos ou ser incorporada ao capital social, observado o disposto no artigo 36 e seus parágrafos; ou

b) feitas em cumprimento de obrigação de garantir a exatidão do balanço do contribuinte e utilizadas para absorver superveniências passivas ou insuficiências ativas.”

4 As normas internacionais de contabilidade foram introduzidas no Brasil por meio das Leis n. 11.638/2007, n. 11.941/2009 e n. 12.973/2014.

5 COMITÊ DE PRONUNCIAMENTOS CONTÁBEIS – CPC. CPC-00 (R2): Estrutura Conceitual para relatório financeiro. Brasília, dez. 2019. Disponível em: https://s3.sa-east-1.amazonaws.com/static.cpc.aatb.com.br/Documentos/573_CPC00(R2).pdf. Acesso em: 6 maio 2024.

6 BEVILACQUA, Lucas. Incentivos fiscais de ICMS e subvenções para investimentos: tratamento fiscal após a edição da Lei Complementar n. 160/2017. Revista Direito Tributário Atual v. 41. São Paulo: IBDT, 2019, p. 251-275.

7 Acórdãos n. 1402-001.277 e n. 1201­001.644.

8 Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, 2ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 3ª Seção de Julgamento. Sessão de 27 de abril de 2016. Relator Carlos Augusto Daniel Neto.

9 PÊGAS, Paulo Henrique. Manual de contabilidade tributária. São Paulo: Atlas, 2017, p. 144 e 145.

10 Solução de Consulta SRRF10/Disit n. 135, de 2012, e Solução de Consulta Cosit n. 188/2015.

11 Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. 2ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 1ª Seção de Julgamento. Sessão de 19 de outubro de 2011. Relator Geraldo Valentim Neto.

12 Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais. Sessão de 17 de maio de 2010. Relator Claudemir Rodrigues Malaquias.

13 Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. 1ª Turma Ordinária da 1ª Câmara da 1ª Seção de Julgamento. Sessão de 31 de janeiro de 2012. Relatora Edeli Pereira Bessa. Relator Designado Benedicto Celso Benício Júnior.

14 HERMANN, F. B. W. Staatswirtschaftliche Untersuchungen. Munich, publicado em 1832 e traduzido em WUELLER, P. H. Concepts of taxable income I – the German contribution. (1983) 53(1) Political Science Quarterly, march, 1983.

15 HAIG, Robert M. The concept of income – economic and legal aspects. The Federal Income Tax. New York: Columbia University.

16 SIMONS, Henry C. Personal income taxation – the definition of income as a problem of fiscal policy. Chicago: University of Chicago Press, 1938.

17 SCHOUERI, Luís Eduardo; MOSQUERA, Roberto Quiroga. Manual da tributação direta da renda. São Paulo: IBDT, 2020, p. 13-14.

18 SCHOUERI, Luís Eduardo; MOSQUERA, Roberto Quiroga. Manual da tributação direta da renda. São Paulo: IBDT, 2020, p. 15.

19 REsp n. 1.945.110/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Primeira Seção, julgado em 26.04.2023, DJe 12.06.2023.

20 Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. 1ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 1ª Seção de Julgamento. Sessão de 18 de agosto de 2021. Relator Carlos André Soares Nogueira.

21 SCHOUERI, Luís Eduardo; MOSQUERA, Roberto Quiroga. Manual da tributação direta da renda. São Paulo: IBDT, 2020, p. 15.

22 Com efeito, já se apontava que nem todo acréscimo patrimonial compõe o lucro de uma empresa. As subvenções para investimento, se efetivamente caracterizadas como tal, não são resultado das atividades da empresa. Não são o fruto da atuação da empresa no mercado. Não são, enfim, receitas.

As subvenções para custeio, ao contrário, correspondem a uma contraprestação pela atuação da empresa no mercado. São veras receitas e como tal devem ser tratadas.

23 “Art. 30. As subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos e as doações feitas pelo poder público não serão computadas na determinação do lucro real, desde que seja registrada em reserva de lucros a que se refere o art. 195-A da Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que somente poderá ser utilizada para: (Vigência)

§ 4º Os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao imposto previsto no inciso II do caput do art. 155 da Constituição Federal, concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal, são considerados subvenções para investimento, vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstos neste artigo. (Incluído pela Lei Complementar n. 160, de 2017)