A Relação entre Abuso do Direito, Evasão Fiscal e Economia Tributária Lícita1

The Relationship between Abuse of Law, Tax Evasion, and Licit Tax Planning

Angelo Contrino

Prof. Ordinario di Diritto Tributario (Università Commerciale Luigi Bocconi).

Recebido em: 3-11-2022 – Aprovado em: 23-6-2024

https://doi.org/10.46801/2595-6280.57.4.2024.2269

Resumo

O presente artigo aborda o tema da delimitação dos contornos entre o abuso do direito e institutos próximos, como a economia tributária lícita e a evasão fiscal, evidenciando como as disposições da nova cláusula geral italiana, a ela dedicada, se movem na esteira das pedras angulares do abuso do direito: da coordenação de tais disposições com aquelas que esboçam a noção do abuso verifica-se, em particular, que, por um lado, o elemento constitutivo do abuso não é a simples economia tributária, mas a sua realização de maneira indevida, sendo justamente essa a fronteira entre o abuso e a economia tributária lícita; que, por outro lado, uma economia tributária ilícita não pode jamais ser caracterizada como indevida, sendo a existência (ou não) de uma violação a fronteira entre o abuso e a evasão fiscal. A parte central do artigo delimita o espectro das condutas que jamais podem ser consideradas abusivas, por serem, em seu sentido lato, evasivas, enfatizando, a esse respeito, a insignificância da relevância penal da conduta e as razões para se incluir nessa esfera também aquelas que constituem violações de regras específicas antielusivas; além disso, ilustra as consequências de uma possível confusão entre o abuso e a evasão, no ato de lançamento, destacando a impossibilidade de o juiz tributário manter os lançamentos que, diante de casos de evasão, fundamentam-se, também ou apenas, no abuso do direito. Em contrapartida, após delinear as diferenças entre a economia tributária lícita e o abuso do direito, ilustram-se os critérios a serem utilizados para a distinção das duas figuras, de um lado, enquadrando como condutas subsumíveis na primeira figura, todas – e apenas – aquelas que não resultam de uma sobreinclusão da letra quando comparada à finalidade da norma; e, de outro lado, procedendo com o exame crítico de alguns casos tratados no passado pela prática e resolvidos de forma desfavorável ao contribuinte. Na última parte, analisam-se as relações do art. 10-bis, enquanto cláusula geral do ordenamento tributário, com as normas tributárias que têm sido, até hoje, distorcidas para fins antiabuso (art. 20 della legge di registro e l’art. 37, 3º comma, del d.p.r. n. 600/73), bem como com aquelas que possuem uma ratio antielusiva.

Palavras-chave: Itália, planejamento tributário, abuso do direito, cláusula geral antielusiva italiana.

Abstract

The article examines the issue of delimiting the boundaries between the abuse of law and related institutes, such as licit tax planning and tax evasion, highlighting how new Italian GAAR provisions are aligned with the abuse of law foundations: from the coordination of these provisions with those that outline the concept of abuse, it follows, in particular, that, on the one hand, the inner circle abuse is not the simple tax advantage, but its execution in an illegitimate way, which is exactly the boundary between abuse and licit tax planning; that, on the other hand, that illicit tax economy can never be illegitimate, being the existence (or not) of a tax provision violation the limit between abuse and tax evasion. The article’s central part delimits the spectrum of conduct that cannot be classified as abusive, since they are lato sensu evasion, emphasizing the criminal irrelevance of the conduct and the reasons why violations of specific anti-elusive rules are also included in this sphere; moreover, it illustrates the consequences of the possible confusion between abuse and evasion in the tax assessment, highlighting the impossibility for a tax court to maintain tax assessments that, in cases of tax evasion, are also or only based on abuse of law. In contrast, after having outlined the distinction between licit tax planning and the abuse of law, the criteria to be used for such differentiation are illustrated, firstly, by considering as conducts subsumed in the first figure, all – and only – those that might not characterize a hypothesis of overinclusion when compared to the rule’s purpose; and, secondly, by critically examining certain past cases that were solved against the taxpayer’s interests. In the last part, the relations of the art. 10-bis, as GAAR, with the tax rules that have been, until today, distorted for anti-abuse purposes (art. 20 della legge di registro e l’art. 37, 3º comma, del d.p.r. n. 600/73), as well as with those with an anti-avoidance ratio are analyzed.

Keywords: Italy, tax planning, abuse of law, Italian GAAR.

1. O abuso do direito e os institutos relacionados no art. 10-bis do statuto

Com a introdução no art. 10-bis do Statuto del contribuente, a figura do abuso do direito deixou de ser uma construção jurisprudencial, embora possua nobres raízes constitucionais e europeias, para ingressar formalmente no reino dos conceitos legais, enquanto positivada pelo legislador2.

A elusão fiscal ou abuso do direito, como diz o título do supramencionado dispositivo3, é uma figura que se coloca em um “ponto médio”, ocupando uma “zona intermediária” entre a economia tributária lícita, prevista e incentivada pelo legislador, e a evasão fiscal, proibida e reprimida, inclusive na esfera penal4.

A nova cláusula geral antiabuso estabelecida pelo art. 10-bis pode ser reconhecida (também) pela delimitação positiva dos contornos externos ao abuso do direito em relação aos dois institutos relacionados, excluindo, expressamente, a possibilidade de autuação e enquadramento de uma situação como abusiva, sempre que a conduta examinada configure uma hipótese de economia tributária lícita ou evasão fiscal.

Em particular, após a definição – nos três primeiros commi – do abuso do direito, o art. 10-bis determina, em seu 4º comma, que “permanece firme a liberdade de escolha do contribuinte entre diferentes opções conferidas pela lei e entre operações que impliquem uma carga tributária diferente” e prevê, em seu 12º comma, que “em sede de lançamento, o abuso do direito só pode ser caracterizado, caso as vantagens fiscais não puderem ser afastadas por meio de uma violação de disposições tributárias específicas”: como decorrência da combinação dessas duas disposições, o art. 10-bis estabelece, portanto, de forma expressa (apesar de ser uma situação sempre aceita na doutrina)5 e peremptória (com consequências que serão ilustradas abaixo) que a economia tributária lícita, o abuso do direito e a evasão fiscal são noções que pertencem a níveis normativos diversos e se colocam em uma relação de mútua exclusão6.

Ambas as disposições têm suas raízes na legge delega, ainda que em lugares diferentes.

A primeira, de forma direta, no art. 5, referente à disciplina do abuso ou elusão fiscal, em que se previa especificamente a necessidade, no momento de sua implementação, de “garantir a liberdade de escolha do contribuinte, entre as diversas operações que também impliquem uma carga tributária diferente” (1º comma, lett. b). A segunda, de forma indireta, no art. 8, relativo à revisão do sistema sancionatório, constituindo, de qualquer forma, a implementação do princípio orientador, nele inserido, de proceder à “identificação dos limites entre os casos de elusão e de evasão fiscal e de suas relativas consequências sancionatórias” (1º comma); princípio baseado no irrefutável pressuposto de incompatibilidade ontológica entre as figuras da elusão/abuso e da evasão fiscal.

A demarcação dos limites e das relações de mútua exclusão entre as três figuras, mesmo que – pelas razões que serão ilustradas no próximo item – não era de todo necessária, era mais do que nunca oportuna para pôr um fim – pelo menos é o que se espera – às incertezas e às críticas que se manifestavam na aplicação de uma vedação do abuso não escrita: a praxe administrativa e jurisprudencial tinha, de fato, conduzido a uma “dilatação involutiva” do abuso do direito, elevando-o, indevidamente, ao status de “carta coringa”, de modo que acabou por absorver as distintas figuras da economia tributária lícita e da evasão fiscal.

De fato, embora a licitude do objetivo de minimizar a carga tributária tenha sido repetidamente reconhecida7, verificaram-se muitos casos de má aplicação do abuso do direito a situações que constituíam claras hipóteses de economia tributária lícita; e da mesma forma, conquanto as condutas em violação direta de obrigações ou proibições não possam ser confundidas com aquelas de mero desvio de tais obrigações ou proibições, não faltaram casos de má aplicação do abuso do direito não escrito aos alheios fenômenos da simulação, interposição e evasão, perpetrados mediante o uso de outros “meios fictícios”, o que acabou por modelar uma noção “espúria” de abuso do direito, rotulada como “abuso/simulação”, em oposição ao “abuso/elusão”, em sua forma “pura”8.

Como exemplos da primeira hipótese, no que tange à jurisprudência de legitimidade, é possível citar – entre as mais recentes – a ordinanza de 11 novembre 2014, n. 24027, na qual a Corte di Cassazione italiana reconheceu como conduta abusiva a compra da totalidade das participações de uma sociedade, já existente em 2001, que havia adquirido imóveis, beneficiando-se da isenção prevista pela chamada Tremonti-bis e reservada às sociedades em atividade em 25 de outubro de 2001; ou, ainda mais marcante, o caso que foi objeto da sentenza de 15 gennaio 2014, n. 653, com a qual a Corte di Cassazione censurou, sob a proibição do abuso do direito (embora a Administração Tributária tivesse invocado o art. 10 da l. n. 408 de 1990), a aquisição, por parte de uma sociedade imobiliária, de 100% das participações de três sociedades limitadas, cada uma das quais detentoras de terrenos para construção, sob o pressuposto de que a sociedade adquirente deveria ter adquirido os terrenos diretamente, pagando o IVA (Imposta sul Valore Aggiunto – Imposto sobre o Valor Acrescentado), ao invés de partições nas sociedades que os detinham, que eram isentas do IVA9.

Como exemplos da segunda hipótese, limitando-se sempre à jurisprudência de legitimidade, destaca-se a sentenza de 30 novembre 2009, n. 25127, que abriu as portas para a deplorável “poluição” da correta noção de abuso do direito tributário, traçada pela SS.UU. (Sezioni Unite), e as sentenze de 16 febbraio 2010, n. 3571; de 26 febbraio 2010, n. 4737 e de 12 novembre 2010, n. 2299410, que, juntamente com a primeira, implantaram nos casos de abuso/elusão, situações simuladas, que deles se diferem, sob o duplo perfil ontológico e jurídico, desprovidas de pontos de contato, tanto em termos de forma, quanto de substância jurídica. Novamente, o abuso do direito em sua versão “espúria” paira, embora sem ser expressamente mencionado, na fundamentação da sentenza de 10 giugno 2011, n. 12788, que, partindo do pressuposto da existência de um princípio de direito nesse sentido, e que, na realidade, não existe, dispensou uma leitura antielusiva do art. 37, 3º comma, del d.p.r. n. 600 de 1973, com sua aplicação também a situações de interposição diferente daquela fictícia, em contraste com a precedente Cass., sez. trib., 15 aprile 2011, n. 8671, e a mais remota Cass., sez. trib., 3 aprile 2000, n. 397911.

Deve-se ressaltar, entretanto, que, concomitantemente à introdução do novo art. 10-bis no ordenamento italiano, a aplicação de abuso/elusão a fenômenos evasivos lato sensu foi reconhecida, explicitamente, como equivocada, na sentenza Cass., sez. pen., de 20 ottobre 2015, n. 43809, por meio da declaração inequívoca de que “permanece a possibilidade de se considerar, em casos congruentes, que [...] operações previamente qualificadas pela jurisprudência como simplesmente elusivas integrem hipóteses de evasão vera e própria” (ponto 16, no final).

2. (Cont.): a demarcação dos limites, na esteira dos conceitos estruturais do abuso

Ao delimitar os contornos extrínsecos do abuso do direito, as disposições contidas nos supramencionados 4º e 12º comma do art. 10-bis movem-se no sentido das pedras angulares em matéria de abuso.

As cláusulas gerais antiabuso, que tornam a elusão fiscal ou o abuso do direito não oponíveis à administração tributária, tendem a equilibrar duas exigências opostas em matéria de tributação, a equidade e a previsibilidade: a primeira, em particular, impulsiona a aplicação do tributo a todas as situações equivalentes em termos de capacidade econômica, inclusive aquelas não contempladas pela lei; a segunda, por outro lado, torna inadequada ou indesejável a tributação de fatos não previstos em lei12.

As cláusulas antielusivas realizam, no todo ou em parte, a equidade, com um maior ou menor compromisso de previsibilidade. A nova cláusula constante do art. 10-bis do Statuto del contribuente não é exceção, expressando um equilíbrio satisfatório entre os requisitos acima mencionados – se a praxe aplicativa não trair sua estrutura e conteúdo –, sob a ótica de uma tributação justa.

Do que foi observado, emergem dois perfis estruturais do abuso.

O primeiro, é que o problema do abuso ou elusão surge na presença de uma estrutura que, apesar de não contemplada como tributável pela lei, “mereceria” ser tributável, de modo que, em termos de capacidade contributiva manifestada, no âmbito do art. 53 da Constituição italiana, mostra-se “equivalente” àquela prevista como tributável (ou, no caso de benefícios fiscais, que “não mereceriam” ser concedidos)13. O segundo, é que a tutela da segurança jurídica e a preservação dos direitos fundamentais determinam a não prevalência da equidade sobre a previsibilidade, sempre que o contribuinte tenha agido também, ou apenas, com finalidade distinta da mera economia fiscal: aqueles que agem, ainda que por ulteriores motivos, têm direito à garantia da previsibilidade tributária.

No âmbito do art. 10-bis, a demarcação dos limites do abuso, em relação à economia lícita e à evasão fiscal, move-se no contexto do primeiro dos dois perfis estruturais, representando uma implementação pontual.

Do referido perfil estrutural resulta que: (a) se a estrutura não está prevista, mas o fato não é “equivalente”, esse “não merece” ser tributado e o problema não existe: nesse caso não há elusão ou abuso, não porque o fato é diretamente tributável, mas porque é justo que não seja, de modo que o imposto foi economizado de forma lícita; (b) se, ao invés disso, a estrutura está prevista, mas não se paga o imposto, o problema do abuso ou da elusão não existe por uma razão especular: nesse caso, a pessoa que realiza o fato gerador deve pagar o imposto por disposição expressa da lei, e se não o fizer, não abusa nem elude, mas – muito simplesmente – evade.

Ora, com a disposição contida no 4º comma – segundo a qual “permanece firme a liberdade de escolha do contribuinte entre diferentes opções conferidas pela lei e entre operações que impliquem uma carga tributária diferente” –, pretendia-se enfatizar que o abuso não advém da simples constatação de uma economia fiscal, mas somente da constatação de um fato “merecedor” de tributação, que, apesar de ser “equivalente” àquele expressamente tributado pela lei, não é por ela contemplado como tributável: o elemento constitutivo do abuso não é a economia, mas a economia indevida; e é a existência ou não dessa economia indevida que marca a fronteira entre as figuras do abuso do direito e da economia tributária lícita.

Por outro lado, com a disposição contida no 12º comma – segundo a qual “em sede de lançamento, o abuso do direito só pode ser caracterizado, caso as vantagens fiscais não puderem ser afastadas por meio de uma violação de disposições tributárias específicas” –, pretendia-se enfatizar que o abuso não pode existir na presença de uma economia fiscal “ilícita”, ou seja, obtida com a violação de uma disposição tributária, já que, nesse caso, estar-se-á dentro do campo da evasão: é apenas a economia “indevida”, ou seja, aquela resultante da instrumentalização da divergência entre a letra e o espírito de uma disposição tributária, que determina o abuso; e não é, e nunca poderá ser, “indevida” – justamente – porque “ilícita”, a economia tributária realizada em violação a uma disposição tributária; a existência ou não de uma violação – e, portanto, de um “ilícito” – marca a fronteira entre as figuras da evasão fiscal e do abuso do direito.

Em conclusão, o abuso do direito apenas existirá caso o ato praticado não provoque a violação de qualquer disposição fiscal (ausência de evasão) e resulte em uma economia tributária qualificável como indevida (ausência de uma economia tributária lícita).

Mas, para definir os contornos extrínsecos do abuso e a sua incompatibilidade com as outras duas figuras, não era necessária a intervenção legislativa, embora – como mencionado – fosse inegavelmente oportuna, em razão das distorções na aplicação da vedação ao abuso não escrito, que havia ocorrido no passado.

E, de fato – como já demonstrado –, não só os limites entre as três figuras poderiam ser determinados a partir dos conceitos estruturais do abuso, mas também a própria economia tributária lícita, como a escolha do caminho fiscalmente menos oneroso entre aqueles oferecidos pelo ordenamento, constitui um princípio inerente ao sistema, representando expressão da livre iniciativa empresarial e econômica e das liberdades fundamentais reconhecidas pela Constituição italiana e pelo ordenamento europeu: no 4º comma, não é ocasional o trecho “permanece firme”, com o qual se introduz a liberdade de escolha do contribuinte entre conduta e regime dotado de uma carga tributária diversa. Além disso, a evasão fiscal, como conduta antijurídica, é uma figura claramente distinta do abuso-elusão, na medida em que, neste último caso, não há qualquer violação frontal, mas apenas um desvio das regras tributárias: o abuso do direito é configurado, portanto, quando a letra de uma disposição tributária é mais ampla do que a sua finalidade (super-inclusiva) e permite a realização de condutas que obedecem à letra, mas frustram a finalidade perseguida.

3. Abuso do direito e evasão fiscal

Com a nova cláusula antiabuso, casos de confusão entre as diversas figuras em exame, como aqueles relatados anteriormente, não deveriam mais ocorrer, uma vez que o abuso, nos termos do art. 10-bis, só pode ser contestado – como mencionado – após a constatação da ausência de violação de regras tributárias específicas, excluindo assim a atuação do 12º comma, e a presença de uma economia tributária de natureza “indevida”, excluindo assim a aplicabilidade do 4º comma, sem prejuízo do lançamento dos outros dois elementos constitutivos da hipótese legal (operação carente de substância econômica e “essencialidade” da economia tributária14).

Quanto à primeira restrição, o 12º comma é claro ao afirmar que “em sede de lançamento, o abuso do direito só pode ser caracterizado, caso as vantagens fiscais não puderem ser afastadas por meio de uma violação de disposições tributárias específicas”.

Na presença de uma conduta geradora de uma economia tributária, caso as autoridades fiscais pretendam contestar seu caráter abusivo, de acordo com o art. 10-bis, é fundamental verificar a ausência de um caso de evasão.

A expressão “violação de disposições tributárias específicas” refere-se às condutas ilícitas lato sensu evasivas, abrangendo todos os casos de inadimplemento do crédito tributário, já validamente decorrentes da ocorrência do fato gerador, oriundos de comportamentos comissivos ou omissivos que impedem o conhecimento ou a percepção do fato gerador do imposto ou que alteram o seu conteúdo.

O espectro das condutas não contestáveis com a figura do abuso, enquanto evasivas em sentido lato, é muito amplo.

E, na realidade, na perspectiva considerada, escapam do domínio aplicativo do abuso, e vão contestadas e autuadas pela invocação de específicas normas violadas, todas as condutas que

[...] conduzem a resultados que diferem (ou entram em conflito com) daqueles previstos pela lei e, por isso, não apenas, naturalmente, a ocultação de receitas e rendimentos, a dedução de despesas não necessárias ou fictícias, mas, também, aquelas alterações de fatos econômicos que a Cassazione tem, até o momento, muitas vezes equiparado ao abuso do direito (a referência é à dissimulação, à falta de economicidade, à interposição fraudulenta e à residência fictícia em território nacional e no exterior)15.

Em particular, no que diz respeito à simulação objetiva e subjetiva, a incompatibilidade com o abuso do direito passa a ser demonstrada pelas tabulações do art. 1, 1º comma, lett. g-bis), do d.lgs. n. 74 de 2000 (conforme modificado recentemente pelo d.lgs. n. 158 de 2015), que incluiu entre os tipos penais “as transações aparentes, distintas daquelas disciplinadas pelo art. 10-bis”, cujo lançamento tributário passa pela contestação do caráter fictício objetivo ou subjetivo da transação, também, neste último caso, por meio do art. 37 del d.p.r. n. 600 de 1973, a isso especificamente dedicado. Ademais, no que diz respeito à ausência de necessidade e à antieconomicidade, as autuações baseadas apenas, ou também, no abuso devem ser substituídas pela referência exclusiva ao princípio da necessidade, enquanto regra não expressa, mas imanente do sistema de tributação da renda empresarial, ou ao art. 109, 5º comma, t.u.i.r. (Testo Unico delle imposte sui redditi), caso se siga a (errônea) orientação da jurisprudência de legitimidade; e, desde que, se aceite, quanto à antieconomicidade, sua declinação, em termos de necessidade “quantitativa” apoiada pela prática e endossada pela Corte di Cassazione. Por fim, as hipóteses de residência fiscal fictícia tanto em território nacional, quanto no exterior, que são hipóteses tipicamente evasivas e não abusivas/elusivas, devem ser contestadas pela simples violação das disposições estabelecidas nos arts. 2º e 73 do t.u.i.r., sem qualquer referência ao abuso (nesse ponto infra)16.

Dois esclarecimentos devem ser feitos para melhor delimitar a área das condutas que, enquanto evasivas em sentido lato, não podem ser contestadas invocando nem mesmo, ou apenas, o art. 10-bis do Statuto.

O primeiro diz respeito à insignificância da relevância penal da conduta.

O abuso do direito, na acepção do art. 10-bis, não pode ser aplicado quando se estiver diante de violação a uma regra tributária específica, da qual resulte supressão da obrigação tributária respectiva, sendo prescindível que a atitude do contribuinte configure uma conduta penalmente relevante. Nesse aspecto, parecia ser ambígua a primeira redação do 12º comma, contida no “projeto de decreto” publicado em dezembro de 2014, que excluía a possibilidade de contestação do abuso quando “as vantagens fiscais não podem ser afastadas por meio da arguição de violação de outras disposições e, em particular, daquelas sancionáveis nos termos do decreto legislativo 10 marzo 2000, n. 74, e posteriores emendas”: muito apropriadamente, em contrapartida, o texto final da disposição promulgada refere-se, como regra geral, à “violação de disposições fiscais específicas”. Nesse sentido, deve ser lida corretamente a relazione illustrativa, que exclui a aplicabilidade do abuso “no que diz respeito às disposições relativas à simulação ou aos crimes tributários, em particular, a evasão e a fraude”: a premissa subjacente a essa afirmação, ainda que não expressa, é que as disposições relativas aos “crimes tributários”, bem como aquelas relativas às outras hipóteses mencionadas, pressupõem, de todo modo, a “violação de disposições tributárias específicas”.

O segundo esclarecimento diz respeito às regras específicas antielusivas ou com ratio antielusiva17.

Essas regras, que têm por objetivo evitar a prática de certas condutas elusivas, não são diferentes das outras disposições do sistema tributário que regem a determinação da renda tributável e dos impostos: elas visam, de fato, evitar a elusão/desvio de outras regras do ordenamento, por meio da correção de sua regulamentação.

Sendo esse o caso, como de fato é, o 12º comma do art. 10-bis não pode deixar de se aplicar também a tais disposições, de modo que a violação a uma norma específica antielusiva não pode ser contestada mediante o recurso ao art. 10-bis18. Entretanto, isso não significa que o 12º comma seja sic et simpliciter aplicável na presença de uma conduta que envolva uma norma que tenha uma ratio antielusiva, com a exclusão “absoluta” da aplicabilidade do abuso. De fato, como será discutido mais adiante, se a conduta praticada pelo contribuinte não viola a norma específica antielusiva, mas apenas a contorna, violando sua ratio, o abuso do direito pode ser invocado, de modo a salvaguardar a efetividade das obrigações e das proibições especificamente previstas pela norma de ratio antiabuso eludida, colocada para proteger as obrigações e proibições estabelecidas pelas demais normas substantivas do ordenamento tributário.

4. (Cont.): as consequências da confusão entre o abuso e a evasão

Com base no 12º comma em análise, caso as autoridades fiscais verifiquem a existência de “violações de disposições tributárias específicas”, nos termos acima estabelecidos, é absolutamente proibido o recurso ao art. 10-bis para contestar a conduta objeto de controle e autuação.

Nesse sentido, deve ser lida a declaração constante da relazione illustrativa de que o 12º comma “confirma que a disciplina do abuso do direito tem aplicação apenas residual no que diz respeito às disposições relativas à simulação ou aos crimes tributários, em particular, a evasão e a fraude: essas hipóteses devem ser reprimidas com os instrumentos que o ordenamento oferece”19.

A “prioridade” imposta pelo 12º comma é, portanto, uma prioridade dos “meios jurídicos” a serem utilizados para censurar a conduta em exame: na presença de um ilícito, a autuação deve ser baseada nas regras violadas e será, portanto, ilegítimo o ato impositivo fundamentado no abuso.

A disposição é clara e imperativa a esse respeito, afirmando que “em sede de lançamento, o abuso do direito só pode restar caracterizado se as vantagens fiscais não puderem ser afastadas por meio de uma violação a disposições tributárias específicas”: o enunciado permite, de fato, extrair, de plano, a norma segundo a qual é vedado contestar o abuso do direito na presença de uma conduta que integre os extremos de um ilícito tributário.

E essa vedação deve ser considerada “absoluta”, no sentido de que as autoridades fiscais não podem censurar a conduta examinada, mesmo que invocando o abuso do direito, conforme uma prática que tem sido difundida até o momento, mas equivocada: em tal caso, o ato de lançamento será igualmente ilegítimo.

O motivo é rapidamente explicado.

Assim como o 4º comma exclui a economia tributária lícita, o 12º comma afirma a incompatibilidade entre a evasão fiscal, que decorre de uma violação frontal de uma disposição tributária, e o abuso/elusão, que se concretiza mediante mero desvio da disposição, evidenciando, portanto, a relação de exclusão mútua entre as duas figuras, ainda que próximas, que, em razão de uma incompatibilidade, não permite a contestação de uma conduta baseada simultaneamente na violação de uma disposição tributária específica e no art. 10-bis do Statuto.

A existência, em um ato de lançamento, de uma motivação “plural”, mas com fundamentos mutuamente excludentes, ou seja, de uma motivação “policêntrica instável”20, constitui um vício que, se impugnado, acarreta a sua nulidade, em razão da ausência do necessário requisito de univocidade.

Este foi exatamente o posicionamento adotado na lúcida e incisiva sentenza di legittimità21, que – após identificar nos princípios de informação e cooperação (art. 3, l. n. 241 de 1990 e art. 10, l. n. 212 de 2000) e no pleno exercício do direito de defesa (art. 24 Cost.) as exigências inerentes ao dever de motivação dos atos tributários22 – estigmatizou o uso de pressupostos de fato e de direito múltiplos, mas conflitantes, afirmando que

[...] não é legítima a intenção da administração de formular uma motivação contraditória, a fim de preparar uma justificativa de “reserva” da autuação, que não pode ser integrada na fase litigiosa: primeiro, porque o ato tributário ainda representa a conclusão de um procedimento administrativo, no qual se expressa uma pretensão que, para estar em conformidade com a lei, pode se basear em elementos concorrentes, mas não em dados conflitantes; segundo, porque a alternatividade das razões que justificam a pretensão, deixando a administração livre para escolher, no decorrer do procedimento contencioso, aquela que melhor lhe convier, de acordo com as circunstâncias, expõe indevidamente a outra parte a um contraditório difícil ou, muitas vezes, impossível.

Se um caso concreto representa, definitivamente, violação a uma disposição tributária específica, eventual ato de lançamento baseado também, ou apenas, no abuso, nos termos do art. 10-bis, será inválido e deverá ser declarado nulo ou, pelo menos, anulado.

5. (Cont.): sobre a impossibilidade de o juiz manter lançamentos híbridos

Uma conclusão diferente da que acaba de ser apresentada não só seria contrária ao disposto no 12º comma em análise, como também não parece ser sequer concebível em abstrato. Isso, exatamente porque o juiz tributário não pode substituir o fundamento da pretensão tributária, por estar essa cristalizada no ato de lançamento.

Em outras palavras, no caso de ato administrativo tributário motivado no abuso do direito, referente a uma situação que, na realidade, seria de evasão fiscal, o juiz está impedido, pelas regras processuais, de substituir o seu fundamento por aquele da evasão fiscal, uma vez que tal possibilidade está fora do escopo dos poderes de qualificação e cognição de qualquer magistrado.

Mesmo seguindo a ampla noção do princípio jura novit curia, é verdade que o juiz pode escolher livremente, mesmo de ofício, como qualificar os fatos deduzidos em juízo, ou seja, identificar a qual instituto jurídico os considera correspondentes e quais normas aplicar, mas pode fazê-lo sem alterar os fatos objetos do juízo, isto é, sem modificar, e, portanto, sem ampliar ou substituir a área dos fatos apreciados. Em resumo, se, e somente se, o juiz se limitar a aplicar normas diferentes aos mesmos fatos, ou a reconduzir os mesmos fatos a um instituto jurídico diferente, por entender que está aplicando normas diferentes, estará no âmbito do poder autônomo de qualificação jurídica. Essa afirmação está em consonância, de forma geral, com a jurisprudência de legitimidade, hoje bem consolidada, que exclui qualquer possibilidade de que a área dos fatos apreciados pelo juiz possa ser diferente daquela alegada pela Administração no ato de lançamento e daqueles alegados pelo recorrente em seu recurso: segundo a Suprema Corte, para a parte pública, o lançamento tributário impugnado toma, judicialmente, o lugar da petição inicial23.

Quanto aos poderes cognitivos do juiz tributário, a jurisprudência de legitimidade afasta a possibilidade de o juiz tributário identificar ex officio os fatos apreciáveis e reconhece a existência de um ônus de alegação às partes24. Os poderes de cognição conferidos ex officio ao juiz apenas dizem respeito à prova dos fatos alegados pelas partes, mas não à identificação dos fatos apreciáveis, e tais poderes instrutórios não podem substituir, nem integrar a inércia instrutória das partes: as instâncias de julgamento tributárias podem exercitar poderes de investigação quando dos atos não resultarem elementos de julgamento suficientes e, desde que considerem que não tenham adquirido elementos de julgamento suficientes, mas sempre dentro dos limites dos fatos alegados pelas partes25. Disso conclui-se, linearmente, que os poderes de cognição do juiz tributário certamente não podem modificar ou substituir o fundamento de fato utilizado pelo fisco no ato de lançamento, e, portanto, não podem substituir a violação (evasão) pelo desvio (abuso), ou vice-versa, por se tratar de fatos diversos.

Nessa perspectiva, e de acordo com os princípios gerais, para o juiz tributário não há espaço de manobra legítimo, ou seja, exercitável dentro dos limites das diferentes qualificações jurídicas dos fatos alegados pela Administração, no caso de um ato impositivo, no qual a conduta evasiva tenha sido censurada com base no abuso do direito.

Na hipótese em exame, não existe uma perfeita coincidência entre os elementos essenciais apreciáveis pelo juiz tributário e aqueles adquiridos no processo, já que se está na presença de fatos incompatíveis entre si, como, aliás, certificado pelo próprio 12º comma em análise.

Por exemplo, não haveria uma qualificação diferente, mas uma radical substituição dos fatos subjacentes à pretensão, no caso da alteração de uma hipótese de abuso de direito, de um lado, para uma hipótese de inexistência ou ficção, de outro. De fato, é evidente que afirmar que um certo fato ocorreu, mas que não pode ser oponível às autoridades fiscais, como acontece no caso de autuação do abuso, é uma questão diferente de afirmar que um certo fato ou não ocorreu ou, quando negócio jurídico, não foi pretendido, mas simulado. Trata-se de hipóteses radicalmente incompatíveis: uma se baseia na existência de um certo fato, a outra na inexistência.

Da mesma forma, não se pode considerar que exista uma identidade do núcleo dos fatos alegados, quando se passa de um lançamento de abuso para um lançamento de indedutibilidade da despesa em razão de sua desnecessidade ou para um lançamento de antieconomicidade. Desnecessidade e antieconomicidade significam que o componente negativo, decorrente de uma certa conduta, é qualitativamente ou quantitativamente estranho à atividade empresarial, violando o princípio imanente da necessidade/utilidade, ou segundo a jurisprudência, do art. 109, 5º comma, t.u.i.r.; A abusividade, por outro lado, significa uma operação realizada violando apenas a ratio de uma disposição: o abuso corresponde a uma medida inadequada da riqueza tributável, não porque mascara como custos funcionais à produção de tal riqueza, valores que na realidade constituem desembolsos, mas porque a hipótese abusiva “equivale” àquela eludida, por suas características intrínsecas. O problema da abusividade, com relação aos custos, pressupõe a necessidade, e não a exclui.

Em conclusão, mesmo movendo-se na perspectiva de qualificação ou cognição, o juiz tributário não pode “salvar” um ato de lançamento relativo a uma conduta evasiva que tenha sido baseado também, ou somente, no abuso do direito, nos termos do art. 10-bis, sob pena de realizar uma ilegítima substituição do fundamento da pretensão tributária cristalizada no ato impositivo.

Não se pode, nesse sentido, deixar de concordar, mas de forma mais cautelosa, com aqueles que consideram que a disposição estabelecida no 12º comma do art. 10-bis poderia ser fundamental para conter a exuberância jurisprudencial, no que diz respeitos à modificação judicial dos termos das autuações e ao recurso fungível a esquemas jurídicos que, na realidade, são entre si incompatíveis”26.

6. Abuso do direito e economia tributária lícita

Em virtude da nova cláusula geral, o abuso do direito pode ser contestado após ter sido apurada, não apenas a ausência de violação de regras tributárias específicas, excluindo, assim, a aplicabilidade do 12º comma, mas também a presença de uma economia tributária qualificada como “indevida”, excluindo, assim, a aplicabilidade do 4º comma, sem prejuízo – como já mencionado – da apuração dos demais elementos constitutivos da hipótese legal.

Quanto à segunda restrição, o 4º comma afirma que “permanece firme a liberdade de escolha do contribuinte entre diferentes opções conferidas pela lei e entre operações que impliquem uma carga tributária diferente”.

Se houver uma conduta que conduza a uma economia tributária, após certificar-se de que ela não constitui evasão fiscal, é preciso que a Administração verifique ainda se a conduta não constitui uma economia tributária legítima, a fim de comprovar validamente a existência do abuso, nos termos art. 10-bis.

A economia tributária legítima ocorre sempre que o contribuinte, entre dois caminhos alternativos de negociação, estabelecidos de forma equivalente pelo ordenamento, em termos de seu resultado econômico-jurídico, seleciona e implementa a conduta menos onerosa sob a ótica fiscal. A economia tributária é “lícita” por representar a diferença de tratamento tributário das condutas alternativas, fruto de uma escolha legislativa precisa que decorre, via de regra, da efetivação de objetivos particulares de política fiscal ou de política econômica27, de modo que a escolha do contribuinte, nesses casos, é plenamente compatível com a ratio da norma tributária aplicada28.

Dessa definição emerge imediatamente que a distinção entre economia tributária lícita e abuso do direito é a compatibilidade ou não da conduta com a ratio da legislação tributária envolvida, ou seja – como já antecipado –, é a natureza “indevida” ou não da economia.

Em consonância com o primeiro dos dois perfis estruturais do abuso, que já foram ilustrados, a natureza indevida é o elemento determinante para se enquadrar uma vantagem fiscal proveniente de uma determinada conduta no âmbito do abuso do direito, de modo que, sendo esse o caso, os outros dois elementos constitutivos da hipótese legal também devem ser apurados. Não sendo esse o caso, a vantagem fiscal proveniente estará no âmbito da economia legítima, de modo que a conduta será definitivamente incontestável do ponto de vista fiscal.

Mesmo que permita alcançar o mesmo resultado econômico-jurídico, uma conduta não merece ser considerada como “equivalente” a outra, do ponto de vista tributário, caso seja prevista pelo ordenamento como uma alternativa e caso não fruste, mas implemente a legislação tributária em questão, alcançando a finalidade pretendida pelo legislador.

Somente na presença de condutas que entrem em conflito com a ratio de uma disposição tributária ou com os princípios gerais, levando a uma frustração substancial, configura-se o abuso censurável e se impõe, utilizando o instrumento do art. 10-bis29, uma redução, com base teleológica, do âmbito de relevância da posição fiscal de vantagem.

Isso é também explicitado na relazione illustrativa. Após a afirmação – em sede de comentários sobre os elementos constitutivos da noção de abuso – de que “a busca da ratio e a demonstração da sua violação deve constituir o pressuposto objetivo imprescindível para distinguir a busca da economia tributária legítima da elusão”30, foi de fato apontado como o 4° comma – ao garantir a liberdade de iniciativa econômica, permitindo a escolha do caminho fiscalmente menos oneroso –, limita-se a enfatizar que “o único limite à referida liberdade é constituído pela proibição de se buscar uma vantagem fiscal indevida”. Daí a delicadeza já sublinhada de se identificar as razões das normas tributárias para fins de configuração de abuso31.

De forma ainda mais clara, a escolha de uma conduta alternativa a outra, mesmo que aquela escolhida fosse mais tortuosa e justificada apenas pela economia fiscal, não pode constituir abuso – e não pode, portanto, ser contestada pela Administração –, quando a diferença de tratamento tem sua própria justificativa no sistema e/ou à luz da capacidade contributiva correlata: nesse caso, a economia fiscal, longe de ser qualificada como indevida, é “razoável”.

Para exemplificar, considerando o pedágio de uma rodovia como tributo, é possível observar a diferença entre a hipótese a) de uma pessoa que, para viajar entre dois lugares servidos pela rodovia, escolhe uma rota por uma estrada provincial tortuosa, e a hipótese b) de uma pessoa que, assumindo que as ambulâncias não pagam o pedágio, usa uma ambulância para transportar suas mercadorias na rodovia. Bem: na primeira hipótese, a economia do pedágio se justifica pelo fato de que a rodovia não é utilizada; na segunda hipótese, a economia do pedágio contrasta com a lógica da isenção, que é a de não cobrar pelo transporte realizado por necessidades urgentes de saúde e socorro32. Somente na segunda hipótese há uma economia indevida e um abuso: na primeira hipótese, o não pagamento do pedágio da rodovia constitui uma economia lícita.

Paradigmáticos, na perspectiva da correta identificação da conduta classificável como economia tributária legítima, são o exemplo e o raciocínio expostos na relazione illustrativa, que diz respeito à mesma hipótese objeto da sentenza, giugno 2012, n. 53, da CTR (Comissione Tributaria Regionale) de Genova33, já mencionada, considerada erroneamente pelos juízes como abuso de direito.

Por exemplo – afirma-se na citada relazione – não é possível definir como abusiva uma conduta por meio da qual o contribuinte escolhe, a fim de efetuar a extinção de uma sociedade, proceder com uma fusão, em vez de uma liquidação. É verdade que a primeira operação é de natureza neutra e a segunda tem, ao invés disso, um caráter de realização, mas nenhuma disposição tributária mostra “preferência” por uma ou outra operação; são duas operações colocadas no mesmo nível, embora regidas por regras fiscais diferentes. Para que o abuso tome forma, deve ser demonstrada a vantagem fiscal indevida concretamente alcançada, ou seja, o desvio da ratio legis ou dos princípios do ordenamento tributário34.

Se a economia fiscal obtida é congruente com a ratio da norma tributária envolvida, e não o fruto da sobreinclusão do texto que permite a realização de uma conduta contrária à sua finalidade, a censura com o abuso do direito – instrumento de justiça tributária – torna-se uma fonte de substancial injustiça, violando o princípio da razoabilidade, ao sujeitar a um regime tributário mais oneroso, uma conduta que mereceria um tratamento diferente, de favorecimento, expressamente previsto pelo próprio legislador.

7. (Cont.): exemplos e critérios discricionários entre a prática e a jurisprudência

Com base no exposto, e levando também em conta alguns casos já tratados pela prática e resolvidos negativamente para o contribuinte, os seguintes não podem e não devem mais ser censurados com a figura do abuso do direito: (i) a cessão de participações societárias, após o conferimento di azienda – isto é, após a operação de reorganização societária caracterizada pela transferência do estabelecimento para uma outra sociedade, em regime de continuidade dos valores fiscalmente reconhecidos, que tem como contrapartida a participação no capital da sociedade destinatária (operação semelhante ao que no Brasil é conhecido como drop down de ativos) – para fins de imposto de registro35, especialmente porque, para fins de imposto de renda, o art. 176, 3° comma, t.u.i.r., continua em vigor mesmo após a revogação do art. 37-bis del d.p.r. n. 600 de 197336; (ii) a mesma operação de conferimento di azienda seguida, porém, do alinhamento entre as bases contábil e fiscal, mediante o pagamento de um imposto “substituto” mais favorável (em relação àquele ordinariamente previsto pelo t.u.i.r.), aplicado diretamente sobre diferença (se positiva), com a consequente dedução das parcelas de amortização sobre a base ajustada dos bens transferidos (o mesmo se aplica a todos os outros casos de aplicação do imposto substituto estabelecido no comma 2-ter do art. 176 do t.u.i.r.); (iii) a cessão de participações societárias, após a cisão da atividade imobiliária, deixando a atividade nas mãos da sociedade cindida, uma vez que o sistema permite (ver o artigo acima mencionado art. 176, 3° comma) a circulação “formal” da empresa ou dos ramos empresariais – sendo plenamente possível a transferência do ramo imobiliário a uma nova sociedade que seja considerada uma mera detentora dos referidos ativos, sendo desnecessário o efetivo desenvolvimento de uma atividade empresarial; (iv) a cisão parcial e não proporcional de uma sociedade com o objetivo de dividir o seu patrimônio entre os sócios que pretendem se separar, no lugar de uma devolução dos bens aos sócios, figurando-se como uma alternativa não diferente da fusão/liquidação, mencionada pela relazione illustrativa, como uma hipótese de economia tributária legitima37; (v) a transformação de uma sociedade anônima que exerce atividade agrícola em uma sociedade de responsabilidade limitada, com uma melhoria do regime tributário38; (vi) a incorporação de uma sociedade alvo (Target) pela sociedade veículo Newco (Conduit Company), em operações de compra alavancada (merger leveraged buy-out), criando uma vantagem fiscal, mediante o pagamento de um imposto “substituto” mais favorável (em relação àquele ordinariamente previsto pelo t.u.i.r.), constituída pelo reconhecimento fiscal do ágio gerado a partir da diferença positiva entre valor contábil e fiscal, que passa a ser fiscalmente amortizado pela sociedade adquirida, após a incorporação, e/ou pela dedução dos encargos financeiros decorrente do debt push down39; (vii) as reorganizações destinadas a redesenhar a estrutura do grupo, do ponto de vista da participação, a fim de poder aplicar o regime de consolidação fiscal, de modo a alcançar a compensação da renda tributável com os prejuízos fiscais; (viii) o pagamento antecipado, por um profissional, de cinco anos de aluguel do imóvel utilizado como escritório profissional, em vez do pagamento anual (julgado abusivo pela Corte de Cassação) etc.40.

Com a finalidade de distinguir as hipóteses de economia tributária lícita daquelas de abuso do direito, uma válida orientação também é possível de ser identificada no relatório do antigo art. 37-bis del d.p.r. n. 600 de 1973. Ocorre que, embora bem-feita, pode-se dizer que tal distinção foi realizada em vão, já que, em diversas ocasiões, foi praticamente ignorada, não só pela prática administrativa como também pela jurisprudência tributária.

Dispõe o referido documento que

[...] pode-se, assim, fornecer um critério preferencial para distinguir a elusão da mera economia fiscal: esta última ocorre quando, entre os vários comportamentos dispostos pelo sistema tributário em pé de igualdade, o contribuinte adota aquele que é fiscalmente menos oneroso. Não há desvio, desde que o contribuinte se limite a escolher dentre duas alternativas colocadas estruturalmente e fisiologicamente à sua disposição pelo sistema. [...]. A norma antielusiva não pode, portanto, vetar a escolha, entre uma possível série de comportamentos, a qual o sistema tributário confere a mesma dignidade, daquela fiscalmente menos onerosa. Entre os instrumentos fungíveis que o sistema coloca em pé de igualdade substancial, pensa-se, por exemplo, na escolha do tipo societário a ser utilizado, na escolha entre a cessão de empresa e a cessão de participações, ou na escolha entre um sistema de financiamento baseado no capital próprio ou na dívida, na escolha do período fiscal em que receber as receitas ou pagar as despesas, até mesmo na escolha da quota de depreciação, das provisões e todas as outras avaliações de balanço [...]. Em todos esses casos, a escolha do caminho fiscalmente menos oneroso não é implicitamente proibida pelo sistema, mas, pelo contrário, explícita ou implicitamente permitida, não sendo configurável qualquer desvio de obrigações ou proibições41.

Ou seja – nos termos do novo art. 10-bis –, nenhuma conduta geradora de uma vantagem fiscal que possa ser qualificada como “indevida”.

A distinção, nos termos descritos, entre as figuras do abuso/elusão e da economia tributária lícita, há muito, foi reconhecida pelo Tribunal de Justiça Europeu, e recentemente – destaca-se com prazer – também parece estar se consolidando na jurisprudência da Corte di Cassazione.

No que diz respeito à jurisprudência europeia, já no julgamento em que o conceito de abuso do direito em matéria tributária foi delineado42, o Tribunal de Justiça havia declarado que “os sujeitos passivos têm geralmente a liberdade de escolher as estruturas organizacionais e as modalidades transaccionais que considerem mais adequadas às suas actividades económicas e com o objectivo de limitar os seus encargos fiscais” (item 53) e que “quando o sujeito passivo pode optar entre diferentes operações, tem o direito de escolher a estrutura da sua actividade de forma a limitar a sua dívida fiscal” (item 54), esclarecendo que “a verificação da existência de uma prática abusiva exige, por um lado, que as operações em causa, apesar da aplicação formal das condições previstas nas disposições pertinentes da Sexta Directiva e da legislação nacional que transponha essa directiva, tenham por resultado a obtenção de uma vantagem fiscal cuja concessão seja contrária ao objectivo prosseguido por essas disposições” (item 74). Esses princípios não foram apenas reafirmados em todas as sucessivas decisões do Tribunal de Justiça Europeu em matéria de abuso/elusão fiscal43, mas também cristalizados na Recomendação da Comissão Europeia relativa ao Planejamento Tributário Agressivo44, a partir da qual o legislador delegado extraiu a noção de abuso do art. 10-bis.

Com relação à jurisprudência de legitimidade, vale mencionar – pela lucidez de sua fundamentação – a sentença Cass., sez. trib., 12 maggio 2011, n. 10383, na qual negou-se que a escolha de um empreendedor, constituindo-se em forma societária, de instalar estabelecimentos industriais no território do Mezzogiorno (Sul da Itália), a fim de usufruir dos benefícios fiscais ali concedidos, poderia ser enquadrada como abuso do direito, caracterizando a conduta como uma economia tributária lícita, uma vez que “a referida economia tributária [...] representa a contrapartida estabelecida pelo próprio legislador como um incentivo para tal estabelecimento e não uma finalidade antijurídica”. Deve-se também mencionar as mais recentes sentenças Cass., sez. trib., 5 dicembre 2014, n. 25758 e Cass., sez. trib., 26 agosto 2015, n. 17175, que superaram a errônea orientação da segunda instância da Comissione Tributaria de Bolzano, em matéria de sale and lease back, na qual foi citada como exemplo uma sentença45, reconhecendo que “a opção do contribuinte pela transação fiscalmente menos onerosa não constitui por si só uma conduta ‘contrária’ à finalidade da disciplina normativa tributaria, quando o próprio ordenamento tributário prevê tal faculdade de escolha”46.

Tais posicionamentos e seus fundamentos resultam não só ainda atuais, como também reforçados no contexto do novo art. 10-bis: graças à positivação da noção de economia tributária lícita, e caso a nova cláusula venha a ser aplicada corretamente, a distinção entre as figuras do abuso do direito e da economia tributária lícita não será mais ofuscável, e não deverá nunca mais ser ofuscada, seja pela prática administrativa ou pela jurisprudência.

8. A relação com as normas “distorcidas” para fins antiabuso e com ratio antielusiva

A nova cláusula antiabuso foi incluída no Statuto del contribuente, mais especificamente no art. 10-bis, diversas vezes já mencionado, com a concomitante revogação do art. 37-bis del d.p.r. n. 600 de 1973 e previsão segundo a qual: “As disposições referentes a esse artigo devem ser entendidas como referentes ao art. 10-bis della legge 27 luglio 2000, n. 212, na medida em que compatíveis”47.

Sua inserção dentro do Statuto del contribuente, criticada por várias partes, e sua congruência, do ponto de vista definitivo, ao “modelo” da cláusula antiabuso contida na Recomendação Europeia, que cristaliza – por sua vez – a noção elaborada pelo Tribunal de Justiça, expressam e traduzem bem – em consonância com as intenções da legge delega – sua classificação como cláusula geral do ordenamento tributário, não vinculada a operações particulares ou mesmo a setores específicos, devendo conduzir, caso não haja deformações na sua aplicação, a uma racionalização das formas e das modalidades de combate aos fenômenos de abuso/elusão48.

A aplicação generalizada da cláusula prevista no art. 10-bis deve, antes de tudo, pôr fim ao uso deturpado de outras disposições do ordenamento, que nada têm a ver com o abuso/elusão, mas que foram “distorcidas” indevidamente para fins antiabuso.

Em particular, a indubitável aplicabilidade do novo art. 10-bis também ao imposto de registro deve acabar definitivamente com a orientação da jurisprudência de legitimidade que desnaturou e utilizou o art. 20 della legge di registro para fins antiabuso, atribuindo-lhe instrumentalmente uma função ou finalidade antielusiva para a repressão de condutas consideradas – justamente – como elusivas ou abusivas49: isso deve igualmente facilitar o definitivo reconhecimento da real natureza do art. 20 della legge di registro como cláusula destinada a revelar a efetiva “substância jurídica” do ato sujeito a registro, e a sua subsequente correta “qualificação” civil (que é algo diferente da “requalificação” permitida pelas cláusulas antielusivas), na qual os “efeitos jurídicos”, ao final da atividade interpretativa, mostrem-se distintos daqueles próprios do tipo negocial sujeito a registro50. E, ainda sobre o imposto de registro, o problema da aplicabilidade do art. 37-bis em matéria de registro certamente desaparece, em razão do disposto no art. 53-bis del d.p.r. n. 131 del 198651, uma vez que – como indicado no início – a referida disposição foi revogada e substituída pela cláusula geral estabelecida no art. 10-bis.

Da mesma forma, a aplicabilidade generalizada da cláusula antiabuso em relação a qualquer tributo deve impedir, no futuro, por não ser mais necessária, uma leitura antielusiva também do art. 37, 3° comma, del d.p.r. n. 600 de 1973, o qual, no passado, era aplicado a casos de interposição que se encontravam fora da área da interposição fraudulenta52, marcando – em nossa opinião – os exatos limites de aplicação dessa disposição53. As condutas elusivas/abusivas realizadas por meio de formas de real interposição podem e devem ser censuradas mediante o recurso à cláusula geral antiabuso, reservando-se exclusivamente ao art. 37, 3° comma, o combate à evasão fiscal, realizada por meio de fenômenos de simulação relativa subjetiva, os quais, em virtude do renovado art. 1, 1° comma, lett. g-bis), del d.lgs. n. 74 de 2000, enquadram-se – junto com as hipóteses de simulação objetiva – entre as condutas penalmente relevantes.

Uma última questão a ser abordada, também devido à sua inserção no Statuto del contribuente, diz respeito à relação entre a nova cláusula geral antiabuso e as normas específicas antielusivas ou com ratio antielusiva.

O cerne da relação entre as duas categorias de normas é representado pela possibilidade (ou não) de se aplicar o art. 10-bis às condutas que se enquadram no âmbito aplicativo de normas específicas antielusivas. E a pergunta que precisa ser respondida é, substancialmente, a seguinte: as normas com ratio antielusiva se enquadram no âmbito aplicativo do art. 10-bis do Statuto del Contribuinte?

A resposta a essa pergunta deve ser afirmativa. E isso, não tanto em virtude da superioridade axiológica das disposições estatutárias, decorrente de suas qualificações no art. 1º como “princípios gerais do sistema tributário”, a qual, embora autorizada e sustentada conjuntamente pela doutrina54, não é, entretanto, pacífica na jurisprudência de legitimidade; mas sim, em razão da natureza e das características próprias das duas categorias de normas antiabuso.

Como mencionado no terceiro item, as normas com ratio antielusivas não são diferentes de outras disposições do ordenamento que disciplinam a determinação da renda tributável e dos impostos, que se destinam a evitar a elusão de outras normas, por meio de uma correção da sua relativa disciplina.

Exatamente por não serem diferentes das outras disposições, as normas específicas antielusivas também devem ser incluídas no âmbito de aplicação do novo art. 10-bis, o qual – na sua qualidade de norma com conteúdo expressamente antielusivo – fornece às autoridades fiscais o poder de requalificar como abusivas determinadas condutas que violem a lógica de outras normas do ordenamento tributário. Todas, de modo a salvaguardar a efetividade das obrigações e proibições nelas previstas, mas contornadas, inclusive aquelas especificamente contempladas pelas normas com ratio antiabuso, para proteger as obrigações e proibições estabelecidas pelas demais normas substanciais do ordenamento tributário: daí a inaplicabilidade, no presente caso, da máxima segundo a qual lex specialis derogat generali.

O fato de as normas com ratio antielusiva – e, portanto, os casos nelas previstos – também se enquadrarem no âmbito do art. 10-bis do Statuto, atrai a aplicabilidade também da disposição estabelecida no 12° comma do art. 10-bis, com a consequência – já destacada no terceiro item – de o abuso do direito não poder ser contestado na presença de uma conduta que viole diretamente, frontalmente, uma norma específica antielusiva, da mesma forma que ocorre no caso de violação de outras normas do ordenamento tributário: nesse caso, a economia tributária obtida deve ser afastada, contestando exclusivamente a violação da norma com ratio antielusiva violada pelo contribuinte.

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1 “La Trama dei Rapporti Tra Abuso del Diritto, Evasione Fiscale e Lecito Risparmio D’Imposta”, publicado na revista Diritto e Pratica Tributaria n. 4 del 2016, p. 1407.

Tradução de Marina Righi. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre em Diritto Tributario dell’Impresa pela Università Commerciale Luigi Bocconi. Doutora em Direito Público pela Università degli Studi di Roma Tor Vergata. Conselheira do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. E-mail: marinarighilara@gmail.com.

2 Sobre o novo art. 10-bis do Statuto, ver TESAURO, Francesco. Istituzioni di diritto tributario. Parte generale. Milano: Utet Giuridica, 2016, p. 250 et seq., e, para comentários ainda “quentes”, BEGHIN, Mauro. La clausola generale antiabuso tra certezza e profili sanzionatori. Il Fisco, n. 23, p. 2207 et seq., 2015; MIELE, Luca. Abuso del diritto distinto dalle fattispecie di evasione. Corriere tributario, v. 38, n. 4, p. 243 et seq., 2015, MANZITTI, Andrea; FANNI, Matteo. La norma generale antiabuso nello schema di Decreto delegato: buono il testo ottima la relazione. Corriere tributario, n. 21, p. 1597 et seq., 2015; CARINCI, Andrea; DEOTTO, Dario. Abuso del diritto ed effettiva utilità della novella: Much A do about nothing? Il Fisco, n. 32/33, p. 3107 et seq., 2015; LOVECCHIO, Luigi. Divieto di abuso del diritto: l’incognita applicazione futura della giurisprudenza “invasiva”. Il Fisco, n. 35, p. 3319 et seq., 2015; LEO, Maurizio. L’abuso del diritto: elementi costitutivi e confini applicativi. Il fisco, n. 10, p. 915 et seq., 2015; GALLO, Franco. La nuova frontiera dell’abuso del diritto in materia fiscale. Rassegna Tributaria, v. 58, n. 6, p. 1315 et seq., 2015. Um primeiro exame sistemático pode ser encontrado em CONTRINO, Angelo; MARCHESELLI, Alberto. Art. 10-bis, l. n. 212 del 2000 – Disciplina dell’abuso del diritto o elusione fiscale. In: GLENDI, Cesare; CONSOLO, Claudio, CONTRINO, Angelo (a cura di). Abuso del diritto e novità sul processo tributário: commento al D.Lgs. 5 agosto 2015, n. 128 e al D.Lgs. 24 settembre 2015, n. 156. Milano: Wolters Kluwer, 2016, p. 3-64. Para uma leitura da nova cláusula, a partir de uma perspectiva de verificação da capacidade de suas características intrínsecas de tornarem “verdadeiras” as relações que a vinculam aos parâmetros de validade necessários constituídos pelos arts. 23 e 53 da Constituição, ver VERSIGLIONI, Marco. Abuso del diritto. Logica e Costituzione. Pisa: Pacini Editore, 2016, p. 7 et seq.

3 A redação em tais termos do título do art. 10-bis confirma definitivamente que o abuso de direito e a elusão fiscal são conceitualmente equivalentes, na medida em que são duas formas diferentes de definir o mesmo desvio.

6 Cfr. FRANSONI, Guglielmo. La “multiforme” efficacia nel tempo dell’art. 10-bis dello Statuto su abuso ed elusione fiscale – Il commento. Corriere tributario, n. 44, p. 4366 et seq., 2015.

7 Ver, entre outras, Cass., sez. trib., 29 settembre 2006, n. 21221; Cass., sez. trib., 4 aprile 2008, n. 8772; Cass., sez. trib., 21 aprile 2008, n. 10257 e Cass., sez. trib., 21 gennaio 2011, n. 1372.

9 Quanto à jurisprudência de mérito, é possível recordar, por exemplo, a sentenza n. 63 de 2014 della CT di 2º grado di Bolzano que considerou uma operação de lease-back realizada por uma sociedade imobiliária como abusiva, porque – uma vez que a sociedade de leasing considerou confiável a sociedade e o contrato conveniente; uma vez que a sociedade imobiliária tinha recursos financeiros consideráveis e desfrutava da confiança dos bancos, uma circunstância que lhe teria permitido ter acesso a um empréstimo com taxas favoráveis – os encargos mais altos resultantes da operação de lease-back, em relação ao crédito bancário, eram inúteis e destinados apenas à obtenção de uma economia de impostos. Também é digna de nota – enquanto verdadeiramente emblemática – a sentenza, giugno 2012, n. 53, della CTR di Genova, que considerou uma fusão entre várias sociedades de um mesmo grupo, destinada a simplificar a estrutura societária, como um abuso/evasão, pois, na ausência de válidas razões econômicas, ao invés de uma fusão neutra do ponto de vista fiscal, teria sido necessário proceder – para o fisco e para os juízes – com uma liquidação que realizasse ganhos de capital tributáveis, como se dentro do sistema a fusão não tivesse, como uma operação de reorganização, “igual dignidade” em relação à liquidação. Para outros casos, ver, dentre outros, NUSSI, Mario. Donazione immobiliare tra lecito risparmio d’imposta, evasione e abuso del diritto. Corriere tributario, v. 2, n. 29, p. 2334-2337, 2009; STEVANATO, Dario. Ancora un’accusa di elusione senza “aggiramento” dello spirito della legge. Corriere tributario, v. 34, n. 9, p. 678 et seq., 2011 e ESCALAR, Gabriele. Indebita trasformazione del divieto di abuso del diritto in divieto di scelta per il regime fiscale meno oneroso. Corriere tributario, v. 35, n. 35, p. 2707 et seq., 2012.

12 Sobre esses aspectos, ver CONTRINO, Angelo; MARCHESELLI, Alberto. Luci e ombre nella struttura dell’abuso fiscale “riformato”. Corriere tributario, n. 37, p. 3787 et seq., 2015.

13 Adaptando-o, em tal hipótese a estrutura conceitual não se altera.

15 Nesse sentido, GALLO, Franco. La nuova frontiera dell’abuso del diritto in materia fiscale. Rassegna tributaria, v. 58, n. 6, p. 1333, 2015.

16 Para mais informações sobre tal tema, embora no contexto antecedente à introdução do novo art. 10-bis, v. FERRANTI, Gianfranco. Inerenza, antieconomicità e abuso del diritto da applicare correttamente ai professionisti. Il Fisco, n. 15, p. 1419 et seq., 2015. E MAGLIARO, Alessandra; CENSI, Sandro. Residenza fiscale all’estero e reddito d’impresa: abuso del diritto e interposizione non possono coesistere. GT – Rivista di giurisprudenza tributaria, n. 5, 434 et seq., 2015.

17 Sobre tais normas, e para a distinção com aquelas com conteúdo expressamente antielusivo, como o novo art. 10-bis dello Statuto del contribuente ver, de modo geral, TESAURO, Francesco. Istituzioni di diritto tributario. Parte generale. Milano: Utet Giuridica, 2016, p. 258 et seq., e Id., Elusione e abuso nel diritto tributario italiano. Rivista di Diritto e pratica tributaria, v. 83, n. 4, p. 683 et seq., 2012.

18 Conclui-se também, nesse sentido, FRANSONI, Guglielmo. La “multiforme” efficacia nel tempo dell’art. 10-bis dello Statuto su abuso ed elusione fiscale – Il commento. Corriere tributario, n. 44, p. 4366 et seq., 2015.

19 Assim, Relazione illustrativa del d.lgs. n. 128 del 2015, 10; o caráter “residual” do abuso de direito também é destacado pela recente Cass., sez. pen., 20 ottobre 2015, n. 43809, cit., argumentando precisamente sobre o teor da disposição em análise, e GALLO, Franco. La nuova frontiera dell’abuso del diritto in materia fiscale. Rassegna tributaria, v. 58, n. 6, p. 1333, 2015.

20 Para usar a feliz e densa expressão de MARELLO, Enrico. La motivazione contraddittoria come vizio dell’avviso di accertamento. Giurisprudenza italiana, n. 4, p. 967 et seq., 2010.

21 A referência é à Cass., sez. trib., 30 novembre 2009, n. 25197.

22 Ver, sobre o tema, CALIFANO, Christian. La motivazione degli atti impositivi. Torino: Giappichelli, 2012, p. 110 et seq.

23 Ver, nesse sentido, dentre outras, Cass., sez. trib., 20 aprile 2012, n. 6256.

24 Ver Cass., sez. un., 30 dicembre 2008, n. 26012.

25 Ver Cass., sez. trib., 13 settembre 2006, n. 19593.

26 Assim, BASILAVECCHIA, Massimo. L’art. 10-bis dello Statuto: “the day after”. GT – Rivista di giurisprudenza tributaria, n. 1, p. 7, 2016., para quem, “por exemplo, uma vez contestada uma interposição fraudulenta, não deveria ser possível contestar – pela Administração, mas nem mesmo pelo juiz – o abuso da conduta”.

27 Ver COSCIANI, Cesare. Principii di Scienze Delle Finanze. Torino: Editori, 1953, p. 105 e 567.

28 Esses termos foram expressos em CONTRINO, Angelo. Elusione fiscale, evasione e strumenti di contrasto: profili teorici e problematiche operative. Bologna: Cisalpino-Monduzzi, c1996, p. 18 et seq., cit., 20.

29 Sobre esse ponto, ver VELLUZZI, Vito. Le preleggi e l’interpretazione. Un’introduzione critica. Pisa: ETS, 2013, p. 45, segundo a qual a redução teleológica “se articula dessa forma: dentro da classe de casos regulados por uma disposição normativa se distinguem duas ou mais subclasses, associando apenas uma ou algumas delas a consequência legal prevista [...] e essa redução se dá com base na ratio”.

30 Assim, Relazione illustrativa del d.lgs. n. 128 del 2015, 6.

31 Ainda assim, Relazione illustrativa del d.lgs. n. 128 del 2015, 8.

32 O reconhecimento por tal exemplo ímpar vai para Alberto Marcheselli, decorrente do refinamento de um exemplo que surgiu durante uma das muitas conversas esclarecedoras que tive com o autor.

33 Ver, retro, nota 9.

34 Ver Relazione illustrativa del d.lgs. n. 128 del 2015, 8.

35 Sobre o tema ver, para todos, as apropriadas reconstruções de DELLA VALLE, Eugenio. L’elusione nella circolazione indiretta del complesso aziendale. Rassegna tributaria, v. 52, n. 2, p. 375, 2009 e MARONGIU, Gianni. L’elusione nell’imposta di registro tra l’abuso del “diritto” e l’abuso del potere. Rivista di Diritto e pratica tributaria, v. 79, n. 6, p. 1067, 2008.

36 De fato, foi previsto que “as disposições referentes a esse artigo devem ser entendidas como referentes ao art. 10-bis da legge 27 luglio 2000, n. 212, na medida em que compatíveis”: ver 1, 2° comma, d.lgs. n. 128 del 2015.

37 Nessa hipótese, a devolução de bens aos sócios equivale a uma liquidação parcial da sociedade participada.

38 Essa situação se tornou novamente atual com a reintrodução, a partir de 1º de janeiro de 2014, do regime de tributação catastale das sociedades de pessoas, sociedades limitadas e sociedades cooperativas qualificadas como sociedades agrícolas.

39 Sobre o assunto, ROSSI, Luca. L’abuso del diritto nelle operazioni di scissione e di “leveraged buy out”. Corriere tributario, v. 38, n. 7, p. 491, 2015.

40 Para outros casos que se enquadram na figura da economia tributária legítima, ver LUPI, Raffaello. Manuale professionale di diritto tributário. Milano: IPSOA, 1998, p. 62 et seq.

41 Para um comentário e discussão mais aprofundada, ver LUPI, Raffaello. Elusione e legittimo risparmio d’imposta nella nuova normativa. Rassegna Tributaria, n. 5, p. 1099 et seq., 1997.

42 CGCE, 21 febbraio 2006, causa C-255 del 2002, Halifax, Comentada por PISTONE, Pasquale. L’elusione fiscale come abuso del diritto: certezza giuridica oltre le imprecisioni terminologiche della Corte di Giustizia in tema di IVA. Rivista di diritto tributario, n. 1, p. 3 et seq., 2007.

43 Cfr.,dentre muitas, CGCE, 21 febbraio 2008, causa C-245/2006, Part service; Id., 22 maggio 2008, causa C-162/2007, Ampliscientifica; Id., 22 dicembre 2010, causa C-277/2009, Royal Bank of Scotland; Id., 20 giugno 2013, causa C-653/2011, Newey.

44 Ver, em particular, o ponto 4.5.

45 V., retro, nota 9.

46 Uma declaração a princípio inexplicável, esta que segue – nos itens 7.1. a 7.4. da primeira sentença e nos itens 7 a 7.4. da segunda – a detalhada ilustração dos critérios estabelecidos acima para distinguir entre as duas figuras em exame.

47 Art. 1, 2° comma, d.lgs. n. 128 del 2015.

48 Com relação à sua inserção, a observação a ser feita é que a nova cláusula antiabuso disposta no art.10-bis está enraizada – como o art. 5 della legge delega – nas proibições do abuso do direito nacional e europeu enraizadas pela Corte di Cassazione e pelo Tribunal de Justiça Europeu, respectivamente, no art. 53 da Constituição Italiana e nos princípios europeus unitários, vinculantes, nos termos do art. 117 da Constituição Italiana: por isso, não obstante a opinião contrária expressa por muitos, parece coerente com as origens e a real natureza da nova cláusula, como se pode inferir de seu conteúdo normativo, a inserção da relativa disposição em um corpo normativo, o Statuto del contribuente, que atribui a suas disposições o valor de “princípios gerais do sistema tributário”. Quanto ao seu conteúdo, ao contrário do art. 37-bis, que – além de se referir a transações específicas – tinha um âmbito de aplicação limitado ao imposto de renda e outros impostos aos quais sua aplicação havia sido expressamente estendida (como o imposto sobre sucessões e doações); e ao contrário do princípio antiabuso da jurisprudência interna, cujo âmbito de aplicação ainda estava limitado a impostos não harmonizados, a nova cláusula contida no art. 10-bis estende sua esfera de aplicação a todos os setores do ordenamento tributário, cobrindo, portanto, todos os tributos, inclusive aqueles abrangidos até o momento pela proibição de abuso europeia.

Não há exceção para “tributos alfandegários”, ao contrário do que é dito em alguns comentários sobre a nova cláusula. E de fato, o art. 1, 4° comma, d.lgs. n. 128 del 2015 (segundo o qual “Os 5° ao 11° comma do art. 10-bis della legge n. 212 del 2000 não se aplicam às autuações e controles relativos aos direitos aduaneiros referidos no art. 34 del decreto del Presidente della Repubblica 23 gennaio 1973, n. 43, que permanecem regidos pelas disposições dos arts. 8 e 11 do decreto legislativo 8 novembre 1990, n. 374, e suas sucessivas modificações, bem como pela legislação aduaneira da União Europeia”), não afeta as disposições da nova cláusula que fornecem a definição do abuso do direito (do 1 ao 3 comma), nem circunscreve seus limites no que diz respeito à economia tributaria e evasão fiscal (4 e 12 comma), e nem sequer estabelece sanções sob a perspectiva penalista (13 comma): ele se limita a afastar, em favor daqueles especificamente ditados para materiais alfandegárias, as disposições relativas à investigação, autuação, cobrança e reembolso.

Nesta perspectiva, que parece razoável em vista das peculiaridades existentes nos procedimentos de autuação e cobrança de impostos aduaneiros, é, no entanto, distônico considerar a não aplicação prevista – pelo citado art. 1, 4° comma – também da disposição prevista no 9° comma do novo art. 10-bis, também da disposição prevista no 9º comma do novo art. 10-bis, ou seja, a disposição que regula especificamente os perfis processuais e também a impossibilidade de invocação do abuso do direito ex officio, se apenas se considerar que as autuações aduaneiras devem, em qualquer caso, ser contestadas perante o juiz tributário ordinário: não há, portanto, razão para prever no processo regras diferentes daquelas aplicáveis na presença de outros autos de infração que apresentem a mesma contestação de abuso de direito e, sobretudo, uma objeção baseada na mesma noção de abuso. Esta última disposição, assim como as outras que disciplinam os aspectos substanciais, também deve ser aplicada às autuações antiabuso no campo aduaneiro.

49 Ver, dentre outras, Cass., sez. trib., 4 maggio 2007, n. 10273; Cass., sez. trib., 4 maggio 2007, n. 10273; Cass., sez. trib., 7 luglio 2003, n. 10660; Cass., sez. trib., 25 febbraio 2002, n. 2713; Cass., sez. trib., 23 novembre 2001, n. 14900. No mais recente Cass., sez. trib., 19 giugno 2013, n. 15319, afirmou-se que o art. 20 della legge di registro “é uma norma que, mesmo que inspirada por uma genérica finalidade antielusiva, não constitui uma ‘disposição antielusiva’”, afirmação esta que foi realizada para negar o requerimento de aplicação, em caso de autuação de elusão/abuso por meio do art. 20, do contraditório endoprocedimental previsto pelo art. 37-bis del d.p.r. n. 600 del 1973; na (imediatamente) seguinte Cass., sez. trib., 28 giugno 2013, n. 16345, o juízo de legitimidade, entretanto, voltou a afirmar, tratando sempre do art. 20, “a tangibilidade, na esfera fiscal, das formas negociais, em consideração à função antielusiva subjacente à disposição em questão”. O conteúdo antielusivo do art. 20 della legge di registro foi rejeitado pela Cass., sez. trib., 28 marzo 2014, n. 7335, mas “a tangibilidade, do ponto de vista tributário, das formas negociais, em consideração à função antielusiva subjacente à disposição em questão” foi novamente lembrada na recente Cass., sez. trib., 8 aprile 2015, n. 6951, e indiretamente reafirmada pela Cass., sez. trib., 18 dicembre 2015, n. 25484, recordando o precedente princípio da Cass. n. 6835 del 2013, segundo o qual “Quanto à interpretação dos atos para fins de aplicação do imposto de registro, o critério estabelecido pelo art. 20 do d.p.r. n. 131 del 1986 impõe privilegiar a natureza intrínseca e os efeitos jurídicos, ao invés do seu título e da sua forma aparente, com a consequência de que os conceitos privados relativos à autonomia negocial regridem, diante das exigências antielusivas estabelecidas pela norma, a meros elementos da fatiespecie tributária, a fim de reconstruir qual deverá, portanto, priorizar a causa real e global da operação econômica, em detrimento das formas de cada negócio jurídico”.

50 Sobre a real natureza do art. 20 della legge di registro, e a subsequente impossibilidade de qualificar tal disposição como uma norma antielusiva, ver, acima de tudo, a abrangente análise de GIRELLI, Giovanni. Abuso del diritto e imposta di registro. Torino: Giappichelli, 2012, p. 61 et seq., nonché a MELIS, Giuseppe. L’ interpretazione nel diritto tributário. Padova: CEDAM, 2003, p. 292 et seq. (Problemi attuali di diritto tributário).

51 Introduzido pelo art. 35, 24° comma, del d.l. n. 223 del 2006, convertido, com modificações, na l. n. 248 del 2006. Sobre o assunto, BASILAVECCHIA, Massimo. I nuovi poteri di controllo dell’amministrazione finanziaria nelle imposte di registro, ipotecaria e catastale. Consiglio Nazionale del Notariato, n. 1, p. 243-256, 2008, disponível em: www.notariato.it.

52 Ver Cass., sez. trib., 10 giugno 2011, n. 12788, comentada entusiasticamente por LOVISOLO, Antonio. Il contrasto all’interposizione “gestoria” nelle operazioni effettive e reali, ma prive di valide ragioni economiche. Rivista di giurisprudenza tributaria, n. 10, p. 872-877, 2011; e, posteriormente, Cass., sez. trib., 10 gennaio 2013, n. 449; Cass., sez. trib., 15 novembre 2013, n. 25671 e Cass., sez. trib., 15 ottobre 2014, n. 21794; No mesmo erro – sempre de nossa perspectiva – também caiu a recente, e repetidamente referida, Cass., sez. pen., 20 ottobre 2015, n. 43809, e outra forma inexceptível.