Propósito Negocial no Direito Tributário

Business Purpose in Tax Law

Eduardo Kowarick Halperin

Doutorando e Mestre em Direito Tributário (USP). Especialista em Direito Tributário (IET/PUCRS). Advogado em São Paulo. E-mail: eduardo.halperin@silveiro.com.br.

Recebido em: 10-1-2023 – Aprovado em: 9-2-2023

https://doi.org/10.46801/2595-6280.53.6.2023.2301

Resumo

A expressão “propósito negocial” tem sido utilizada pela doutrina e pela jurisprudência com dois significados diferentes. De um lado, utiliza-se a expressão “propósito negocial” com o significado de “causa do negócio jurídico”, a qual exerce uma função qualificadora e pode se referir tanto à sua “causa formal” quanto à sua “causa substancial”. De outro lado, utiliza-se a expressão “propósito negocial” com o significado de “motivo do negócio jurídico”, o qual exerce uma função normativa e pode ser aplicado tanto ao fim do negócio jurídico quanto aos meios empregados para se atingir esse fim. Desses diferentes significados e aplicações, apenas o significado de “propósito negocial” como “causa formal”, o qual exerce uma função de qualificação dos negócios jurídicos, é compatível com o ordenamento jurídico.

Palavras-chave: propósito negocial, motivo extrafiscal, causa, forma, substância.

Abstract

The expression “business purpose” has been used by the doctrine and by the courts with two different meanings. On the one hand, the expression “business purpose” is used with the meaning of “cause of the legal transaction”, which has a qualifying function and may refer both to its “formal cause” and its “substantial cause”. On the other hand, the expression “business purpose” is used with the meaning of “motive of the legal transaction”, which has a normative function and may be applied both to the end of the legal transaction and to the means employed to reach such end. Of these different meanings and applications, only the meaning of “business purpose” as “formal cause”, which has a function of qualifying the legal transaction, is compatible with the legal system.

Keywords: business purpose, extra-fiscal, motive, cause, form, substance.

I. Introdução

A expressão “propósito negocial” não consta em nenhum enunciado normativo brasileiro. Já foi objeto de Medida Provisória, notadamente a Medida Provisória n. 66/2002, que tentou inclui-la em nosso ordenamento jurídico – mas não teve sucesso. Não obstante, o exame do “propósito negocial” existente nos planejamentos tributários tem sido algo corriqueiro em decisões administrativas e judiciais sobre o tema, com a anuência de parcela da doutrina.

Ocorre que a expressão “propósito negocial” tem sido empregada pela doutrina e pela jurisprudência com distintos significados e aplicações. O presente artigo tem como objetivo identificar quais são esses diferentes significados e aplicações, bem como verificar a compatibilidade desses significados e aplicações com o ordenamento jurídico – independentemente da correção semântica do respectivo emprego da expressão “propósito negocial” em cada caso.

A primeira parte do presente artigo, descritiva, será dedicada ao exame dos diferentes significados de “propósito negocial” que têm sido empregados pela doutrina e pela jurisprudência: de um lado, o “propósito negocial” como causa do negócio jurídico; de outro lado, o “propósito negocial” como motivação do negócio jurídico. Esses diferentes significados, por sua vez, são aplicados com funções diferentes: enquanto o “propósito negocial-causa” é utilizado para qualificar determinado negócio jurídico, seja quanto à sua causa formal, seja quanto à sua causa substancial, o “propósito negocial-motivação” é utilizado como um requisito para a validade do negócio jurídico, seja quanto ao seu fim, seja quanto ao seu meio.

A segunda parte do presente artigo, prescritiva, será dedicada ao exame da compatibilidade desses diferentes significados e aplicações da expressão “propósito negocial” com o ordenamento jurídico brasileiro. Serão analisadas tanto as premissas de cada um desses diferentes significados e aplicações quanto os seus respectivos conteúdos normativos.

II. Significados de propósito negocial

II.1. Propósito negocial como causa do negócio jurídico

II.1.1. Fundamentos do propósito negocial-causa

Em primeiro lugar, a expressão “propósito negocial” é empregada pela doutrina e pela jurisprudência com o significado de “causa do negócio jurídico”. Conforme ensina Moreira Alves, a causa de um negócio jurídico é a função que o direito objetivo atribui a determinado negócio jurídico1. No caso da compra e venda, por exemplo, a causa do negócio jurídico seria a permuta da coisa pelo preço2. A causa do negócio jurídico, portanto, é completamente diferente dos motivos que levaram as partes a realizá-lo – enquanto aquela é determinada objetivamente, estes são determinados subjetivamente3.

Quando se faz referência ao “propósito negocial-causa”, pretende-se qualificar determinado negócio jurídico. Com base nesse significado, a pergunta “Qual é o propósito negocial desse negócio jurídico?”, exprime o mesmo sentido que a pergunta “Qual o negócio jurídico que foi realizado?”. Em suma: “o propósito negocial-causa” diz respeito ao plano de existência do negócio jurídico, isto é, à identificação de qual negócio jurídico ocorreu, seja ele válido ou inválido. É com base nesse significado de “propósito negocial” que Robert Summers afirma que: “nessas áreas nas quais a doutrina do propósito negocial normalmente se aplica, o problema é frequentemente se a transação do contribuinte é, de fato, o que ele diz ser”4.

Da mesma forma, é utilizando esse significado de “propósito negocial” que Marciano Seabra de Godoi afirma que: “A doutrina do business purpose não envolve a análise dos motivos dos contribuintes, mas sim a análise dos próprios atos/negócios praticados, submetidos a um exame quanto à sua efetiva finalidade prática”5. O autor prossegue: “Na linguagem do direito civil continental, trata-se da causa concreta da atuação jurídica do contribuinte. Não se trata dos motivos que explicam por que o contribuinte teria entabulado esse ou aquele negócio; trata-se da finalidade concreta para a qual o contribuinte praticou determinados atos e negócios jurídicos”6.

O raciocínio subjacente ao emprego do “propósito negocial-causa” é dividido em dois. Primeiro, há um raciocínio indutivo: a partir dos fatos X, Y e Z, infere-se a ocorrência do propósito negocial de determinado negócio jurídico (por exemplo, receber propriedade em troca do preço). Segundo, há um raciocínio hipotético-dedutivo: se está presente o propósito negocial de receber propriedade em troca do preço, então os fatos devem ser qualificados como um negócio jurídico de compra e venda.

As considerações anteriores permitem concluir que o significado de “propósito negocial” como causa do negócio jurídico possui uma função qualificadora, pois corresponde à hipótese que deve ser comprovada para que determinado negócio jurídico seja reputado como ocorrido. Em outras palavras: a partir dos fatos X, Y e Z, pode-se inferir a ocorrência do propósito negocial, por exemplo, da compra e venda (isto é, da causa da compra e venda), razão pela qual qualifica-se o negócio jurídico como uma compra e venda. A expressão “propósito negocial-causa” tem sido aplicada com base em duas concepções diferentes de “causa do negócio jurídico”. De um lado, se utiliza a concepção de causa formal do negócio jurídico. De outro lado, se utiliza a concepção de causa substancial do negócio jurídico.

II.1.2. Aplicação do propósito negocial-causa

II.1.2.1. Como causa formal do negócio jurídico

De um lado, a causa formal do negócio jurídico corresponde aos requisitos estipulados pela legislação para que um negócio jurídico seja considerado como ocorrido. Um bom exemplo do emprego da expressão “propósito negocial” para significar a causa formal de um negócio jurídico é o famoso precedente Gregory vs Helvering7, da Suprema Corte norte-americana, considerado como a gênese da chamada “doutrina do propósito negocial”.

Naquele caso, a Sra. Gregory desejava transferir para a sua pessoa física determinadas ações da empresa Monitor Securities Corporation que detinha por meio da sociedade United Mortgage Corporation. Ao invés de simplesmente transferir essas ações para a sua pessoa física por meio de uma distribuição de lucros da United Mortgage Corporation, o que ensejaria uma elevada tributação, a Sra. Gregory, fundamentando-se no art. 112 do Revenue Act de 1928, cindiu essas ações para outra sociedade que havia recém-constituído para esse fim, sem qualquer tributação – e, ato contínuo, extinguiu essa outra sociedade, recebendo as ações em sua pessoa física como devolução de capital, valendo-se de uma carga tributária inferior à que corresponderia à transferência dessas ações por meio de uma distribuição de lucros. O Sr. Helvering, Comissário da Receita Federal norte-americana, contudo, tributou a operação como se as ações tivessem sido objeto de uma distribuição de lucros da United Mortgage Corporation para a Sra. Gregory, desconsiderando a cisão das ações para a outra sociedade e a posterior liquidação dessa sociedade com a consequente devolução do capital para a Sra. Gregory.

A decisão da Suprema Corte norte-americana deteve-se, sobretudo, no teor art. 112 do Revenue Act de 1928, o qual permitia, no âmbito de reorganizações societárias, a transferência de ações entre sociedades sem qualquer tributação, nos seguintes termos:

“Sec. 112. (g) Distribution of Stock on Reorganization. If there is distributed, in pursuance of a plan of reorganization, to a shareholder in a corporation a party to the reorganization, stock or securities in such corporation or in another corporation a party to the reorganization, without the surrender by such shareholder of stock or securities in such a corporation, no gain to the distributee from the receipt of such stock of securities shall be recognized....”8

Ao analisar tal dispositivo, a Suprema Corte norte-americana considerou que, no caso da Sra. Gregory, a cisão das ações da United Mortgage Corporation para a outra sociedade recém-constituída não teria ocorrido “no contexto de um plano de reorganização” (“persuance of a plan of reorganization”), uma vez que, para tanto (isto é, para haver o “persuance of a plan of reorganization”) deveria estar presente algum “propósito negocial”:

“When subdivision (B) speaks of a transfer of assets by one corporation to another, it means a transfer made ‘in pursuance of a plan of reorganization’ [§ 112(g)] of corporate business, and not a transfer of assets by one corporation to another in pursuance of a plan having no relation to the business of either, as plainly is the case here. Putting aside, then, the question of motive in respect of taxation altogether, and fixing the character of the proceeding by what actually occurred, what do we find? Simply an operation having no business or corporate purpose – a mere device which put on the form of a corporate reorganization as a disguise for concealing its real character, and the sole object and accomplishment of which was the consummation of a preconceived plan, not to reorganize a business or any part of a business, but to transfer a parcel of corporate shares to the petitioner.”9

A decisão da Suprema Corte norte-americana que inaugurou a doutrina do propósito negocial, portanto, jamais afirmou que os negócios jurídicos precisam de um “propósito negocial” para serem válidos. O que a Suprema Corte norte-americana decidiu, na verdade, é que a presença de um “propósito negocial” é um dos elementos caracterizadores da “persuance of a plan of reorganization”, de forma que, não havendo propósito negocial, não se poderia qualificar a operação realizada como “no contexto de um plano de reorganização” para fins de aplicação do art. 112 do Revenue Act de 1928. Isso, aliás, consta de forma expressa na decisão:

“The rule which excludes from consideration the motive of tax avoidance is not pertinent to the situation, because the transaction, upon its face, lies outside the plain intent of the statute. To hold otherwise would be to exalt artifice above reality and to deprive the statutory provision in question of all serious purpose.”10

Percebe-se, portanto, que a Suprema Corte norte-americana, no caso Gregory v. Helvering, empregou a expressão “propósito negocial” com o significado de causa formal do negócio jurídico, para afirmar que, naquele caso concreto, não estaria presente o propósito negocial correspondente a uma reorganização societária, razão pela qual a operação realizada não poderia ser assim qualificada. Conforme bem observado por Robert Summers, apesar da decisão ser geralmente vista como a origem de uma doutrina judicial do propósito negocial, ela tem como base a impermanência da empresa recém-constituída, a qual faria com que a operação não se qualificasse como uma “reorganização societária” e, portanto, não merecesse o tratamento favorável concedido pelo Congresso11. A rigor, o que a Suprema Corte norte-americana constatou naquele caso foi a ocorrência de uma simulação, uma vez que considerou que não estariam presentes, no caso concreto, os elementos formais para que se reputasse ocorrida uma reorganização societária.

No Brasil, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, da mesma forma, emprega em diversas decisões a expressão “propósito negocial” com o significado de “causa formal” do negócio jurídico. Exemplo disso foi quando se analisou caso envolvendo dois contratos: de um lado, um contrato de prestação de serviços de perfuração, firmado entre uma empresa nacional e a Petrobras; de outro lado, um contrato de afretamento da plataforma de perfuração utilizada para a prestação de tais serviços, firmado entre uma coligada estrangeira da empresa nacional e a Petrobras. Este último contrato gozava de uma isenção fiscal destinada à remessa para o exterior de valores relativos a afretamentos.

A Fiscalização, ao examinar a situação, considerou que havia um único negócio jurídico envolvendo a prestação de serviços de perfuração e o afretamento da plataforma utilizada para a prestação desses serviços, uma vez que estavam presentes, no caso concreto, elementos que autorizam a qualificação formal dos fatos como sendo um negócio jurídico único realizado pela empresa nacional: os funcionários da empresa nacional fiscalizavam o afretamento, havia confusão e sobreposição entre os contratos, a empresa nacional contabilizava os custos relativos ao afretamento etc. Por essa razão, afastou a isenção fiscal incidente sobre os contratos de afretamento firmados com empresas estrangeiras. O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, ao analisar a situação, concordou com a Fiscalização, afirmando que os elementos fáticos do caso concreto não correspondiam ao propósito negocial de uma dupla contratação, mas sim ao propósito negocial de uma contratação única, a qual envolvia, tão somente, a empresa nacional:

“Em razão de sua inoponibilidade ao Fisco, desconsidera-se a existência formal de dois contratos distintos (de afretamento e de prestação de serviços), uma vez caracterizada a falta de propósito negocial naquela forma de contratação, em virtude de diversos elementos fáticos que demonstram a realização de uma única prestação de serviço. A atuação de empresas do mesmo grupo econômico na prestação de serviços a terceiros de forma conjugada e informal, com confusão de bens materiais e humanos, descaracteriza a veracidade do conteúdo do contrato, impondo a tributação dos valores indevidamente classificados como reembolso de despesas.”12

Em outras palavras: o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais considerou que não estaria presente, no caso analisado, a “causa formal” de um negócio jurídico individualizado de afretamento, mas sim a “causa formal” de um negócio jurídico único de prestação de serviços e afretamento, do qual fazia parte, tão somente, a empresa nacional. Não se deveria qualificar os fatos, portanto, como dois negócios jurídicos, uma vez que não haveria dois propósitos negociais distintos, mas sim um único propósito negocial, razão pela qual os fatos deveriam ser qualificados como um único negócio jurídico.

As considerações anteriores permitem concluir que o emprego da expressão “propósito negocial” com o significado de “causa formal” do negócio jurídico exerce a função de qualificar fatos com base na presença de determinados elementos formais. Esses elementos formais são aqueles considerados como necessários e suficientes pela legislação para que se repute ocorrido dado negócio jurídico.

II.1.2.2. Como causa substancial do negócio jurídico

De outro lado, a causa substancial corresponde aos efeitos econômicos que devem estar presentes para que um negócio jurídico seja considerado como ocorrido. O termo “propósito negocial” como “causa substancial” do negócio jurídico é empregado da seguinte forma: a partir das consequências econômicas X, Y e Z, advindas de determinados fatos, infere-se a ocorrência do propósito negocial do negócio jurídico de compra e venda, razão pela qual haveria dissimulação na qualificação desse negócio jurídico como uma doação. Trata-se de um raciocínio muito próximo das chamadas doutrinas da “substância sobre a forma” e da “consideração econômica”.

Diversos autores qualificam os negócios jurídicos com base na sua causa substancial. Marciano Seabra de Godoi, por exemplo, afirma que:

“O pressuposto básico é o de que o Direito não cria tais estruturas contratuais/negociais como simples formas ocas e vazias, mas como instrumentalizações para o atingimento de certas finalidades práticas.”13

“[...] Se não há num caso concreto a presença desses propósitos/finalidades típicos, e sim uma formalização oca, cujo único sentido é evitar tributos, então, estaremos na presença de atos/negócios sem causa, ou com causa falsa, configurando um planejamento tributário abusivo, uma fraude à lei tributária, um abuso de formas etc. a depender de como determinado ordenamento nacional denomina e emoldura doutrinariamente um mesmo fenômeno. Não estamos, aqui, nos referindo aos motivos subjetivos dos contribuintes (o que os levou a praticar determinado ato ou negócio), nem aos desdobramentos/consequências tributários do ato/negócio; estamos nos referindo simplesmente aos objetivos práticos daquele ato ou negócio em si mesmo considerado.”14

Marco Aurélio Greco, da mesma forma, considera que o negócio jurídico de incorporação de sociedades, sobretudo quando realizado de forma sucessiva, só é compatível com a realidade na medida em que produzir determinados efeitos econômicos, tais como a redução de custos e a otimização de desempenho:

“O instituto da incorporação existe para que duas pessoas reúnam seus patrimônios e atividades econômicas para reduzir custos, otimizar desempenho e assim por diante. Incorporar uma vez justifica-se à luz do perfil objetivo da figura. Mas o instrumento da incorporação começa a ficar incompatível com a realidade se é sucessivamente utilizado e a realidade mostra que a pessoa jurídica que surgiu como incorporadora não trazia nenhum empreendimento subjacente sendo mera casca que se tornou interessante porque tinha o prejuízo fiscal.”15

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, em diversas decisões, empregou a expressão “propósito negocial” com o significado de “causa substancial”, utilizando esse significado para qualificar os fatos com base nos efeitos econômicos típicos de determinados negócios jurídicos. Em um desses casos, aquele tribunal administrativo considerou que, apesar de diversos negócios jurídicos terem sido formalmente realizados no contexto de uma reorganização societária, o “propósito negocial-causa substancial” da operação correspondia a uma permuta, razão pela qual os fatos deveriam ser assim qualificados e tributados:

“O que determina a incidência ou não de tributo para caracterização de planejamento tributário legítimo é a função a que se destina a operação dentro do empreendimento econômico (causa objetiva – propósito negocial), não bastando a existência do conteúdo formal do negócio jurídico, consubstanciado na declaração de vontade.

[...]

Demonstradas que as operações estruturadas na sequência exposta tiveram como objetivo obter a mais valia das ações da Visanet sem a devida tributação, divergindo a causa objetiva (propósito negocial) e o conteúdo do negócio jurídico (formas jurídicas utilizadas), há que se desconsiderar as operações societárias realizadas, qualificando-as juridicamente como um único negócio de permuta, por parte da Neon e da Nova Paiol, de ações da Selenium por ações da Elba.”16

A decisão, como se vê, elegeu as consequências econômicas finais da reorganização societária (troca de ativos) como sendo os fatos determinantes para qualificá-la como um negócio jurídico de permuta. Com base nessa qualificação, desconsiderou os efeitos tributários dos demais negócios jurídicos formalmente realizados e tributou toda a operação como uma permuta.

As considerações anteriores permitem concluir que o emprego da expressão “propósito negocial” com o significado de “causa substancial” do negócio jurídico exerce a função de qualificar fatos com base na presença de determinados efeitos econômicos. Esses efeitos econômicos são aqueles que sejam considerados como típicos de dado negócio jurídico.

II.2. Propósito negocial como motivo extrafiscal

II.2.1. Fundamentos do propósito negocial-motivo extrafiscal

Em segundo lugar, o termo “propósito negocial” é empregado pela doutrina e pela jurisprudência com o significado de “motivo extrafiscal do negócio jurídico”. O “propósito negocial”, aqui, diz respeito ao motivo determinante para a realização do negócio jurídico.

Quando se faz referência ao “propósito negocial-motivo extrafiscal”, pretende-se determinar a eficácia do negócio jurídico perante a Fiscalização Tributária. Com base nesse significado, a pergunta: “Esse negócio jurídico possui propósito negocial?”, exprime sentido contido pela pergunta: “Esse negócio jurídico é eficaz perante a Fiscalização Tributária?”. Em suma: o “propósito negocial-motivo extrafiscal” diz respeito ao plano da eficácia do negócio jurídico, isto é, à produção dos regulares efeitos tributários do negócio jurídico realizado.

Marco Aurélio Greco sustenta que haveria uma diferença entre a expressão “propósito negocial” e a expressão “motivo extrafiscal”, pois aquela diria respeito apenas ao propósito ligado à atividade econômica, ao passo que esta diria respeito a qualquer outra razão que não fosse fiscal, tais como as razões familiares ou políticas, dentre outras17. Independentemente da correção da distinção realizada, a verdade é que a doutrina e a jurisprudência vêm utilizando a expressão “propósito negocial” com esse significado mais amplo, abrangendo não só o propósito ligado à atividade econômica, mas também quaisquer outros propósitos que não sejam fiscais. Por essa razão, este tópico, que tem como objetivo descrever os significados de “propósito negocial” empregados pela doutrina e pela jurisprudência, irá analisar o emprego do significado da expressão “propósito negocial” como sinônima da expressão “motivo extrafiscal”.

O “propósito negocial” com o significado de “motivo extrafiscal” é utilizado com uma função normativa, mais precisamente na dimensão de regra, como uma regra relativa à eficácia tributária do negócio jurídico. Essa regra, em alguns raros casos, pode assumir uma estrutura bastante precária: “se não há motivo extrafiscal, então o negócio jurídico não produz os seus regulares efeitos tributários”. Quando a regra do “propósito negocial-motivo extrafiscal” é aplicada dessa forma, há um evidente problema, pois não se identifica o fundamento jurídico para a consequência normativa atribuída, qual seja, a ausência de eficácia perante a Fiscalização Tributária.

Para evitar esse problema relativo à identificação do fundamento normativo, a regra do “propósito negocial-motivo extrafiscal”, normalmente, é aplicada com a seguinte estrutura dúplice: “Se não há motivo extrafiscal, então o negócio jurídico é abusivo”; “Se o negócio jurídico é abusivo, então ele não produz os seus regulares efeitos tributários”.

A existência dessa regra do “propósito negocial-motivo extrafiscal” no ordenamento jurídico brasileiro é sustentada por Marco Aurélio Greco. Segundo esse autor, o direito de auto-organização não seria absoluto, uma vez que a análise do planejamento fiscal deveria envolver não só os valores propriedade e segurança, mas também “os valores igualdade (artigo 5º, caput), solidariedade (artigo 3 º, I) e justiça (artigo 3º, I), vista esta não apenas como justiça formal, mas como justiça substancial”18.

Disso resultaria que “toda situação jurídica subjetiva (direito, poder, faculdade, liberdade), terá um “limite funcional” a ser identificado e que não poderá ser ultrapassado”19. Uma vez ultrapassado tal limite funcional, estaria configurado o abuso – compreendido pelo autor como gênero, o qual contemplaria três espécies: o abuso de direito, o abuso de poder e o abuso de liberdade, o qual geraria a ineficácia do ato praticado perante terceiros20. O autor prossegue:

“Nesse contexto é que vejo a inserção da temática do denominado abuso do ‘direito’ (a rigor, de liberdade) de auto-organização no âmbito tributário. Ou seja, o que se discute sob esse rótulo é a possibilidade de serem identificadas situações concretas em que os atos realizados pelos particulares, embora juridicamente válidos, não serão oponíveis ao Fisco quando forem fruto de uma conduta abusiva que, por isso, comprometerá a eficácia do princípio da capacidade contributiva e da isonomia fiscal.”21

Segundo Marco Aurélio Greco, o direito de auto-organização não seria exercido com abuso de liberdade quando o que pautou a conduta – em caráter exclusivo ou predominante – foi um motivo extrafiscal:

“Para afastar a caracterização do abuso é preciso em caráter exclusivo ou predominante existir um motivo extratributário. Como estamos falando de abuso com reflexo tributário, vale dizer excesso no exercício da situação jurídica subjetiva que cause repercussão na carga tributária a ser suportada, o motivo não pode ser o puro ‘fiz porque quis’, nem a simples busca da menos carga tributária; o motivo tem de ser não tributário, sob pena de estarmos operando numa tautologia ou numa petição de princípio.”22

Para Marco Aurelio Greco, portanto, os negócios jurídicos realizados no âmbito de um planejamento tributário apenas produzirão efeitos perante o Fisco caso tenham sido realizados dentro dos limites do direito de auto-organização do contribuinte, isto é, sem a ocorrência de abusos de quaisquer espécies. Para que não seja configurado o abuso, os negócios jurídicos realizados pelos contribuintes devem ter um motivo exclusivo ou preponderante que não seja a economia de tributos. Em outras palavras: segundo o autor, a regra do “propósito negocial-motivo extrafiscal” pretende tornar ineficazes perante o Fisco os negócios jurídicos realizados sem um motivo extrafiscal exclusivo ou preponderante.

Da mesma forma que um fiscal da imigração pode perguntar ao viajante tanto em relação ao fim da sua viagem (turismo, trabalho etc.) quanto ao meio empregado para se chegar a esse fim (avião, carro, navio etc.), a regra do “propósito negocial-motivo extrafiscal” é aplicada, por vezes, quanto ao fim do negócio jurídico, globalmente considerado; outras vezes, é aplicada quanto aos meios empregados pelo negócio jurídico para atingir esse fim. O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, ao analisar caso de reorganização societária que envolveu incorporação com amortização de ágio, bem ilustrou as diferentes aplicações da regra do “propósito negocial-motivo extrafiscal”:

“[...] a evidência de um propósito econômico global para as aquisições das empresas DH&C e DBNI não confere, de maneira automática, a existência de propósito negocial específico para as diversas etapas da reorganização (aumentos de capital, cisão parcial, incorporações) que permitiram, ao final, a amortização dos ágios na DIVEO após a incorporação da DH&C”23.

Como se vê, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais considerou que apesar de a operação realizada ter um “propósito negocial-motivo extrafiscal” quanto ao seu fim, isto é, quanto ao negócio jurídico globalmente considerado, os meios empregados para esse fim não teriam “propósito negocial-motivo extrafiscal”. De acordo com a decisão, a existência de um “propósito negocial-motivo extrafiscal” quanto ao fim da operação não tornaria eficazes os “negócios jurídicos-meio” que foram realizados sem “propósito negocial-motivo extrafiscal”.

As considerações anteriores permitem concluir que o significado de “propósito negocial” como motivo extrafiscal possui uma função normativa, pois corresponde a uma regra relativa à eficácia tributária do negócio jurídico. A regra do “propósito negocial-motivo extrafiscal” tem sido aplicada de duas maneiras diferentes. De um lado, ela tem sido aplicada quanto ao fim do negócio jurídico. De outro lado, ela tem sido aplicada quanto aos meios utilizados pelo contribuinte para atingir esse fim.

II.2.2. Aplicação do propósito negocial-motivo extrafiscal

II.2.2.1. Quanto ao fim do negócio jurídico

De um lado, a regra do “propósito negocial-motivo extrafiscal” tem sido aplicada em relação ao fim do negócio jurídico. De acordo com essa aplicação da regra, o negócio jurídico não deve ser realizado para se atingir um fim de economizar tributos. A economia tributária até pode ocorrer, mas o negócio jurídico, para produzir seus efeitos tributários, deve ter um propósito negocial que corresponda a um motivo extrafiscal.

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, ao analisar caso no qual uma sociedade emitiu debêntures para outra sociedade do mesmo grupo, que apurou e amortizou o ágio relativo a essas debêntures, reduzindo a base de cálculo do IRPJ e da CSLL, empregou a expressão “propósito negocial” com o significado de “motivo extrafiscal”, aplicando a regra do “propósito negocial-motivo extrafiscal” quanto ao fim do negócio jurídico:

“A emissão de debêntures, com o único propósito de reduzir a carga tributária, implica em planejamento tributário abusivo, mais especificamente, elisão abusiva. Para que um planejamento tributário seja oponível ao fisco, não basta que o contribuinte, no exercício do direito de auto-organização, pratique atos ou negócios jurídicos antes dos fatos geradores e de acordo com as formalidades previstas na legislação societária e comercial. É necessário que haja um propósito negocial, de modo que o exercício do direito seja regular.”24

Na decisão acima, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, ao constatar que a emissão de debêntures não tinha qualquer “propósito negocial”, isto é, não tinha qualquer fim que correspondesse a um motivo extrafiscal, glosou a amortização do ágio decorrente da aquisição das debêntures. Em suma: a decisão aplicou a regra do “propósito negocial-motivo extrafiscal” quanto ao fim do negócio jurídico, para afastar os efeitos tributários de negócio jurídico que tinha como motivo a economia tributária.

As considerações anteriores permitem concluir que o emprego da expressão “propósito negocial” com o significado de “motivo extrafiscal” quanto ao fim do negócio jurídico exerce uma função normativa de determinar a eficácia, perante a Fiscalização Tributária, dos negócios jurídicos realizados. A aplicação da regra do “propósito negocial-motivo extrafiscal” quanto ao fim dos negócios jurídicos torna ineficazes, perante a Fiscalização Tributária, os negócios jurídicos realizados por motivos fiscais.

II.2.2.2. Quanto ao meio do negócio jurídico

De outro lado, a regra do “propósito negocial-motivo extrafiscal” tem sido aplicada em relação aos meios empregados para se atingir o fim do negócio jurídico. De acordo com essa aplicação da regra, mesmo que o negócio jurídico tenha como fim um “propósito negocial-motivo extrafiscal”, os meios escolhidos para se atingir tal fim também devem ter um “propósito negocial-motivo extrafiscal”.

Foi com base nessa forma de aplicação da regra do “propósito negocial-motivo extrafiscal” que a Medida Provisória n. 66/2002, a qual pretendia regular o parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional, definiu o que seria um indicativo de falta de propósito negocial:

“Art. 14. § 2º Considera-se indicativo de falta de propósito negocial a opção pela forma mais complexa ou mais onerosa, para os envolvidos, entre duas ou mais formas para a prática de determinado ato.”

Essa mesma forma de aplicação da regra do “propósito negocial-motivo extrafiscal” é que subjaz a clássica metáfora de Sampaio Dória, a respeito do viajante que se depara com duas opções de estrada para atingir o mesmo destino, uma em boas condições, mas com pedágio, outra em más condições, mas sem pedágio:

“O contribuinte potencial, na perspectiva de consumar dado negócio, se encontra na mesma situação de viajante confrontado por dupla alternativa: ou tomar estrada moderna, direta, tranquila, que lhe permite atingir seguramente seu destino, mas cujo uso implica no pagamento de pedágio; ou optar por via indireta, mal conservada, arriscada, que também o conduz, conquanto precariamente, a seu objetivo e cuja utilização não envolve o pagamento de uma taxa. Tal como esse viajante, o contribuinte tem plena liberdade de escolher, desde que objetivamente idônea, a via jurídica para atingir os fins materiais colimados. Os percalços ou vantagens inerentes à mesma é matéria privativa do foro decisório de cada um.”25

A aplicação da regra do “propósito negocial-motivo extrafiscal” quanto aos meios escolhidos para se atingir o fim do negócio jurídico, de forma a afastar os efeitos tributários dos meios que não tenham “propósito negocial”, tem sido adotada em diversos casos analisados pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Em um deles, ao se deparar com um contrato de compra e venda de ações entre duas empresas brasileiras, controladas por empresas estrangeiras, no qual foi incluído um aditivo para que as ações fossem vendidas pela controladora estrangeira (reduzindo a tributação de 34% a título de IRPJ e CSLL para 15% a título de IRRF), aquele tribunal administrativo considerou que o meio adotado para a realização do negócio jurídico (transferência das ações para a controladora estrangeira e a subsequente alienação) não tinha qualquer “propósito negocial”, razão pela qual não deveria produzir seus efeitos tributários:

“Da análise das operações societárias praticadas pelas empresas do grupo econômico a que pertencia a contribuinte ABN 2, conclui-se por dar razão à Fiscalização quando esta afirma que o propósito negocial e os objetivos alegados pelo sujeito passivo poderiam ser completamente satisfeitos por meio da realização das operações descritas nas etapas 1 e 2, seguidas da venda das ações da REAL SEGUROS realizada diretamente pela ABN 2 ao comprador.

[...]

Sendo assim, as demais etapas levadas a cabo pelo grupo econômico não representaram nenhuma vantagem negocial, operacional, societária ou regulatória que as justificasse, segundo os propósitos extratributários apontados pelo sujeito passivo.”26

No caso acima, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais identificou um “propósito negocial-motivo extrafiscal” quanto ao fim do negócio jurídico (alienação de ações), mas não identificou um “propósito negocial-motivo extrafiscal” quanto ao meio adotado (alienação via controladora estrangeira). Por essa razão, aplicou a regra do “propósito negocial-motivo extrafiscal” para afastar os efeitos tributários de todos os meios escolhidos pelo contribuinte que não tivessem um motivo extrafiscal para a sua realização.

As considerações anteriores permitem concluir que o emprego da expressão “propósito negocial” com o significado de “motivo extrafiscal” quanto ao meio do negócio jurídico exerce uma função normativa de determinar a eficácia, perante a Fiscalização Tributária, dos negócios jurídicos realizados. Ainda que o negócio jurídico tenha como fim um “propósito negocial-motivo extrafiscal”, a aplicação da regra do “propósito negocial-motivo extrafiscal” quanto aos meios escolhidos para se atingir tal fim faz com que eles também devam ter um “propósito negocial-motivo extrafiscal”.

III. Validade do propósito negocial

III.1. Validade do propósito negocial como causa

III.1.1. Validade das premissas do propósito negocial-causa

A qualificação do negócio jurídico com base no “propósito negocial-causa” é fundamentada em duas premissas. Em primeiro lugar, é fundamentada em normas jurídicas reconstruídas a partir de enunciados jurídicos que atribuem poder ao Fisco para requalificar os negócios jurídicos. Em segundo lugar, é fundamentada em raciocínios indutivos a partir dos fatos verificados no caso concreto.

Em primeiro lugar, a qualificação do negócio jurídico com base no “propósito negocial-causa” é fundamentada nas normas que autorizam, mediante a constatação de vícios de existência do negócio jurídico, a sua qualificação com base nos elementos presentes na realidade, ao invés de se aceitar a qualificação declarada pelo contribuinte. É que, ao qualificar o negócio jurídico com base no seu “propósito negocial-causa”, seja a causa formal ou seja a causa substancial, a Fiscalização desconsidera a qualificação do negócio jurídico declarada pelo contribuinte, por entender que essa declaração não corresponde à realidade.

De um lado, a Fiscalização pode afirmar que não está presente o “propósito negocial-causa” do negócio jurídico declarado, e que, na realidade, nada foi feito, isto é, não ocorreu qualquer negócio jurídico. Nesse caso, se utiliza a ausência de propósito negocial para se reputar ocorrida a simulação, prevista pelo art. 149, VII, do Código Tributário Nacional27. Em outras palavras: o “propósito negocial-causa”, seja na sua acepção formal ou substancial, consiste, aqui, em uma regra de qualificação que permite a constatação de simulação.

De outro lado, a Fiscalização pode afirmar que não está presente o “propósito negocial-causa” do negócio jurídico declarado, e que, na realidade, está presente o “propósito negocial-causa” de outro negócio jurídico. Nesse caso, se diz que houve dissimulação, prevista no parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional28 – até hoje não regulado, razão pela qual ainda não é aplicável. Em outras palavras: o “propósito negocial-causa”, seja na sua acepção formal ou substancial, consiste, aqui, em uma regra de qualificação que permite a constatação de dissimulação.

Em segundo lugar, a qualificação do negócio jurídico com base no “propósito negocial-causa” é fundamentada em raciocínios indutivos que são construídos a partir de fatos. A dificuldade está justamente em se identificar quais são os fatos relevantes para se identificar o “propósito negocial-causa” que permite a qualificação do negócio jurídico, uma vez que a relevância de cada fato vai depender da hipótese que se pretende comprovar – o que depende, por sua vez, da acepção de causa que se adotar. De um lado, se for adotada a hipótese de que se deve comprovar a causa formal, os fatos relevantes para a qualificação do negócio jurídico serão aqueles referidos como requisitos do negócio jurídico pela legislação. De outro lado, se for adotada a hipótese de que se deve comprovar a causa substancial, os fatos relevantes para a qualificação do negócio jurídico serão as consequências econômicas típicas de determinado negócio jurídico.

III.1.2. Validade da qualificação do negócio jurídico com base no propósito
negocial-causa

De um lado, é válido pretender qualificar o negócio jurídico com base no seu “propósito negocial-causa”, se assim for compreendida a causa formal do negócio jurídico, isto é, os requisitos estipulados pela legislação que rege o direito privado. Isso por duas razões principais.

Em primeiro lugar, porque se o legislador empregou uma definição sem lhe atribuir um significado diverso, é porque adotou o significado já estabelecido dessa definição29. Em segundo lugar, porque o art. 109 do Código Tributário Nacional determina expressamente a utilização dos princípios de Direito Privado para a pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas30.

E, ao se examinar atentamente as definições do Direito Privado brasileiro, percebe-se que elas são, em regra, formais. Ao contrário do que afirma Marco Aurélio Greco, para quem a incorporação só é compatível com a realidade na medida em que produzir determinados efeitos econômicos, tais como a redução de custos e a otimização de desempenho31, o art. 227 da Lei das Sociedades por Ações define incorporação, simples e formalmente, como “a operação pela qual uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações”.

Da mesma forma, não há que se falar que sociedades “holding” constituídas de forma efêmera e que servem de “veículo” para a amortização de ágio configuram simulação. Para que uma sociedade seja considerada existente (isto é, não simulada), nos termos do Código Civil e da Lei das Sociedades Anônimas, basta que haja uma reunião de pessoas que se obriguem a contribuir para o exercício de uma atividade econômica, a qual pode ser, inclusive a participação em outras sociedades para beneficiar-se de incentivos fiscais:

Código Civil

“Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.”

Lei das S.A.

“Art. 2º Pode ser objeto da companhia qualquer empresa de fim lucrativo, não contrário à lei, à ordem pública e aos bons costumes. [...]

§ 3º A companhia pode ter por objeto participar de outras sociedades; ainda que não prevista no estatuto, a participação é facultada como meio de realizar o objeto social, ou para beneficiar-se de incentivos fiscais.”

Não há simulação e nem dissimulação, portanto, quando uma sociedade deficitária incorpora uma sociedade lucrativa para utilizar os seus prejuízos fiscais, e nem quando uma sociedade é constituída para participar de outra sociedade, visando viabilizar o aproveitamento de ágio. Em ambos os casos, o “propósito negocial-causa formal” dos negócios jurídicos realizados está presente, razão pela qual a qualificação atribuída pelo contribuinte não deve ser desconsiderada.

Veja-se que as definições empregadas pela legislação brasileira para definir os negócios jurídicos, as quais são eminentemente formais, diferem muito da definição de “reorganização societária” empregada pela legislação norte-americana no art. 112 do Revenue Act de 1928, a qual ensejou a decisão do caso Gregory vs. Helvering, considerada a precursora da doutrina do propósito negocial. O próprio termo empregado pela legislação norte-americana naquele caso, qual seja, “reorganização societária”, é um termo que padece de uma indeterminação muito maior do que os termos normalmente empregados pela legislação tributária brasileira, tais como “aquisição”, “incorporação”, “sociedade” etc.

Esse ponto deve ser salientado: afirmar que os negócios jurídicos devem ser qualificados com base no seu “propósito negocial-causa formal” não significa dizer que a qualificação dos negócios jurídicos deve ser formalista. A forma prevista pela legislação para que determinado negócio jurídico seja considerado ocorrido pode ser extremamente vaga e genérica, tal como foi o caso da “reorganização societária” do caso Gregory vs. Helvering – no ordenamento jurídico brasileiro, contudo, o legislador optou por atribuir efeitos tributários a negócios jurídicos específicos que foram definidos de maneira mais determinada pela legislação de Direito Privado.

Essas considerações permitem concluir que a qualificação dos negócios jurídicos com base no seu “propósito negocial-causa formal” é válida. Parafraseando Antonin Scalia, em sua resposta aos críticos que afirmavam que a sua doutrina seria “formalista”: “é claro que é formalista! O Estado de Direito é sobre forma. [...] Vida longa ao formalismo. É o que faz um governo um governo de leis e não de homens.”32

De outro lado, não é válido pretender qualificar o negócio jurídico com base no seu “propósito negocial-causa”, se assim for compreendida a causa substancial do negócio jurídico, isto é, os efeitos econômicos típicos de determinado negócio jurídico. Isso por três razões principais.

Em primeiro lugar, porque viola o princípio da legalidade material, uma vez que há um “deslizamento” de sentido da definição do negócio jurídico estabelecida pela legislação para um suposto sentido econômico sem previsão legal. Como resultado disso, o contribuinte deixa de poder se orientar pela situação explicitamente descrita pelo legislador e passa a ser obrigado a arcar com uma tributação determinada por elemento a ser implicitamente definido pelo administrador e pelo julgador33.

Em segundo lugar, porque viola o já referido art. 109 do Código Tributário Nacional, que determina a utilização dos princípios de direito privado para a pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas. E, conforme bem observado por Humberto Ávila, “não há substância econômica fora do direito que regula o patrimônio. [...] A forma e a substância, nesse sentido, são dadas pelo Direito Civil. Ele não é a roupa que veste o fato, ele é a própria substância jurídica do fato, porque se o Direito Civil não reconhece este fato, ele não existe juridicamente.”34 Os critérios para a definição dos negócios jurídicos, portanto, já foram eleitos pela legislação, de forma que o emprego de critérios distintos daqueles, tais como os critérios econômicos, são manifestamente ilegais, além de desconsiderarem que inexiste uma “realidade econômica” fora da realidade jurídica.

Em terceiro lugar, porque viola o § 1º do art. 108 do Código Tributário Nacional, que proíbe o emprego de analogia para se exigir tributo não previsto em lei35. Ao qualificar um negócio jurídico com base em seus efeitos econômicos típicos, os quais não estão previstos em lei, acaba-se por promover a tributação por meio de analogia, uma vez que se tributa um fato não previsto pela hipótese de incidência tributária pelo simples fato de que, economicamente, esse fato produz os mesmos efeitos que a situação prevista na hipótese de incidência tributária.

As considerações anteriores permitem concluir que, de um lado, é válido pretender qualificar o negócio jurídico com base no seu “propósito negocial-causa formal”. Em primeiro lugar, porque se o legislador empregou uma definição sem lhe atribuir um significado diverso, é porque adotou o significado já estabelecido dessa definição36; em segundo lugar, porque o art. 109 do Código Tributário Nacional determina expressamente a utilização dos princípios de Direito Privado para a pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas. De outro lado, não é válido pretender qualificar o negócio jurídico com base no seu “propósito negocial-causa substancial”. Em primeiro lugar, porque viola o princípio da legalidade material; em segundo lugar, porque pretende desconsiderar os critérios formais eleitos pela legislação para a definição dos negócios jurídicos; em terceiro lugar, porque pretende tributar por meio de analogia, o que é expressamente vedado pelo § 1º do art. 108 do Código Tributário Nacional.

III.2. Validade do propósito negocial como motivo extrafiscal

III.2.1. Validade das premissas do propósito negocial-motivo extrafiscal

As premissas para a aplicação da regra do “propósito negocial-motivo extrafiscal” são as mesmas tanto para a sua aplicação quanto ao fim do negócio jurídico quanto para a sua aplicação em relação aos meios empregados para se atingir o fim do negócio jurídico. E elas são equivocadas por, ao menos, três razões.

Em primeiro lugar, é improcedente a afirmação de que o chamado “princípio da capacidade contributiva” fundamentaria a desconsideração de negócios jurídicos realizados sem “propósito negocial-motivo extrafiscal”. É que sequer existe relação lógica entre, de um lado, a capacidade contributiva do contribuinte identificada na realização de determinado negócio jurídico e, de outro lado, o seu “propósito negocial-motivo extrafiscal” na realização desse negócio jurídico – enquanto a capacidade contributiva diz respeito à conduta adotada pelo contribuinte, o “propósito negocial-motivo extrafiscal” diz respeito ao motivo que ensejou a adoção da conduta, o que é algo distinto. Trata-se, portanto, de um evidente non sequitur.

Em segundo lugar, é improcedente a afirmação de que o princípio da solidariedade social fundamentaria a desconsideração de negócios jurídicos realizados sem “propósito negocial-motivo extrafiscal”. Essa improcedência decorre de várias razões, mas a principal delas é que, tendo a Constituição Federal optado por regular o sistema tributário nacional por meio de um capítulo próprio composto de diversas regras específicas, não faz sentido invocar um princípio geral para se sobrepor a essas regras37. Nas palavras de Ricardo Mariz de Oliveira, “é de meridiana clareza e sentido lógico que não se pode invocar princípios constitucionais genéricos para cobrar tributos sem lei ou contrariamente ao que a lei determina, pois são princípios que não têm concretude para que se afirme que perante o fisco não valem atos sem motivação negocial”38.

Em terceiro lugar, é improcedente a afirmação de que agir pelo motivo de economizar tributos consistiria em uma conduta abusiva. Trata-se, isso sim, de um exercício regular de direito, por, ao menos, duas razões.

De um lado, porque, como bem observado por Sacha Calmon, se fosse verdade que realizar um negócio jurídico com um motivo fiscal correspondesse a uma conduta abusiva, então demitir funcionários seria igualmente ilícito. Nas palavras do autor, “economizar salários ou impostos dá no mesmo. É uma economia de custos, desde que não haja divergência entre a intentio facti e a intentio iuris, quando ocorre o fenômeno da dissimulação”39, que assim complementa: “Nunca se ouviu dizer em nosso país que mandar empregados para casa, substituindo-os por robôs e computadores, era contra os princípios da prevalência do emprego e da proteção do mais débil.”40

De outro lado, porque, como bem observado por Martha Leão, se fosse verdade que realizar um negócio jurídico com um motivo fiscal correspondesse a uma conduta abusiva, então o Estado estaria estimulando condutas abusivas por meio da extrafiscalidade. Nas palavras da autora, é contraditório “reconhecer as funções extrafiscais políticas, sociais e econômicas aos tributos mas, ao mesmo tempo, desconsiderar sua influência como fato a ser considerado nas decisões econômicas” razão pela qual a motivação fiscal “é natural de uma sociedade de mercado e não se confunde, necessariamente, com uma conduta abusiva”41.

As considerações anteriores permitem concluir que as premissas para a aplicação da regra do “propósito negocial-motivo extrafiscal”, seja quanto ao fim do negócio jurídico, seja quanto aos meios empregados para se atingir esse fim, são improcedentes por, ao menos, três razões. Em primeiro lugar, porque a afirmação de que o chamado “princípio da capacidade contributiva” fundamentaria a desconsideração de negócios jurídicos realizados sem “propósito negocial-motivo extrafiscal” é ilógica, uma vez que a sua conclusão não decorre da sua premissa. Em segundo lugar, porque afirmar que o princípio da solidariedade social fundamentaria a regra do “propósito negocial-motivo extrafiscal” faz com que se desconsidere uma série de regras tributárias específicas em detrimento de um princípio geral, o que é equivocado. Em terceiro lugar, porque se agir pelo motivo de economizar tributos consistisse em uma conduta abusiva, então demitir funcionários e agir de acordo com medidas extrafiscais implementadas pelo Poder Público seriam condutas abusivas, o que seria absurdo.

III.2.2. Validade da regra do propósito negocial-motivo extrafiscal

Independentemente das suas premissas equivocadas, o conteúdo normativo da regra do “propósito negocial-motivo extrafiscal” viola a Constituição Federal – tanto na sua aplicação com relação ao fim do negócio jurídico quanto na sua aplicação quanto aos meios empregados para se atingir esse fim. Isso por, ao menos, quatro razões.

Em primeiro lugar, a regra do “propósito negocial-motivo extrafiscal” viola o princípio da igualdade tributária – e não é por ele fundamentado, como sustentam alguns autores. Isso porque, se é verdade que o negócio jurídico é eficaz quando tem um “propósito negocial-motivo extrafiscal”, e é ineficaz quando não tem um “propósito negocial-motivo extrafiscal”, então o contribuinte A que realizou o negócio jurídico X com “propósito negocial-motivo extrafiscal” não deve ser tributado, e o contribuinte B que realizou o mesmo negócio jurídico X sem propósito negocial deve ser tributado. É dizer: se um contribuinte incorpora uma empresa com o motivo de unificar e otimizar os seus negócios com a incorporada, ele poderá deduzir o ágio contabilizado em relação à participação societária. Se um contribuinte, contudo, incorporar uma empresa com o motivo de deduzir o ágio contabilizado em relação à participação societária, ele não poderá deduzir esse ágio.

Isso significa que, pela regra do “propósito negocial-motivo extrafiscal”, a medida de comparação eleita para diferenciar o tratamento do contribuinte que deve ser tributado do contribuinte que não deve ser tributado corresponde à presença (ou não) de um propósito negocial na conduta do contribuinte. Ocorre que, como se sabe, a medida de comparação eleita pela Constituição Federal para diferenciar o tratamento entre os contribuintes é a capacidade contributiva (ao menos nos tributos com finalidade fiscal) de forma que o emprego de uma medida de comparação diversa, tal como a presença (ou não) de um propósito negocial, é manifestamente inconstitucional.

Em segundo lugar, a regra do “propósito negocial-motivo extrafiscal” viola a legalidade tributária, tanto na sua dimensão de regra quanto na sua dimensão de princípio. De um lado, viola a regra da legalidade tributária, porque pretende incluir no ordenamento jurídico, sem o amparo de qualquer lei, um critério para a tributação, qual seja, o propósito negocial. Nas palavras de Ricardo Mariz de Oliveira, “ao contrário do direito comparado, inexiste no nosso ordenamento qualquer norma no sentido de ser necessária uma outra razão econômica para o negócio jurídico, necessária a justificar a elisão fiscal atingida”42.

De outro lado, a regra do “propósito negocial-motivo extrafiscal” viola o princípio da legalidade tributária material, porque a sua aplicação, sem qualquer definição a respeito do que seja um “motivo extrafiscal”, corresponderá ao emprego de um termo com elevada vagueza e genericidade em uma hipótese de incidência tributária, o que viola a legalidade tributária material, uma vez que em diversas situações o contribuinte poderá ter dúvidas se o seu “propósito negocial-extrafiscal” pode ser considerado como suficiente. Paulo Ayres Barreto, nesse sentido, afirma que: “a inexistência de critérios claros para a análise da questão do propósito negocial, aliás, faz com que haja grande margem de subjetividade ao agente fiscal responsável pela autuação, o que não condiz com a necessária vinculação do ato administrativo do lançamento”43.

Em terceiro lugar, a regra do “propósito negocial-motivo extrafiscal” viola o princípio da liberdade econômica e da livre inciativa, pois pretende restringir o âmbito de liberdade do contribuinte para realização de atos jurídicos lícitos. Qualquer lei que pretenda tornar ilícita a escolha de determina atividade que tenha como objetivo economizar tributos é inconstitucional, pois viola um direito assegurado pela Constituição Federal44.

Por fim, em quarto lugar, a regra do “propósito negocial-motivo extrafiscal” viola a exigência constitucional de Lei Complementar para o estabelecimento de normas gerais tributárias, estabelecida pelo inciso III do art. 146 da Constituição Federal45. Isso porque, mesmo que se afirme que os negócios jurídicos realizados sem a observância da regra do “propósito negocial-motivo extrafiscal” são abusivos, e que o “abuso de direto” é instituto previsto pelo Código Civil, a verdade é que o Código Civil é lei ordinária – incapaz, portanto, de estabelecer normas gerais tributárias.

As considerações anteriores permitem concluir que, mesmo que se superasse o equívoco das premissas que fundamentam a regra do “propósito negocial-motivo extrafiscal”, ainda assim ela seria inaplicável, uma vez que o seu conteúdo normativo viola a Constituição Federal. Em primeiro lugar, viola o princípio da igualdade tributária. Em segundo lugar, viola a legalidade tributária, tanto em sua dimensão de regra quanto em sua dimensão de princípio. Em terceiro lugar, viola o princípio da liberdade econômica e da livre iniciativa. E, por fim, em quarto lugar, viola a exigência constitucional de Lei Complementar para o estabelecimento de normas gerais tributárias.

IV. Conclusões

A expressão “propósito negocial” é empregada com dois significados diferentes. Em primeiro lugar, ela é empregada com o significado de “causa do negócio jurídico”, e exerce uma função qualificadora. Em segundo lugar, ela é empregada com um significado de “motivo extrafiscal”, e exerce uma função normativa.

Em primeiro lugar, o “propósito negocial-causa” tem sido aplicado com base em duas concepções diferentes de “causa do negócio jurídico”. De um lado, se utiliza a concepção de causa formal do negócio jurídico. De outro lado, se utiliza a concepção substancial do negócio jurídico.

De um lado, a qualificação do negócio jurídico com base na sua causa formal, isto é, com base nos elementos considerados como necessários e suficientes pela legislação para que se repute ocorrido dado negócio jurídico, é válida. Isso porque: (i) se o legislador empregou uma definição sem lhe atribuir um significado diverso, é porque adotou o significado já estabelecido dessa definição; (ii) o art. 109 do Código Tributário Nacional determina a utilização dos princípios de Direito Privado para a pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas.

De outro lado, a qualificação do negócio jurídico com base na sua causa substancial, isto é, com base nos efeitos econômicos considerados como típicos de dado negócio jurídico, é inválida. Isso poque: (i) viola o princípio da legalidade material; (ii) desconsidera os critérios formais eleitos pela legislação para a definição dos negócios jurídicos; (iii) promove a tributação por analogia.

Em segundo lugar, o “propósito negocial-motivo extrafiscal” pode ser aplicado de duas formas – ambas com uma função normativa para determinar a eficácia do negócio jurídico perante a Fiscalização Tributária. De um lado, pode ser aplicado quanto ao fim do negócio jurídico. De outro lado, pode ser aplicado quanto aos meios do negócio jurídico.

A regra do “propósito negocial-motivo extrafiscal”, seja aplicada quanto ao fim do negócio jurídico, seja aplicada quanto aos meios do negócio jurídico, possui premissas improcedentes. Em primeiro lugar, porque afirmar que o chamado “princípio da capacidade contributiva” fundamentaria a regra do “propósito negocial-motivo extrafiscal” consiste em um non sequitur. Em segundo lugar, porque afirmar que o princípio da solidariedade social fundamentaria a regra do “propósito negocial-motivo extrafiscal” faz com que se desconsidere uma série de regras tributárias específicas em detrimento de um princípio geral, o que é equivocado. Em terceiro lugar, porque se agir pelo motivo de economizar tributos consistisse em uma conduta abusiva, então demitir funcionários e agir de acordo com medidas extrafiscais implementadas pelo Poder Público seriam condutas abusivas, o que seria absurdo.

Ainda, a regra do “propósito negocial-motivo extrafiscal”, seja aplicada quanto ao fim do negócio jurídico, seja aplicada quanto aos meios do negócio jurídico, possui um conteúdo normativo improcedente. Em primeiro lugar, porque viola o princípio da igualdade tributária. Em segundo lugar, porque viola a legalidade tributária, tanto em sua dimensão de regra quanto em sua dimensão de princípio. Em terceiro lugar, porque viola o princípio da liberdade econômica e da livre inciativa. Por fim, em quarto lugar, porque viola a exigência constitucional de Lei Complementar para o estabelecimento de normas gerais tributárias.

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1 ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 159.

2 AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 7. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 444.

3 ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 159-160.

4 SUMMERS, Robert S. A critique of the business-purpose doctrine. Oregon Law Review vol. 41, 1961, , p. 42.

5 GODOI, Marciano Seabra de. Planejamento tributário. In: MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Planejamento tributário. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 498.

6 GODOI, Marciano Seabra de. Planejamento tributário. In: MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Planejamento tributário. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 498.

7 Gregory v. Helvering, 293 U.S. 465 (1935).

8 Tradução: “Art. 112. (g) Distribuição de ações em Reorganização. Se houver uma distribuição, no contexto de um plano de reorganização, a um acionista de uma corporação que seja parte na reorganização, ações ou títulos de tal corporação ou em outra corporação que seja parte na reorganização, sem a entrega por tal acionista de ações ou títulos de tal corporação, nenhum ganho para o distribuidor a partir do recebimento de tais ações ou títulos de tal corporação será reconhecido....”.

9 Tradução: “Quando a subdivisão (B) fala de uma transferência de ativos por uma corporação para outra, significa uma transferência feita ‘no contexto de um plano de reorganização’ [§ 112(g)] de negócios corporativos, e não uma transferência de ativos por uma corporação para outra no contexto de um plano que não tenha relação com os negócios de nenhuma das duas, como claramente é o caso aqui. Deixando de lado, então, a questão do motivo em relação à tributação, e procedendo com o intuito de identificar o que realmente ocorreu, o que encontramos? Simplesmente uma operação sem propósito comercial ou negocial – um mero dispositivo que coloca a forma de uma reorganização corporativa como um disfarce para ocultar sua real natureza, e cujo único objetivo e conquista era a realização de um plano pré-concebido, não para reorganizar um negócio ou qualquer parte de um negócio, mas para transferir uma parcela de ações corporativas para o peticionário.”

10 “A regra que exclui da consideração o motivo de economia fiscal não é pertinente à situação, pois a transação, claramente, recai fora do objetivo da lei. Afirmar o contrário seria exaltar o artifício acima da realidade e privar o dispositivo legal em questão de todo propósito sério.”

11 SUMMERS, Robert S. A critique of the business-purpose doctrine. Oregon Law Review vol. 41, 1961, p. 44.

12 Carf, Acórdão n. 1202-001.067, 1ª Seção/2ª Câmara/2ª Turma Ordinária, Rel. Cons. Viviane Vidal Wagner, j. 03.12.2013.

13 GODOI, Marciano Seabra de. Planejamento tributário. In: MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Planejamento tributário. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 498.

14 GODOI, Marciano Seabra de. Planejamento tributário. In: MACHADO, Hugo de Brito (coord.). Planejamento tributário. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 499.

15 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 4. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 241.

16 Carf, Acórdão n. 1202-001.076, 1ª Seção/2ª Câmara/2ª Turma Ordinária, Rel. Cons. Geraldo Valentim Neto, j. 04.12.2013.

17 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 4. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 243.

18 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 4. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 209.

19 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 4. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 212.

20 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 4. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 210.

21 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 4. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 219.

22 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 4. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 243.

23 Carf, Acórdão n. 1401-004.267, 1ª Seção, 4ª Câmara, 1ª Turma Ordinária, Rel. Cláudio de Andrade Camerano, j. 10.03.2020.

24 Carf, Acórdão n. 1402-002.490, 1ª Seção/4ª Câmara/2ª Turma Ordinária, Rel. Cons. Luiz Augusto de Souza Gonçalves, j. 16.05.2017.

25 DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio. Elisão e evasão fiscal. São Paulo: José Bushatsky, 1977, p. 77.

26 Carf, 1ª Turma da CSRF, Acórdão n. 9101-004.817, Rel. Cons. Viviane Vidal Wagner, j. 03.03.2020.

27 “Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:

VII – quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação;”

28 “Art. 116 Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.”

29 ÁVILA, Humberto. Competências tributárias: um ensaio sobre a sua compatibilidade com as noções de tipo e conceito. São Paulo: Malheiros, p. 50.

30 “Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários.”

31 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 4. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 241.

32 SCALIA, Antonin. A matter of interpretation. Princeton: Princeton University Press, 1997, p. 25.

33 ÁVILA, Humberto. Legalidade tributária material: conteúdo, critérios e medida do dever de determinação. São Paulo: Malheiros, 2022, p. 85.

34 ÁVILA, Humberto. IRPJ e o contrato de permuta sob a perspectiva do planejamento tributário (parecer). Contribuições e Imposto sobre a Renda. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 269.

35 “Art. 108, § 1º O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei.”

36 ÁVILA, Humberto. Competências tributárias: um ensaio sobre a sua compatibilidade com as noções de tipo e conceito. São Paulo: Malheiros, p. 50.

37 ÁVILA, Humberto. Limites à tributação com base na solidariedade social. In: GODOI, Marciano Seabra de; GRECO, Marco Aurélio (coord.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 70.

38 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do planejamento tributário. Revista Direito Tributário Atual v. 47. São Paulo: IBDT, 1º quadrimestre 2021, p. 627.

39 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Limites atuais do planejamento tributário. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). O planejamento tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2002, p. 279-304 (283).

40 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Limites atuais do planejamento tributário. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). O planejamento tributário e a Lei Complementar 104. São Paulo: Dialética, 2002, p. 279-304 (303).

41 LEÃO, Martha Toribio. O direito fundamental de economizar tributos: entre legalidade, liberdade e solidariedade. São Paulo: Malheiros, 2018, p. 208.

42 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Reflexões sobre a vontade, a intenção e o motivo (objeto e causa) no mundo jurídico. In: PARISI, Fernanda Drummond et al (coord.). Estudos de direito tributário em homenagem ao Professor Roque Antonio Carrazza. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 63.

43 BARRETO, Paulo Ayres. Planejamento tributário: limites normativos. São Paulo: Noeses, p. 213.

44 LEÃO, Martha Toribio. O direito fundamental de economizar tributos: entre legalidade, liberdade e solidariedade. São Paulo: Malheiros, 2018, p. 203.

45 “Art. 146. Cabe à lei complementar: [...]

III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:”