A Prorrogação de Contratos de Concessões Públicas e seu Impacto na Amortização Fiscal dos Investimentos

The Extension of Public Concessions Contracts and its Impact on Investment’s Tax Amortization

Carlos Augusto Daniel Neto

Doutor em Direito Tributário (USP). Mestre em Direito Tributário (PUC-SP). Estágio pós-doutoral na UERJ. Ex-conselheiro do Carf. Professor do Cedes e do IBDT. Advogado. E-mail: carlos.daniel@ddtax.com.br.

Roque Antonio Carrazza

Professor Emérito da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e Titular da Cadeira de Direito Tributário dessa Instituição. Consultor Tributário. E-mail: roque@carrazza.adv.br.

Recebido em: 25-4-2023 – Aprovado em: 3-7-2023

https://doi.org/10.46801/2595-6280.54.4.2023.2363

Resumo

O presente artigo tem o escopo de analisar o impacto da prorrogação do prazo de duração de uma concessão de serviço público sobre as quotas de amortização do ativo intangível correspondente a esse direito de exploração do concessionário. Aqui, será analisado o impacto dessa prorrogação contratual especificamente nos tributos sobre a renda (IRPJ e CSLL apurados na modalidade do “lucro real”), como forma de demonstrar que esse reajuste levará a um aumento do tributo devido no período original da concessão que pode corresponder a um novo desequilíbrio na equação econômico-financeira do contrato público, dando ensejo a novas medidas para a recomposição da taxa de retorno do investimento original.

Palavras-chave: tributos sobre a renda, concessão pública, amortização de ativos intangíveis, equação econômico-financeira, contratos públicos.

Abstract

The purpose of this article is to analyze the impact of the extension of the length of a public service concession on the amortization quotas of the intangible asset corresponding to this concessionaire’s right of exploitation. Here, we will analyze the impact of this contractual extension specifically on income taxes (IRPJ and CSLL calculated on “real profit” basis), as a way to demonstrate that this adjustment will lead to an increase in the tax due in the original concession period, which may correspond to a new imbalance in the economic and financial equation of the public contract, giving rise to further measures to recompose the rate of return on the original investment.

Keywords: income taxes, public concession, amortization of intangible assets, economic and financial equation, public contracts.

1. Introdução

A Administração Pública não se utiliza exclusivamente de meios próprios para cumprir seus cometimentos designados pela Constituição Federal de 1988, pelo contrário, cada vez mais os sujeitos de direito privado são chamados a atuar em colaboração com o Estado, por meio de contratos públicos, dentre os quais se destacam, para o escopo deste trabalho, as concessões públicas.

A concessão pública nasce de um contrato estabelecido entre o Estado e um sujeito de direito privado, por meio do qual aquele adjudica a este a execução de um serviço público, que será exercido pelo particular por sua conta e risco, auferindo remuneração por meio de tarifas cobradas dos usuários desse serviço, cujo valor deverá compreender, em regra, os custos de implantação e manutenção do serviço e o lucro do prestador.

Nos contratos administrativos – sujeitos ao regime de Direito Público – sobressai o interesse público1, protegido pela indisponibilidade, pelo que as normas de Direito Privado lhe devem ser aplicadas apenas em caráter subsidiário. É o que dispõe o art. 54 da Lei n. 8.666/1993 (Lei de Licitações)2, que disciplina de forma geral as licitações e os contratos administrativos.

De fato, nos contratos administrativos, a liberdade dos contratantes é limitada pelos princípios e regras de Direito Público, notadamente: (i) pelo formalismo previsto na Lei n. 8.666/1993, (ii) pela prevalência do interesse público, e (iii) pela manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da avença.

Neste trabalho, analisaremos os impactos da prorrogação do prazo inicial estipulado para o contrato, buscando analisar os efeitos dessa prorrogação sobre o equilíbrio econômico-financeiro estabelecido inicialmente, com ênfase específica nos efeitos desse prazo alargado sobre os limites de amortização fiscal dos investimentos realizados pelo contratante particular.

A problemática que pretendemos enfrentar aqui decorre da regra disposta no art. 9º, § 3º, da Lei n. 8.987/1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão de prestação de serviços públicos, ao dispor, a respeito da política tarifária, verbis:

“Art. 9. [...]

§ 3º Ressalvados os impostos sobre a renda, a criação, alteração ou extinção de quaisquer tributos ou encargos legais, após a apresentação da proposta, quando comprovado seu impacto, implicará a revisão da tarifa, para mais ou para menos, conforme o caso.”

Alterações nos limites de amortização fiscal dos investimentos realizados pelo particular impactam exatamente na apuração dos tributos sobre a renda, quais sejam, Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), de modo que as empresas têm encontrado resistência dos entes públicos em seus pleitos para a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro nessas circunstâncias.

Esse artigo desenvolverá a hipótese de que as ditas alterações não são alcançadas pelo óbice estabelecido pelo art. 9º, § 3º, da Lei n. 8.987/1995, buscando explicitar de que forma se dá esse impacto ao regime econômico-financeiro do contrato de concessão pública.

2. A manutenção do equilíbrio econômico-financeiro nos contratos públicos de concessão

O subsistema normativo que engloba as regras de contratação com o Poder Público possui principiologia e regramento próprios, orientados especialmente à proteção dos direitos dos contratantes, que assumem o risco do contrato, aliada à manutenção do atendimento ao interesse público, contemplado pelo objeto do contrato3.

Caso se torne premente a alteração do contrato, para melhor atendimento às finalidades perseguidas pelo interesse público, a Lei n. 8.666/1993 traz autorização expressa nesse sentido, em seu art. 58, I, verbis:

“Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:

I – modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado;”

Ao mesmo tempo em que confere à Administração Pública esta prerrogativa de modificação unilateral dos termos do contrato, a Lei n. 8.666/1993 estabelece também, no seu art. 58, § 2º, que nesses casos, as cláusulas econômico-financeiras do contrato deverão ser revistas para que se mantenha o equilíbrio contratual. Destarte, em havendo alteração unilateral do contrato que gere um aumento dos encargos do contratado, a Administração deverá restabelecer, por aditamento, o equilíbrio econômico-financeiro inicial.

Da mesma forma, caso haja necessidade, por exemplo, de que a duração dos contratos seja prorrogada, o art. 57 da Lei n. 8.666/1993 autoriza expressamente esse aumento dos prazos de execução, conclusão e entrega do objeto contratado, desde que mantidas as demais cláusulas do contrato e assegurada a manutenção de seu equilíbrio econômico-financeiro.

Trata-se de um sistema que se estrutura em técnicas que buscam garantir o equilíbrio econômico do contrato, mesmo diante de circunstâncias que, sob a perspectiva do Direito Privado, não seriam arcadas por um dos contratantes, como os riscos imprevisíveis e outras condições externas ao contrato4.

O princípio da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro é, portanto, verdadeiro pilar do regime jurídico das contratações públicas, com assento constitucional (art. 37, XXI, da CF), e detalhado na Lei n. 8.666/1993, com especial clareza em seu art. 65, II, “d”, verbis:

“Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: [...]

II – por acordo das partes: [...]

d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.

[...]

§ 6º Em havendo alteração unilateral do contrato que aumente os encargos do contratado, a Administração deverá restabelecer, por aditamento, o equilíbrio econômico-financeiro inicial.”

Da simples leitura dos dispositivos acima pode-se perceber que o equilíbrio econômico-financeiro é figura sobranceira dos contratos públicos, dentre os quais se incluem aqueles de concessão de serviços públicos.

Os contratos de concessão de serviços públicos, de seu turno, são regidos pela Lei n. 8.987/1995, e consistem, na definição do art. 2º, II, dessa lei, “na delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado”.

É certo que a concessionária deve explorar o serviço público por sua conta e risco, até porque sua atividade – como toda e qualquer atividade econômica – é suscetível de perdas comerciais e resultados insatisfatórios. Mas é igualmente certo que cabe o pedido de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão quando, fora dos riscos normais do negócio – é dizer, do dever de gerência eficaz e diligente do concessionário –, surgem gravames extraordinários, porque imprevisíveis e, algumas vezes, inevitáveis.

Conquanto possa haver casos fronteiriços, não resta qualquer dúvida de que obrigações ex lege, impostas à concessionária (como, por exemplo, a instituição de um novo imposto que onere a prestação do serviço) são, por excelência, riscos de álea extraordinária – “fatos do príncipe” –, absolutamente externos às habilidades e esforços que razoavelmente se podem esperar do particular.

É justamente nesta hipótese que se impõe o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão de serviço público.

Sobre o tema, discorre Marçal Justen Filho5 que, na elaboração da proposta, o particular avaliará seus custos diretos e indiretos, abrangendo todos os encargos, inclusive os fiscais, incidentes sobre as atividades referidas à execução contratual. Isso é relevante, pois a carga fiscal representa um dos elementos de avaliação do retorno financeiro a ser obtido pelo particular, de modo que a variação dos deveres tributários não comporta tratamento jurídico específico distinto para exame do problema da equação econômico-financeira do contrato administrativo.

Prossegue o mesmo autor, aduzindo, verbis6:

“A flutuação da carga fiscal afetará a equação econômico-financeira do contrato administrativo em diversas hipóteses. Deverá reputar-se como relevante, para fins de equação econômico-financeira do contrato administrativo, qualquer modificação da legislação tributária que afetar a carga fiscal relacionada com a execução da prestação contratual.”

Entretanto, diversas são as formas de efetivação dessa garantia do equilíbrio econômico-financeiro, não se esgotando apenas no reajuste das tarifas, sob risco de ofensa ao princípio da modicidade das tarifas, informador do regime constitucional das concessões de serviços públicos, sob o risco de se sonegar o próprio serviço aos potenciais usuários, pelo seu elevado custo7.

O essencial, nesse reequilíbrio, é que os meios para tanto devem, necessariamente, compensar a perda patrimonial da concessionária e manter a Taxa Interna de Retorno (TIR) dos investimentos realizados – de forma imediata, ou diluída no tempo –, sem que isso atrapalhe a boa prestação do serviço prestado.

Sob esse aspecto, os meios economicamente capazes de produzir tal resultado são, por exemplo, (i) a alteração das tarifas do serviço; (ii) a redução de encargos regulatórios cobrados da concessionária; (iii) alteração no quantitativo ou cronograma dos investimentos que deverão ser realizados pela concessionária; (iv) alteração do prazo de duração da concessão; entre outros.

No problema que delimitamos para este trabalho, questiona-se os efeitos tributários da utilização de uma técnica específica de reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos públicos, qual seja, a alteração do prazo de duração da concessão, sobretudo em função do impacto que gera sobre a expectativa original de amortização dos investimentos realizados, contra os lucros auferidos no negócio.

Entretanto, antes de aprofundar a questão, é preciso traçar algumas linhas gerais acerca da apuração do lucro real, base de cálculo do IRPJ e da CSLL, bem como sobre o regime de depreciações e amortizações fiscais.

3. Breves linhas sobre a apuração do lucro real nas empresas

Sem descer a detalhes que agora não colhem, renda é, como corretamente sinaliza o art. 43, I, do Código Tributário Nacional (CTN)8, o conjunto dos ganhos econômicos do contribuinte, gerados por seu capital, por seu trabalho ou pela combinação de ambos, e apurados após o confronto das entradas e saídas verificadas em seu patrimônio, durante certo lapso de tempo. Exige, pois, riqueza nova e destacada de sua causa produtiva, adquirindo autonomia própria e potencial de ser aplicada na geração de mais riquezas9.

A renda tributável é sempre renda líquida ou lucro, isto é, o resultado econômico positivo, apurado num determinado espaço de tempo, após uma série de deduções e abatimentos feitos, com base em lei, sobre os rendimentos brutos. Essa riqueza nova, havida entre dois momentos temporais, é o núcleo do imposto sobre a renda: só haverá renda tributável se ocorrer, entre duas datas (em geral a que começa e a que termina o exercício financeiro), um fluxo positivo de riqueza, isto é, um aumento no valor do patrimônio do contribuinte10.

A despeito das linhas constitucionais que delimitam a estruturação do Imposto de Renda, o art. 44 do CTN estabelece diversas formas de apuração da base de cálculo do IRPJ, quais sejam, o lucro real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis. Trata-se de diversas sistemáticas para a metrificação de uma mesma realidade econômica, que reflita capacidade contributiva do sujeito passivo, por meio da identificação de fatos-signos presuntivos de riqueza11, que o legislador pretendeu alcançar para tributar a renda12.

Focando apenas no lucro real, no qual a amortização dos investimentos terá impactos relevantes, tem-se que ele é normativamente definido pelo art. 6º do Decreto-lei n. 1.598/1977, como sendo “o lucro líquido do exercício ajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas pela legislação tributária”.

O lucro líquido, por sua vez, é o resultado da soma do lucro operacional (o valor resultante do confronto entre receitas e despesas relacionadas às atividades empresariais da pessoa jurídica), dos resultados não operacionais (como, por exemplo, a alienação de bens do ativo imobilizado, que não fazem parte das atividades habituais da empresa), bem como dos saldos de contas de correção monetária e de participações.

Na apuração do lucro do exercício, deve-se considerar a Demonstração do Resultado do Exercício (DRE), que refletirá o resultado econômico da empresa em determinado período, devendo-se computar, conforme o art. 187, § 1º, da Lei n. 6.404/1976, (i) as receitas e os rendimentos ganhos no período, independentemente da sua realização em moeda; e (ii) os custos, despesas, encargos e perdas, pagos ou incorridos, correspondentes a essas receitas e rendimentos.

Antes de adentrarmos o tema dos encargos de depreciação e amortização, cumpre algum esclarecimento sobre os bens do ativo imobilizado e do ativo intangível.

Dentre os elementos do balanço patrimonial, se destaca o ativo imobilizado, que abrange, nos termos do art. 178, IV, da Lei n. 6.404/1976, “[O]s direitos que tenham por objeto bens corpóreos destinados à manutenção das atividades da companhia ou da empresa ou exercidos com essa finalidade, inclusive os decorrentes de operações que transfiram à companhia os benefícios, riscos e controle desses bens.”

Anteriormente à Lei n. 11.638/2007, que alterou as regras contábeis brasileiras para adaptá-las ao padrão internacional, essa conta abrangia também os chamados ativos intangíveis, definidos como “os direitos que tenham por objeto bens incorpóreos destinados à manutenção da companhia ou exercidos com essa finalidade, inclusive o fundo de comércio adquirido”, que passaram a ser registrados em conta própria.

Avançando, a avaliação dos bens ou direitos que compõem os ativos imobilizado e intangível, conforme dispõe o art. 183 da Lei n. 6.404/1976, é feita pelo custo de aquisição, deduzido do saldo da respectiva conta de depreciação, amortização ou exaustão (ativo imobilizado), ou apenas da conta de amortização (ativo intangível).

Isso se dá pela circunstância desses bens ou direitos gerarem fluxo de caixa por diversos períodos, de modo que o reconhecimento de todo o valor despendido como dedução, no exercício em que houve a aquisição, implicaria descasamento entre receitas e gastos, gerando distorções nas demonstrações contábeis da pessoa jurídica – esse reconhecimento dos encargos ao longo do tempo decorre, pois, do chamado princípio da competência, adotado expressamente pela Lei das S/A.

Os procedimentos contábeis de diminuição do valor dos elementos dos ativos imobilizado e intangível são estabelecidos no art. 183, § 2º, da Lei das S/A, verbis:

“Art. 183. [...]

§ 2º A diminuição do valor dos elementos dos ativos imobilizado e intangível será registrada periodicamente nas contas de: (Redação dada pela Lei n. 11.941, de 2009)

a) depreciação, quando corresponder à perda do valor dos direitos que têm por objeto bens físicos sujeitos a desgaste ou perda de utilidade por uso, ação da natureza ou obsolescência;

b) amortização, quando corresponder à perda do valor do capital aplicado na aquisição de direitos da propriedade industrial ou comercial e quaisquer outros com existência ou exercício de duração limitada, ou cujo objeto sejam bens de utilização por prazo legal ou contratualmente limitado;

c) exaustão, quando corresponder à perda do valor, decorrente da sua exploração, de direitos cujo objeto sejam recursos minerais ou florestais, ou bens aplicados nessa exploração.” (Destaques nossos)

Da simples leitura dos dispositivos supra, nota-se que a legislação traça uma distinção entre os três procedimentos, utilizando (i) a depreciação, para os objetos tangíveis utilizados nas atividades empresariais, sujeitos a desgaste ou obsolescência, (ii) a amortização, para bens intangíveis que tenham um prazo de utilização ou existência limitada temporalmente e, (iii) a exaustão, para a exploração de recursos naturais.

Em rigor, está-se diante de um mesmo procedimento, de reconhecimento, sistemático e periódico, do custo de aquisição de um ativo (imobilizado ou intangível), por perda de seu valor, ao longo do tempo. Com efeito, as diferenças entre os aludidos três procedimentos se restringem aos critérios de reconhecimento sistemático, de tais diminuições de valor13.

A depreciação é usualmente calculada pelo método linear (ou da linha direta), estimando-se seu tempo de vida útil e supondo que o desgaste será proporcional a este período. Calcula-se a taxa de depreciação em porcentagem por meio da divisão de 100, pelo prazo de vida útil estimado14; obtém-se a quota de depreciação pelo produto da taxa de depreciação, vezes o custo do bem (não se olvidando que, por vezes, o valor do bem deverá ser ajustado em razão do teste de impairment)15.

De forma semelhante à depreciação, a amortização corresponde à recuperação do capital aplicado em bens que comporão o ativo intangível, adotando forma de contabilização idêntica à depreciação, tendo como efeito o lançamento de um custo ou despesa, na conta de resultado Encargos de Amortização.

Entretanto, diferentemente dos bens tangíveis, sujeitos a desgaste ou obsolescência, a vida útil dos ativos intangíveis pode ser definida ou indefinida. Conforme dispõe o item 88 do Pronunciamento Técnico CPC 04 – Ativo Intangível, a duração ou o volume de produção ou unidades semelhantes formam a vida útil definida do ativo intangível. Essa distinção, com base no prazo de vida útil, é contábil e juridicamente relevante, pois se um ativo intangível possui vida útil definida, ele deve ser amortizado, ao contrário daquele com vida útil indefinida.

Em resumo, a apropriação do valor amortizável do ativo deve dar-se de forma sistemática, ao longo da vida útil estimada16, devendo cessar apenas com a sua classificação como mantido para venda (ou grupo de ativos similares), ou quando ocorrer sua baixa (o que ocorrer primeiro). A taxa de amortização, em regra, observa o método linear, sem prejuízo da utilização de outros métodos que reflitam melhor o padrão de consumo dos benefícios futuros esperados.

Saliente-se, por fim, que as despesas registradas em Encargos de Depreciação e Amortização são fiscalmente dedutíveis, razão pela qual afetam a base de cálculo do IRPJ (e, consequentemente, da CSLL), tornando-se relevantes para o problema ora enfrentado.

4. Os efeitos fiscais da prorrogação do prazo da concessão sobre as taxas de amortização

Na apuração da base de cálculo do IRPJ (e da CSLL) calculado pelo lucro real, é necessária a confrontação de despesas e receitas do exercício. Entre essas despesas, incluem-se as quotas de depreciação, amortização e exaustão de bens do ativo imobilizado ou do ativo intangível, que foram objeto de considerações gerais no tópico anterior.

Acerca da depreciação dos bens do ativo imobilizado, dispõe o art. 317 do Regulamento do Imposto de Renda de 2018 (RIR/2018), verbis:

“Art. 317. Poderá ser computada, como custo ou encargo, em cada período de apuração, a importância correspondente à diminuição do valor dos bens do ativo resultante do desgaste pelo uso, da ação da natureza e da obsolescência normal (Lei n. 4.506, de 1964, art. 57, caput).”

A quota de depreciação, dedutível na apuração do imposto sobre a renda, deverá ser determinada por meio da aplicação da taxa anual de depreciação sobre o custo de aquisição do ativo. Essa taxa deverá ser fixada em função do prazo durante o qual se possa esperar a utilização econômica do bem pelo contribuinte, na geração de receitas operacionais (art. 320 do RIR/2018), ressalvada a adoção de taxas pré-fixadas pela Receita Federal, por meio de Instruções Normativas.

A amortização, que, como já visto, pode abranger tanto o ativo imobilizado quanto o ativo intangível, tem seu regime fiscal descrito no art. 330 do RIR/2018, verbis:

“Art. 330. Poderá ser computada como custo ou encargo, em cada período de apuração, a importância correspondente à recuperação do capital aplicado na aquisição de direitos cuja existência ou cujo exercício tenha duração limitada, ou de bens cuja utilização pelo contribuinte tenha o prazo legal ou contratualmente limitado (Lei n. 4.506, de 1964, art. 58, caput).”

O requisito básico para o cômputo de encargos de amortização é que os bens ou direitos tenham um prazo determinado de utilização (os bens ou direitos sem prazo determinado, ou cujo prazo seja indefinido, não poderão ser objeto de amortização).

Como determina o art. 331 do RIR/2018, poderão ser amortizados os capitais aplicados na aquisição de direitos cuja existência ou exercício tenha duração limitada ou de bens cuja utilização pelo contribuinte tenha o prazo legal ou contratualmente limitado, tais como patentes de invenção, contratos e direitos de qualquer natureza, construções e benfeitorias em bem locados e todos os demais direitos alocáveis no campo de ativo não circulante intangível.

A apuração da taxa anual de amortização será estabelecida, como determinado pelo art. 333 do RIR/2018, tendo em vista o número de anos restantes de existência do direito.

O critério é de uma lógica absolutamente clara: por se tratar de um ativo intangível ou de bens que não se sujeitam à depreciação, o seu uso, em regra, perdurará durante todo o tempo de sua existência. Assim, a quota de amortização dedutível será calculada pela aplicação da taxa anual sobre o valor original do capital aplicado na aquisição desse bem ou direito amortizável.

Pois bem. Conforme dispõe o item 17 do OCPC 05 – Contrato de Concessão, quando um concessionário é remunerado pelos usuários dos serviços públicos, em decorrência da obtenção do direito de cobrá-los a um determinado preço (tarifa) e período pactuados com o poder concedente, o valor despendido por ele (concessionário), na aquisição desse direito, deve ser reconhecido no ativo intangível.

Sem pretender entrar nas minúcias da mensuração desse ativo intangível, correspondente à outorga da concessão, pode-se dizer, de forma aproximativa, que corresponderá aos investimentos realizados pela concessionária, para a exploração desse intangível, por meio da cobrança de tarifas.

Sobre a sua forma de amortização, o OCPC 05 – Contrato de Concessão aduz, em seu item 42, verbis:

“42. O ativo intangível deve ser amortizado dentro do prazo da concessão. O cálculo deve ser efetuado de acordo com o padrão de consumo do benefício econômico por ele gerado, que normalmente se dá em função da curva de demanda. A estimativa da curva de amortização deve oferecer razoável confiabilidade, caso contrário, o método de linha reta (amortização linear) passa a ser o mais recomendado.

De acordo com o Pronunciamento Técnico CPC 04 – Ativo Intangível, item 97 (parcial), ‘O valor amortizável de ativo intangível com vida útil definida deve ser apropriado de forma sistemática ao longo da sua vida útil estimada’ e ainda ‘O método de amortização utilizado reflete o padrão de consumo pela entidade dos benefícios econômicos futuros. Se não for possível determinar esse padrão com segurança, deve ser utilizado o método linear’.” (Destaques nossos)

Desse modo, fica claro que esse ativo será objeto de amortização, tanto contábil quanto fiscal, levando-se em conta o prazo de vida útil definido para o cálculo da taxa de depreciação, a ser aplicada sobre o valor depreciável – no caso da concessão de serviço público, considera-se o prazo de duração da outorga.

Nesse ponto, é necessário um esclarecimento, com relevâncias práticas sobre a amortização do ativo intangível. O aumento do prazo de concessão, verificado na hipótese em análise, decorre da alteração do prazo originalmente previsto, dilatando-se o tempo de fruição dos benefícios econômicos do direito em um mesmo e único contrato. Mantém-se, portanto, uma única relação jurídica, que é alterada em seu aspecto temporal. Trata-se, portanto, de uma prorrogação do prazo.

A prorrogação é uma opção interessante para reestabelecer o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, pois evita que se recorra a tarifas muito elevadas, ao mesmo tempo em que assegura a recomposição das condições contratuais, pois o aumento do prazo de duração da concessão geraria uma minoração dos encargos, permitindo que a exploração do empreendimento por prazo mais alongado propicie a percepção de rendimentos e vantagens superiores aos originalmente previstos17.

Essa figura se distingue, em tudo e por tudo, da figura da renovação da concessão, que implica um novo contrato administrativo entre as partes, inclusive com alteração dos termos em que a outorga da concessão é feita, sem manutenção do direito do concessionário ao equilíbrio econômico-financeiro estipulado na avença anterior.

As palavras ensinam, mas os exemplos arrastam: consideremos o exemplo de uma empresa que adquiriu concessão para explorar uma rodovia, durante o prazo de 100 meses, mediante investimento de 1 bilhão de reais – valor este que será o custo do ativo intangível correspondente ao direito de exploração da concessão. Inicialmente, a empresa teria o direito de reconhecer como encargos de amortização mensais, que reduziriam o seu lucro líquido, o montante de 10 milhões de reais.

Consideremos, então, que após o transcurso de 10 meses (e a amortização de 100 milhões do valor da concessão), ocorreu alguma circunstância externa ao contrato que justificou uma prorrogação do contrato por mais 50 meses, totalizando uma concessão com duração de 150 meses. Nesse contexto, o encargo mensal de amortização deverá ser reajustado para o novo prazo da concessão, passando a ser de aproximadamente 6,5 milhões de reais.

Como se vê, o ativo intangível correspondente à outorga de concessão, que tem sua vida útil correspondente ao prazo de duração do direito de explorar economicamente as rodovias, tem sua taxa de amortização fiscal diretamente impactada pela prorrogação da duração do contrato administrativo.

Sem pretender entrar na complexa matemática financeira envolvida na apuração da manutenção da taxa de retorno do investimento, após a prorrogação da concessão, é absolutamente intuitivo que dentro da sistemática de apuração do IRPJ pelo lucro real – que, frise-se, envolve a confrontação de receitas e despesas –, a redução de uma despesa dedutível (correspondente aos encargos de amortização) corresponderá, inexoravelmente, a uma base de cálculo maior do tributo e, consequentemente, afetará negativamente a taxa de retorno do capital investido.

Ao se sujeitar a encargos de amortização inferiores que as consideradas inicialmente, no momento da elaboração da proposta, o concessionário estará, em termos práticos, postergando suas despesas dedutíveis fiscalmente para os exercícios adicionados ao prazo contratual, o que corresponde, economicamente, a uma antecipação do IRPJ e da CSLL que seriam pagas.

Retomando o exemplo posto acima: ao invés de um encargo dedutível de 10 milhões de reais, passa-se a ter uma dedução apenas de 6,5 milhões de reais, de modo que a diferença entre eles (3,5 milhões) será objeto de tributação pelo IRPJ e CSLL no exercício corrente, totalizando aproximadamente 1,2 milhão de reais de tributo antecipado (considerando-se uma alíquota conjunta de 34%).

Por outro lado, ainda que haja uma redução do encargo amortizável em relação ao período original do contrato, haverá também valores a amortizar no prazo adicional, pelo que se poderia objetar que não houve ônus para o concessionário, mas simples realocação dos encargos de amortização no tempo.

Esse argumento, conquanto seja contabilmente correto, não é econômica nem juridicamente válido, pois desconsidera uma questão essencial: o valor do dinheiro no tempo.

O valor correspondente ao tributo antecipado possui um custo que considera a relação entre os juros que podem remunerar esse capital e o tempo correspondente que, considerando os vultosos valores envolvidos em grande parte das concessões de serviços públicos (pense-se, por exemplo, nas concessões de grandes rodovias ou de energia elétrica), pode corresponder a uma considerável perda financeira para o concessionário.

Portanto, parece-nos fora de dúvida que, no caso da prorrogação do prazo da concessão para o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, o remédio pode conduzir a nova doença, é dizer, a medida de recomposição status quo ante pode gerar a novos desequilíbrios – nesse caso, relacionados ao impacto da alteração dos encargos de amortização sobre a tributação da renda das concessionárias.

Apesar da clareza com a qual o problema se evidencia, alguns entes públicos, bem como seus órgãos gestores das concessões, têm recusado pleitos de concessionários por medidas para reequilibrar economicamente o contrato, em decorrência dos efeitos da prorrogação do prazo sobre os encargos de amortização e sobre a tributação da renda gerada pela exploração do serviço público, invocando o art. 9, § 3º, da Lei n. 8.987/1995, já citado anteriormente.

Desse modo, a parte final do trabalho deve ser direcionada a propor a correta interpretação desse dispositivo, à luz do problema ora enfrentado.

5. Da correta interpretação do art. 9º, § 3º, da Lei n. 8.987/1995

A Lei n. 8.987/1995 dispõe sobre o regime de concessão de permissão de serviços públicos, carreando regras específicas acerca da forma de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos, especialmente ao dispor sobre a política tarifária a ser praticada – haja vista que as tarifas cobradas são a contraprestação imediata da concessionária.

Como já explicado ao tratarmos do regime jurídico dos contratos administrativos18, muitas vezes a concessionária se vê diante de atos ou fatos que fogem à álea típica dos negócios e extrapolam o risco aceitável da operação.

Um dos principais elementos que impactam os contratos administrativos é o chamado fato do príncipe, que corresponde à imposição de gravame econômico, resultante de ato tomado pelo mesmo ente que contratou, ainda que sob titulação diversa da contratual, no exercício de competência distinta da negocial, com repercussão direta na equação econômico-financeira do contrato.

O exemplo clássico de fato do príncipe é o aumento dos tributos a cargo da concessionária, onerando o contrato além do esperado inicialmente, e fazendo-se necessário o reequilíbrio das condições originais.

Diante desse caso, em que a prorrogação da concessão afeta o montante de tributos sobre a renda a serem pagos pela concessionária, os entes contratantes têm aduzido que o art. 9º, § 3º, da Lei n. 8.987/199519 ressalva, para efeito de Política Tarifária, alterações dos impostos sobre a renda significando que a criação, alteração ou extinção destes impostos não implicará a revisão da tarifa. Por consequência poder-se-ia entender que alterações relacionadas aos tributos sobre a renda não seriam passíveis de reequilíbrio econômico-financeiro.

O argumento central seria o de que a redução das taxas de amortização seria equivalente a uma forma de “criação, alteração ou extinção” de tributos sobre a renda, o que não daria direito ao reequilíbrio econômico, nos termos do art. 9º, § 3º, da Lei n. 8.987/1995.

Este argumento, no entanto, não resiste a uma análise mais aprofundada. Senão, vejamos.

De forma analítica, o dispositivo estabelece um critério material, qual seja, “a criação, alteração ou extinção de quaisquer tributos ou encargos legais”. Estabelece, em seguida, uma condição negativa de subsunção (em outras palavras, uma exceção), “ressalvados os impostos sobre a renda”. Além disso, estabelece um requisito procedimental complementar à verificação do critério material, exigindo a comprovação do impacto econômico-financeiro do ocorrido.

Em seguida, fixa o critério temporal de incidência, “após a apresentação da proposta”, e deixa claro também a consequência da norma jurídica: o surgimento do direito subjetivo da concessionária à revisão da tarifa praticada.

A luz dos critérios identificados na hipótese de incidência dessa norma jurídica, podemos identificar três situações distintas que justificariam a não incidência dela, e a inexistência do direito subjetivo da concessionária à revisão tarifária.

São elas: (i) a criação, alteração ou extinção de impostos sobre a renda; (ii) a criação, alteração ou extinção de quaisquer tributos ou encargos legais antes da apresentação da proposta; e (iii) ausência de comprovação do impacto econômico-financeiro da criação, alteração ou extinção de quaisquer tributos ou encargos legais.

Resta-nos, por fim, analisar com maior detença o item “i”, para verificar se o aumento do lucro líquido em razão da redução das taxas de amortização do ativo intangível corresponde “a criação, alteração ou extinção de impostos sobre a renda”.

De pronto, podemos afirmar que a criação, alteração ou extinção de quaisquer impostos, ressalvadas as exceções previstas pela própria Constituição Federal (e.g. IPI, IOF, II e IE), somente poderá se dar por meio de lei.

É o que dispõe expressamente o art. 150, I, da Constituição Federal, que dá corporeidade ao princípio da legalidade tributária20. Nessa linha, e dando maior densidade normativa ao princípio constitucional da legalidade tributária, o art. 97 do CTN é categórico ao dispor, verbis:

Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

I – a instituição de tributos, ou a sua extinção;

II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do artigo 52, e do seu sujeito passivo;

IV – a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos artigos 21, 26, 39, 57 e 65;

V – a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;

VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.

§ 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.”

Novamente, a legislação prescreve que a criação e extinção dos tributos, bem como o seu aumento ou diminuição, são matérias que devem ser veiculadas por meio de lei.

Parece-nos que a única interpretação possível para a locução “criação, alteração ou extinção” de tributos deverá ser aquela que reconheça que essas condutas se referem a novas leis tributárias que alterem os tributos existentes, no plano geral e abstrato, e não em relação a fatos geradores realizados, que impactam na norma individual e concreta.

Ou seja, a locução pressupõe o advento de lei tributária nova, que altere lei existente, com a finalidade de criar, alterar ou extinguir tributo, e que gere impacto à equação econômico-financeira do contrato administrativo.

A lógica do dispositivo é incontestável: preserva-se a equação econômico-financeira da avença contra influências externas à relação jurídica existente entre a concessionária e o ente público contratante.

O que há, na situação ora posta, é uma mudança no quadro fático, impactando na apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, que levam em consideração a confrontação de receitas e despesas do contribuinte, e não a criação, alteração ou extinção dos impostos sobre a renda.

Relembramos que, do mesmo modo pelo qual a hipótese de incidência (o tipo tributário) e o fato imponível (o fato típico do tributo) se distinguem21, também não coincidem a base de cálculo in abstracto (descrição normativa do valor econômico a considerar) e a base de cálculo in concreto (a real apuração do valor econômico apontado na lei)22. Podemos, pois, afirmar que a base de cálculo in abstracto está para a hipótese de incidência assim como a base de cálculo in concreto está para o fato imponível23.

Assim, ao Legislativo compete definir a base de cálculo in abstracto dos tributos; ao Executivo, apurar-lhes a base de cálculo in concreto. Em outros dizeres, adaptando à análise concreta, ao Legislativo compete a criação, alteração e extinção dos tributos; ao Executivo, apurar-lhes os elementos de acordo com as disposições legais. Como arremata Ataliba, “a base calculada resulta da aplicação concreta da base imponível”24.

Em se tratando da amortização do ativo intangível da concessão, a lei determina que a taxa leve em conta a quantidade de anos de vida útil do bem ou direito, de modo que a prorrogação do prazo da concessão tem como efeito concreto a redução das taxas de amortização.

Como a quota de amortização corresponde ao produto da taxa e do capital aplicado na aquisição do bem ou direito, é matemática a conclusão que a redução da taxa implicará diretamente em uma redução das quotas de amortização que, por sua vez, gerarão um aumento do lucro líquido do exercício.

O lucro líquido do exercício, de seu turno, é o ponto de partida para a apuração da base de cálculo in concreto do IRPJ e da CSLL, de modo que a sua redução teria como consequência a redução, novamente in concreto, dos valores devidos dos tributos sobre a renda.

Desse modo resta comprovado cabalmente que a ampliação do prazo da concessão não equivale à “criação ou alteração dos impostos sobre a renda”, para fins de incidência do art. 9º, § 3º, da Lei n. 8.987/1995, pois tal ampliação não tem força jurídica suficiente para afetar as normas gerais e abstratas sobre os tributos em pauta, mas simplesmente a apuração em concreto deles.

Defender o contrário disto seria o mesmo que assumir que, caso a concessionária tivesse uma receita bruta menor em determinado exercício, ela teria direito à revisão tarifária, pois a redução de receita teria gerado uma redução do PIS/Cofins a pagar. O equívoco da interpretação fica patente nos resultados absurdos de sua implementação.

Como não há a introdução de novas normas gerais e abstratas em matéria de tributação da renda, mas apenas a aplicação em concreto das normas existentes, não há falar, pois, na aplicação do art. 9º, § 3º, da Lei n. 8.987/1995.

Encerradas nossas considerações, podemos passar com segurança às conclusões.

6. Conclusão

Diante de tudo que foi exposto, pode-se concluir que as quotas de amortização do ativo intangível, correspondente a uma concessão de serviço público, serão calculadas tendo em vista o número de anos restantes de existência do direito. Assim, a prorrogação do seu prazo de validade tem como corolário a determinação de uma taxa de amortização compatível com o tempo remanescente de benefícios econômicos esperados.

Desse modo, deve-se atentar para o impacto sobre o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, decorrente da prorrogação do prazo de concessão, que afeta a taxa de amortização dos investimentos e gera aumento do lucro líquido do exercício e, consequentemente, das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL. Esse aumento, entretanto, não decorre da “criação, alteração ou extinção” de tributos sobre a renda, mas apenas da aplicação in concreto das regras já existentes.

O art. 9º, § 3º, da Lei n. 8.987/1995, se refere ao advento de lei tributária nova, que altere lei existente, com a finalidade de criar, alterar ou extinguir tributo, e que concomitantemente gere impacto à equação econômico-financeira do contrato administrativo.

No caso de alteração das taxas de amortização em contratos já estabelecidos, pela sua prorrogação, não há nova lei tributária, mas simples aplicação concreta das regras existentes, com o aumento da base calculada dos tributos sobre a renda. Portanto, não houve criação, alteração ou extinção de tributos, mas simples aplicação da lei.

Portanto, logrando a concessionária demonstrar que a prorrogação do prazo contratual – medida de reequilíbrio da equação econômico-financeira do contrato – gerou um desequilíbrio nas condições originais da proposta, em razão do impacto sobre a tributação da renda, esse contratante faz jus a medidas adicionais para sanar esse desequilíbrio, reestabelecendo-se a taxa de retorno do investimento inicialmente esperada.

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1 SOUSA, Guilherme Carvalho e. A liberdade de contratar para a administração pública: a autonomia da vontade no contrato administrativo. Revista de Direito Administrativo vol. 260. Rio de Janeiro, jan. 2012, p. 183-201. ISSN 2238-5177. Disponível em: http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/8834. Acesso em: 25 abr. 2020.

2 “Art. 54. Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado.”

3 GALLEGO, Isabel. Circunstancias externas y reequilibrio económico del contrato público. ¿Nuevas perspectivas? (External facts and economic balance of the public contract. In need of a new approach?). Revista Digital de Derecho Administrativo n. 15. Espanha, ago. 2016, p. 117. Disponível em: https://ssrn.com/abstract=2821671. Acesso em: 02 nov. 2019.

4 ENTERRÍA, Eduardo García de. Riesgo y ventura y fuerza mayor en el contrato administrativo. Revista de Administración Pública vol. 2. Espanha, 1950, p. 85-87. ISSN 0034-7639. Disponível em: https://dialnet.unirioja.es/ejemplar/142695.

5 JUSTEN FILHO, Marçal. Concessões de serviços públicos (comentários às Leis n. 8.987 e 9.074, de 1995). São Paulo: Dialética, 1997, p. 147.

6 JUSTEN FILHO, Marçal, Concessões de serviços públicos (comentários às Leis n. 8.987 e 9.074, de 1995). São Paulo: Dialética, 1997, p. 148-149.

7 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 744.

8 Código Tributário Nacional: “Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza, tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos.”

9 BERLIRI, Luigi Vittorio. L’imposta di ricchezza mobile: incontri e scontri di dottrina e giurisprudenza. Milão: Giuffrè, 1949, p. 6.

10 SOUSA, Rubens Gomes de (coord.). Pareceres-1: Imposto de Renda. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 66-67.

11 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 1998, p. 496.

12 Sobre os índices de capacidade contributiva na tributação da renda, veja-se a necessária obra de Francesco Moschetti (Moschetti, 1980, p. 260).

13 Além da dedução das cotas de depreciação, amortização e exaustão, ao longo do tempo, a Lei n. 11.941/2009 introduziu um § 3º no art. 183 da Lei das S/A, determinando que a empresa realize, periodicamente, o teste de impairment sobre o valor contábil de seus ativos, mas não entraremos nesse ponto aqui.

14 Para fins fiscais, as Instruções Normativas da Receita Federal do Brasil n. 162/1998 e n. 130/1999 fixam o prazo de vida útil e de depreciação de diversos bens, de modo a evitar inseguranças ao contribuinte, no momento de registrar a perda de valor dos ativos. A despeito disso, as empresas poderão utilizar taxas superiores às fixadas pela RFB, desde que, mediante laudo técnico expendido pelo Instituto Nacional de Tecnologia ou outra entidade oficial de pesquisa científica ou tecnológica, comprovem outro prazo para seus ativos (cf. art. 320, § 2º, do RIR/2018).

15 Sem prejuízo de outros métodos de apuração da taxa de depreciação.

16 Há que se pontuar que o período e o método de amortização do ativo intangível estão sujeitos a revisões periódicas, de modo que, caso a vida útil prevista inicialmente seja alterada para mais ou para menos, o prazo de amortização deve ser igualmente alterado. Tais mudanças, conforme preceitua o item 104 do Pronunciamento Técnico CPC 04 – Ativo Intangível, devem ser registradas como mudanças nas estimativas contábeis, de acordo com o Pronunciamento Técnico CPC 23 – Políticas Contábeis, Mudança de Estimativa e Retificação de Erro.

17 JUSTEN FILHO, Marçal. A ampliação do prazo contratual em concessões de serviço público. Revista de Direito Administrativo Contemporâneo vol. 23, abr. 2016, p. 125.

18 V., supra, item 8.

19 “Art. 9º A tarifa do serviço público concedido será fixada pelo preço da proposta vencedora da licitação e preservada pelas regras de revisão previstas nesta Lei, no edital e no contrato. [...] § 3º Ressalvados os impostos sobre a renda, a criação, alteração ou extinção de quaisquer tributos ou encargos legais, após a apresentação da proposta, quando comprovado seu impacto, implicará a revisão da tarifa, para mais ou para menos, conforme o caso.”

20 “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.”

21 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 58.

22 BARRETO, Aires. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. São Paulo: RT, 1986, p. 37-38.

23 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2017, p. 287-288.

24 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 113.