A Importância da Qualificação dos Fatos na Análise da Simulação no Direito Tributário
The Importance of Qualification of Facts in the Analysis of Simulation in Tax Law
Miguel Delgado Gutierrez
Professor do Centro de Extensão Universitária (CEU) – Escola de Direito do Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS). Mestre e Doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP. Especialista em Direito Tributário pelo CEU. Advogado em São Paulo. E-mail: miguel@gmadvs.com.br.
Recebido em: 14-6-2023 – Aprovado em: 8-11-2023
https://doi.org/10.46801/2595-6280.55.11.2023.2364
Resumo
Neste artigo discorremos sobre a importância da qualificação dos fatos no Direito Tributário, em especial, na apuração da simulação nos atos e negócios jurídicos praticados pelos contribuintes, o que impacta na análise de vários casos de planejamento tributário julgados pelos nossos Tribunais. A qualificação dos fatos centra-se em buscar a coincidência entre a vontade das partes e a causa, em sentido técnico-jurídico, do negócio jurídico celebrado. Conclui-se que a causa desempenha relevantíssimo papel no que toca à qualificação dos negócios jurídicos, servindo para distinguir seus efeitos e para determinar a disciplina a eles aplicável.
Palavras-chave: qualificação, simulação, causa, planejamento tributário.
Abstract
In this article, we discuss the importance of qualifying the facts in Tax Law, in particular, in calculating the simulation of legal acts and transactions carried out by taxpayers, which impacts on the analysis of several tax planning cases judged by our Courts. The qualification of the facts focuses on seeking the coincidence between the will of the parties and the cause, in a technical-legal sense, of the legal transaction entered into. It is concluded that the cause plays a very important role in terms of the qualification of legal transactions, serving to distinguish their effects and to determine the discipline applicable to them.
Keywords: qualification, simulation, cause, tax planning.
1. Introdução
Conforme nossa Constituição Federal, o fundamento da tributação reside no princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1º). A riqueza é um pressuposto para que ocorra a tributação. Portanto, o fato gerador da obrigação tributária há de ter sempre um conteúdo econômico, revelar uma determinada capacidade contributiva.
O mecanismo da tributação se explica, segundo se depreende do art. 114 do CTN, porque a lei liga à realização de certos fatos, previamente configurados por ela, a obrigação a cargo de determinadas pessoas de pagar o tributo. Por esse motivo, o legislador para delimitar normativamente o fato que origina a obrigação tributária elege determinados fatos ou circunstâncias da vida real, que indiquem uma capacidade econômica suscetível de ser gravada. Em outros termos, o legislador ao criar o fato gerador do tributo parte de uma realidade suscetível de gravame. Essa realidade suscetível de gravame pode ser uma realidade substancialmente econômica, como a obtenção de uma renda ou a titularidade de um patrimônio, ou pode consistir em uma realidade que proceda de outros âmbitos jurídicos (civil, mercantil ou trabalhista, por exemplo). No segundo caso, o fato gerador contempla uma realidade econômica por meio de uma realidade jurídica (um ato, um contrato ou um negócio jurídico). É o que está explicitado no art. 116 do CTN, que dispõe que o fato gerador pode consistir numa “situação de fato” ou numa “situação jurídica”.
A obrigação tributária é uma obrigação ex lege já que a sua fonte é sempre uma lei. Obrigações ex lege são aquelas que resultam da prática de um fato previsto na lei, cuja ocorrência determina o surgimento de uma obrigação independentemente da vontade do agente ou agentes.
Para que nasça uma obrigação tributária é preciso que ocorra um fato do qual a lei faça decorrer, necessariamente, uma obrigação. A esse fato o CTN dá o nome de fato gerador. O fato gerador, como explica Alcides Jorge Costa, pode ser um fato natural (ex.: a morte é o fato gerador da sucessão hereditária e, portanto, do imposto sobre a transmissão da propriedade causa mortis), como pode ser um negócio jurídico (ex.: a compra de um imóvel é o fato gerador da obrigação de pagar o imposto de transmissão imobiliária inter vivos). De qualquer maneira, o fato gerador é considerado sempre um fato para o Direito Tributário, eis que do fato gerador decorre, necessariamente, uma obrigação tributária, independentemente da vontade de qualquer pessoa envolvida1. Assim, uma compra e venda é considerada um negócio jurídico. Mas se ela é fato gerador de um imposto, o que constitui negócio jurídico para o Direito Privado transforma-se em fato jurídico stricto sensu para o Direito Tributário. Por isso se afirma que para o Direito Tributário os fatos geradores são sempre fatos jurídicos stricto sensu.
Quando o fato gerador é configurado por meio de um negócio jurídico, a vontade das partes que nele intervêm só tem relevância para a sua realização e os efeitos que ele produza no âmbito privado, mas não tem qualquer influência na configuração da obrigação tributária, porque para esta o negócio jurídico realizado é apenas o pressuposto de fato que origina seu nascimento.
Daí se extrai a conclusão de que o nascimento do crédito tributário só se produz em função da realização do fato gerador, tenha sido ele configurado a partir de uma realidade econômica ou a partir de uma realidade jurídica, previamente prevista pelo legislador. Também fica evidente que na maioria dos atos realizados pelos homens, sejam jurídicos ou não, a vontade de realizá-los ou não fica ao seu livre alvedrio, sem que esta vontade influa no nascimento da obrigação tributária. Contudo, se os atos realizados se encontrarem tipificados como fatos geradores, independentemente da vontade daqueles que os realizem, o crédito tributário surgirá na medida em que assim haja sido previsto na lei tributária.
Assim, é o legislador que deve determinar os fatos que, em geral, são índices de capacidade contributiva, configurando-os como fatos geradores, ou seja, como fatos cuja realização determina o nascimento da obrigação tributária principal, aquela que consiste na entrega ao tesouro de uma prestação pecuniária compulsória.
Por outro lado, para que uma norma de Direito Tributário surta seus efeitos sobre um caso concreto é preciso determinar se a norma é aplicável e qual é o mandamento que nela se contém, ou seja, é necessário interpretá-la. Mas, além de interpretar a norma, é necessário tomar em consideração os fatos que se realizaram e qualificá-los. Por fim, será necessário realizar um juízo de subsunção dos fatos realizados no pressuposto hipoteticamente fixado pela norma. Somente a coincidência entre o que efetivamente ocorreu e aquilo que foi hipoteticamente previsto pela norma, ou seja, o fato gerador, na linguagem do CTN, ou a hipótese de incidência como prefere parte da doutrina, provocará, nos termos do art. 114 do CTN, o nascimento da obrigação tributária.
Neste artigo pretendemos discorrer sobre a importância da qualificação dos fatos no Direito Tributário, em especial, na apuração da simulação nos atos e negócios jurídicos praticados pelos contribuintes, o que impacta na análise de vários casos de planejamento tributário julgados pelos nossos Tribunais.
2. Qualificação
No momento de proceder a aplicação das normas jurídicas é possível distinguir uma fase ou etapa a que se denomina qualificação ou pré-interpretação, que consiste em fixar ou identificar os fatos acontecidos para compará-los com a hipótese abstrata prevista na norma.
A qualificação consiste na subsunção dos fatos no esquema da lei. É uma operação da máxima importância porquanto da qualificação dos fatos depende a norma que será aplicada.
Portanto, a qualificação tem a ver com a aplicação do direito. A aplicação, conforme ensina Tercio Sampaio Ferraz Jr., não se confunde com a interpretação, embora a exija, já que apurado, pela via hermenêutica, o sentido da norma, é preciso demonstrar que o caso a ser decidido nela está enquadrado2.
Tulio Rosembuy afirma que a qualificação dos fatos não é uma mera descrição destes, mas uma atividade essencialmente jurídica, eis que o sujeito qualificador não pode deixar de se ater aos efeitos jurídicos do ato ou negócio efetivamente concluído pelos interessados, independentemente das formas ou denominações divergentes ou aparentes que tenham sido feitas3.
Segundo Alberto Xavier, para aplicar a norma tributária a um caso concreto é necessário um raciocínio lógico subsuntivo que tem como premissa maior a norma tributária geral e abstrata, como premissa menor a situação fática apresentada ao órgão de aplicação do Direito e como conclusão um juízo afirmativo ou negativo sobre a correspondência daquela situação fática à hipótese normativa.
O juízo subsuntivo pressupõe que, previamente, se faça a interpretação da norma aplicável, ou seja, a determinação do seu exato sentido e alcance, bem como a investigação e a valoração dos fatos a que ela respeita4.
Ao aplicar-se o direito não basta interpretar a norma jurídica, é necessário, também, interpretar o ato ou negócio jurídico submetido à apreciação do órgão de aplicação do direito e que diz respeito à premissa menor do raciocínio subsuntivo.
Essa interpretação respeita ao ato concreto, é necessário determinar o verdadeiro significado e alcance da declaração de vontade, que constitui a essência do ato jurídico. A isso se dá o nome de pré-interpretação. Trata-se de uma operação conexa à interpretação, porém distinta. Tem por objeto as situações de fato, enquanto a interpretação se ocupa de destrinchar o significado da norma.
Conforme Alberto Xavier, a qualificação “é operação que consiste na subsunção de um quid (objeto de qualificação) num conceito utilizado por uma norma (fonte da qualificação)”5. Assim, se o fato gerador é um negócio jurídico (ex.: a compra de um imóvel), a qualificação consiste em determinar se as notas ou características do negócio jurídico concreto se enquadram no conceito do negócio jurídico consagrado no tipo legal tributário.
Conclui-se que a qualificação não se confunde nem com a interpretação da lei (premissa maior) nem com a interpretação do ato ou negócio jurídico (premissa menor). A qualificação pressupõe a realização dessas operações, sendo a fase final do processo de aplicação do direito e que consiste em um juízo de subsunção de um ato ou negócio jurídico num conceito típico de ato ou negócio jurídico previsto na lei tributária.
Já a subsunção, conforme os ensinamentos de Geraldo Ataliba, “é o fenômeno de um fato configurar rigorosamente a previsão hipotética da lei”. Dessa forma, afirma-se que “um fato se subsume à hipótese legal quando corresponde completa e rigorosamente à descrição que dele faz a lei”6.
Joan-Francesc Pont Clemente explica que para alguns autores a qualificação jurídica dos fatos não pode ser realizada sem que previamente tenha ocorrido a fase de interpretação da norma e a comprovação dos fatos. Estes doutrinadores entendem que a qualificação consiste na expressão do fato real nos mesmos termos em que se formula a norma jurídica, por isso afirmam que é requisito prévio conhecer a extensão e alcance da mesma com anterioridade. Para outros, a qualificação é uma atividade pré-interpretativa, pois é necessário convir que ainda que se possam distinguir fases absolutamente separadas, é mister proceder a uma qualificação preliminar dos fatos, ainda que seja somente uma forma de orientação na busca do pressuposto normativo que os contenha. Por fim, na fase de subsunção do fato no Direito se realiza o raciocínio dedutivo que segue as regras do silogismo lógico: a conclusão (nascimento da obrigação tributária) só pode ser obtida na medida em que exista uma coincidência entre a premissa maior (fato gerador) e a premissa menor (fato qualificado)7.
Para o jurista espanhol, a Ley General Tributaria da Espanha possui regras específicas de qualificação, quais sejam os seus arts. 13 e 168. Segundo ele, as duas normas se aplicam somente a fatos que possam subsumir-se na hipótese normativa, no primeiro caso com um critério indeterminado e no segundo, unicamente no âmbito da simulação negocial9.
3. A qualificação no âmbito da simulação negocial
Como mencionamos acima, a qualificação dos fatos pelo aplicador da norma é essencial para a apuração da simulação nos atos e negócios jurídicos praticados pelos contribuintes.
O Fisco está vinculado à realidade dos efeitos jurídicos dos atos ou negócios realizados pelos particulares, mas não está adstrito à qualificação (nomen iuris) dada pelos sujeitos aos seus próprios atos. Não importa se os contraentes qualificaram um contrato de locação como um comodato ou uma doação como um mútuo. Em tais exemplos o Fisco pode requalificar ou recaracterizar o negócio jurídico celebrado de acordo com a verdade material jurídica, desconsiderando a errônea qualificação ou denominação dada pelas partes.
O erro de denominação ou de qualificação não se confunde com a simulação. O erro de denominação ou a denominação inexata, sem intenção de simular, implica que não há no ato ou negócio jurídico celebrado ocultação dos efeitos jurídicos pretendidos pelas partes e que em um único ato real se contém todos os elementos necessários para sua validez. Por sua vez, a denominação do ato ou negócio jurídico pelas partes não é vinculante para o Fisco, que efetuará a qualificação de acordo com o conteúdo efetivo desse, correspondente à sua realidade jurídica10. É uma questão de simples interpretação dos negócios jurídicos, que obriga a atender a vontade real das partes e não as palavras ou expressões por elas empregadas. A missão do intérprete é conhecer a verdadeira natureza da convenção estabelecida, não sendo decisivo o nome dado ao negócio. Com efeito, não é o nome o que define a natureza jurídica das coisas, mas sim a sua real substância (verba non mutant substantiam rei).
Se as partes denominam um contrato com um nomen juris que não corresponde à sua natureza jurídica, a denominação falsa não implica a existência de simulação. Trata-se de uma questão relativa à interpretação dos negócios jurídicos, que obriga a atender a vontade real das partes e não às palavras ou expressões empregadas. A missão do intérprete é conhecer a verdadeira natureza da convenção estabelecida, não sendo relevante o nome dado ao negócio pelas partes intervenientes.
Segundo Luiz Carlos de Andrade Júnior, há uma diferença qualitativa entre a simulação e a falsa qualificação que “consiste na ilusão que a primeira cria, e que a segunda não implica”. Na simulação, alguns elementos do negócio são mantidos em segredo pelos contraentes. Porém, descobertos tais elementos, a requalificação do negócio simulado ocorre de maneira idêntica à do negócio falsamente qualificado, segundo a máxima falsa demonstratio non nocet11.
Para demonstrar a diferença entre uma hipótese e outra, Andrade Júnior dá o seguinte exemplo: Caio e Tício celebram contrato denominado “comodato”, que tem por objeto o empréstimo de um automóvel, por Caio, e o pagamento de uma “contraprestação” mensal de R$ 250,00, por Tício. No próprio instrumento está prevista a entrega do bem móvel infungível e a obrigação do pagamento da “contraprestação” mensal. Em tal caso, segundo o autor, seria um disparate cogitar-se de simulação, pois a má qualificação da avença, a inadequação do nomem iuris, é patente. Sendo o contrato de comodato gratuito por definição, a circunstância, imediatamente aferível, de o instrumento prever o pagamento mensal pelo uso da coisa demonstra que não se trata de comodato, mas de locação.
Haveria simulação, não obstante, segundo Andrade Júnior, se o pagamento da “contraprestação” mensal não fosse previsto no instrumento, mas fosse secretamente realizado por Tício. Nesse cenário, teria sido ocultada pelas partes uma parte do comportamento negocial (pagamento da “contraprestação”), de sorte que o público seria levado a qualificar incorretamente o contrato, configurando-se a ilusão negocial que caracteriza a simulação12.
Em suma, nos casos de negócios incorretamente qualificados pelas partes não existe simulação porque não existe um fim enganoso. O negócio incorretamente qualificado, geralmente, contém todos os elementos necessários para reconstruir a vontade real das partes.
Para que ocorra uma perfeita qualificação dos atos ou negócios jurídicos realizados pelos particulares, o Fisco deve levar a cabo uma análise jurídica destinada a estabelecer se aqueles que intervêm no ato ou negócio jurídico aceitam todos os seus efeitos desde a perspectiva do que realmente pretendem haver executado. Assim, conforme ensina Rosembuj, não há simulação se as partes aderem plenamente a um ato ou negócio jurídico, aceitando todas as consequências próprias dos conceitos ou categorias jurídicas utilizados, ainda que elas busquem uma economia fiscal13.
Nas palavras de Rosembuj, a qualificação da realidade jurídica efetiva se contrapõe à forma jurídica simulada. A Administração pode apreciar a simulação com independência das formas jurídicas aparentes, mas sempre vinculada aos efeitos jurídicos realizados mediante o ato ou negócio simulado, ou seja, à realidade jurídica efetiva. O fato imponível que efetivamente se realiza é única e exclusivamente o que, com base nos efeitos jurídicos dos fatos que se executam, leva à exigibilidade do tributo14.
Na verdade, quando falamos em simulação, o acordo simulatório subjacente ao ato simulado é a única realidade jurídica, nada mais havendo a ser apreciado. Assim, só há duas possibilidades: ou não há simulação e a realidade jurídica corresponde à forma jurídica empregada pelos particulares ou existe simulação e o acordo simulatório denota qual é a forma jurídica verdadeira que se quis ocultar ou dissimular.
Assim, o Fisco pode requalificar os atos ou negócios jurídicos previamente qualificados de alguma forma ou com certa denominação pelos contribuintes de acordo com a hipótese de incidência prevista na lei, atendo-se aos efeitos jurídicos dos atos e negócios jurídicos efetivamente levados a cabo pelos contribuintes, que se encaixam na hipótese de incidência tributária15. Ou seja, o Fisco efetuará a subsunção do fato à hipótese legal de acordo com a realidade efetiva, desconsiderando a conduta simulada dos contribuintes.
A qualificação efetuada pelo Fisco identifica a simulação realizada pelos contribuintes e leva em consideração apenas os atos e negócios jurídicos real e efetivamente praticados, que se subsumam ao fato gerador previsto na lei.
A atividade de qualificação pelo Fisco gira em torno da realização do fato imponível pelo contribuinte ou contribuintes, cujas consequências se evitam mediante ocultação por meio de formas jurídicas irreais. Ao final, a atividade de qualificação pode provocar duas situações: ou se verifica a ocorrência de simulação e o Fisco requalifica os atos ou negócios jurídicos praticados ou não se verifica a simulação, ficando convalidada a atuação dos contribuintes.
Joan-Francesc Pont Clemente afirma que a qualificação dos fatos é centrada em buscar a coincidência entre a vontade das partes e a causa, em sentido técnico-jurídico, do negócio jurídico celebrado. Esse é, para ele, o significado da Ley General Tributaria espanhola, que determina que as obrigações tributárias se exigirão de acordo com a natureza jurídica do fato, ato ou negócio realizado qualquer que seja a forma ou denominação que os interessados lhe ajam dado e prescindindo dos efeitos que possam afetar a sua validez.
Acrescenta o jurista espanhol que, ao se qualificar os fatos a norma tributária permanece alheia, porque a atividade de qualificação não se centra na fiscalidade dos atos ou negócios jurídicos, mas na sua verdadeira natureza no Direito Privado. Somente quando se tenha chegado a uma conclusão que qualifique o ato ou negócio jurídico em questão é que pode ser aplicada a norma fiscal16.
Assim, somente quando se tenha chegado à conclusão da existência de um ato ou negócio simulado poderá ser gravado o fato imponível efetivamente realizado pelas partes, eis que por trás do negócio simulado pode se esconder a efetiva realização de fatos, atos ou negócios jurídicos que previamente hajam sido definidos como fatos geradores por uma lei tributária.
Com efeito, se a realidade ocultada mediante a celebração de um negócio simulado corresponde à realização de um fato gerador, a conduta realizada merecerá a qualificação de evasiva, porque não se evitou a realização do fato gerador, mas apenas o pagamento de uma obrigação tributária já nascida pela efetiva ocorrência do seu fato gerador.
Deve-se ressaltar que na luta contra a evasão fiscal não se deve indagar sobre o significado econômico da operação, mas deve ser buscada a verdadeira natureza dos negócios jurídicos. Deve-se buscar a coincidência entre a vontade das partes e a causa típica do contrato celebrado.
Dessa forma, para estabelecer a qualificação jurídica da simulação é importante analisar o conceito de causa.
De acordo com Maria Celina Bodin de Moraes, é por meio da causa que “se individualizam os elementos essenciais a um determinado contrato e a partir daí se pode proceder à investigação da presença (ou ausência) de tais elementos no concreto regulamento de interesses estabelecidos pelas partes”. A causa, segundo a jurista, permite que se qualifique o negócio jurídico. Assim, ainda que o elemento causal não conste no Código Civil como requisito do contrato, ele lhe é inerente, já que a causa é a função que o sistema jurídico reconhece a determinado tipo de ato jurídico, traçando-lhe e precisando-lhe a eficácia.
A necessidade de qualificação, segundo a jurista brasileira, não é apenas uma questão de sistematização dogmática. A causa é relevante quando se tem de saber a que negócio jurídico pertence o efeito que se analisa. Apenas ao se estabelecer o nexo de causalidade entre o efeito e o negócio é que se pode determinar, de forma pertinente, a disciplina a ele aplicável17.
Maria Celina Bodin de Moraes explica que o problema central da causa é o problema do reconhecimento jurídico do negócio, ou seja, qual é a sua razão de ser. Assim, a principal utilidade de se analisar a causa do negócio jurídico refere-se ao serviço que presta como meio de recusa de proteção jurídica a negócios sem justificativa ou sem significação social.
A causa do negócio jurídico – ou a especificação da função que desempenha – é o elemento que o define, que lhe é próprio e único, e que se presta a diferenciá-lo de qualquer outro negócio jurídico, seja típico ou atípico18.
No mesmo sentido, afirma Heleno Tôrres que a causa oferece individualidade ao negócio jurídico, sendo indispensável o seu exame. Por isso, “revela-se como um importante e inafastável elemento para o procedimento de interpretação, especialmente para os fins de aplicação de normas de direito tributário, que tomam o negócio jurídico como ‘fato’, para fins de subsunção deste à hipótese normativa de um dado imposto”19.
Como ensina Joan-Francesc Pont Clemente, em abstrato todo negócio jurídico tem um fim imediato e invariável, sempre o mesmo para todos os negócios da mesma classe, que é independente tanto dos motivos quanto dos fins subjetivos das partes. Trata-se do que ele designa de causa formal, daquilo em cuja virtude um negócio é o que é. É a essência ou natureza do negócio. Segundo o autor, o fim objetivo de cada classe de negócio é sempre idêntico: na compra e venda, a troca da coisa pelo preço; na permuta a troca de coisa por coisa; na doação, o enriquecimento do donatário por liberalidade; no testamento, a regulação da sucessão mortis causa; no matrimônio, o estabelecimento da relação conjugal e assim por diante20.
Segundo Fábio Konder Comparato, quando se trata de causa do negócio (finalidade), é óbvio que ela sempre existe, não se podendo falar em falta de causa. O que se pode é verificar a conformidade ou não do negócio realizado com o objetivo ou função econômico-social que lhe foi assinalado pelo legislador ou pela autoridade normativa.
Afirma ainda o jurista brasileiro que o desvio da causa, enquanto finalidade do negócio, pode ser lícito ou ilícito. No primeiro caso, conclui que estaremos diante do chamado negócio indireto, dando como exemplo a constituição de uma sociedade para pagar menos imposto de renda, e não para o exercício de uma atividade empresarial. No segundo caso, estaremos diante de negócios realizados em fraude à lei21.
É indispensável, outrossim, diferenciar a causa-finalidade do negócio dos motivos pessoais, individuais que levaram as partes à celebração do negócio. Os motivos fazem parte do domínio da psicologia e da moral, sendo de difícil apuração por aquele que não é o autor do ato. Assim, é mister distinguir a causa, como função ou escopo do negócio jurídico, dos motivos impulsionadores, determinantes da vontade do agente do próprio negócio, que são representações intelectuais internas22. O Fisco não tem como avaliar tais fatores e nem deve fazê-lo23.
Como adverte Joan-Francesc Pont Clemente, confundir causa e motivos do negócio jurídico constitui um grave erro jurídico. A principal diferença entre uma e outros consiste em que a causa é o fim ou razão de ser objetivo, intrínseco ou jurídico do negócio, enquanto os motivos são fins psicológicos individuais ou puramente pessoais. Assim, a causa é sempre a mesma em cada tipo de negócio, enquanto os motivos podem ser distintos em cada caso e variáveis até o infinito24.
A teoria objetiva da causa, também conhecida como antivoluntarista ou da declaração, coloca em primeiro plano a função do negócio jurídico em lugar da vontade25. Nessa medida, conforme explica Maria Celina Bodin de Moraes, o negócio jurídico somente pode ser produtivo de efeitos jurídicos quando avaliado pelo ordenamento como socialmente útil. Se todo efeito jurídico é previsto pela lei, não sendo suficiente a declaração de vontade para que se produza, a causa do negócio jurídico é a sua função econômico-social, reconhecida e garantida pelo direito. A ordem jurídica “aprova e protege a autonomia privada não como representativa de um capriccio momentaneo, mas porque apta a perseguir um objetivo interesse voltado a funções sociais merecedoras de tutela”26.
O ordenamento jurídico necessita de um instrumento objetivo de verificação, por meio do qual possa verificar se o negócio de autonomia merece tutela. É a função do negócio, conferida pelo ordenamento, que permite esse controle objetivo e, ainda, serve para delimitar os seus traços característicos, eis que todo e qualquer negócio pode ter, apenas, uma função.
Assim, segundo Maria Celina Bodin de Moraes, um negócio jurídico concluído é qualificável como negócio jurídico de um determinado tipo – por exemplo, compra e venda ou locação – se cumpre a função econômico-social que caracteriza o tipo27.
Percebe-se que a causa desempenha relevantíssimo papel no que toca à qualificação dos negócios jurídicos, servindo para distinguir seus efeitos e, em consequência, para determinar a disciplina a eles aplicável.
Conclui-se que para que exista simulação não basta que a Administração alegue a simples existência de um interesse tributário das partes, mas deve ser provado que o negócio tributário se estruturou defeituosamente, de forma que exista uma causa falsa ou ilícita. Nesse intento, como lembra Joan-Francesc Pont Clemente, é a ausência de causa ou a causa ilícita que determinam a nulidade do contrato no Direito Privado e a tributação do fato efetivamente realizado pelas partes, independentemente da forma ou denominação por elas utilizadas. Também são distintas a causa da simulação (motivo) e a causa do negócio. A causa da simulação pode ser de qualquer índole, inclusive fiscal, mas o que caracteriza a simulação é a falta ou ilicitude da causa no negócio jurídico, ou seja, a sua estruturação defeituosa28.
A qualificação implica o conhecimento da verdadeira natureza jurídica dos fatos da vida real suscetíveis de gravame pela norma tributária. Ao se qualificar os fatos, a norma tributária permanece alheia, já que a qualificação não atende à fiscalidade dos negócios jurídicos, mas à sua verdadeira natureza no Direito Privado. Apenas após se chegar a uma correta qualificação de acordo com o Direito Privado é que pode ser aplicada a norma fiscal.
Conclui-se que a Fazenda Pública não está sujeita a regras distintas daquelas previstas no ordenamento jurídico privado no momento de qualificar um negócio jurídico. Não cabe à Administração qualificar ou requalificar um negócio de uma maneira especial, prescindindo ou afastando-se do Direito Civil. A ratio decidendi da simulação deve se fundamentar no Direito Privado, ainda que os efeitos da decisão se apliquem ao Direito Tributário. A qualificação de um negócio como simulado requer, apenas, efetuar um juízo sobre ele de acordo exclusivamente com o Direito Privado, não havendo uma simulação especial para fins do Direito Tributário.
Isso ocorre porque, apesar de o Código Tributário Nacional conter algumas referências à simulação, não há nele uma definição específica do seu significado29. Como já escrevi anteriormente, “o legislador tributário utilizou-se do termo sem indicar que teria se desviado do significado específico que lhe é atribuído no direito privado”. Não há referências, explícitas ou implícitas, do legislador tributário no sentido de modificar o significado originário da simulação30.
Nesse mesmo sentido se manifestou o Ministro Ricardo Lewandowski, no julgamento da ADI 2.446, na qual se discutiu sobre a constitucionalidade do parágrafo único do art. 116 do CTN. Veja-se:
Assim, na aplicação do parágrafo único do art. 116 do CTN, entendo que devem ser levadas em consideração, obrigatoriamente, as hipóteses supratranscritas para expungir os atos e negócios jurídicos simulados, haja vista que “a simulação, em rigor, é uma só, não havendo porque distinguir, como fazem alguns, a civil da fiscal”.
Outrossim, não cabe confundir os motivos pelos quais as partes realizam determinado negócio jurídico, que pode bem ser uma busca de uma mais adequada planificação fiscal de suas atividades, e a sua causa, que diz respeito à caracterização ou consideração jurídica do próprio negócio. Assim, não cabe ao Fisco invocar que a única causa do negócio jurídico celebrado não é a de produzir os efeitos jurídicos que lhe são próprios, mas a obtenção de uma economia tributária. Essa indevida confusão entre motivo e causa permite que se despreze a barreira das formas jurídica empregadas pelas partes com base unicamente no significado econômico dos atos e negócios realizados por elas, aplicando uma norma tributária que não está prevista para as formas jurídicas empregadas, mas para outras, que são aquelas que a Administração entende que deveriam ter sido utilizadas, cometendo-se o equívoco de confundir qualificação dos fatos com interpretação de normas.
Dessa forma, a qualificação de simulação com base no fato de que se buscou uma menor incidência tributária não é cabível, pois a busca de uma menor oneração tributária em uma operação não está proscrita pelo ordenamento, sendo uma opção perfeitamente válida em virtude do princípio da autonomia da vontade e da liberdade de pactuação.
A investigação da causa dos negócios não deve ser equiparada com a motivação perseguida pelos contribuintes. O fato de que essa motivação radique na busca de vantagens fiscais não deve afetar a qualificação jurídica do negócio jurídico realizado31. Não se deve levar em conta, para definir se o ato praticado pelo contribuinte constitui ou não uma economia fiscal lícita, suas intenções e motivações, já que tanto na evasão quanto na elisão fiscal se busca pagar menos tributo, não sendo este um critério relevante para distinguir uma situação da outra.
Por fim, cabe mencionar uma última questão relevante sobre o tema. Ocorrida a simulação, entendemos que não é preciso que a autoridade administrativa demande a nulidade do ato simulado para cobrar o tributo efetivamente devido.
O Código Civil Brasileiro de 1916 dispunha, em seu art. 105, que os representantes do poder público, a bem da lei ou da fazenda, “poderão demandar a nulidade dos atos simulados”.
Assim, surgiu na época uma controvérsia doutrinária se haveria necessidade de o Fisco propor a ação de anulação ou rescisão dos atos ou negócios simulados, a fim de receber os tributos que lhe eram efetivamente devidos, a qual prossegue até hoje32.
Essa controvérsia foi retomada no julgamento da ADI 2.446, na qual se discutiu sobre a constitucionalidade do parágrafo único do art. 116 do CTN.
Com efeito, o Ministro Ricardo Lewandowski, em seu voto no julgamento da aludida ADI, sustentou a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 116 do CTN por outorgar competência às autoridades administrativas para desconsiderar atos simulados sem prévia decisão judicial. Para o Ministro, a desconsideração de atos praticados pelos contribuintes dependeria, sempre, de prévia manifestação judicial33.
Em sentido contrário, o Ministro Dias Toffoli, ao apresentar seu voto na mesma ADI 2.446, entendeu que não haveria uma reserva de jurisdição na aplicação do parágrafo único do art. 116 do CTN34.
Como visto, a controvérsia continua até os dias de hoje. Não entendemos, contudo, que apenas ao Judiciário competiria declarar a nulidade do ato ou negócio jurídico simulados praticados pelos contribuintes, visto que no âmbito fiscal a legalidade ou ilegalidade do ato ou negócio jurídico não é, por si só, razão suficiente para inibir a incidência da norma tributária, bastando lembrar a possibilidade de tributação dos atos ilícitos. Para o Fisco não interessa a violação da eficácia da lei civil ou comercial perpetrada por meio da simulação. O seu intuito é o de receber o tributo devido e que se pretendeu evitar pela prática do ato simulado, pouco lhe importando a recomposição de direitos de terceiros eventualmente prejudicados pela violação da eficácia da lei civil ou comercial.
Nesse sentido, cabe invocar o art. 118 do Código Tributário Nacional, que prevê:
Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se:
I – da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos;
II – dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos.
A validade ou invalidade do ato ou negócio jurídico é irrelevante para o Fisco. Desde que praticado o ato jurídico ou celebrado o negócio que a lei tributária erigiu em fato gerador, nasce a obrigação de pagar tributo e essa obrigação subsiste independentemente da validade ou invalidade do ato35.
A obrigação tributária surge no instante em que é praticado o ato jurídico ou celebrado o negócio jurídico que a lei tributária erigiu em fato gerador. Dessa forma, para a lei tributária, não importa que o verdadeiro ato ou negócio jurídico tenha sido ocultado pelas partes; o que interessa é que tenha ocorrido ou não o fato imponível36. Ocorrido este, ainda que mascarada sua existência pelas partes, incide o tributo correspondente. Se o negócio simulado encobrir um outro negócio jurídico, este último é que terá relevância para efeitos de tributação, visto que, no Direito Tributário, só interessa a divergência entre o resultado econômico simulado e o efetivo.
Aquele que tendo realizado um ato ou negócio tributado dissimula sua existência sob a aparência de um outro ato ou negócio de natureza distinta, submetido a nenhuma tributação ou a uma tributação inferior, deve ser tributado de acordo com o ato ou negócio efetivamente realizado. Nesse caso, não se impediu a ocorrência do fato gerador do tributo, pressuposto do legítimo planejamento tributário.
Destarte, entendemos que, provada a simulação pelo Fisco, pode ser efetuado o lançamento tributário, não havendo necessidade de que seja declarada a nulidade do negócio simulado pelo juízo cível ou comercial37. Ou seja, provada a simulação, os atos ou negócios simulados praticados pelos contribuintes podem ser desconsiderados e requalificados pela fiscalização, para que os tributos incidam sobre os atos e negócios efetivamente ocorridos.
4. Análise de algumas decisões administrativas sobre o tema
Feita a análise do assunto no âmbito doutrinário, cabe agora examinar alguns julgados, proferidos pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, sobre a questão da qualificação dos negócios jurídicos realizados pelos contribuintes.
Em primeiro lugar, iremos analisar o Acórdão n. 1401-000.155 (“Caso Klabin”), importante precedente da jurisprudência administrativa fiscal federal, em que se examinou o tema do planejamento tributário, no qual foram feitas diversas referências à questão da qualificação dos negócios jurídicos pelos Conselheiros que participaram do julgamento.
O julgado versou sobre um caso de operação societária que veio a ser denominado na jurisprudência administrativa tributária “casa e separa”. Segundo Bruno Fajersztajn e Paulo Coviello Filho, nas operações “casa e separa”, dois contribuintes criavam uma empresa-veículo, sendo que um aportava o investimento objeto da alienação e outra aportava dinheiro. Em seguida, havia a extinção da sociedade ou uma redução de capital, na qual um dos contribuintes se retirava com os bens aportados pelo outro. Essa medida era usada para impedir a tributação de ganho de capital que ocorreria no caso de uma venda direta38. A jurisprudência administrativa federal consolidou-se no sentido de que o “casa e separa” seria um caso de simulação39.
Veja-se, a seguir, a ementa do aludido acórdão, transcrita naquilo em que relevante para o estudo ora desenvolvido:
PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO, SIMULAÇÃO. NEGÓCIO JURÍDICO INDIRETO. A simulação existe quando a vontade declarada no negócio jurídico não se coaduna com a realidade do negócio firmado. Para se identificar a natureza do negócio praticado pelo contribuinte, deve ser identificada qual é a sua causalidade, ainda que esta causalidade seja verificada na sucessão de vários negócios intermediários sem causa, na estruturação das chamadas step transactions. Assim, negócio jurídico sem causa não pode ser caracterizado corno negócio jurídico indireto. O fato gerador decorre da identificação da realidade e dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos, e não de vontades formalmente declaradas pelas partes contratantes ou pelos contribuintes. SIMULAÇÃO. A subscrição de novas ações de uma sociedade anônima, com a sua integralização em dinheiro e registro de ágio, para subsequente retirada da sociedade da sócia originária, com resgate das ações para guarda e posterior cancelamento caracteriza simulação de venda da participação societária [...].
Para resumir o caso, valemo-nos do excelente resumo feito pelo Conselheiro João Francisco Bianco a respeito, em seu voto:
A matéria aqui em discussão é bastante conhecida neste Conselho. Trata-se de operação em que uma sociedade é transferida do antigo sócio para terceiro, por meio de operação de entrada do terceiro e saída do antigo sócio, quase que simultâneas, da sociedade. No caso concreto, o Grupo Aracruz subscreveu e integralizou aumento de capital da Riocell S/A em dinheiro (entrada) e dois dias depois a Klabin S/A vendeu as ações por ela detidas no capital da Riocell S/A para a própria empresa, para serem mantidas em tesouraria e posterior cancelamento (saída).
Assim, o controle da Riocell S/A, que antes era detido pela Klabin S/A, acabou ao final sendo transferido para o Grupo Aracruz. E por força da legislação reguladora do regime de tributação do resultado de equivalência patrimonial, o “ganho” gerado na Klabin S/A com a operação deixou de ser submetido à incidência do IRPJ.
Sustenta a fiscalização ter ocorrido hipótese de alienação simulada de ações da Riocell S/A pela Klabin S/A para o Grupo Aracruz, exigindo o imposto sobre o ganho de capital auferido pela recorrente. Esta, por seu turno, insurge-se contra a autuação, alegando não ter ocorrido venda simulada de ações mas sim negócio jurídico indireto, isento de tributação.
Pois bem, em seu voto, o Conselheiro relator, Alexandre Antonio Alkmim Teixeira, afirmou que a simulação existe “quando a vontade declarada no negócio jurídico não se coaduna com a realidade do negócio firmado”.
E prossegue seu raciocínio dizendo ser necessário saber “até que ponto a forma pode ser tomada como elemento definidor da incidência tributária, em contraposição da identificação da realidade praticada pelos particulares”.
Segundo ele, a norma tributária “descreve uma situação de fato que, se ocorrida no plano da realidade, provoca o nascimento da relação jurídico-tributária, num vínculo obrigacional que coloca o contribuinte como devedor do Sujeito Ativo para o pagamento de determinada quantia em dinheiro. Resta saber se, na esteira deste entendimento, a identificação do fato gerador, ou seja, do fato realmente ocorrido na subsunção à descrição normativa, se faz pela sua forma, seu nomem juris, ou pela sua materialidade”.
Esse seria o ponto fulcral para tomada da decisão, segundo o ilustre julgador administrativo. Isso porque, segundo ele, a aplicação da teoria da simulação como a mera contraposição de vontade declarada e querida não tem espaço na primazia da realidade tão buscada pelo direito tributário.
Ainda segundo o julgador para identificar a natureza do negócio praticado pelo contribuinte, deve ser identificada qual é a sua causalidade, ainda que esta causalidade seja verificada na sucessão de vários negócios intermediários sem causa, na estruturação das chamadas step transactions. O fato gerador decorre da identificação da realidade e dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos, e não de vontades formalmente declaradas pelas partes contratantes ou pelos contribuintes.
Mais a frente, em seu voto, refere que “não é o nome que se dá ao contrato que define, ou não, a incidência da norma tributária, mas a identificação efetiva da situação descrita no critério material da hipótese de incidência”, já que se foi “o tempo, se é que ele existiu, em que o nomen juris era critério definidor das relações jurídicas, sejam elas no âmbito privado, sejam elas no âmbito público-administrativo”.
Entendeu, assim, que, no caso dos autos, o negócio realizado pela recorrente foi, de fato, uma venda de participação societária com apuração de ganho de capital, considerando que houve a prática de simulação por parte da contribuinte.
Em sua declaração de voto, o Conselheiro João Francisco Bianco, ainda que tenha chegado a uma conclusão oposta, também ressaltou a importância da questão da qualificação na análise dos planejamentos tributários, tendo até elaborado um item específico a respeito do assunto.
Segundo o julgador, para o direito, não importa o nome que se dá ao negócio jurídico contratado. O relevante é a natureza jurídica da operação, já que esta é que vai determinar o seu regime de tributação.
Afirma que “não se pode pretender submeter uma operação a um determinado regime tributário somente pelo nome dado ao contrato, ou pelas aparências da contratação. É preciso investigar qual a verdadeira natureza jurídica do contrato pois é ela que vai determinar o regime tributário aplicável”.
Contudo, ao contrário do Conselheiro relator, entendeu o Conselheiro João Francisco Bianco que “a operação realizada pela recorrente não é simulada, não é qualificada como compra e venda e tem, portanto, natureza jurídica própria de subscrição de ações pelo Grupo Aracruz e de resgate de ações pela Klabin S/A”. Em virtude disso, qualificou a operação realizada como hipótese de negócio jurídico indireto.
No Acórdão n. 1401-001.059, da 4ª Câmara da 1ª Turma Ordinária da 1ª Seção de Julgamento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, voltou a se falar sobre a qualificação dos negócios jurídicos.
O Conselheiro relator, Alexandre Antonio Alkmim Teixeira, afirmou que para o Direito Tributário “o fato jurídico é a qualificação jurídica dada ao evento, e não o contrário. Não é o evento que dita como o direito deve conhecê-lo, mas sim o direito, fixando os pressupostos caracterizadores do fato jurídico em uma hipótese geral e abstrata, é que permite juridicizar o evento, tornando o fato jurídico relevante para o conhecimento da relação jurídico-tributária individual e concreta”.
Segundo ele, é preciso identificar qual o fato jurídico praticado pelo contribuinte, extraindo-se do mundo dos eventos o fato jurídico relevante para instaurar a norma individual e concreta da tributação. O fato gerador decorre da identificação da realidade e dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos, e não de vontades formalmente declaradas pelos contribuintes.
Assim, no caso de uma incorporação às avessas, referente à compensação de prejuízos fiscais no caso de incorporação de sociedade lucrativa por outra detentora de prejuízos fiscais, sendo ambas do mesmo grupo empresarial, a Câmara julgou que se estava diante de uma simulação, eis que não houve, na hipótese julgada, a reunião de atividades operacionais de duas empresas por conta de uma incorporação, mas somente a apresentação de estruturas formais sem causa e sem realidade. Entendeu-se que não existe realidade negocial quando uma empresa com registro de prejuízo fiscal, mas sem atividade efetiva e sem operação, incorpora outra empresa operacional do mesmo grupo.
No Acórdão n. 9101-006.049, da 1ª Turma da CSRF do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, entendeu-se que a simples acusação de que se interpôs uma “empresa-veículo” na operação, divorciada da imputação de atos que caracterizem fraude ou prática de atos não verdadeiros, não é suficiente para dar ensejo à requalificação dos atos para fins tributários.
Para o Conselheiro relator, Luis Henrique Marotti Toselli, a simulação é um divisor de águas. Havendo ato ou negócio simulado, estaremos diante de caso de evasão fiscal, ilicitude que deve ser combatida por meio da requalificação jurídica da descrição dos fatos. Afastada, porém, a figura da simulação (além da fraude), estaremos diante de hipótese de elisão fiscal, isto é, planejamento fiscal lícito e assegurado ante os princípios da livre iniciativa e legalidade.
Entendeu que a holding Trancoso, ainda que taxada de “empresa-veículo”, atuou em plena conformidade com as regras societárias positivadas, de forma a respeitar a causa jurídica deste tipo societário. Não haveria nenhum vício ou aparência sobre a existência e finalidade daquela empresa. E que a sua finalidade foi a de instrumentalizar a aquisição do investimento com ágio, pago a parte não relacionada, de forma também a reunir as condições necessárias para o seu aproveitamento fiscal.
Diante disso, afastou a ocorrência de simulação ou de qualquer outro vício no caso analisado.
Por fim, no Acórdão n. 9101-006.486, da 1ª Turma da CSRF do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, entendeu-se que o uso de holding (ou empresa-veículo), constituída no Brasil com recursos provenientes do exterior, para adquirir a participação societária com ágio e, em seguida, ser incorporada pela investida, reunindo, assim, as condições para o aproveitamento fiscal do ágio, não caracteriza simulação, de modo que é indevida a tentativa do fisco de requalificar a operação tal como foi formalizada e declarada pelas partes.
Conforme decidido no julgado, a transferência, por controladora domiciliada no exterior, dos recursos empregados na aquisição de participação societária por empresa holding constituída no Brasil não impede a amortização fiscal do ágio após esta ser incorporada pela investida. A tese do “real adquirente”, que busca limitar o direito à dedução fiscal do ágio apenas na hipótese de existir confusão patrimonial entre a pessoa jurídica que disponibilizou os recursos necessários à aquisição do investimento e a investida, não possui fundamento legal, salvo quando caracterizada hipótese de simulação, o que não se revela no caso.
Entendeu o relator do acórdão que, além da fraude, que tem a constatação do dolo como pressuposto, o Fisco tem poderes para requalificar atos ou negócios simulados. Na prática, a existência ou não de adoção de estrutura simulada como meio de gerar economia tributária vai depender das circunstâncias e elementos probatórios trazidos pela fiscalização em cada situação fática. Apenas com a reunião de indícios precisos e que convergem para uma convicção segura de que houve simulação é que uma requalificação jurídica fundada na ineficácia dos atos/negócios formalizados se justifica.
Pelo exposto, conclui que a utilização de empresa-veículo que viabilize o aproveitamento fiscal do ágio por si só não configura ato ilícito ou simulação, não constituindo, portanto, fundamento hábil para a manutenção da autuação.
Da análise dos julgados administrativos acima referidos, conclui-se pela importância da correta qualificação dos atos e negócios praticados pelos contribuintes para a apuração da ocorrência ou não da simulação no âmbito do Direito Tributário.
5. Conclusões
Para que uma norma de Direito Tributário surta seus efeitos sobre um caso concreto é preciso determinar se é aplicável e qual é o mandamento que nela se contém, ou seja, é necessário interpretá-la. Mas, além disso, é necessário tomar em consideração os fatos que se realizaram e qualificá-los. Por fim, será necessário realizar um juízo de subsunção dos fatos realizados no pressuposto hipoteticamente fixado pela norma. Somente a coincidência entre o que efetivamente ocorreu e aquilo que foi hipoteticamente previsto pela norma provocará o nascimento da obrigação tributária.
A qualificação relaciona-se com a aplicação do direito, não se confundindo nem com a interpretação da lei nem com a interpretação do ato ou negócio jurídico. A qualificação pressupõe a realização dessas operações, sendo a fase final do processo de aplicação do direito, que consiste em um juízo de subsunção de um ato ou negócio jurídico num conceito típico de ato ou negócio jurídico previsto na lei tributária.
A qualificação dos fatos pelo aplicador da norma é essencial para a apuração da simulação nos atos e negócios jurídicos praticados pelos contribuintes.
A qualificação dos fatos centra-se em buscar a coincidência entre a vontade das partes e a causa, em sentido técnico-jurídico, do negócio jurídico celebrado.
A causa permite que se qualifique o negócio jurídico, consistindo na função que o sistema jurídico reconhece a determinado tipo de ato jurídico, traçando-lhe e precisando-lhe a eficácia. A causa desempenha relevantíssimo papel no que toca à qualificação dos negócios jurídicos, servindo para distinguir seus efeitos e, em consequência, para determinar a disciplina a eles aplicável.
A qualificação implica o conhecimento da verdadeira natureza jurídica dos fatos da vida real suscetíveis de gravame pela norma tributária. Ao se qualificar os fatos, a norma tributária permanece alheia, já que a qualificação não atende à fiscalidade dos negócios jurídicos, mas à sua verdadeira natureza no Direito Privado. Apenas após se chegar a uma correta qualificação de acordo com o Direito Privado é que pode ser aplicada a norma fiscal.
Assim, a Fazenda Pública não está sujeita a regras distintas daquelas previstas no ordenamento jurídico privado no momento de qualificar um negócio jurídico. Não cabe à Administração qualificar ou requalificar um negócio de uma maneira especial, prescindindo ou afastando-se do Direito Privado.
Por fim, ao analisar alguns julgados administrativos do CARF, pudemos concluir pela importância da correta qualificação dos fatos no Direito Tributário na apuração da simulação nos atos e negócios jurídicos praticados pelos contribuintes, o que impacta na análise de vários casos de planejamento tributário julgados pelos nossos Tribunais.
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2 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 281.
3 ROSEMBUY, Tulio. El fraude de ley, la simulación y el abuso de las formas en el derecho tributario. 2 ed. Madrid: Marcial Pons, 1999, p. 266.
4 XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001, p. 34.
5 XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2001, p. 36.
6 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 63.
7 PONT CLEMENTE, Joan-Francesc. La simulación en la nueva LGT. Madrid: Marcial Pons, 2006, p. 55.
8 O art. 13 da LGT afirma que: “las obligaciones tributarias se exigirán con arreglo a la naturaleza jurídica del hecho, acto o negocio realizado, cualquiera que sea la forma o denominación que los interesados le hubieran dado, y prescindiendo de los defectos que pudieran afectar a su validez”. Já o art. 16 da mesma LGT reza o seguinte: “Art. 16: 1. En los actos o negocios en los que exista simulación, el hecho imponible gravado será el efectivamente realizado por las partes. 2. [...]”.
9 PONT CLEMENTE, Joan-Francesc. La simulación en la nueva LGT. Madrid: Marcial Pons, 2006, p. 56.
10 Recordemos aqui a lição de Ferrara: “Às vezes as partes atribuem ao contrato um nomen iuris que não corresponde à sua natureza; designando-o por ignorância ou equívoco, por uma falsa denominação. Esta não tem importância porque é regra usual de interpretação que deve atender-se à vontade real das partes, não às palavras e expressões empregadas sem propriedade. A imprecisão da linguagem jurídica deixa intacto o conteúdo prático a que se quer chegar, segundo a intenção das partes. Mas aqui não estamos no terreno da simulação. Se, porém, se manifesta exteriormente uma aparência contrária à substância, isto ocorre involuntariamente, por erro das partes, ao passo que na simulação a aparência é de antemão preparada com o fim de enganar” (FERRARA, Francisco. A simulação dos negócios jurídicos. São Paulo: Saraiva, 1939, p. 238).
11 ANDRADE JÚNIOR. A simulação no direito civil. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 155.
12 ANDRADE JÚNIOR. A simulação no direito civil. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 156.
13 ROSEMBUY, Tulio. El fraude de ley, la simulación y el abuso de las formas en el derecho tributario. 2 ed. Madrid: Marcial Pons, 1999, p. 266.
14 ROSEMBUY, Tulio. El fraude de ley, la simulación y el abuso de las formas en el derecho tributario. 2 ed. Madrid: Marcial Pons, 1999, p. 267. Sampaio Dória afirma que, na simulação, “há em geral incompatibilidade entre a forma e o conteúdo, de sorte que o nomem juris pretende moldar e identificar uma realidade factual cujas características essenciais discrepam radicalmente daquelas que devem ser próprias do negócio ou categoria leal que foi empregada” (DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio. Elisão e evasão fiscal. 2. ed. São Paulo: Bushatsky, 1977, p. 66 e 67).
15 Aqui utilizamos a distinção feita por Geraldo Ataliba entre a hipótese de incidência – descrição hipotética dos fatos aptos a determinarem o nascimento de obrigações tributárias – e fato imponível, como concretização, realização efetiva dos fatos descritos (ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 61).
16 PONT CLEMENTE, Joan-Francesc. La simulación en la nueva LGT. Madrid: Marcial Pons, 2006, p. 149.
17 MORAES, Maria Celina Bodin de. A causa do contrato. Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 2, n. 4, p. 4, out.-dez./2013. Disponível em: http://civilistica.com/a-causa-do-contrato/.
18 MORAES, Maria Celina Bodin de. A causa do contrato. Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 2, n. 4, p. 7, out.-dez./2013. Disponível em: http://civilistica.com/a-causa-do-contrato/.
19 TÔRRES, Heleno. Direito tributário e direito privado: autonomia privada; simulação; elusão tributária. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 143.
20 PONT CLEMENTE, Joan-Francesc. La simulación en la nueva LGT. Madrid: Marcial Pons, 2006, p. 128 e 129.
21 COMPARATO, Fabio Konder. Crédito direto a consumidor. Objeto e causa do negócio. A questão do aval condicionado. Estudos e pareceres de direito empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 398 e 399.
22 Francisco Paulo De Crescenzo Marino afirma que a “tradicional contraposição entre causa e motivo remonta à importante distinção intermédia entre causa impulsiva e causa finalis, designando, a primeira, os ‘motivos psicológicos que impeliram cada um dos dois sujeitos’ e, a segunda, o ‘fim último perseguido pelo sujeito, por exemplo, na compra e venda, respectivamente a obtenção do preço ou da coisa’. A dicotomia medieval funda-se, de um lado, em um critério temporal, pois a causa impulsiva refere-se a fatos passados e a causa finalis diz respeito a eventos futuros, e, de outro lado, no critério da manifestação, base da célebre definição de Azo, pela qual a causa impulsiva é o motivo não manifestado, ‘in corde retentum’, e a causa finalis corresponde a ‘qualquer justificação expressa pelo sujeito’” (MARINO, Francisco Paulo De Crescenzo. Interpretação do negócio jurídico. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 127).
23 Sobre a irrelevância quanto à motivação do contribuinte para a prática de determinado ato, confira-se a lição de Sampaio Doria: “Se o indivíduo não excede das balizas legais, não se pode cogitar de fraude mas do exercício de direito nascido da liberdade de modelar cada qual, como melhor lhe aprouver, seus negócios e patrimônio. A motivação subjetiva (certa ou errada) que incitou o contribuinte a minimizar seus custos tributários é indiferente ao direito, importando, objetivamente apenas se o que ele concretizou deflagra efetivamente as antecipadas consequências fiscais” (DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio. Elisão e evasão fiscal. 2. ed. São Paulo: Bushatsky, 1977, p. 73).
24 PONT CLEMENTE, Joan-Francesc. La simulación en la nueva LGT. Madrid: Marcial Pons, 2006, p. 137.
25 Na precisa lição de Enzo Roppo, a “causa do contrato identifica-se, então, afinal, com a operação jurídico-econômica realizada tipicamente por cada contrato, com o conjunto dos resultados e dos efeitos essenciais que, tipicamente, dele derivam, com a sua função econômico-social, como frequentemente se diz” (ROPPO, Enzo. O contrato. Coimbra: Almedina, 2009, p. 197).
26 MORAES, Maria Celina Bodin de. A causa do contrato. Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 2, n. 4, p. 9 e 10, out.-dez./2013. Disponível em: http://civilistica.com/a-causa-do-contrato/.
27 MORAES, Maria Celina Bodin de. A causa do contrato. Civilistica.com. Rio de Janeiro, a. 2, n. 4, p. 10, out.-dez./2013. Disponível em: http://civilistica.com/a-causa-do-contrato/.
28 PONT CLEMENTE, Joan-Francesc. La simulación en la nueva LGT. Madrid: Marcial Pons, 2006, p. 179.
29 A simulação é mencionada, por exemplo, no art. 149, VII, do CTN, assim redigido: “Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos: [...] VII – quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação [...]”. Também se refere à simulação, segundo entendemos, o parágrafo único do art. 116 do CTN, assim redigido: “A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária”.
30 GUTIERREZ, Miguel Delgado. A simulação no Direito Tributário. Revista Dialética de Direito Tributário n. 233, São Paulo, fev. 2015, p. 107. No mesmo sentido os comentários de Eduardo Santos Arruda Madeira e Luiz Carlos de Andrade Jr.: “No caso da simulação, está é definida e regida pelo Direito Civil. O legislador tributário utilizou-se do termo sem dar qualquer pista de que haveria desviado da concepção privatística; tal, aliás, não poderia ser presumido, pois aí o intérprete cometeria o pecado capital de trocar o ‘ser do dever-ser’ pelo ‘dever-ser do dever-ser’. Daí ser incompreensível que se busque defender um modo privilegiado de se interpretar o sentido da simulação, no CTN, a partir do argumento terrorista de que certa interpretação poderia, de algum modo, limitar a ação do Fisco, eis um tipo de comentário que a técnica que move a interpretação jurídica repele; se houvesse algum problema nesse particular, já não caberia ao jurista, mas ao político, administrá-lo” (MADEIRA, Eduardo Santos Arruda; ANDRADE Júnior, Luiz Carlos de. Caso Klabin: o “casa e separa” revisto à luz da técnica da simulação. Revista Direito Tributário Atual n. 28, p. 54, São Paulo, Dialética e IBDT, 2012).
31 Cf. BENÍTEZ, Gloria Marín. La relevância jurídica de la motivación fiscal – influencia del “business purpose” en el ordenamento tributario español. Madri: Dykinson, 2009, p. 82.
32 Nessa esteira, esclarece Roque Antonio Carrazza: “[...] o Fisco não pode conhecer diretamente da simulação, declarando, de ofício, o defeito do ato jurídico e tributando – pelo lançamento ou pelo auto de infração – a realidade oculta pela aparência enganosa. Precisa, para tanto, valer-se do Poder Judiciário, aguardando o trânsito em julgado da decisão que declare a invalidade deste mesmo ato jurídico. Logo, a nulidade dos atos simulados não pode ser declarada no próprio lançamento (ou no auto de infração). Isto somente será possível por intermédio de um processo judicial, intentado pelo representante da Fazenda Pública” (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 27 ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 516).
33 “Por outro lado, deve ser questionado se, quando editada a lei ordinária a que faz referência o dispositivo aqui questionado, poderá a autoridade administrativa, sponte propria, desconsiderar atos ou negócios jurídicos simulados. Desta feita, pedindo as mais respeitosas vênias à Eminente Relatora, assim como aqueles que já a acompanharam, compreendo que a providência não caberia a qualquer autoridade administrativa, já que apenas ao Judiciário competiria declarar a nulidade do ato ou negócio jurídico alegadamente simulados. Essa é, precisamente, a meu ver, a interpretação que decorre do parágrafo único do art. 168 do Código Civil, segundo o qual as nulidades previstas no art. 167 daquele diploma legal ‘devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes’”.
34 Como se depreende do seguinte trecho do seu voto: “Contudo, julgo que não se aplica o princípio da reserva de jurisdição quanto à decisão aludida no dispositivo questionado. Em primeiro lugar, cumpre lembrar que, consoante já registrou o Ministro Celso de Mello, esse princípio ‘importa em submeter, à esfera única de decisão dos magistrados, a prática de determinados atos cuja realização, por efeito de explícita determinação constante do próprio texto da Carta Política, somente pode emanar do juiz, e não de terceiros’ (MS n. 23.452/RJ, Tribunal Pleno, DJ de 12/5/2000 – grifo nosso). Não vislumbro, no texto constitucional, a existência de determinação de que a medida à qual se refere o dispositivo hostilizado deve ser emanada somente por juiz. Em segundo lugar, é certo que tal medida somente poderá ser tomada pela autoridade fiscal respeitando o devido processo legal. Nesse ponto, ganha inegável importância aquela lei ordinária disciplinando os procedimentos a serem observados por essa autoridade. Em terceiro lugar, a decisão tomada pela autoridade fiscal com base na norma debatida pode ser controlada pelo Poder Judiciário, na hipótese de esse ser provocado. Em outras palavras, tal decisão administrativa não é imune ao controle judicial. Em quarto lugar, julgo que a desconsideração a que se refere o dispositivo impugnado não se equipara à anulação de negócio jurídico simulado à qual alude os arts. 167 e 168 do Código Civil. Como se destacou nas informações prestadas pelo Presidente da República, aquele dispositivo do CTN permite apenas que a autoridade fiscal, no contexto da tributação, negue eficácia àqueles atos ou negócios jurídicos. Atente-se que a medida administrativa não atua no plano da validade. Corrobora esse entendimento o seguinte estudo: MONTEIRO, Eduardo Cabral Moraes. O parágrafo único do art. 116 do CTN: norma geral antielisão? Doutrinas essenciais de Direito Tributário, v. 11, p. 685-742, jul./2014”.
35 Cf. BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 461.
36 Alberto Xavier afirma: “Apesar de obscuro na sua formulação literal, o art. 118 do Código Tributário Nacional não se reporta a um problema de interpretação dos tipos legais, mas sim a atos e fatos concretos ‘efetivamente ocorridos’ ou ‘efetivamente praticados’. Utilizando a terminologia de Geraldo Ataliba, não se refere à hipótese de incidência mas sim ao fato imponível. Tal preceito está pois a ditar uma regra de apreciação ou caracterização do fato (a Tatbestandsbeurteilung) e não um ditame de hermenêutica da lei (Gesetzesauslegung) (cf. neste sentido Rubens Gomes de Souza, Pareceres – 3 – Imposto de Renda, São Paulo, 1976, pág. 221: ‘Este dispositivo (o art. 118) traça norma de interpretação, não da lei mas do fato gerador...’)” (XAVIER, Alberto. Direito tributário e empresarial: pareceres. Rio de Janeiro: Forense, 1982, p. 19 e 20).
37 No mesmo sentido, Eduardo Santos Arruda Madeira e Luiz Carlos de Andrade Jr.: “Nesse estado de coisas, cabe indagar qual seria a regra de solução de conflitos a ser aplicada diante de uma tensão estabelecida entre os simuladores e o Fisco. Esta consiste no já citado artigo 149, inciso VII, do CTN: independentemente da sorte que o negócio jurídico venha a experimentar, sob a perspectiva do Direito Privado (e.g., nulidade de pleno direito, anulabilidade, persistência da personalidade jurídica até a liquidação da sociedade etc.), constatada e provada a simulação, o Fisco pode exercer sua pretensão exatora, por meio da constituição ex officio do crédito tributário. Vendo por outro prisma, é correto acentuar que o artigo 149, inciso VII, elege, como pressuposto do poder-dever de efetuar o lançamento tributário, que seja provada a simulação; não que seja declarada a nulidade do negócio simulado pelo juízo cível” (MADEIRA, Eduardo Santos Arruda; ANDRADE Júnior, Luiz Carlos de. Caso Klabin: o “casa e separa” revisto à luz da técnica da simulação. Revista Direito Tributário Atual n. 28, p. 63, São Paulo, Dialética e IBDT, 2012).
38 FAJERSZTAJN, Bruno; COVIELLO FILHO, Paulo. “Transferência” de ágio por meio da chamada empresa-veículo. Reflexões sobre o tema à luz da lógica e da finalidade dos arts. 7º e 8º da Lei n. 9.532/97. Revista Dialética de Direito Tributário n. 231, p. 33 e 34, São Paulo, Dialética, 2014.
39 V., dentre outros, os seguintes precedentes: Acórdão CARF 9101-002.953; Acórdão CARF 9101-003.168; Acórdão CARF 1102-000.157; Acórdão CC 108.09.037; Acórdão CC 107-08.837.