A Substituição Tributária e o Tratamento (des)Favorecido Dispensado às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte. O Direito Tributário no Contrafluxo da Coerência

Tiago Carneiro da Silva

Advogado.

Resumo

Estudo teórico, não exaustivo, que pretende analisar as consequências jurídicas da sujeição das microempresas e empresas de pequeno porte aderentes ao regime especial de simplificação da arrecadação tributária - o Simples Nacional -, cumulativamente, ao regime de substituição tributária no que tange à cobrança do “imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação”. Tal análise se desenvolverá com base no postulado da coerência, de acordo com a teoria dos princípios de Humberto Ávila, que servirá como fio condutor de exposição dos elementos mais relevantes que se relacionam no caso em questão. Iniciando o estudo pelos pontos de destaque do Simples Nacional e seguindo por uma pesquisa suficientemente madura acerca da substituição tributária, relacionando-o com a praticidade no Direito Tributário, e do princípio da capacidade contributiva, como desdobramento da isonomia material e norma fundante do princípio do favorecimento às micro e pequenas empresas, tem-se o necessário para chegar a uma resposta satisfatória.

Palavras-chave: Direito Tributário, substituição tributária, capacidade contributiva, praticidade tributária, postulado da coerência, teoria dos princípios, microempresas, empresas de pequeno porte, Simples Nacional, Supersimples.

Abstract

This is a theoretical, non-depletive study, which proposes to analyse the juridical consequences of the subjection of micro and small enterprises to the tributary replacement regarding the collection of the “taxes over operations regarding merchandise circulation, and over freight and cargo services, between states and counties, as well over communication.” It is important to consider that these enterprises are associated to the special state of tax revenue simplification, the Simples Nacional programme, in a cumulative manner. Such analysis shall be developed upon the postulate of coherence, in line with Professor Humberto Ávila’s principle theory, which will serve as a guiding light of the most pertinent elements of the aforementioned case. Considering the major points of the Simples Nacional programme as a foundation, followed by a fairly well developed research about tributary replacement, and then connecting with the practical nature of Tributary Law, as well with the contributory capacity principle, we have enough theoretical aspects to draw a fulfilling answer. One should bear in mind, however, that the reason of this last mentioned principle is to serve as an outspread of material isonomy, and as a base law of the micro and small enterprises fostering principle.

Keywords: Tax Law, tributary replacement, ability to pay, principle of convenience, legal coherence, principles theory, micro enterprise, small businesses.

1 - Introdução

O Sistema Tributário brasileiro abarca uma complexidade de normas sabidamente robusta, gerando um conglomerado de regras, que tende a um crescimento infindável. Trata-se de um desencadeamento desenfreado de inovações e micro(a)tecnias que perfuram o âmago da estabilidade e ferem a cidadania dos contribuintes. Os tributos que talham nosso ordenamento fiscal tem como bagagem uma quantidade acentuada de leis e disposições infralegais1, que estipulam uma série de obrigações acessórias - especialmente às pessoas jurídicas. Estas, mormente quando não dotadas de adequado suporte técnico, sufocam-se nas regulações fiscais às quais se sujeitam.

O rigor por parte da Administração Pública na elaboração de regras acerca da atividade tributária esconde, por trás de uma aparente sofisticação da técnica de fiscalização e arrecadação, um emaranhado de disposições, não apenas complexas, mas também contraditórias e assistemáticas, a fim de satisfazer, em detrimento da segurança jurídica, o fetiche da praticidade (ou praticabilidade) para o Estado. De fato, instituiu-se no decorrer dos tempos uma urgência de praticidade nos atos governamentais, sendo a seara fiscal o palco privilegiado para atuação deste subprincípio da efetividade na administração pública. O pragmatismo, quando exacerbado, enfrenta e abarrota uma série de direitos constitucionalmente assegurados aos contribuintes. Se, por um lado, proporciona simplificação, eficiência e diminuição dos custos para o Fisco, por outro lado, tal processo revela-se extremamente oneroso para o contribuinte.

Em nome da praticidade e comodidade administrativa no exercício de fiscalização e arrecadação tributária, o Fisco impõe aos contribuintes, não somente encargos tributários elevados2, mas também um vasto complexo de obrigações acessórias, que seriam, a priori, atribuições do Estado, promovendo um vultoso processo de privatização da gestão fiscal3. Fatalmente, essa transferência dos encargos da Administração Fazendária para os contribuintes exigem destes uma estruturação administrativa capaz de absorver aquelas obrigações e gerir todas as atividades, ampliando os riscos da administração empresarial e ocasionando insegurança para o seu intento social.

Neste contexto, as microempresas e empresas de pequeno porte nascem e tentam se desenvolver em meio a todas as adversidades geradas não somente pelas exigências do mercado, mas também pelas investidas do Fisco em busca de uma parcela das suas riquezas. É indubitável a influência que o sistema tributário tem sobre qualquer atividade econômica, principalmente sobre as mais frágeis, que tem suas estruturas fortemente abaladas diante das mínimas variações nos encargos tributários sobre elas.

Atento a esta realidade, o constituinte erigiu expressamente as micro e pequenas empresas a uma situação de induvidoso privilégio, mormente no que se refere ao arcabouço tributário incidente sobre elas. De fato, a Carta Magna, em diversos dispositivos, ordena o estabelecimento de tratamento diferenciado às micro e pequenas empresas. A prerrogativa constitucionalmente assegurada já poderia ser concedida ainda que não houvesse nenhuma menção expressa a ela, em virtude da observância dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, fundamentos da República Federativa do Brasil, destacado no art. 1º, IV, da CF; da isonomia material (art. 5º, caput); e da capacidade contributiva (art. 150, III). Considerando a imprescindibilidade de se tratar diferencialmente os desiguais, é de suma importância que se forneça um tratamento privilegiado àqueles que não detém uma estrutura economicamente robusta. E é neste quadro de fragilidade financeira em que se enquadram as micro e pequenas empresas.

O tratamento privilegiado decorre, ainda, de uma necessidade econômica e social patente: as micro e pequenas empresas são responsáveis no Brasil pelo acolhimento de uma parcela considerável de trabalhadores, seja de modo formal ou informal, servindo de importante via contra o desemprego. Tratam-se de verdadeiros nichos de ocupação de uma parte da população que tem condições de constituir e subsidiar o próprio negócio, bem como de válvula de escape para a mão de obra excedente, constituída por outra parte considerável da população que encontra nas micro e pequenas empresas espaço para exercer uma atividade laborativa pouco qualificada que não seria acolhida em empresas de maior porte4.

Considerando as diretrizes constitucionais de proteção às microempresas e empresas de pequeno porte, a Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, as enquadrou em um regime diferenciado, simplificado e facultativo de arrecadação, cobrança e fiscalização de tributos compartilhado entre os entes federativos, denominado Simples Nacional. Não há dúvidas de que é uma alternativa interessante para as micro e pequenas empresas que desejam diminuir os custos da gestão tributária, dada a sofisticação deste regime simplificado.

Ocorre que se presencia no país, em nome de uma busca da praticidade do exercício fiscal, um aumento exponencial de produtos que tem suas cadeias de produção e fornecimento enquadradas no instituto da substituição tributária, concentrando no distribuidor da mercadoria toda a cobrança do ICMS, antes realizada em várias etapas na cadeia de produção. Esse regime, invariavelmente, atinge empresas aderentes ao Simples Nacional que adquirem aqueles produtos, sendo notavelmente nocivo a elas. Explica-se: estas, ao arcarem com o ônus dos valores pagos a título de ICMS pelo substituto tributário que lhes é repassado através do preço das mercadorias adquiridas, tem o benefício trazido pelo Simples Nacional anulado.

Na prática, a própria finalidade de simplificar e diminuir os encargos tributários que recaem sobre as microempresas e empresas de pequeno porte, seguindo a determinação da Constituição Federal, acaba por ser vilipendiada pelo regime da substituição tributária. Com efeito, os dispositivos constitucionais que buscam favorecer aquelas empresas por conta da sua fragilidade econômica e pela sua importância social são amesquinhados de modo injustificável, como restará demonstrado no decorrer deste artigo. Se o poder público não reconhece as garantias dos contribuintes freando o seu anseio exacional, deve-se destacar que está, desse modo, alimentando o risco de germinar insatisfações suficientemente capazes de gerar sérios danos a uma categoria econômica de comprovada relevância social, qual seja, a das microempresas e empresas de pequeno porte.

Neste sentido, busca este trabalho fornecer a fundamentação jurídica necessária para que se compreenda de que modo o instituto da substituição tributária, quando manejado imoderadamente no ordenamento jurídico brasileiro, afeta os benefícios trazidos pela simplificação das obrigações tributárias das microempresas e empresas de pequeno porte através do Simples Nacional, atingindo, frontalmente, a diretriz constitucional que promove o favorecimento delas e os princípios que justificam o tratamento privilegiado.

Esta exposição se dará com base na teoria dos princípios de Humberto Ávila, utilizando o postulado da coerência como fórmula de estruturação da exposição de argumentos. Estes serão suficientes para denunciar a incoerência da aplicação de normas de substituição tributária às microempresas e empresas de pequeno porte em um sistema no qual se busca o favorecimento destas com base na capacidade contributiva e, em termos mais gerais, na isonomia material.

2 - Premissas Epistemológicas

2.1 - A tributação enquanto sistema de direitos constitucionalizados

A cobrança de tributos, não raras vezes, foi vista na história de forma odiosa, sendo o agente exacional uma figura famigerada na sociedade. Isto decorria, evidentemente, do caráter arbitrário e vexatório que as imposições fiscais apresentaram em inúmeros momentos de destaque na história das grandes civilizações5.

Dada a íntima “relação entre a organização política dos Estados e sua organização financeira, as quais com o passar dos anos se modificam constantemente junto com as imposições fiscais”6, estas passaram a ostentar, ao invés do caráter predatório dos confiscos e a liberalidade das donações voluntariosas, a tensão entre a legitimidade e a coação própria racionalidade legal. E em um Estado de Direito, a tributação não poderia apresentar um caráter diverso, tendo em vista a necessidade intrínseca do Direito Moderno de ser legítimo, racionalmente aceitável e, somente assim, válido.

Jürgen Habermas7, perfeitamente, acentua que o direito moderno tem como aspecto fundamental a pretensão à aceitabilidade racional. “Os membros do direito têm que poder supor que eles mesmos, numa formação livre da opinião e da vontade política, autorizariam as regras às quais eles estão submetidos como destinatários”. Trata-se de um processo de legitimação inevitável, levando a positividade do direito, a limitar-se de tal modo que “não pode fundar-se somente na contingência de decisões arbitrárias, sem correr o risco de perder seu poder de integração social”, pois “O direito extrai a sua força muito mais da aliança que a positividade do direito estabelece com a pretensão à legitimidade”.

Desse modo, Habermas8 entende que “O direito não consegue o seu sentido normativo pleno per se através de sua forma, ou através de um conteúdo moral dado a priori, mas através de um procedimento que instaura o direito, gerando legitimidade”, ou seja, a instituição de um Estado de Direito impõe que as decisões do poder político organizado, decisões estas que precisam ser tomadas pelo direito para a realização de suas finalidades, não assumam apenas a forma do direito, mas que sejam legítimas pelo que o filósofo alemão chama de direito corretamente instituído. E, ainda, que “só vale como legítimo o direito que conseguiu aceitação racional por parte de todos os membros do direito, numa formação discursiva da opinião e da vontade”.

Um Direito Tributário somente se qualifica enquanto tal nesse contexto recente de limitação do poder através da lei, quando deixa de ser uma estrutura de opressão para se caracterizar como sistema de direitos e deveres, com princípios, regras e institutos próprios, disciplinando a relação jurídica entre o Estado e o particular, no que tange à cobrança de tributo. Trata-se verdadeiramente de um avanço civilizatório, pautado na presença imponente de uma Constituição no topo do ordenamento jurídico. Em um Direito delineado de tal modo, “Se as determinações da Constituição não são respeitadas, então não se produzem quaisquer normas jurídicas válidas”9, de modo que qualquer norma produzida sob tais condições são consideradas nulas ou anuláveis.

De fato, como acentua Roque Antonio Carrazza10 “o ordenamento jurídico é formado por um conjunto de normas, dispostas hierarquicamente”, de tal modo que “das normas inferiores (...) às constitucionais, forma-se aquilo que se convencionou chamar de pirâmide jurídica”. Nesta, com base na teoria pura do Direito, de Kelsen, “as normas inferiores buscam validade nas normas que lhes são superiores e, assim, sucessivamente, até as normas constitucionais”.

Não bastasse a própria dinâmica interpretativa do ordenamento jurídico totalmente dependente das diretrizes constitucionais, o Sistema Tributário Nacional tem suas raízes profundamente arraigadas na Carta Magna, mais especificamente no Título VI (Da Tributação e do Orçamento). Mas a atividade fiscal deve observar não somente ao texto da Constituição explicitamente atinente ao Direito Tributário. Humberto Ávila11 ressalta que “o Sistema Tributário Nacional, que regula pormenorizadamente a matéria tributária, mantém relação com a Constituição toda, em especial com os princípios formais e materiais fundamentais”, independentemente de estes estarem expressos ou implícitos.

2.2 - A insuficiência da hierarquia normativa e o postulado da coerência

A complexidade das relações traçadas pelas normas jurídicas exige uma análise à altura para compreendê-la plenamente, de modo que não é suficiente a mera noção da hierarquia normativa, apesar de extremamente importante para entender o ordenamento jurídico como estrutura escalonada de normas. Seguindo este raciocínio, Humberto Ávila12, considerando a insuficiência da hierarquia, enquanto “modelo de sistematização linear, simples e não gradual, cuja falta de implementação traz consequência que se situa preponderantemente no plano da validade”, propõe um modelo de sistematização que seja ao mesmo tempo circular, complexo e gradual, cuja consequência preponderante esteja alocada na eficácia. Tal modelo seria: circular, pois as normas superiores condicionariam as inferiores, e as inferiores contribuiriam para determinar os elementos das superiores; complexo, tendo em vista que não haveria apenas uma relação vertical de hierarquia, mas sim diversas relações não somente verticais, mas horizontais e entrelaçadas entre as normas; e gradual, uma vez que a sistematização seria tanto mais perfeita quanto maior fosse a intensidade da observância dos seus critérios.

O modelo proposto por Humberto Ávila institui um postulado hermenêutico: o postulado da coerência. O postulado da coerência cria uma relação de dependência ou uma conexão de sentido entre normas. Segundo Ávila13, a “coerência é tanto um critério de relação entre dois elementos comuns como uma propriedade resultante dessa mesma relação”. Nesse sentido, leciona o supracitado doutrinador:

“No plano substancial, um conjunto de proposições qualifica-se como coerente quanto maior for a (a) relação de dependência recíproca entre as proposições e (b) quanto maior forem os seus elementos comuns. A coerência substancial em razão da dependência recíproca existe quando a relação entre as proposições satisfaz requisitos de implicação lógica (a verdade da premissa permite concluir pela verdade da conclusão) e de equivalência lógica (o conteúdo de verdade de uma proposição atua sobre o conteúdo de verdade da outra e vice-versa). A coerência substancial em razão de elementos comuns existe quando as proposições possuem significados semelhantes. Ao contrário da coerência formal, existente ou não, a coerência substancial permite graduação.”14

O postulado da coerência atende perfeitamente a duas necessidades de intérprete: melhor compreender o relacionamento entre as normas e melhor compreender a graduabilidade do relacionamento entre as normas. Quanto ao relacionamento em si, vale dizer que na relação de verticalidade entre as normas, o conteúdo da norma inferior deve ser aquele que mais intensamente corresponde ao conteúdo da norma superior, enquanto na relação de horizontalidade o conteúdo da norma mais específica deve especificar melhor o conteúdo da norma mais geral. Em qualquer um dos casos, seja a relação vertical, seja a relação horizontal, “deve ficar claro que as normas superiores e inferiores e as normas mais gerais e as mais específicas atuam simultaneamente umas sobre as outras”15, ou seja, “A eficácia, em vez de unidirecional, é recíproca”16. Acerca da graduabilidade referida, importa notar que empregar o critério da hierarquia leva ao intérprete exclusivamente a uma só opção, qual seja, a de que a norma inferior é compatível ou incompatível com a norma superior, enquanto o critério da coerência “complementa a noção de hierarquia para demonstrar que o relacionamento entre as normas, no tocante ao aspecto substancial, pode ser gradual”17.

Como já dito, o postulado da coerência mantém vinculação estreita com a própria eficácia da norma jurídica. Segundo Ávila18, “A eficácia concreta de uma norma constitucional é tanto maior quanto melhor, mais objetiva, for estruturada sua explicação” e “sua eficácia depende da sua capacidade de fundamentação de futuras decisões”. Esta, por sua vez, “é tanto melhor quanto mais intensa for a relação que ela mantiver com outras normas constitucionais, de modo a diminuir sua abertura semântica. A pretensão de eficácia de uma norma implica a sua sistematização substancial”.

Reforça ainda a coerência substancial de um sistema a justificação recíproca entre seus elementos, que se dá quando o primeiro elemento pertence a uma premissa da qual o segundo elemento decorre logicamente, simultaneamente ao fato de que o segundo elemento faz parte de uma premissa da qual o primeiro elemento também decorre logicamente.

Sob a sistematização proposta pelo postulado da coerência, mais especificamente, da coerência substancial, uma norma mais geral, denominada fundante, estabelece uma finalidade para outras normas que são especificações daquela, ou seja, a realizam de modo menos abstrato. Isto decorre não somente de uma hierarquia normativa, mas ainda de uma hierarquia axiológica entre normas, ou melhor, de uma preponderância axiológica, uma vez que uma norma superior serve de referência a outra inferior, influenciando interpretativamente o seu sentido. Importante ressaltar que a norma fundante não possui um valor melhor ou maior que a norma fundada, mas, em verdade, exige em relação a esta um ônus argumentativo maior para que seu conteúdo seja restrito e lhe imprime uma instrução de tal robustez que determina-lhe o sentido.

Nesse sentido, Ávila19 ensina que “As normas atuam sobre as outras normas do mesmo sistema jurídico, especialmente definindo-lhe o sentido e o seu valor” e que “os princípios, por serem normas imediatamente finalísticas, estabelecem um estado ideal de coisas a ser buscado, que diz respeito a outras normas do mesmo sistema, notadamente das regras”. A “essa aptidão para produzir efeitos em diferentes níveis e funções”, dá-se a qualificação de função eficacial das normas jurídicas. Importa aqui destacar a função eficacial interna, que se dá quando relativa à delimitação de outras formas no exercício de compreensão do próprio sistema jurídico. Enquanto normas jurídicas, tanto os princípios quanto as regras possuem funções eficaciais internas.

No que tange aos princípios, pode-se ressaltar as funções integrativa; definitória, interpretativa, bloqueadora e rearticuladora. A função integrativa se dá quando, em virtude da ausência de um subprincípio ou regra que viabilize de modo mais concreto o fim pretendido pelo princípio mais geral, este garante tal fim diretamente, sem interposição de qualquer outra norma. A função definitória é realizada na medida em que um princípio realiza, concretiza, o fim pretendido por um sobreprincípio, ou seja, por uma norma mais ampla e axiologicamente superior. A função interpretativa se revela no modo como os princípios exercem influência na delimitação de normas de abrangência mais restrita, ampliando-as ou restringindo-as. A função bloqueadora ocorre quando os princípios “afastam elementos expressamente previstos que sejam incompatíveis com o estado ideal de coisas a ser promovido”20. Por fim, a função rearticuladora permite a interação entre diversos elementos que compõem o ideal pretendido, de modo que “cada elemento, pela relação que passa a ter com os demais em razão do sobreprincípio, recebe um significado (...) diverso daquele que teriam caso fosse interpretado isoladamente”21.

As regras jurídicas, por sua vez, apresentam as funções eficaciais internas decisiva, definitória e de trincheira. “As regras possuem a eficácia preliminarmente decisiva, na medida em que pretendem oferecer uma solução provisória para determinado conflito de interesses já detectado pelo Poder Legislativo”22. A função definitória significa que as regras jurídicas exercem a concretização das normas mais amplas, delimitando o comportamento necessário para a realização dos fins instituídos de modo mais abstrato pelos princípios. A função eficacial de trincheira representa a rigidez intrínseca às regras que exige razões fortes e extraordinárias para que ela seja superada. Esta característica das regras justifica a sua prevalência em um conflito entre princípio e regra que se encontrem em um mesmo patamar hierárquico. Para Ávila23, “A regra consiste numa espécie de decisão parlamentar preliminar acerca de um conflito de interesses e, por isso mesmo, deve prevalecer em caso de conflito com uma norma imediatamente complementar, como é o caso dos princípios”. Esta premissa se deve à lógica segundo a qual “Quanto maior for o grau de conhecimento prévio do dever, tanto maior a reprovabilidade da transgressão”, ou seja, “é mais reprovável violar a concretização definitória do valor na regra do que o valor pendente de definição e de complementação de outros como ocorre no caso dos princípios”. Mas deve-se ressaltar que a função eficacial de trincheira se aplica aos casos de mesma hierarquia normativa. Entre normas de diferentes níveis, sempre deverá prevalecer a norma hierarquicamente superior, independentemente da espécie normativa, se princípio ou regra.

O postulado da coerência apresentado por Humberto Ávila fornece critérios palpáveis de avaliação da relação entre as normas, revelando ainda a influência que a coerência tem sobre a própria eficácia das proposições, de modo que interessa à necessidade deste trabalho adotar a sua teoria, seus conceitos e critérios de avaliação das relações normativas. Insta salientar que o postulado da coerência não serve de critério para determinar quais normas devem ser aplicadas em detrimento de outras, mas de ferramenta de avaliação do relacionamento entre as normas, que permite ao intérprete um melhor esclarecimento acerca das suas funções eficaciais.

3 - As Normas Constitucionais Privilegiadoras das Micro e Pequenas Empresas

Partindo das premissas levantadas, nota-se que qualquer estudo jurídico-dogmático e especialmente sobre o Direito Tributário deve ser iniciado a partir de uma análise da textura constitucional que acoberta o objeto do processo de conhecimento em andamento.

Considerando que este trabalho assume como proposta o questionamento crítico acerca da utilização desmedida da técnica da substituição tributária, de modo a harmonizá-lo com a principiologia da ordem econômica da Constituição Federal de 1988 que tem como diretriz, entre outras, o tratamento favorecido às micro e pequenas empresas, urge, então, identificar, primordialmente os mandamentos constitucionais que iluminam a dogmática aplicável ao caso em questão. O art. 146, da Constituição Federal, ao delimitar os temas de Direito Tributário que devem ser apreciados unicamente pela via da lei complementar, determina de modo meramente exemplificativo, entre as normas gerais de tributação a definição de tratamento privilegiado às microempresas e empresas de pequeno porte. Normas gerais de Direito Tributário, como orienta o professor Sacha Calmon Navarro Coêlho24, são aquelas que, ao serem veiculadas por lei complementar, “são eficazes em todo o território nacional, acompanhando o âmbito de validade espacial destas, e se endereçam aos legisladores das três ordens de governo da Federação, em verdade, seus destinatários”. Desse modo, uma “norma geral articula o sistema tributário da Constituição às legislações fiscais das pessoas políticas (ordens jurídicas parciais). São normas sobre como fazer normas em sede de tributação”.

Uma vez que a matéria em questão não concerne somente ao âmbito tributário, apesar de este ser um aspecto de extrema relevância no que tange às micro e pequenas empresas, a Constituição da República, ainda, define, no art. 170, como princípio da ordem econômica o tratamento favorecido a elas.

Mais adiante, no art. 179, da Constituição Federal, tem-se uma determinação do tratamento diferenciado às micro e pequenas empresas diretamente a cada um dos entes federativos, além de tornar expressa a proposta de simplificar as suas obrigações - não somente tributárias -, eliminando-as ou reduzindo-as na medida do possível.

Percebe-se da leitura dos dispositivos mencionados que a Carta Magna é, de modo bastante peculiar, notavelmente incisiva acerca da necessidade de se tratar diferenciadamente as microempresas e empresas de pequeno porte, a fim de favorecê-las fornecendo-lhes vias de simplificação, redução ou até eliminação das suas obrigações tributárias. Não restam quaisquer dúvidas sobre a intenção do constituinte em moldar o sistema tributário de modo a permitir a sustentabilidade das micro e pequenas empresas em meio às adversidades da economia, tendo em vista a importância social que elas revelam no contexto nacional.

Tratam-se de princípios e regras que reforçam o postulado da coerência através de uma relação horizontal de normas jurídicas que tem entre si elementos comuns e implicam na maior graduação da eficiência da proposição que imprime o favorecimento das microempresas e empresas de pequeno porte quanto ao tratamento tributário. Esta eficiência, por sua vez, como já observado anteriormente, se revela na aptidão de servir tal postulado na fundamentação de futuras decisões.

4 - A Lei Complementar nº 123/2006 e o Regime do Simples Nacional

Considerando as diretrizes constitucionais apresentadas nos arts. 170, IX, e 179, a União instituiu a Lei nº 9.841, de 5 de outubro de 1999. Ocorre que para cumprir com a determinação constante do art. 146, II, “d”, de se estabelecer tratamento tributário privilegiado às micro e pequenas empresas, seria necessário uma lei complementar. Surge, então, a Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, o Estatuto Nacional das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, que estabelece normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às micro e pequenas empresas, no âmbito de todos os entes federativos abrangendo âmbitos que vão além do tributário.

Esta lei sofreu importantes ajustes pela Lei Complementar nº 127, de 14 de agosto de 2007, Lei Complementar nº 128, de 19 de dezembro de 2008, Lei Complementar nº 133, de 28 de dezembro de 2009, da Lei Complementar nº 139 de 10 de novembro de 2011 e, recentemente, a Lei Complementar nº 147, de 7 de agosto de 2014, e ficou conhecida como a “Lei Geral das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte”.

Uma série de benefícios foram concedidos às micro e pequenas empresas através do Estatuto, dentre as quais, vale destacar: dispensa no cumprimento de obrigações trabalhistas e previdenciárias; simplificação dos procedimentos necessários para abertura e encerramento das micro e pequenas empresas; facilitação no acesso a crédito; preferência em compras públicas; estímulo a inovação tecnológica, dentre outras. No âmbito tributário são muitas as inovações: tributação com alíquotas mais favorecidas e progressivas, de acordo com a receita bruta auferida; recolhimento unificado e centralizado de impostos e contribuições federais, com a utilização de um único Darf (Darf-Simples), podendo, inclusive, incluir impostos estaduais e municipais, quando existirem convênios firmados com essa finalidade; cálculo simplificado do valor a ser recolhido, apurado com base na aplicação de alíquotas unificadas e progressivas, fixadas em lei, incidentes sobre uma única base, a receita bruta mensal; dispensa da obrigatoriedade de escrituração comercial para fins fiscais, desde que mantenha em boa ordem e guarda, enquanto não decorrido o prazo decadencial e não prescritas eventuais ações, os Livros Caixa e Registro de Inventário, e todos os documentos que serviram de base para a escrituração; dispensa à pessoa jurídica do pagamento das contribuições instituídas pela União, destinadas ao Sesc, ao Sesi, ao Senai, ao Senac, ao Sebrae, e seus congêneres, bem assim as relativas ao salário-educação e à Contribuição Sindical Patronal; dispensa à pessoa jurídica da sujeição à retenção na fonte de tributos e contribuições, por parte dos órgãos da administração federal direta, das autarquias e das fundações federais; isenção dos rendimentos distribuídos aos sócios e ao titular, na fonte e na declaração de ajuste do beneficiário, exceto os que corresponderem a pro labore, aluguéis e serviços prestados, limitado ao saldo do livro caixa, desde que não ultrapasse a Receita Bruta etc.

Caberá, porém, destacar aqui, pelo intuito do trabalho, os benefícios trazidos especificamente pelo regime do Simples Nacional. O art. 12 da referida Lei Complementar define o Simples Nacional como um regime especial unificado de arrecadação de tributos e contribuições devidos pelas microempresas e empresas de pequeno porte. O Simples Nacional é um regime tributário diferenciado, simplificado e favorecido previsto na Lei Complementar nº 123/2006, que implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes tributos: Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ); Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL); Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins); Contribuição para o PIS/Pasep; Contribuição Patronal Previdenciária (CPP); Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS);e Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS).

Importa ressaltar que os regimes especiais de tributação para micro e pequenas empresas próprios da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, cessaram a partir da entrada em vigor do Simples Nacional, em obediência ao art. 94 das Disposições Constitucionais Transitórias. Assim, todos os Estados e Municípios participam obrigatoriamente do Simples Nacional.

De acordo com o art. 2º, inciso I, do Estatuto, a regulamentação do Simples Nacional cabe ao Comitê Gestor do Simples Nacional - CGSN, instituído pela Lei Complementar nº 123, de 2006 e regulamentado pelo Decreto nº 6.038, de 7 de fevereiro de 2007. O CGSN, vinculado ao Ministério da Fazenda, trata dos aspectos tributários do Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (Lei Complementar nº 123, de 2006) e é composto por representantes da União, que presidem e coordenam o Comitê, e dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

A partir de janeiro de 2012, como determinou o art. 5º da Lei Complementar nº 139/2011, o art. 3º da Lei Complementar nº 123/2006 passou a considerar microempresa, para efeito do Simples Nacional, a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário que auferirem, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 e empresa de pequeno porte a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário que auferirem, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 e igual ou inferior a R$ 3.600.000,00.

Desdobrando a determinação supracitada, o parágrafo 1º do art. 3º, indica que é considerada receita bruta “o produto da venda de bens e serviços nas operações de conta própria, o preço dos serviços prestados”, bem como “o resultado nas operações em conta alheia, não incluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos”.

De acordo com o parágrafo 14, do art. 3º, a partir de 2012 passou-se também a considerar um limite extra para exportação de mercadorias no valor de R$ 3.600.000,00. Desse modo, a empresa de pequeno porte que auferir receita bruta até R$ 7.200.000,00, desde que não extrapole, no mercado interno ou em exportação de mercadorias, o limite de R$ 3.600.000,00.

Para a pessoa jurídica que iniciar atividade no próprio ano-calendário da opção, os limites para a microempresa e para a empresa de pequeno porte serão proporcionais ao número de meses compreendido entre o início da atividade e o final do respectivo ano-calendário, consideradas as frações de meses como um mês inteiro. A partir do ano de 2012, os limites proporcionais de microempresa e de empresa de pequeno porte passaram a ser, respectivamente, de R$ 30.000,00 e de R$ 300.000,00 multiplicados pelo número de meses compreendido entre o início da atividade e o final do respectivo ano-calendário, consideradas as frações de meses como um mês inteiro.

A opção pelo Simples Nacional somente poderá ser realizada no mês de janeiro, até o seu último dia útil, produzindo efeitos a partir do primeiro dia do ano-calendário da opção, e é irretratável para todo o ano-calendário, facultado ao contribuinte optante requerer a sua exclusão, que terá efeitos para o ano-calendário subsequente. E é possível, ainda, o cancelamento da solicitação da opção durante o período de análise, ou seja, antes do seu deferimento.

O art. 13, caput, e o art. 18 da Lei Complementar nº 123/2006 fornecem a conformação do Simples Nacional para o ICMS, de modo que o imposto é calculado através da aplicação de uma alíquota sobre a receita bruta mensal. Pelo regime especial de simplificação não ocorre a incidência do ICMS em cada operação de transmissão de mercadoria, mas sim um fato gerador único que se dá no final de cada mês, na apuração da receita bruta total, relativa às saídas de mercadorias efetuadas no período. As alíquotas aplicáveis na apuração do ICMS de acordo com o regime do Simples Nacional são definidas e graduadas em proporção ao montante da receita bruta da microempresa ou empresa de pequeno porte dos últimos doze meses anteriores ao período de apuração. As alíquotas estão previstas no Anexo I a VI da Lei Complementar nº 123/2006 e variam entre 1,25% a 3,95%.

Diante da proposta de implementação do regime unificado e simplificado de tributação para microempresas e empresas de pequeno porte, poder-se-ia supor que estas passariam a efetivamente ter acesso a um tratamento privilegiado. Ocorre, porém, que os benefícios trazidos pelo regime do Simples Nacional acabam por ser anulados quando contrapostos diante de casos em que as microempresas e empresas de pequeno estão inseridas em cadeias de produção submetidas ao regime da substituição tributária.

No art. 13, parágrafo 1º, inciso XIII, tem-se que o recolhimento realizado nos moldes já traçados atinentes ao regime especial de simplificação não exclui a incidência do ICMS devido nas operações ou prestações sujeitas ao regime de substituição tributária, de forma que, nessas situações, dentre outras elencadas pelo dispositivo, as microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional, sujeitam-se cumulativamente à legislação do ICMS aplicável às demais pessoas jurídicas. Aqui reside toda a problemática da cumulação dos regimes e o amesquinhamento do favorecimento às micro e pequenas empresas.

Este dispositivo (art. 13, parágrafo 1º, XIII) foi alterado pela Lei Complementar nº 147/2014, de modo que passou a enumerar taxativamente quais operações de micro e pequenas empresas deveriam ser tributadas de acordo a lei estadual do ICMS, a par de se submeterem ao regime do Simples Nacional. Poder-se-ia considerar um avanço, no sentido de que a regra obtusa segundo a qual todas as operações de ICMS por substituição tributária permaneceriam aplicáveis, independentemente de a empresa aderir ou não ao regime de simplificação, passou a ser a exceção, a partir do momento que se tem um rol taxativo que determina os casos em que haverá a coexistência dos regimes. Porém, o legislador elencou um rol tão extenso de operações para o caso que o avanço é praticamente inócuo.

De fato, com a redação da Lei Complementar nº 147/2014, o dispositivo aqui criticado passou a abarcar uma lista que, apesar de taxativa, abarca uma quantidade questionável de operações:

“Art. 13. O Simples Nacional implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições:

(...)

§ 1º O recolhimento na forma deste artigo não exclui a incidência dos seguintes impostos ou contribuições, devidos na qualidade de contribuinte ou responsável, em relação aos quais será observada a legislação aplicável às demais pessoas jurídicas:

(...)

XIII - ICMS devido:

a) nas operações sujeitas ao regime de substituição tributária, tributação concentrada em uma única etapa (monofásica) e sujeitas ao regime de antecipação do recolhimento do imposto com encerramento de tributação, envolvendo combustíveis e lubrificantes; energia elétrica; cigarros e outros produtos derivados do fumo; bebidas; óleos e azeites vegetais comestíveis; farinha de trigo e misturas de farinha de trigo; massas alimentícias; açúcares; produtos lácteos; carnes e suas preparações; preparações à base de cereais; chocolates; produtos de padaria e da indústria de bolachas e biscoitos; sorvetes e preparados para fabricação de sorvetes em máquinas; cafés e mates, seus extratos, essências e concentrados; preparações para molhos e molhos preparados; preparações de produtos vegetais; rações para animais domésticos; veículos automotivos e automotores, suas peças, componentes e acessórios; pneumáticos; câmaras de ar e protetores de borracha; medicamentos e outros produtos farmacêuticos para uso humano ou veterinário; cosméticos; produtos de perfumaria e de higiene pessoal; papéis; plásticos; canetas e malas; cimentos; cal e argamassas; produtos cerâmicos; vidros; obras de metal e plástico para construção; telhas e caixas d’água; tintas e vernizes; produtos eletrônicos, eletroeletrônicos e eletrodomésticos; fios; cabos e outros condutores; transformadores elétricos e reatores; disjuntores; interruptores e tomadas; isoladores; pára-raios e lâmpadas; máquinas e aparelhos de ar-condicionado; centrifugadores de uso doméstico; aparelhos e instrumentos de pesagem de uso doméstico; extintores; aparelhos ou máquinas de barbear; máquinas de cortar o cabelo ou de tosquiar; aparelhos de depilar, com motor elétrico incorporado; aquecedores elétricos de água para uso doméstico e termômetros; ferramentas; álcool etílico; sabões em pó e líquidos para roupas; detergentes; alvejantes; esponjas; palhas de aço e amaciantes de roupas; venda de mercadorias pelo sistema porta a porta; nas operações sujeitas ao regime de substituição tributária pelas operações anteriores; e nas prestações de serviços sujeitas aos regimes de substituição tributária e de antecipação de recolhimento do imposto com encerramento de tributação.”

Em decorrência dessa previsão que não exclui de vez o ICMS devido pelas vias do regime de substituição tributária, as micros e pequenas empresas são coagidas a não optar pelo Simples Nacional ou, quando optam, a correr o risco de pagar duas vezes o ICMS, caso não segreguem na venda ou revenda as receitas decorrentes de mercadorias sujeitas à substituição tributária e não tenham o controle para fins de comprovação posterior ao Fisco.

Na melhor das hipóteses, as microempresas e empresas de pequeno porte, ainda que optantes pelo regime especial e simplificado, no que se refere ao ICMS de mercadorias submetidas à substituição tributária, acabam arcando com um ônus equivalente ao que teriam caso submetidas ao regime geral de tributação, em percentual igual às grandes empresas, de modo que a capacidade contributiva é totalmente desconsiderada, provocando a perda de competitividade das empresas de menor porte no mercado.

Apenas a título de exemplificação, cabe aqui apresentar, ainda que superficialmente, através de um cálculo simples, a consequência econômica do incoerente sistema tributário instaurado com a sobreposição dos regimes de simplificação da arrecadação e de substituição tributária.

Para uma empresa que adquire mercadorias, no valor de R$ 10.000,00, com uma margem de valor agregado (M.V.A.) de 40%, tem-se a seguinte situação na qual se compara o quanto a empresa deve recolher quando se sujeita ao regime de substituição tributária e o quanto se deve recolher quando se sujeita somente ao Simples Nacional:

Tabela 1 - Comparativo do montante pago a título de ICMS pela empresa submetida ao regime de substituição tributária e do montante pago a título de ICMS pela empresa submetida ao percentual do Simples Nacional.

Aquisição de mercadoria de outro Estado sujeita à Substituição Tributária sem retenção de ICMS

Aquisição de mercadoria sem substituição tributária

Comparativo

Base de cálculo:

R$ 10.0-00,00 x 140 =
R$ 14.000,00

 

Valor a recolher:

R$ 14.000,00 x 19% – (12% x R$ 10.000,00) = R$ 1.460,00

Base de cálculo:

R$ 10.000,00

 

Valor a recolher:

R$ 10.000,00 x 3,95% = R$ 553,00

Diferença entre o valor a recolher com substituição tributária e o valor a recolher sem substituição tributária: R$ 907,00

 

Percebe-se que, com a sujeição ao regime de substituição, as micro e pequenas empresas acabam recolhendo um valor muito superior (12% em diante) ao devido (no máximo, 3,95%), caso se submetessem unicamente ao Simples Nacional.

Como já alertado anteriormente, no Brasil, tem-se cada vez mais lançado mão da utilização do fenômeno da substituição tributária, em nome da praticidade. O Fisco, de fato, utiliza-se de diversas medidas que busquem facilitar a arrecadação e o recolhimento de valores a título de tributação e tem, por opção legislativa, abusado da substituição tributária nesse intuito, sem observar qualquer limite à sua instituição, ignorando as repercussões que essa opção política pode trazer. Nesse sentido, impõe tal regime inclusive nos casos em que as micro e pequenas empresas arcam com o ônus da substituição.

Nos primeiros anos da década de 1960, o mestre Alfredo Augusto Becker25, em sua festejada obra Teoria geral do Direito Tributário, já previa com a sensibilidade de um gênio o exacerbado manejo da substituição tributária que adviria posteriormente ao seu tempo e faz um pequeno relato das causas que provocaram tal distúrbio:

“Até há alguns decênios atrás, êste indivíduo [que figurará no pólo negativo da relação jurídico tributária] era, quase sempre, aquêle determinado indivíduo de cuja renda ou capital a hipótese de incidência tributária é fato-signo-presuntivo. Entretanto, os fatôres que acabaram de ser apontados [extraordinário desenvolvimento econômico-social; a centripetação dos indivíduos ao redor dos centros urbanos formando enormes massas de indivíduos; a crescente multiplicidade de relações sócio-econômicas; a complexidade e a variedade cada vez maior de negócios] estão induzindo o legislador a escolher um outro indivíduo para posição de sujeito passivo da relação jurídica tributária. E êste outro indivíduo consiste precisamente no substituto legal tributário cuja utilização, na época atual, já é frequentíssima, de tal modo que, dentro de alguns anos, o uso do substituto legal pelo legislador será ‘regra geral’.”26

A descomedida utilização do instituto da substituição tributária no ordenamento jurídico brasileiro afeta consideravelmente a produtividade das micro e pequenas empresas, atingindo frontalmente a diretriz constitucional que promove o favorecimento destas, de modo que, a despeito de se fomentar a praticidade na arrecadação tributária, tal prática se torna contraproducente para a economia nacional.

Torna-se necessário neste momento preliminar delimitar precisamente o instituto da substituição tributária, a fim de compreendê-la dentro das suas limitações e poder identificar as situações em que sua utilização poderia ser reavaliada em prol do sistema constitucional tributário.

5 - O Regime de Substituição Tributária

É venerável a classificação de Rubens Gomes de Sousa27 acerca da substituição tributária, para quem a substituição, assim como a transferência eram modalidades de sujeição passiva indireta, que se configurava sempre que houvesse “interesse ou necessidade de cobrar o tributo de pessoa diferente”. Para o eminente doutrinador, a substituição ocorreria “quando, em virtude de uma disposição expressa de lei, a obrigação tributária surge desde logo contra uma pessoa diferente daquela que esteja em relação econômica com o ato, ou negócio tributado”, concluindo que “é a própria lei que substitui o sujeito passivo direto por outro indireto”. É curioso notar que, apesar de Rubens Gomes de Sousa ter sido o relator geral do projeto do Código Tributário Nacional, este não acolheu a sua classificação acerca da substituição tributária e pecou de acordo com os equívocos anteriormente referidos.

Paulo de Barros Carvalho28 define que o substituto se encontra “na condição de sujeito passivo por especificação da lei, ostentando a integral responsabilidade pelo quantum devido a título de tributo”, ou seja, “Enquanto nas outras hipóteses permanece a responsabilidade supletiva do contribuinte, (...) o substituto absorve totalmente o debitum, assumindo na plenitude, os deveres de sujeito passivo”, seja o dever da prestação patrimonial, seja as obrigações de caráter formal - as obrigações acessórias. Ademais, “os direitos porventura advindos do nascimento da obrigação ingressam no patrimônio jurídico do substituto, que poderá defender suas prerrogativas administrativa ou judicialmente”.

Leandro Paulsen29, em seu exaustivo estudo realizado na Universidade de Salamanca, que resultou em sua trabalho de doutoramento, acerca da responsabilidade e da substituição tributárias, anuncia desde o princípio o seu próprio conceito de substituição tributária:

“substituição tributária é o instituto de Direito Tributário que consiste na determinação, por lei, a pessoa não contribuinte de determinado tributo (substituto tributário) que, em face da situação de ascendência que ostenta relativamente ao contribuinte (substituído) - situação essa que é o pressuposto de fato da regra matriz de substituição -, verifique a ocorrência do fato gerador do tributo, calcule e efetue, com valores retidos ou exigidos do contribuinte e em nome do contribuinte, o pagamento do tributo devido em caráter definitivo ou de montante a título de mera antecipação por conta de tributo que ainda tenha de ser calculado e ajustado pelo contribuinte (valores esses que, não fosse a norma de substituição, seriam pagos diretamente pelo contribuinte), sob pena de ficar o substituto obrigado a responder com seu próprio patrimônio pela satisfação do montante que tenha deixado de recolher e que tampouco tenha sido pago pelo contribuinte.”30

Observa-se a partir da análise das elaborações conceituais até aqui abordadas que a substituição tributária implica a imposição de obrigações a terceiros que não são aqueles que demonstram possuir a capacidade contributiva relacionada à ocorrência do fato gerador. Pretende-se com isso facilitar a arrecadação tributária que seria difícil ou até mesmo impossível de se realizar, considerando a imensurável quantidade de contribuintes que constituiriam um liame tributário com o Fisco, caso não houvesse a sua substituição por terceiro.

Nesse sentido é a afirmação de Paulsen31, segundo a qual, na “obtenção dos recursos necessários a satisfazer os custos da atividade estatal em benefício da sociedade, assumem relevância os instrumentos capazes de tornar a arrecadação possível”, sendo cabível para tanto “medidas relacionadas ao lançamento, à fiscalização e à própria realização dos pagamentos ou a sua cobrança”.

A prerrogativa do Fisco em atribuir a alguém que não realizou o fato gerador do tributo o ônus de ser substituto em relação àquele que deveria ser o contribuinte, tornando viável a tributação, tem um fundamento que vai além da exigência constitucional que leva o cidadão a ser um colaborador da manutenção do patrimônio público. Tal fundamento é o princípio da praticabilidade ou praticidade tributária. Este decorre de uma constatação lógica acerca da necessidade de que o sistema tributário seja funcional, que suas normas sejam efetivamente aplicáveis, de modo a tornar concretizável a satisfação do crédito. Em outras palavras, é imprescindível para a realização das funções exacionais que o sistema tributário tenha condições de ser praticado, transformando em realidade as normas de tributação. Se assim não fosse, as leis tributárias e a própria Constituição seriam letra morta, sem qualquer finalidade.

A conclusão acerca da necessidade da praticabilidade é lógica, pois o Direito é construído para habitar a realidade social e não um mundo ideal. Portanto, as regras jurídicas devem ser exequíveis, prevendo aquilo que é possível de ser realizado e nada além disso. Por ser de cognição lógico-jurídica, a praticabilidade não é uma decorrência do direito positivo, tratando-se de princípio implícito que antecede o próprio ordenamento jurídico, que tem intrínseca em si a necessidade de ser praticável.

Segundo Misabel Derzi32 “nada (...) teria sentido se as leis não fossem viáveis, exequíveis, executáveis e não fossem efetivamente concretizadas na realidade” e didaticamente acentua que a “Praticabilidade (...) é apenas um nome para designar todos os meios, todas as técnicas usadas para possibilitar a execução e a aplicação das leis”, tratando-se verdadeiramente de um “princípio constitucional básico, fundamental, embora implícito”, que orienta o legislador a criar ficções, indícios, presunções, dentre outros meios que facilitem a aplicação das leis. Neste quadro, se encontram as obrigações impostas a terceiros pela lei, com a finalidade de dar praticabilidade à tributação.

A praticabilidade tributária, conquanto de extrema relevância, como já demonstrado, deve sofrer limitações rígidas na sua utilização, sob pena de sua utilização exacerbada deslegitimar a própria tributação perante os contribuintes. Qualquer mecanismo que tenha como finalidade facilitar a aplicação da lei, tornando-a exequível, deve ser manejado na estrita medida da necessidade administrativa. As ferramentas disponibilizadas pela praticabilidade a fim de trazer o Direito à realidade somente devem ser utilizadas caso, sem elas, não seja possível a realização das finalidades pretendidas. Como perfeitamente pontua Leandro Paulsen33, “a invocação da praticabilidade não é uma panaceia, não é um remédio que cure todos os males e que tudo justifique”; é imprescindível, portanto, “analisar se a medida adotada viola princípios básico de tributação como a legalidade e a capacidade contributiva e se não é irrazoável nem desproporcional”.

Do mesmo modo que o excesso dos custos indiretos ou decorrentes das obrigações formais dificulta a eficiência da arrecadação tributária, a cobrança exacional que se dá de forma desmedida, contrariando as garantias constitucionais do contribuinte, em especial o respeito à capacidade contributiva, pode gerar ineficiência da arrecadação. Que eficiência há no esforço de tributar aquele que não possui qualquer recurso para arcar com o ônus da exação? As micro e pequenas empresas, postas diante da necessidade de direcionarem seus rendimentos para suprir necessidades básicas em prol do seu sustento e da obrigação de recolher aos cofres públicos valores devidos a título de tributação, podem, em caso de insuficiência de fundos, por uma questão de sobrevivência, negligenciar suas obrigações tributárias, sejam elas principais ou acessórias. E o desrespeito às garantias constitucionais, que leva à cobrança exacerbada, germina os riscos de configurar um quadro como esse em que perante o dilema, é o empreendedor obrigado à não satisfação dos débitos tributários de sua empresa. Ademais, não seria infundado o questionamento acerca do quanto esta forma do Fisco tratar as diretrizes inscritas na Constituição Federal desestimula os empreendedores nacionais em abrir a porta de novos negócios e, consequentemente, do quanto se perde em termos econômicos em decorrência desta política arrecadatória.

Percebe-se da análise que a praticabilidade tributária há de observar atentamente os direitos dos contribuintes, mormente os princípios constitucionais tributários, bem como a repercussão econômica das medidas fundamentadas na praticabilidade, tal como a substituição tributária. De um lado, tem-se a necessidade de tornar possível a arrecadação, lançando mão de medidas que facilitem a atividade do Fisco e de outro não se pode desprezar direitos em nome de um utilitarismo desmedido, pois tal violência arrecadatória fere valores caros protegidos pela Constituição através de princípios jurídicos necessários ao sustento de um Estado Democrático de Direito e poderia, ainda, acarretar o efeito contrário do pretendido, qual seja, a diminuição dos valores arrecadados, desequilibrando todo o sistema, que deve funcionar de forma sempre moderada.

Cumprir com os requisitos básicos da tributação, ou seja, respeitar os direitos fundamentais do contribuinte permite que o princípio da praticabilidade se aplique de forma muito mais efetiva do que a implementação sem freios da substituição tributária ou de qualquer presunção que afronte os direitos constitucionalizados dos cidadãos contribuintes.

Portanto, a utilização de medidas de praticabilidade como a substituição tributária não autoriza, de modo algum, presunções absolutas que resultem em afronta a princípios constitucionalizados do sistema tributário nacional, como, por exemplo o princípio da capacidade contributiva. A preservação deste, em verdade, melhor imprime a praticidade no âmbito tributário, tornando melhor exequível a arrecadação e o recolhimento das imposições exacionais, uma vez que, respeitadas as garantias constitucionais, a arrecadação se dará de modo legítimo, tratando isonomicamente os contribuintes na exata medida das suas possibilidades econômicas.

Instituir indiscriminadamente a substituição tributária contraria frontalmente a lógica segundo a qual a efetiva realização da praticidade no âmbito do Direito Tributário somente se realiza quando respeita a isonomia tributária observando a capacidade contributiva dos cidadãos. Para que se compreenda como se dá essa relação de mútua influência, torna-se necessário precisar detalhadamente o princípio da capacidade contributiva no quadro do sistema tributário nacional, destacando seus fundamentos e limitações.

6 - O Princípio da Capacidade Contributiva

O princípio da capacidade contributiva, que, antes de ingressar no Direito, já era previsto na Economia, é indubitavelmente o principal mediador da relação entre o contribuinte e Fisco. É um princípio que revela uma expressão axiológica notável, baseada, sobretudo, no sobreprincípio da igualdade material, na justiça fiscal e, ainda, na solidariedade. Apesar da relevância que assume no Sistema Tributário Nacional, comumente é desconsiderado e ultrajado pelo Estado, seja através do Poder Executivo, seja através da atividade legiferante, ou até mesmo por estímulo do Judiciário.

Através da absorção do princípio econômico, o Direito Tributário passou a apresentar o princípio correlato. O fundamento para a absorção da capacidade contributiva pelo Direito, ou seja, a justificação ético-jurídica é, comumente, atribuída pelos doutrinadores à valoração da igualdade material pelos ordenamentos jurídicos. De fato, “ao atuar como critério de graduação da carga tributária, o princípio da capacidade contributiva é somente uma projeção específica da isonomia tributária” e, tendo em vista essa consideração, percebe-se o motivo pelo qual “as constituições contemporâneas consagram-no invariavelmente, haja vista que preveem o princípio da igualdade no contexto de Estados Sociais de Direito”34.

Para Carrazza35, “O princípio da capacidade contributiva hospeda-se nas dobras do princípio da igualdade e ajuda a realizar, no campo tributário os ideais republicanos”, e que através dessa íntima relação com o princípio da igualdade, a capacidade contributiva “é um dos mecanismos mais eficazes para que se alcance a tão almejada a Justiça Fiscal”.

Paulo de Barros Carvalho36 informa que “A capacidade contributiva (...) sempre foi o padrão de referência básico para aferir-se o impacto da carga tributária”, bem como “o critério comum dos juízos de valor sobre o cabimento e a proporção do expediente impositivo”. Constata o doutrinador que o “avanço desmedido no patrimônio dos contribuintes” na realização ostensiva da tributação “por parte daqueles que legislam, sem que haja atinência aos signos presuntivos de riquezas sobre os quais se projeta a iniciativa das autoridades tributantes” consequentemente “compromete os esquemas de justiça, de certeza e de segurança, predicados indispensáveis a qualquer ordenamento que se pretenda racional nas sociedades pós-modernas”. Paulo de Barros ensina, ainda, que a capacidade contributiva está intrinsecamente relacionada ao fato de que o legislador tem a “necessidade premente de ater-se (...) à procura de fatos que demonstrem signos de riqueza, pois somente assim poderá distribuir a carga tributária de modo uniforme e com satisfatória atinência ao princípio da igualdade”.

Ao analisar o princípio da capacidade contributiva, Humberto Ávila37, perfeitamente equaciona a relação entre igualdade e capacidade contributiva. Por um lado, a isonomia, “abrange o dever de tratar os iguais da mesma forma e a proibição de desigualar arbitrariamente os contribuintes”. Para que este enunciado se realize, “deve-se investigar se a distinção legal era permitida e se a lei tratou desigualmente em hipóteses na qual isso era obrigatório”. Desse modo, uma desigualdade que seja arbitrária, ou seja, que não possua qualquer fundamentação no arcabouço constitucional, é logicamente inconstitucional. Esta desigualdade seria perfeitamente fundada na graduação dos impostos segundo a capacidade econômica dos contribuintes, que poderia ser aniquilada caso a ostensividade da tributação fosse de tal modo agressiva que não permita ao sujeito passivo desenvolver sua existência digna, sua livre iniciativa, o livre exercício de atividade econômica e sua propriedade privada. “O Poder Legislativo deve adotar decisões valorativas respeitando os bens e os direitos dos contribuintes.” O ilustre tributarista prossegue na sua análise da relação entre a capacidade contributiva e a igualdade, afirmando que “o princípio da igualdade é mais amplo do que o princípio da capacidade contributiva”, sendo este “a concretização setorial específica do princípio da igualdade, no caso das normas tributárias primariamente criadora de encargos”38.

Não obstante sua autonomia consagrada expressamente no ordenamento jurídico através do texto constitucional, o princípio da capacidade contributiva tem como inspiração jurídica a igualdade material. Isto quer dizer que o respeito à capacidade contributiva na tributação decorre do pressuposto segundo o qual deve-se tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, ou seja, o princípio da capacidade contributiva é, verdadeiramente, um desdobramento na seara fiscal do princípio da igualdade.

Considerando a igualdade enquanto um sobreprincípio em relação à capacidade contributiva e que se realiza na seara tributária através desta, tem-se entre eles uma relação mútua de influências da carga valorativa que trazem em si. Enquanto princípios jurídicos, manifestam suas funções eficaciais reciprocamente, determinam-se e concretizam-se conjuntamente. Apesar de a capacidade contributiva não ser a única via da igualdade na tributação, é ela uma importante representante da isonomia na medida do poder exacional exercido sobre o patrimônio do contribuinte, de modo a preservar seus direitos fundamentais.

A própria fundamentação do princípio da capacidade contributiva indica seus contornos e limites de aplicação, norteando o intérprete jurídico a visualizar a importância, a necessidade e o modo como se deve manejar a consideração da capacidade econômica do contribuinte para fins de tributação.

É de fundamental importância para o processo de conhecimento tratar, ainda que brevemente, das classificações mais utilizadas pela doutrina acerca da matéria, no intuito de que estas classificações permitam posteriormente analisar o caso concreto, racionalizando a visualização dos elementos em jogo.

No que tange à análise dos sujeitos passivos, pode-se dizer que a capacidade contributiva pode ser objetiva (ou absoluta) - análise genérica - e subjetiva (ou relativa) - análise específica. A capacidade objetiva refere-se à restrição direcionada ao legislador para que se limite a eleger como hipótese de incidência de um tributo, um evento que não revele qualquer surgimento de riqueza econômica. Segundo, Regina Helena Costa39, a capacidade contributiva objetiva, ou absoluta teria como papel servir de “pressuposto ou fundamento jurídico do tributo, ao condicionar a atividade de eleição, pelo legislador, dos fatos que ensejarão o nascimento de obrigações tributárias”. Por outro lado, a capacidade subjetiva se manifesta no limite imposto à tributação para que não atinja o mínimo existencial do contribuinte e o cerceamento de seus direitos fundamentais. Nesse sentido, enquanto a capacidade contributiva objetiva se refere à hipótese de incidência, a capacidade contributiva subjetiva se refere ao mandamento normativo.

Segundo uma outra classificação comumente adotada em relação ao montante tributado, a capacidade contributiva ainda pode ser geral - análise genérica - ou parcial - análise específica. Segundo Micaela Dominguez40, “É possível aferir a capacidade contributiva global quando se leva em consideração o total de tributos pagos por uma pessoa, relacionando-os com toda a sua riqueza”, enquanto “a parcial se limita a focar cada tributo de modo isolado, comparando-o com a riqueza a que se refere”. Segundo a supracitada escritora, “a capacidade contributiva deve ser vista, a priori, de forma parcial, aferindo-se sua manifestação em relação a cada tipo de tributo”, mas que “seria possível verificar a compatibilidade do sistema tributário com a riqueza global do contribuinte que ele pretende atingir” em casos excepcionais.

Seguindo o conselho da doutrina no que tange às classificações apresentadas e, portanto, priorizando uma observação a partir das capacidades contributivas objetiva e parcial, torna-se possível se aproximar do objeto estudado e extrair dele os elementos que interessam à análise do caso. A capacidade contributiva das microempresas e empresas de pequeno porte, como se pretende demonstrar neste trabalho, não é respeitada através da anulação do regime de simplificação pelo regime de substituição tributária. Isto se revela a partir da verificação do montante abstratamente exigível das micro e pequenas empresas - capacidade contributiva objetiva - no que tange ao ônus que recai sobre elas a título de ICMS - capacidade contributiva parcial.

Antes de prosseguir no raciocínio que culminará na conclusão pela afronta ao princípio da capacidade contributiva no caso estudado acerca das microempresas e empresas de pequeno porte aderentes ao Simples Nacional e submetidas ao regime de substituição tributária, torna-se necessário superar a controvérsia sobre a compatibilidade entre a capacidade contributiva e o ICMS.

A aplicação do princípio da capacidade contributiva aparentemente é incompatível com o intento de limitar a tributação realizada a título de qualquer tributo indireto, “tendo em vista que, por sofrerem o fenômeno da repercussão econômica, têm a figura do contribuinte de fato”, sendo este “a pessoa que arca, efetivamente, com o ônus da tributação, e que não pode ser determinado de forma objetiva”41. Igualmente, poder-se-ia supor pela não aplicabilidade do princípio capacidade contributiva aos tributos reais, uma vez que a capacidade econômica supostamente não poderia ser auferida a partir de um imposto que não recai sobre a pessoa do contribuinte. Sendo o imposto estadual sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação um imposto tanto real quanto indireto, entende parte da doutrina que a ele não pode ser aplicado o princípio da capacidade contributiva.

Quanto aos impostos reais, Hugo de Brito Machado42, porém, perfeitamente demonstra o equívoco do entendimento acima explanado. Segundo o autor, “À primeira vista pode parecer que os impostos reais não se prestam para a realização do princípio da capacidade contributiva. Na verdade, porém, assim não é”:

“é possível, (...) introduzir alguns elementos de personalização nesses impostos isentando os produtos destinados ao atendimento das necessidades mais primárias, consideradas o mínimo vital, e estabelecendo discriminações segundo o caráter mais ou menos suntuário do consumo. (...) O ser seletivo em função (...) da essencialidade das mercadorias e dos serviços, que a Constituição faculta ao ICMS, é realizar, de certo modo, o princípio da capacidade contributiva.”43

Do mesmo modo como se dá em relação aos tributos reais, os tributos indiretos se submetem igualmente ao princípio da capacidade contributiva através da seletividade em virtude da essencialidade. Micaela Dominguez44 recorda que “o consumo é um dos índices da capacidade contributiva”, e, tendo em vista a consideração de que “os impostos indiretos atingem a renda consumida, não há como negar a aplicação do princípio da capacidade contributiva a eles”. Segundo a autora:

“é exatamente a seletividade em função da essencialidade do produto que nos permitirá aferir a capacidade contributiva na tributação indireta; isto porque os produtos essenciais são fundamentais para a sobrevivência dos indivíduos mais pobres e pela seletividade são pouco gravados, ou chegam até a ser desonerados pela tributação”45.

De fato, algumas mercadorias e serviços, que demonstram pelo simples fato de consumi-los uma inegável expressão de capacidade contributiva, ou seja, um signo notável de presunção de riqueza, apontam, salvo exceções que não afastam a regra geral, para o fato de que o destinatário possui recursos que abarcam uma esfera muito maior do que a necessária para cobrir o mínimo existencial. Não há que se falar, portanto, na impossibilidade de aplicar o princípio da capacidade contributiva parcial relativamente ao ICMS. De qualquer modo, deve-se ter em vista que o produto adquirido pela micro ou pequena empresa como mercadoria, ou seja, para ser colocada no mercado e revendida, independentemente de ser um artigo de luxo ou não, é um componente essencial da atividade empresarial. Trata-se, portanto, de um elemento básico para a sua sobrevivência e que deve ser tributado de modo mais compatível possível com a capacidade contributiva da empresa.

Superada a controvérsia relatada, pode-se afirmar que a capacidade contributiva das micro e pequenas empresas é desrespeitada quando estas são submetidas ao regime de substituição tributária aplicado ao ICMS, não obstante sejam elas aderentes ao regime do Simples Nacional. Com efeito, como já visto anteriormente, as micro e pequenas empresas que adquirem mercadorias submetidas ao regime de substituição tributária arcam com um ônus equivalente ao regime geral de tributação, sendo postas lado a lado com empresas de maior porte, o que evidentemente fere a isonomia material. A irracionalidade desse sistema é patente, seja do ponto de vista econômico, moral ou jurídico.

Com base no exposto, e considerada suficientemente madura a noção acerca dos elementos jurídicos que se relacionam intimamente na situação que serve de objeto desse estudo, torna-se possível partir para uma análise última. Nesta, será traçada e criticada, pelo prisma do postulado da coerência, as relações entre aqueles elementos constantes da problemática acerca das microempresas e empresas de pequeno porte aderentes ao Simples Nacional que são submetidas ao regime de substituição tributária. Os efeitos jurídicos da substituição tributária sobre as microempresas e empresas de pequeno porte aderentes ao Simples Nacional podem ser perfeitamente analisados sob o prisma do postulado hermenêutico da coerência. Este permite ao intérprete uma melhor avaliação da sistematização do ordenamento jurídico, auferindo o modo como se dá o relacionamento entre as normas envolvidas em determinado caso.

7 - O Postulado da Coerência e o Diagnóstico do Caso em Análise

Inicia-se esta análise partindo da premissa de que a praticidade tributária, enquanto norma mais geral - inscrita em um patamar lógico-jurídico - e atuando, portanto, como sobreprincípio, mantém relação com o princípio da capacidade contributiva, este agindo de modo a exercer uma função eficacial definitória para que aquele realize sua finalidade, que é a própria concretização do Direito Tributário.

Trata-se de uma relação de influências recíprocas, segundo o postulado da coerência: a capacidade contributiva melhor concretiza a praticabilidade no Direito Tributário, ou melhor, torna mais apurada a execução da própria tributação, e somente se realiza através das vias da praticidade, pois sem ela, nenhuma norma se concretiza. Não há que se falar em praticidade sem observância da capacidade contributiva, e vice-versa. Deve-se compreender o princípio da capacidade contributiva sempre como um dos reflexos da igualdade no âmbito do Direito Tributário e, portanto, enquanto proposição que carrega em si a carga valorativa da isonomia, de modo a realizá-la através de uma relação recíproca de definição.

Do mesmo modo, é necessário considerar a relação do princípio da capacidade contributiva, enquanto norma fundante, e o subprincípio do favorecimento das microempresas e empresas de pequeno porte, este diminuindo a abertura semântica daquele e absorvendo seus fins, proporcionando maior eficácia à proposição da isonomia material no âmbito do Direito Tributário.

Efetivamente, observado sob o prisma da tributação, o favorecimento às micro e pequenas empresas, é um desdobramento lógico do respeito às suas capacidades contributivas. A premissa da qual parte a capacidade contributiva é a mesma premissa da qual o favorecimento tributário às micro e pequenas empresas surgem, qual seja, a isonomia material. Esta ligação reforça a coerência, e, consequentemente a eficácia da proposição de igualdade, uma vez que a pretensão de eficácia implica a sistematização substancial.

A existência de elementos comuns entre as proposições cria links entre elas, que permitem uma melhor troca de informações e, consequentemente, uma elevação da eficácia do ponto de intersecção (a isonomia material), pois este estará a partir dos seus desdobramentos normativos (as proposições com elementos comuns) se objetivando e potencializando sua capacidade de fundamentação de futuras decisões.

O princípio do favorecimento às microempresas e empresas de pequeno porte, por sua vez, devem ser observados no intuito de se destacar a sua função bloqueadora sobre as regras atinentes à substituição tributária das micro e pequenas empresas aderentes ao Simples Nacional, uma vez que estas contrariam os fins pretendidos por aquele princípio.

Do privilégio constitucional dado às microempresas e empresas de pequeno porte, decorre o tratamento tributário simplificado dispensado na Lei Complementar nº 123/2006, que é frontalmente contrariado pelo regime de substituição tributária aplicado às microempresas e empresas de pequeno porte.

Ainda que não houvesse nenhum desdobramento legal do princípio do favorecimento às micro e pequenas empresas, este, junto ao princípio da capacidade contributiva, poderiam ser avocados sem qualquer intermediário a fim de possibilitar o efetivo tratamento diferenciado às microempresas e empresas de pequeno porte através da função eficacial integrativa dos princípios jurídicos. A ligação direta do princípio da praticidade tributária e as regras de substituição tributária concernentes às microempresas e empresas de pequeno porte, ou seja, a fundamentação destas regras com base naquele princípio, sem a observância intermediária da capacidade contributiva e do favorecimento às microempresas e empresas de pequeno porte, configura uma distorção da praticabilidade no Direito Tributário. Este é amesquinhado através desse atalho, dada a incoerência que se instaura no sistema e causa a perda de eficiência não somente da praticidade que poderia ser garantida através da observância daqueles outros princípios constitucionais, mas também a perda da eficiência destes, pois seus desdobramentos legais (o regime privilegiado de arrecadação de tributos das micro e pequenas empresas) são anulados pelo regime da substituição tributária utilizado inadequadamente.

A incoerência decorre exatamente da não apreciação dos princípios que garantem uma cobrança moderada e consequentemente uma arrecadação legítima que permita aos contribuintes realizarem o recolhimento ao Fisco de valores que não exorbitem as suas capacidades de contribuir para os rendimentos públicos. Apesar de a função eficacial de trincheira das regras atinentes ao regime da substituição tributária exigir razões extraordinárias que justifiquem a supressão das mesmas, o que poderia ser satisfeito através do raciocínio aqui traçado acerca da coerência do sistema, deve-se observar, ainda, que tal função intrínseca às regras somente tem utilidade perante normas de mesmo nível hierárquico. Desse modo, tem-se que as regras legais acerca da substituição tributária, quando postas em contrariedade a disposições constitucionais, deverão ser suprimidas do sistema, em prol da supremacia dos valores constitucionalizados e da integridade do ordenamento jurídico. Vale ressaltar que não há conflito de princípios no caso em questão, pois a praticidade tributária que supostamente validaria diretamente a substituição tributária no caso aqui estudado é a mesma praticidade que age indiretamente sobre as regras de simplificação das obrigações tributárias das microempresas e empresas de pequeno porte. A praticidade, como já dito anteriormente, é um princípio decorrente da lógica jurídica, que não guarda em si um valor substancial tal como os princípios jurídico-dogmáticos. A praticidade é uma exigência para a própria existência do Direito. A aplicação das regras de substituição tributária às micro e pequenas empresas não são fundamentadas por nenhum axioma constitucional, são meramente produtos da arbitrariedade, enquanto a aplicação das regras atinentes ao Simples Nacional são exaustivamente justificadas pelo arcabouço valorativo insculpido na Constituição Federal.

O que se deve observar é que a praticidade tributária não deverá ser implementada sem a observância dos princípios jurídico-dogmáticos constitucionalizados, que no caso em questão são, especialmente, o princípio da capacidade contributiva e o princípio do favorecimento das microempresas e empresas de pequeno porte, que representam a isonomia material no âmbito tributário. Estes somente se realizarão na medida das possibilidades, ou seja, das vias da praticabilidade. E a via que brota dessa relação é instituída através da simplificação e diminuição dos encargos tributários sobre as micro e pequenas empresas.

A partir das considerações acima, pode-se representar, resumidamente, o raciocínio expendido através do seguinte mapa conceitual, que demonstra o relacionamento exposto entre os elementos constantes da problemática discutida neste trabalho:

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Figura 1 - Mapa conceitual dos elementos constantes da problemática em estudo, sob o prisma do postulado da coerência.

Percebe-se no caso exposto que há duas vias para implementação da finalidade última do Direito Tributário que é a arrecadação. Por um viés, tem-se como medidas de praticidade e, portanto, de efetividade, a submissão das microempresas e empresas de pequeno porte às regras atinentes ao regime de substituição tributária, o que se dá através de uma distorção do princípio da praticabilidade, não havendo nenhum fundamento constitucional para tanto. Por um outro viés, as regras que compõem o regime de simplificação da arrecadação, corporificada nas regras atinentes ao Simples Nacional, vem a calhar como medida de praticidade e efetividade do Direito Tributário, que é posta no ordenamento jurídico nacional com alicerce nos princípios do favorecimento às microempresas e empresas de pequeno porte e da capacidade contributiva. A existência simultânea dos dois caminhos de concretização da finalidade arrecadatória do Direito Tributário culmina em incoerência no cerne do Sistema Tributário Nacional. Esta incoerência se revela na exceção ao regime de simplificação, que permite a tributação das micro e pequenas empresas a título de ICMS por substituição tributária de acordo com as leis estaduais, como se estivessem submetidas ao regime geral de exação, uma vez que todas os regimes de tributação especial dos entes federativos cessaram a partir da entrada em vigor do Simples Nacional. Tal exceção aniquila os benefícios trazidos pelo favorecimento constitucionalmente garantido, deteriorando de modo ilegítimo e irracional a eficácia das proposições que garantem e justificam o benefício.

8 - Conclusão

O presente estudo iniciou-se a partir da hipótese segundo a qual descomedida utilização do instituto da substituição tributária no ordenamento jurídico brasileiro afeta os benefícios trazidos pela simplificação das obrigações tributárias das microempresas e empresas de pequeno porte através do Simples Nacional, atingindo, frontalmente, a diretriz constitucional que promove o favorecimento delas e os princípios que justificam o tratamento privilegiado. Tomando como premissa epistemológica o entendimento segundo o qual o direito moderno, pautado na supremacia de uma Constituição, exige de si mesmo uma postura racionalmente aceitável e uma necessidade intrínseca de ser legítimo perante os cidadãos, pôde-se observar que deve o intérprete e aplicador do Direito, expurgar qualquer arbitrariedade, por ventura, perpetrada no bojo do sistema jurídico. Em um contexto como esse, não é admissível que o Direito Tributário se valha de uma estrutura arrecadatória irracionalmente atentatória ao arcabouço principiológico inserido na Constituição Federal.

A partir do momento em que o legislador complementar excepciona o regime especial de simplificação tributária para as micro e pequenas empresas para permitir que estas sejam tributadas segundo as legislações estaduais em casos de substituição tributária do ICMS e considerando ainda o exacerbado número de operações que estão submetidas ao regime de substituição nos diversos Estados da federação, tem-se patente afronta à garantia constitucional que busca favorecer as microempresas e as empresas de pequeno porte, à capacidade contributiva e à isonomia material.

Com efeito, nada justifica que se interrompa o processo de efetivação e concretização da justiça fiscal pelo legislador que visa unicamente facilitar a arrecadação tributária, sem que tenha para tanto qualquer justificativa juridicamente plausível e suficiente para afastar a nítida intenção do constituinte em beneficiar as microempresas e empresas de pequeno porte, tendo em vista a importância econômica e social que elas exercem no país.

Ademais, a previsão do regime de substituição tributária para as micro e pequenas empresas provoca uma incoerência no sistema jurídico, que reduz a potencialidade de eficácia de uma série de normas: primeiro, dos princípios constitucionais que fundamentam a isonomia material, a proteção da capacidade contributiva e a preservação das microempresas e empresas de pequeno porte e, segundo, das regras de simplificação da arrecadação que surgem a partir dessas diretrizes constitucionais, a fim de concretizá-las.

Tem-se o ápice da incoerência na constatação de que, a pretexto de se dar praticidade à tributação, adotando medidas que criam presunções como a da substituição tributária, o Direito Tributário tem sua finalidade última, que é a arrecadação, melhor desenvolvida e aplicada quando, em verdade, se projeta em direção ao contribuinte com respeito aos seus direitos, exigindo-lhe valores na medida das suas verdadeiras possibilidades de arcar com o ônus tributário.

1 Levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário - IBPT em 2013, através do estudo denominado “Quantidade de Normas no Brasil: 25 anos da Constituição Federal de 1988”, mostra que, desde que a Constituição Federal entrou em vigor, em 1988, do total de normas editadas no Brasil, cerca de 6,5% se referem à matéria tributária. São 29.939 normas tributárias federais (9,68% das normas tributárias), 93.062 normas tributárias estaduais (30,10% das normas tributárias) e 186.146 normas tributárias municipais (60,21% das normas tributárias). Como a média das empresas não realiza negócios em todos os Estados brasileiros, a estimativa de normas que cada uma deve seguir é de 3.512, ou 39.406 artigos, 91.815 parágrafos, 293.573 incisos e 38.618 alíneas. Em decorrência desta quantidade de normas, as empresas gastam cerca de R$ 45 bilhões por ano para manter pessoal, sistemas e equipamentos no acompanhamento das modificações da legislação.

2 Segundo estudo realizado em 2013 pelo Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação, o Brasil tem a maior carga tributária dos países que compõem os Brics: Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul. Enquanto que no Brasil a carga tributária em relação ao PIB é de mais de 36%, na Rússia é de 23%, na China de 20%, na Índia de 13% e na África do Sul de 18%.

3 Sobre a questão da privatização da gestão fiscal, sugere-se ler a excelente dissertação de Pedro Jorge da Rocha Carvalho: “O princípio da praticidade e a privatização da gestão tributária”. Fortaleza, 2009. Disponível em http://uol01.unifor.br/oul/conteudosite/?cdConteudo=1800274. Acesso em 5 de fevereiro de 2014.

4 IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. “As micro e pequenos empresas comerciais e de serviço no Brasil”. Estudos & pesquisas. Informação econômica. Rio de Janeiro, 2001, p. 15.

5 Sobre a história do Direito Tributário, indica-se os livros História do tributo no Brasil (2005) e O tributo na história: da antiguidade à globalização (2006), de Ubaldo Cesar Balthazar, lançados pela Fundação Boiteux, em Florianópolis.

6 BALTHAZAR, Ubaldo Cesar. História do tributo no Brasil. Florianópolis: Fundação Boiteaux, 2005, p. 20.

7 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia. Entre facticidade e validade. Vol. 1. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2010, pp. 59-60.

8 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia. Entre facticidade e validade. Vol. 1. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2010, p. 172.

9 KELSEN, Hans. Teoria pura do Direito. São Paulo: Martis Fontes, 2009, p. 57.

10 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 27.

11 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 21.

12 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 30.

13 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 30.

14 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 31.

15 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 31.

16 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 32.

17 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 32.

18 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 34.

19 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 45.

20 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 47.

21 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 47.

22 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 52.

23 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 53.

24 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário brasileiro. 12ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 96.

25 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do Direito Tributário. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 1972, p. 502.

26 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do Direito Tributário. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 1972, p. 502.

27 SOUSA, Rubens Gomes. Compêndio de legislação tributária. 2ª edição. Rio de Janeiro: Edições Financeiras, 1954, p. 55.

28 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário. Fundamentos jurídicos da incidência. 8ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, pp. 230-231.

29 PAULSEN, Leandro. Responsabilidade e substituição tributárias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 43.

30 PAULSEN, Leandro. Responsabilidade e substituição tributárias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 43.

31 PAULSEN, Leandro. Responsabilidade e substituição tributárias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 163.

32 DERZI, Misabel Abreu Machado. 1989 apud PAULSEN, Leandro. Responsabilidade e substituição tributárias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 172.

33 PAULSEN, Leandro. Responsabilidade e substituição tributárias. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 175.

34 VELLOSO. Andrei Pitten. O princípio da isonomia tributária. Da teoria da igualdade ao controle das desigualdades impositivas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 167.

35 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 74.

36 CARVALHO. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 14ª edição. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 173.

37 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 370.

38 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 372.

39 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva. 3ª edição. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 28.

40 DUTRA, Micaela Dominguez. Capacidade contributiva. Análise dos direitos humanos e fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2010, pp. 34-35.

41 DUTRA, Micaela Dominguez. Capacidade contributiva. Análise dos direitos humanos e fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 125.

42 MACHADO, Hugo de Brito. Princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1998. 5ª edição. São Paulo: Dialética, 2004, p. 74.

43 MACHADO, Hugo de Brito. Princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1998. 5ª edição. São Paulo: Dialética, 2004, pp. 74-75.

44 DUTRA, Micaela Dominguez. Capacidade contributiva. Análise dos direitos humanos e fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 129.

45 DUTRA, Micaela Dominguez. Capacidade contributiva. Análise dos direitos humanos e fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 129.