Sistematização dos Anacronismos e Inconstitucionalidades do Termo Inicial dos Juros de Mora de Indébito Fiscal: Críticas Novas e Antigas

Anachronisms and Unconstitutionalities of the Refund Tax Interest’s Legal Regime: New and Old Reviews

Leonardo e Silva de Almendra Freitas

Mestrando em Direito Constitucional e Processual Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Advogado. E-mail: leonardo@almendrafreitas.adv.br.

Recebido em: 7-7-2023 – Aprovado em: 29-11-2023

https://doi.org/10.46801/2595-6280.55.6.2023.2403

Resumo

O presente artigo se propõe a retomar o debate a respeito da constitucionalidade do termo inicial definido pelo Código Tributário Nacional para os juros de mora incidentes em restituição de indébito tributário, evidenciando que as críticas doutrinárias nunca chegaram a ser efetivamente enfrentadas pelos Tribunais por contingências circunstanciais e processuais. Para tanto, enfatiza-se, em primeiro lugar, o anacronismo do regime analisado tanto relativamente ao direito comparado quanto no próprio âmbito interno, para, em seguida, renovar argumentos já suscitados pela doutrina, mas agora sob o enfoque de mudanças legislativas e precedentes mais recentes, bem como propor uma nova abordagem da discussão, especialmente interagindo com a experiência de outras jurisdições. Ao final, conclui-se pela manifesta inconstitucionalidade do dispositivo e pela necessidade de o Supremo Tribunal Federal, finalmente, enfrentá-la a sério, inclusive para preservar a coerência da sua jurisprudência.

Palavras-chave: juros, mora, restituição, tributo, termo, inicial.

Abstract

This article proposes to renew the debate regarding the constitutionality of the initial term defined by the National Tax Code for interest related to the refund of tax overpayments, noting that the doctrinal objections were never effectively addressed by the Courts due to circumstantial and procedural contingencies. For this purpose, it emphasizes, firstly, the anachronism of the regime analyzed both in relation to comparative law and in the internal system itself, renewing, then, arguments already treated by the doctrine, but now under the focus of more recent legislative changes and precedents, as well as proposing a new approach to the discussion, especially interacting with the experience of other jurisdictions. In the end, it is concluded that the regime is manifestly unconstitutional and that the Supreme Court must finally consider it seriously, even to preserve the coherence of its own jurisprudence.

Keywords: interest, tax, refund, initial, term.

1. Introdução

O parágrafo único do art. 167 do Código Tributário Nacional (CTN) estabelece que “[a] restituição vence juros não capitalizáveis, a partir do trânsito em julgado da decisão definitiva que a determinar”, forjando um critério claramente mais desfavorável do que o aplicável aos demais débitos da Fazenda Pública, que, pelo menos desde 1964, são acrescidos de juros contados a partir da citação. Quando se tem em conta que, não raro, a duração de um processo judicial ultrapassa uma década e que há expressa proibição de aproveitamento de indébito fiscal antes do trânsito em julgado (art. 170-A do CTN), as repercussões dessa diferença de tratamento para o contribuinte chegam a ser brutais.

É certo que esse quadro foi progressivamente atenuado, à medida que se propagava a utilização da taxa Selic (Sistema Especial de Liquidação e Custódia), cuja incidência se segue ao próprio pagamento indevido, como indexador nesses casos, tendência recentemente consolidada pela Emenda Constitucional n. 113/2021. Ainda assim, o tema continua despertando interesse, seja prático, por não ser desprezível o vulto dos indébitos não sujeitos à Selic, já judicializados ou não, seja, principalmente, acadêmico, tendo-se em conta o seu extraordinário déficit de problematização, só proporcional à contundência das críticas fomentadas pelo art. 167, parágrafo único, do CTN.

Com efeito, a condenação praticamente unânime da doutrina não se refletiu, nem remotamente, no debate judicial, que parece ter sido artificialmente encerrado antes mesmo de um aprofundamento mínimo dos pontos mais significativos. De um lado, o STJ limitou-se a uma análise estritamente infraconstitucional, que resultou, previsivelmente, na sua Súmula n. 1881, aprovada ainda em meados da década de 1990; de outro, o STF rebaixou a controvérsia ao plano infraconstitucional por meio do Tema n. 2432, deixando, até hoje, sem resposta as sérias dúvidas sobre a (in)constitucionalidade do dispositivo. A seu turno, os demais Tribunais não se sentiram estimulados a reabrir a discussão à vista do “consenso” entre as Cortes Superiores.

Apesar dessa aparente monotonia – ou justamente por ela –, o debate deve ser retomado, seja por meio da atualização de pontos já suscitados, à luz do atual status quaestionis de problemas afins, seja pela abordagem de outros que, posto igualmente significativos, não tiveram ainda a mesma atenção.

2. Aspectos legislativos: gênese do dispositivo, regime paralelo e direito comparado

2.1. Análise genética do art. 167, parágrafo único, do CTN e a tentativa interrompida de alterá-lo

O marco estabelecido pelo art. 167, parágrafo único, do CTN já constava do dispositivo equivalente proposto pelo Anteprojeto de autoria de Rubens Gomes de Sousa, tendo sido mantido pelo Projeto elaborado pela Comissão Especial nomeada pelo Ministério da Fazenda3. Em seu relatório, aquele eminente Professor justificou sinteticamente a escolha prevalente:

“O art. 133 reproduz o art. 202 do Anteprojeto, que repete norma já constante da legislação vigente (decreto n. 22.785 de 1933, art. 3°), rejeitadas, em consequência, as sugestões 753 e 960.”4

Mérito à parte, era perfeitamente compreensível a notável despreocupação com eventual ônus argumentativo, por ter se tratado, então, de simples manutenção do critério pré-estabelecido pelo art. 3º, do vetusto Decreto n. 22.785/1933, a teor do qual Fazenda Pública “só respond[ia por juros de mora], da data da sentença condenatória, com trânsito em julgado”, evitando, assim, a inflexão a que levariam as sugestões apresentadas, respectivamente, pelo tributarista Carlos da Rocha Guimarães e pelo Instituto Brasileiro de Direito Financeiro, que postulavam a contagem já a partir da formulação do pedido de restituição. Inobstante, essa escolha adquire outras cores quando se tem em conta o longo interlúdio entre a conclusão dos trabalhos da Comissão Especial (1954) e promulgação do CTN (1966).

É que, nesse interim, a Lei n. 4.414/1964 revogou o art. 3º, do Decreto n. 22.785/1933, deixando a descoberto o anacronismo congênito e o próprio déficit de racionalidade do marco fixado pelo CTN, uma vez que o fator determinante do critério prevalente já não mais subsistia quando do advento do Código, circunstância simplesmente ignorada durante o seu errático processo legislativo5. Portanto, se, a princípio, houve uma escolha consciente da Comissão Especial pelo trânsito em julgado, afinal parece mais fidedigno cogitar-se de uma decisão acidental e irrefletida do legislador em dispensar ao indébito fiscal um tratamento já então anômalo.

Inexplicavelmente, essa dualidade só chamou atenção do Poder Legislativo décadas depois, quando foi apresentado o Projeto de Lei Complementar n. 141/2000, de autoria do então Deputado José Thomaz Nonô propondo a alteração o marco dos juros para a data do pagamento indevido. No entanto, mais uma vez o encaminhamento apropriado da questão foi comprometido por contingências legislativas. Apesar do parecer favorável da Comissão de Finanças e Tributação, nos termos de substitutivo apresentado pelo Deputado José Pimentel, que deslocou o marco proposto para a citação, o projeto foi arquivado pela razão meramente formal de ainda se encontrar em tramitação quando do término da legislatura, nos termos de norma regimental então vigente6. Ainda assim, não se pode negar a significância da iniciativa, tanto por corroborar o anacronismo do critério do CTN, já constatado pelo Poder Legislativo, quanto por indicar que a solução para o problema no plano estritamente infraconstitucional só seria excogitável de lege ferenda, por pressupor a alteração do próprio texto normativo.

2.2. Regime legal do termo inicial dos juros de mora a cargo da Fazenda Pública não sujeitos ao art. 167, parágrafo único, do CTN

Quando o CTN veio ao lume, a dualidade espelhada nas Súmulas n. 1637 e n. 2558 do STF, ambas aprovadas em 1963, havia sido há pouco tempo superada pela Lei n. 4.414/1964, segundo a qual as pessoas de direito público, “quando condenados a pagar juros de mora, por êste (sic) responderão na forma do direito civil”, passando, assim, a ser contados também da citação (art. 1.536, § 2º, CC/1916). É justo, então, afirmar que a inadvertência legislativa resultou, justamente, no desarranjo sistêmico que a Comissão Especial pretendeu evitar, engendrando uma nova dualidade, desta vez entre os próprios créditos oponíveis à Fazenda Pública: quando sua origem fosse o pagamento indevido de tributos, os juros incidiriam desde o trânsito em julgado; nos demais casos, a contagem se daria a partir da citação.

E essa dualidade se manteve, essencialmente, até 2021. De um lado, têm-se os Temas Repetitivos 6119 e 1.13310 do STJ, que reafirmaram o marco da citação – com a possibilidade de retroação à notificação da autoridade coatora caso tenha havido anterior mandado de segurança – no tocante aos débitos públicos em geral; do outro, a já referida Súmula n. 188 e o Tema n. 8811, ambos também do STJ, limitaram-se a emular o art. 167, parágrafo único, do CTN quando se tratar de indébito fiscal.

Dentro do recorte dos indébitos fiscais, faz-se necessário um importante parêntese. Em 1996, a taxa Selic passou a ser adotada como juros moratórios no âmbito federal (art. 39, § 4º, Lei n. 9.250/1995), tendo sido, na sequência, estabelecido o pagamento indevido como seu termo inicial (art. 73, Lei n. 9.532/1997). Mais recentemente, o mesmo tratamento foi estendido, por medida de isonomia, aos indébitos a cargo de outros entes subnacionais que utilizem a Selic para a indexação dos seus próprios créditos tributários (cf. Súmula n. 52312, e Temas Repetitivos 11913 e 90514, todos do STJ), o que se projeta sobre o marco da sua aplicação (cf. Tema n. 145 do STJ15). Assim, se o CTN havia, inadvertidamente, criado uma “ilha” em matéria de juros de mora, distanciando-se do critério já então uniforme a respeito do seu termo inicial (citação), a consolidação da Selic acabou dando margem a um verdadeiro “gueto”, ocupado pelos titulares de indébitos fiscais não sujeitos a tal índice, que continuaram dependendo do demorado trânsito em julgado para poderem contar os juros devidos em virtude do desfalque sofrido.

Esse quadro dificilmente compreensível e rigorosamente inexplicável somente foi, finalmente, suplantado com a recente Emenda Constitucional 113/2021, cujo art. 3º. sujeitou todos os débitos da Fazenda Pública, indistintamente, à Selic. Inobstante, a questão permanece aberta para os casos enquadrados no “gueto” ainda não equacionados, tendo-se em conta que a aplicação do novo critério se restringe ao período posterior à EC n. 113/2021 (cf. o já referido Tema n. 145 do STJ).

2.3. O termo inicial dos juros de mora de indébito fiscal no direito comparado

A análise sob o enfoque do direito comparado torna ainda mais vívido o anacronismo do art. 167, parágrafo único, do CTN, cujo critério parece não ter paralelo nos países minimamente afeitos ao Estado de Direito. Pelo menos é o que sugere a representativa amostra reunida a seguir.

Em livro clássico, escrito em 1983, Ricardo Lobo Torres divide os sistemas jurídicos em 3 (três) grupos a esse propósito. No primeiro estariam os que admitem juros “a partir daquele dia em que o contribuinte perdeu os frutos do seu capital”16, isto é, a data do pagamento indevido, exemplificando com o caso dos Estados Unidos da América, que mantiveram esse critério pelo § 6611 do Internal Revenue Code (IRC) de 1986, ainda vigente. Mas se se tratava, àquele tempo, de caso isolado, o mesmo não pode ser dito atualmente. De fato, é esse também o modelo vigente em Portugal, conforme art. 43 da Lei Geral Tributária (Decreto-lei n. 398/1998) c/c art. 61 (5), do Código de Procedimento e de Processo Tributário (Decreto-lei n. 433/1999), e na Espanha, a teor do art. 32 (2) da Ley General Tributaria (Ley 58/2003). O próprio Brasil, paulatinamente, também passou a seguir esse bom exemplo no recorte sujeito à Selic.

No segundo grupo, estariam aqueles que deferem juros “a partir da citação, quando se constitui em mora o ente público, a favor do qual milita a presunção de boa-fé no recebimento indevido”, embora nos exemplos citados (Alemanha e Itália) o marco seja, a rigor, a data do pedido ou da demanda. Com efeito, é esse o termo inicial dos chamados “juros de litígio” ou “juros processuais”, previstos no § 236 do Código Tributário alemão (Abgabenordnung); também na Itália, embora Brandão Machado faça referência a decisão de 1963 da Corte de Cassação, que determinara o acréscimo dos juros a partir do pagamento indevido17, parece ser clara a opção da legislação posterior pela data do pedido (por exemplo, art. 5º, Lei n. 29/1965; art. 16, Decreto-lei n. 216/1978; e art. 42, 3, Decreto Legislativo n. 346/1990). Deve ser acrescentado, ainda, o caso da Argentina, cuja Lei dos Procedimentos Fiscais (Ley 11.683/1978), no art. 179, seguiu a mesma linha.

Finalmente, no terceiro “grupo” é mencionado apenas o caso brasileiro, considerando o recorte aqui focalizado. O autor chega a recapitular a evolução do tema, passando pelo Decreto n. 22.785/1933 e pela Lei n. 4.414/1964, parecendo assumir uma opção resoluta do CTN por restabelecer o “sistema anterior”, certamente por não ter atentado para o elemento genético do art. 167, parágrafo único, e para a errática tramitação legislativa do Código. Tudo indica que, pelo menos em tempos recentes, apenas a Grécia adotava modelo semelhante, até ser internacionalmente repreendida por isso, como será circunstanciado mais adiante.

3. Status do debate sobre o termo inicial dos juros moratórios de indébito fiscal

3.1. Unânime repúdio doutrinário ao critério do CTN (ou às suas implicações)

Supondo se tratar de opção advertida do Congresso, Ricardo Lobo Torres ressalva que a solução do art. 167, parágrafo único, do CTN “não é das mais justas”18, qualificação semelhante à empregada por Igor Mauler Santiago ao elogiar o critério prevalente no âmbito federal a partir da adoção da Selic19. Sem embargo, a vasta maioria da doutrina especializada que se dedicou ao tema descarta esse eufemismo, inclinando-se, de forma mais ou menos enfática, pela sua inconstitucionalidade, notadamente pela indiscutível quebra da isonomia entre Fisco e contribuintes20. Essa posição, no entanto, não é unânime, sendo expressiva a opinião de Marcelo Fortes Cerqueira, que enxerga no condicionante do prévio “reconhecimento formal do indébito (administrativo ou judicial)” a contrapartida sistêmica da “norma individual e concreta” consubstanciada no lançamento21, contando com a adesão de Thais Catib de Laurentiis22. No entanto, essa doutrina minoritária, posto respeitável, não pode ser adequadamente compreendida sem a iluminação de algumas nuances.

Sem problematizar a sua opção teórica pela natureza constitutiva do lançamento ou sua extensão tout court às decisões judiciais, o certo é que os juros de mora a cargo do contribuinte não são contados apenas da formalização daquele ato administrativo, não sendo, tampouco, suspensos durante a fase litigiosa do processo administrativo tributário nem, muito menos, durante a discussão judicial – ressalvadas situações pontuais que apenas confirmam a regra. O mais significativo, inobstante, parece ser que ambos sustentam o cabimento de juros compensatórios a partir do pagamento indevido, tese atualmente vencida – e, salvo melhor juízo, sem perspectiva de ser recobrada de forma profícua –, estando implícita, assim, sua condenação à negação de qualquer compensação ao contribuinte, ainda que com outro nomen juris, até o trânsito em julgado da decisão que certifica o indébito, que é, admita-se ou não, justamente o quadro atual para o “gueto” não sujeito à Selic.

E está, provavelmente, na consolidação da Selic a explicação para o interesse cada vez menor da doutrina pelo assunto, cenário agravado pela virtual indiferença dos Tribunais aos seus aspectos mais plausíveis, conforme recapitulado nos próximos tópicos.

3.2. O “debate” infraconstitucional no STJ: a Súmula n. 188 e as situações sujeitas à taxa Selic

Aprovada em 1997, a tantas vezes referida Súmula n. 188 do STJ simplesmente parafraseou o art. 167, parágrafo único, do CTN, assentando que “os juros moratórios, na repetição do indébito tributário, são devidos a partir do trânsito em julgado da sentença”. E, de lege lata, não se poderia chegar a outra conclusão no plano estritamente infraconstitucional, como já se antecipou. O erro, assim, não é da solução da Súmula, mas de quem pretende dela extrair uma resposta que ela nunca se propôs a dar.

Com efeito, não se pode deixar de ter em linha de conta que a primeira arguição de inconstitucionalidade apreciada pela Corte Especial do STJ no âmbito de recurso especial foi jugada em 2001, decidindo-se que, “no exercício da competência prevista no inciso III do art. 105 da Constituição, em princípio o Superior não dispõe do contencioso constitucional”, sendo-lhe lícito “declarar a inconstitucionalidade de lei ou de ato normativo, desde que a declaração não seja a favor do recorrente”23. Só mais recentemente, essa notável autocontenção foi progressivamente flexibilizada.

É fácil, assim, compreender por que o Ministro Cezar Asfor Rocha, em assentada anterior à Súmula, mesmo ponderando que “se se onera o contribuinte com juros de mora desde quando deva ser pago o tributo, deve-se, tanto quanto possível, quando invertida a equação, fazê-lo de modo que disso mais se aproxime”, cuidou de ressalvar que não se tratava de “aplicar o princípio da isonomia – pois incabível no âmbito do recurso especial”24. O outro lado da moeda é a resoluta recusa do Tribunal em reformar acórdãos que adotaram marco diferente para os juros (citação ou pagamento indevido) justamente com base no princípio da isonomia25. Embora se tenha chegado a esboçar o distinguishing de indébitos oriundos de exações inconstitucionais26, este ensaio não rendeu maiores frutos.

Não se desconhece que essa solução foi, mais recentemente, ratificada pelo já referido Tema Repetitivo n. 88, mas tratou-se, então, de mera reafirmação (acrítica) da linha predominante no Tribunal, não se tendo, de qualquer sorte, avançado minimamente sobre as variáveis constitucionais evocadas pela discussão, até porque o contribuinte que figurava no leading case27 sequer apresentou contrarrazões ao recurso.

Ainda assim, é expressivo o critério prevalente para os indébitos estaduais e municipais indexados pela Selic, como contrapartida da sua utilização no tocante aos créditos do ente público competente, nos termos dos também já referidos Temas 119 e 90528. É que, diferentemente do que se verifica no plano federal, em que há previsão expressa de sua aplicação a partir do pagamento indevido, a replicação desse marco para os entes subnacionais que também adotam a Selic foi fruto, a rigor, de construção jurisprudencial, até porque um elemento (índice) não deriva, necessariamente, no outro (termo inicial) – pelo menos não em termos infraconstitucionais –, não sendo raras as normas estaduais e municipais que apenas reproduzem o disposto no art. 167, parágrafo único, do CTN29. Ou seja, no fim do dia, as razões de isonomia que justificaram a adoção da Selic também levaram ao afastamento da própria Súmula n. 188, ainda que essa implicação não chegue a ser posta a claro.

3.3. O “não debate” constitucional no STF: da aplicação acrítica do CTN ao Tema n. 243 e a ambiguidade fomentada por precedentes mais recentes

Embora não enfrentasse o mesmo limite cognitivo (relativo) que impediu o STJ de problematizar a (in)constitucionalidade do art. 167, parágrafo único, do CTN, o STF, por contingências diversas, tampouco chegou a fazê-lo. Após o advento do CTN, seu foco, no que se refere os juros de mora de indébito fiscal, centrou-se se no percentual incidente, tema de sólida jurisprudência no sentido da inaplicabilidade da taxa então estabelecida pelo Código Civil (0,5% a. m.), a qual, como medida de isonomia, foi preterida em favor daquela prevista no art. 161, § 1º, CTN para a remuneração dos créditos da Fazenda (1,0% a. m.)30. O espírito desta construção é bem sintetizado pela sentença do Ministro Cunha Peixoto no RE n. 85.791, segundo a qual “[n]ão seria razoável, nem moral, que o Estado exigisse, quando da mora do tributo, os juros de 1% ao mês, e reduzisse esse percentual para 0,50%, quando tivesse de devolver imposto ilegalmente recebido”.

É curioso, assim, que em um tal contexto não tenha sido nem remotamente cogitada a possível incompatibilidade, com o mesmo princípio da isonomia, do outro elemento da equação dos juros, tanto mais por se ter assumido como premissa que o propósito do CTN teria sido o de favorecer o contribuinte31. Ora, se, no tocante ao percentual, o contribuinte, na pior das hipóteses, estaria nivelado aos demais credores públicos, compensados à taxa de 0,5% a. m., quanto ao marco inicial o advento do CTN implicou, ainda que inadvertidamente, um grave retrocesso comparativamente com o regime geral dos débitos da Fazenda Pública, então sujeitos a juros já a partir da citação, na forma da Lei n. 4.414/1964. Quanto ao denominador constitucional comum dos 2 (dois) fatores da equação, é contundente a insuspeita opinião do então Juiz Federal Teori Albino Zavascki:

“Se a aplicação do princípio da isonomia derrogou a regra estabelecida no art. 1º. da Lei n. 4.414, de 24.09.64, que previa juros de 0,5% ao mês, e fez valer para a repetição de indébito a taxa de 1%, prevista no art. 161, § 1º. do CTN, para o pagamento do tributo em atraso, é imperioso se reconheça que o mesmo princípio derrogou também o parágrafo único do art. 167 do CTN, que fixou, para a repetição de indébito, o trânsito em julgado como termo inicial dos juros. A invocação do princípio constitucional da isonomia não deixa, portanto, outra alternativa que não a de reconhecer, na repetição de indébito fiscal, o direito a juros de mora idêntico aos devidos pelo contribuinte em atraso, seja quanto à taxa, seja quanto ao termo inicial de fluência.”32

Mas esse desdobramento nunca chegou a ser avalizado pelo próprio STF. São excogitáveis 2 (duas) explicações plausíveis para a aparente aporia. A primeira é a de que o CTN não estabeleceu expressamente a taxa de juros do indébito fiscal, tornando viável a solução do problema por meio de mera integração ou, quando muito, interpretação conforme à Constituição, enquanto a alteração do termo inicial pressupunha necessariamente a pronúncia da inconstitucionalidade do art. 167, parágrafo único, do CTN, inequívoco quanto à contagem a partir do trânsito em julgado. O fator principal, no entanto, parece ser a baixa força normativa atribuída, à época, ao próprio princípio da isonomia, particularmente quando se tratava de desníveis entre particulares e o Poder Público, sendo sintomática a validação, sob a mesma conjuntura, de privilégio processual que, muito provavelmente, hoje seria tido como inquinado de inconstitucionalidade chapada, sob o argumento um tanto chocante de que “a relevância do interesse público”, preservado pela Fazenda Pública, “separa-a, na sua natureza, do particular”, negando a priori e em termos de princípio a possibilidade de equiparação entre ambos33.

Seja como for, o “debate” no STF desenvolveu-se em termos praticamente idênticos aos verificados no âmbito do STJ. Com efeito, os precedentes pioneiros limitaram-se à simples aplicação do art. 167, parágrafo único, do CTN, quando muito abordando a antinomia aparente com a Lei n. 4.414/196434; ainda assim, chegou-se a adotar, pontualmente, o marco da citação sem se dar conta da notável divergência35. Já sob o pálio da CF/1988, o Tribunal apenas invocou acriticamente os precedentes que haviam enfrentado a questão sob o enfoque exclusivamente infraconstitucional36, beirando, portanto, a petição de princípio tomar essa segunda leva de precedentes como juízo conclusivo a respeito da (in)constitucionalidade do art. 167, parágrafo único, do CTN, questão específica que, a rigor, sequer chegou a ser problematizada37, sendo significativa a recusa em enfrentar especificamente a possível incompatibilidade com o princípio da isonomia por falta de pré-questionamento38.

O ponto culminante desse encaminhamento foi o julgamento em 2010 do já mencionado Tema n. 243, que rebaixou a questão ao plano exclusivamente infraconstitucional. Se, por um lado, esse “desfecho” confirma que não chegou a haver, propriamente, a afirmação da constitucionalidade do art. 167, parágrafo único, do CTN, por outro, instaurou-se autêntica aporia, uma vez que, como já enfatizado, simplesmente não existe debate infraconstitucional possível sobre a questão, dada a clareza da dicção legal. De toda sorte, apesar da eficácia erga omnes inerente a esse julgamento, tudo indica que o enquadramento da questão refletiu os específicos termos em que ela se achava posta no respectivo leading case39, não parecendo consistente recusar a priori a possibilidade de a discussão alcançar o patamar constitucional, como assentadas posteriores trataram de tornar vívido.

Com efeito, na análise do Tema n. 21440, que versava sobre a utilização da Selic para a atualização de débitos tributários estaduais, reviu-se a inclinação pelo caráter infraconstitucional da controvérsia “diante da existência de precedente no qual o tema foi enfrentado à luz do princípio da isonomia”, tendo-se concluído pela sua constitucionalidade por “traduz[ir] rigorosa igualdade de tratamento entre contribuinte e fisco”; aproximando-se mais do objeto específico do Tema n. 243, questão análoga foi, mal ou bem, enfrentada sob o enfoque do mesmo princípio, sendo o vício suscitado negado por se entender que “[n]as situações verdadeiramente equivalentes há isonomia entre contribuinte e Fisco”41; finalmente, em julgamento mais recente, entendeu-se abertamente que os juros deveriam ser “contados a partir do momento em que ocorrido desconto indevido do imposto de renda na fonte”42.

Enfim, se já era plausível falar num déficit de problematização congênito ao Tema n. 243, os próprios julgados posteriores citados bem ilustram a ambiguidade e a fragmentação que caracterizam o atual status quaestionis sobre o possível colorido constitucional de questionamentos ao regime legal do juros moratórios, notadamente sob o enfoque o princípio da isonomia, quadro agravado por outros precedentes vinculantes adiante mencionados cujas rationes decidendi dificilmente se conciliariam com aquela solução, tornando impositiva a sua revisitação, especialmente à luz de fundamentos que, posto também evocados pela discussão, sequer foram propostos naquela ocasião.

4. A ostensiva incompatibilidade do art. 167, parágrafo único, do CTN com o princípio da isonomia

4.1. Inequívoca (e incontroversa) falta de justificativa minimamente consistente para o superprivilégio outorgado à Fazenda Pública pelo art. 167, parágrafo único, do CTN

Referindo-se à célebre “fórmula de Leibholz”, que exerceu profunda influência na fase inicial do desenvolvimento do princípio pelo Tribunal Constitucional alemão, Andrei Pitten Velloso sublinha tratar-se da “garantia mínima” ou do “núcleo mais interno” da isonomia43. Sua síntese é a proibição da arbitrariedade, nomeadamente de discriminações tidas como arbitrárias, isto é, carentes de fundamento razoável ou não derivadas da natureza das coisas. Ora, o favorecimento sob escrutínio é tão grosseiro que não resiste sequer ao teste embasado nessa limita dimensão da igualdade.

Com efeito, a falta de justificativa para o adiamento sine die dos juros de mora, deslocando-os inteiramente do desfalque sofrido pelo credor e da própria ciência do devedor acerca da formalização da correspondente pretensão, sobressai até incontroversa à vista do caráter quase acidental do critério do CTN, uma vez que o regime que se supunha estar só conservando já havia, na verdade, sido abolido pela Lei n. 4.414/1964. E mesmo que se considerasse, contra as evidências legislativas disponíveis, tratar-se de decisão advertida pelo retorno ao regime do Decreto n. 22.785/1933 – cuja inexplicável longevidade só pode ser creditada ao “espírito do tempo” –, a fratura da isonomia não seria menos exposta.

De fato, se é que em algum momento da nossa história se poderia cogitar de razões prima facie para a Fazenda Pública gozar de um tratamento tão mais vantajoso do que o dispensado aos devedores em geral, o certo é que tais, seguramente, deixaram de existir com o nivelamento promovido pela Lei n. 4.414/1964, de sorte que o retrocesso engendrado pelo CTN denota clara incoerência sistêmica e injustificável contradição axiológica, rompendo o estado de coisas postulado pelo princípio da isonomia44. Com efeito, a evolução da experiência alemã forjou o que Andrei Pitten Velloso designa de mandado de coerência valorativo-sistemática, por força do qual a liberdade de configuração do legislador, por mais ampla que fosse a princípio, seria reduzida uma vez que fosse exercida45, encerrando uma marcante autolimitação, como sublinha Humberto Ávila, na medida em que a decisão legislativa anterior vincula a posterior, de sorte que “tendo adotado um sistema legislativo inicial harmônico, não pode dele se afastar”, reclamando a “compatibilidade entre uma diferenciação posteriormente introduzida e o conjunto de regras previamente existente”46.

E foi justamente essa dimensão da isonomia a base da crítica de Klaus Tipke e Joachim Lang a sistema incomparavelmente mais equilibrado e menos contraditório do que o brasileiro, reputando a incidência dos chamados “juros processuais”, previstos no § 236 do Código Tributário alemão [AO] apenas a partir do ajuizamento da ação de repetição como “inadequadamente pró fisco”, ressaltando que ele “leva, além disso, a uma contradição valorativa face o § 237 AO, porque na suspensão se inicia a obrigação dos juros do contribuinte já com a entrada do recurso extrajudicial (§ 237 II 1 AO)”47-48.

E essa contradição sistêmica e valorativa aprofundou-se progressivamente à medida em que se consolidou a utilização da Selic, tendência que, além de deixar ao talante do próprio ente tributante (devedor) ligar ou desligar o art. 167, parágrafo único, do CTN, gera um novo discrímen dentro do corte já feito, agora em desfavor dos ocupantes do “gueto”, conducente a tipificar, sem prejuízo dos deméritos congênitos do critério escrutinado, um “estado superveniente de desigualdade, isto é, tornar desigual o que inicialmente era igual por meio de uma modificação legislativa”49. No particular, são expressivos os casos relatados por Karl Larenz, nos quais o Tribunal Constitucional alemão promoveu um arrojado desenvolvimento, para além da mera (re)interpretação, de regulamentações que se tornaram anacrônicas à vista de leis supervenientes que valoravam diferentemente situações semelhantes50.

A bem da verdade, a essência dessa análise evoca as próprias premissas dos precedentes pioneiros do STF que definiriam os juros de mora de indébito fiscal em 1,0% a. m., por ser a mesma taxa adotada quando o Fisco ocupa(va) a condição de credor. Inobstante, se a ideia era estabelecer um tratamento realmente paritário entre Fisco e contribuintes, a fórmula adotada foi claramente insuficiente, prestando-se, quando muito, a proporcionar uma “meia-isonomia”, ao deixar de remediar um desbalanceamento muito mais intenso, matematicamente demonstrável: se um crédito tributário seria acrescido de 60% de juros ao final de um processo administrativo fiscal que durou 5 (cinco) anos, ao indébito fiscal que levou o mesmo tempo para ser certificado judicialmente seriam agregados apenas 30% de acordo com o regime civil então vigente (0,5% a. m. e contagem da citação), desigualdade que, posto manifesta, se afiguraria inexpressiva quando a alternativa fosse o critério do próprio CTN (1,0% e contagem do trânsito em julgado), que resultaria em juros simplesmente nulos para o contribuinte na mesma data.

Isso explica a aparente incoerência do Tribunal Constitucional espanhol ao equacionar problemas equivalentes. Após reconhecer, nas Sentencias Constitucionales (STCs) 76/1990 e 206/1993, a validade da previsão de taxas de juros mais favoráveis para a Fazenda Pública, seja elevando o percentual cobrado dos contribuintes em mora ou exonerando aquela de plus exigido dos demais devedores, na STC 69/1996 reputou-se inconstitucional o diferimento do marco dos juros a seu cargo, à base de ratio decidendi assim sintetizável:

“[...] sendo tais juros uma exigência de justiça material, princípio retor do nosso Estado de Direito, há de ser rechaçada de plano a possibilidade de que o cidadão, quando litigue contra as Administrações públicas e seja seu credor, receba um tratamento desfavorável por não conseguir a compensação integral de um direito de crédito reconhecido judicialmente. [...] Não há, pois, uma razão constitucionalmente relevante para justificar um tratamento distinto em relação ao cômputo dos juros de mora, de acordo com a posição ocupada pela Fazenda Púbica e só em virtude disso.” (Tradução livre)

Sob esse prisma, torna-se saliente o indefectível contrassenso do sistema brasileiro atual, especificamente do recorte do “gueto” ainda submetido ao art. 167, parágrafo único, do CTN, por se assegurar ao contribuinte “o mais”, glosando o privilégio do Poder Público que alguns ainda têm por razoável (taxa), mas, paradoxalmente, negar-lhe “o menos”, tolerando o superprivilégio indiscutivelmente arbitrário sob qualquer métrica (dies a quo). Não se pode, assim, colocar seriamente em dúvida o desdobramento, no tocante a esse específico fator, da ratio decidendi dos precedentes do STF que uniformizaram a taxa dos juros Fisco vis-à-vis contribuintes, proposto pelo Ministro Teori Zavascki, quando ainda integrava o TRF da 4ª Região, diagnóstico intensificado à vista de leading cases mais recentes.

4.2. Notável intensificação da paridade entre Poder Público e contribuintes pelo critério prevalente no STF especificamente a respeito dos juros de mora de indébito fiscal

Com efeito, o critério que pautou os precedentes anteriores à CF/1988 foi, a rigor, consistentemente intensificado sob o seu pálio, denotando um rigor notavelmente maior no escrutínio de possíveis favorecimentos do Fisco em detrimento dos contribuintes do que o prevalente no âmbito do Tribunal Constitucional espanhol, pelo menos no tocante à taxa dos juros reciprocamente devidos.

O marco foi o RE n. 453.740, no qual o STF desqualificou, por apertada maioria, a alegação de ofensa à isonomia pela previsão de juros inferiores ao patamar estabelecido no CTN (1,0% a. m.) para débitos de natureza não tributária a cargo do Poder Público; para tanto, fez-se um corte a partir do contexto relacional em que originado o crédito, entendendo-se que as particularidades da relação tributária justificariam taxas mais elevadas de parte a parte. A ratio decidendi desse precedente foi posteriormente invocada para, desta feita, declarar inconstitucionais dispositivos de Emenda Constitucional51 e de lei (cf. Tema n. 81052) naquilo em que estendiam a créditos judiciais de natureza tributária taxa de juros inferior à cobrada dos contribuintes. Embora o próprio art. 167, parágrafo único, do CTN não estivesse sob análise, chega a ser intuitiva sua inconciliabilidade com as premissas de tais leading cases.

Em primeiro lugar, porque, como já se fez ver, o diagnóstico de irrazoabilidade do privilégio no tocante à taxa também vale – a rigor, a fortiori mesmo – para o desbalanceamento do marco inicial em desfavor do particular. E é significativa, a esse propósito, a síntese do aspecto que interessa do voto condutor do referido Tema n. 810, da lavra do Ministro Luiz Fux, segundo a qual “o ponto fundamental é que haja o mesmo regime de tratamento quanto aos juros moratórios para o credor público e para o credor privado em cada relação jurídica específica que integrem”, indicativo de que a paridade não é restrita à taxa nominal. Outrossim, a racionalidade de todos esses julgamentos converge abertamente para a razoabilidade de um tratamento favorecido dos contribuintes comparativamente com os demais credores públicos, linha seguida às avessas pelo art. 167, parágrafo único, do CTN, que isolou os titulares de indébitos fiscais num regime incomparavelmente prejudicial, que já havia sido solapado pela Lei n. 4.414/1964.

E o recorte dos casos sujeitos à Selic é particularmente sugestivo da insuficiência da “meia-isonomia”, restrita ao percentual nominal dos juros, para satisfazer o critério prevalente no STF. Assim como a ninguém ocorreria supor que o Tribunal poderia ter tomado, por exemplo, leasing por compra e venda, não é crível que ele possa ter deixado de levar em linha de conta a incidência da taxa já a partir do pagamento indevido, dimensão tida como inerente à sua fórmula (cf. o já referido Tema n. 145 STJ). Reforça-o a assunção da Selic como paradigma mesmo de paridade, capaz de proporcionar, na dicção do antes referido Tema n. 214, uma “rigorosa isonomia” entre Fisco e contribuintes, diagnóstico não mais do que ilusório se esse equilíbrio perfeito não se projetasse também sobre o outro fator tão ou mais relevante da equação (cronológico), cuja significância desponta clara do seguinte trecho do voto do Ministro Gilmar Mendes, condutor do já referido RE n. 453.740:

“Em matéria tributária [a Fazenda Pública] exige pagamento e também paga mediante os mesmos índices, que decorrem da Taxa Selic. Trata-se de reciprocidade, que vincula a cobrança à dívida. Presume-se que se não houve o pagamento do tributo na data devida, a Fazenda Pública terá que buscar empréstimos no sistema financeiro. Se houve o pagamento por parte do devedor e este se revelou indevido, ele faz jus à devolução nos mesmos termos, porque tal pagamento impedirá que o Poder Público despensa a exata quantia correspondente.”

Então, muito antes de extrapolação indevida, parece tratar-se de simples corolário das rationes decidendi desses precedentes qualificados, claramente incongruentes com uma “meia-igualdade”, a paridade também no tocante ao dies a quo dos juros. Isso já havia sido assumido, em certa medida, pelo STJ ao replicar tal linha para indébitos de ICMS e ISSQN sujeitos, por medida de isonomia, à Selic, a ponto de sequer problematizar a possível (in)compatibilidade com sua Súmula n. 188. Mais recentemente, o próprio STF avalizou esse desdobramento, confirmando julgado que havia determinado a incidência da Selic desde o pagamento indevido justamente com base no seu Tema n. 81053, já referido.

Tudo somado, o art. 167, parágrafo único, do CTN, à luz do atual status quaestionis, é de tal modo anacrônico e indefensável que é lícito dizer que a sua fragilíssima sustentação se deve ao fino “fio” proporcionado, por meras contingências processuais, pelo Tema n. 243 do STF, sendo o reconhecimento expresso da sua inconstitucionalidade uma questão tão somente de oportunidade.

5. Inconstitucionalidade também evidenciada pela raiz constitucional dos juros de mora

5.1. Os variados fundamentos constitucionais dos juros de mora de indébito fiscal e a manifesta insuficiência do art. 167, parágrafo único, do CTN para atendê-los satisfatoriamente

Mesmo preterindo o enfoque relacional inerente ao princípio da isonomia, a conclusão seria a mesma quando devidamente iluminada a própria raiz constitucional dos juros em questão, recondução que importa, evidentemente, em significativa redução da teórica liberdade do legislador infraconstitucional para discipliná-los. E, de fato, são excogitáveis vários fundamentos para tanto.

Em Portugal, o Tribunal Constitucional derivou-os do princípio da responsabilidade civil do Poder Público, endossando o comentário de Jorge Lopes de Sousa segundo o qual o já referido art. 43 da LGT “não vem reconhecer um direito a indemnização que não existisse anteriormente como consequência de ato da administração tributária que lese os direitos ou interesses dos sujeitos passivos, antes vem permitir uma nova forma de concretizar esse direito indemnizatório preexistente e constitucionalmente garantido” (Acórdão n. 83/2014).

Na Espanha, o direcionamento do Tribunal Constitucional foi para a efetividade da tutela jurisdicional, a qual pressupõe que “o ganhador consiga o restabelecimento pleno do seu direito, até a restitutio in integrum, na qual se compreende a compensação pelo dano sofrido” por meio dos juros de mora, reconhecidamente dotados de “função indenizatória das perdas e danos que podem ser imputadas à demora no cumprimento de uma prestação obrigacional consistente numa soma em dinheiro” (STCs 206/1993 e 69/1996).

Evidentemente, ambas abordagens são válidas para o Brasil, onde os cânones invocados também têm assento constitucional (arts. 37, § 6º, e 5º, “XXXV”, CF/1988). Inobstante, nossa tradição parece tornar mais vívida a correlação do problema com os próprios impactos da tributação indevida sobre o patrimônio do contribuinte, a qual, bem-vistas as coisas, também se acha implícita na invocação, pelo Tribunal Constitucional espanhol, do instituto da restitutio in integrum, por denotar que a reparação da lesão sofrida não seria plena à míngua da indenização representada pelos juros moratórios.

Não se poderia, assim, ter como desprezível o mérito da analogia entre o desfalque patrimonial fruto da cobrança de tributo indevido e o advindo do instituto da desapropriação, justificativa para instigantes exercícios no sentido da incidência de juros compensatórios sobre o indébito fiscal54-55 ou a desqualificação de toda a importância restituída para fins de tributação a título de renda56. Ainda que tais teses não tenham vingado para os específicos fins a que se propuseram, parece não ser seriamente contestável a consistência da sua premissa, principalmente quando se tem em conta que a garantia de indenização em caso de desapropriação (art. 5º, “XXIV”) não passa de manifestação específica da proteção (genérica) ao direito de propriedade (art. 5º, caput e “XXII”), indiscutivelmente aviltado pela exigência de tributo sem base legal ou constitucional, cuja repetibilidade já era reconhecida muito antes do advento do CTN57.

E é notável o denominador-comum dessa abordagem com a equação do Tema n. 962, que afastou a incidência de IRPJ e CSLL sobre os juros de mora de indébito fiscal com base em premissa assim sintetizada na ementa do leading case:

“Os valores atinentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário visam, precipuamente, a recompor efetivas perdas (danos emergentes). A demora na restituição do indébito tributário faz com que o credor busque meios alternativos ou mesmo heterodoxos para atender a suas necessidades, os quais atraem juros, multas, outros passivos, outras despesas ou mesmo preços mais elevados.”58

A alusão expressa apenas à Selic encerra típico minus dixit, sendo intuitiva a adequação do diagnóstico também para as demais situações ainda sujeitas ao art. 167, parágrafo único, do CTN. Com efeito, além de consistir em mera casualidade, reflexo da própria delimitação do pedido formulado no caso-paradigma, tratou-se, então, apenas de replicar a ratio decidendi do anterior Tema n. 808, que contemplou indistintamente o próprio gênero (juros de mora)59. De resto, as consequências para o patrimônio do contribuinte de um pagamento indevido a título de ICMS ou ISSQN são rigorosamente as mesmas de um indébito fiscal federal.

Pois bem. Se os juros em questão são patrimonialmente neutros, traduzindo mera recomposição do impacto negativo sofrido pelo contribuinte, não se poderia negar, sem investir gravemente contra a própria racionalidade do precedente vinculante, que a reparação do desfalque infligido pela tributação indevida seria incompleta e meramente parcial se não contemplasse também a específica indenização a que se presta aquela parcela. E o anverso da medalha é que, sem os juros, o saldo patrimonial para o contribuinte seria negativo, mesmo com a devolução do indébito corrigido monetariamente.

E, aceita tal premissa, o passo seguinte ganha foros de imperativo lógico: não sendo a neutralização das consequências patrimoniais da tributação indevida mera concessão do legislador infraconstitucional, tampouco poderiam os juros ínsitos a tal restauração ser por ele livremente manipulados. Embora os efeitos da indisponibilidade do capital, a rigor, sejam sentidos imediatamente, a partir do próprio pagamento indevido, não à toa marco da incidência da Selic, poder-se-ia cogitar de razões prima facie para que a sua contagem fosse deflagrada apenas com o pedido de devolução ou mesmo com a citação do devedor, chegando até aí a margem de conformação do legislador; além disso, seria rompido qualquer vestígio de conexão com as perdas que os juros são vocacionados a reparar, de sorte que já não se trataria de verdadeira indenização, mas de mero arremedo simbólico e pro forma.

Foi justamente esse o núcleo argumentativo do célebre julgamento pela Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH) do caso Eko-Elda Avee v. Greece, anunciado em junho de 2006, no qual se concluiu que a recusa pela Grécia, embasada em sua legislação interna, de pagamento de juros sobre indébito fiscal que levou 5 (cinco) anos para ser devolvido violava o art. 1º. do Protocolo n. 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (“Ninguém será privado de seus bens, exceto por interesse público e nas condições previstas na lei e nos princípios gerais do direito internacional”), desenvolvendo expressiva análise cujo ponto alto foi assim exposto:

“A este respeito, o Tribunal recorda que [...] considerou em várias ocasiões que a adequação da compensação seria diminuída se fosse paga sem considerar várias circunstâncias suscetíveis de reduzir o seu valor, como o atraso injustificado. [...]

No que diz respeito ao pagamento de impostos, a Corte reitera que a obrigação financeira decorrente da cobrança de impostos ou contribuições pode infringir os direitos garantidos no art. 1º do Protocolo n. 1 se as condições de restituição impuserem um ônus excessivo à pessoa ou entidade em questão ou interferir fundamentalmente em sua segurança financeira [...]. Naquele caso, o Tribunal, examinando uma questão análoga à aqui em apreço, considerou que tinha havido violação do art. 1.º do Protocolo n. 1 pelo fundamento básico de que a indisponibilidade prolongada do imposto pago indevidamente pela empresa requerente teve um impacto definitivo e considerável na sua situação financeira.

[...] À luz do exposto, o Tribunal considera que a recusa das autoridades em pagar juros de mora por um período tão longo perturbou o justo equilíbrio que deve ser alcançado entre o interesse geral e o interesse individual.” (Tradução livre)

E a notável correspondência entre o parâmetro de controle então focalizado e o bloco normativo formado pelo art. 5º, caput, “XXII” e “XXIV”, da CF/1988, tornaria um injustificável desperdício não aproveitar tão acurada abordagem no próprio diagnóstico do art. 167, parágrafo único, do CTN.

5.2. O elucidativo paralelo com os juros compensatórios devidos no contexto de desapropriação

E esse encaminhamento alternativo para o problema analisado é tanto mais plausível quanto se mostra saliente aqui fator equivalente ao que determinou o pagamento de juros compensatórios no contexto de desapropriação, fruto, essencialmente, de construção jurisprudencial. Com efeito, na sua origem é marcante a influência do vetusto Decreto n. 22.785/1933, tendo-se o claro propósito de preencher o “hiato” decorrente da postergação da incidência dos juros de mora devidos pela Fazenda Pública para o trânsito em julgado da sentença condenatória60-61. O ponto é desenvolvido com rara felicidade pelo Ministro Décio Miranda em importante leading case:

“Sr. Presidente, tradicionalmente a jurisprudência concedida juros, que denominada moratórios, nas desapropriações, sem fazer distinção entre juros moratórios e compensatórios. Surgiu como expediente prático, para obviar a injustiça, quiçá inconstitucionalidade quando aplicada a desapropriações, da regra segundo a qual os juros contra a Fazenda Pública corriam somente do trânsito em julgado.

Para contornar os efeitos de tal norma, que deixava sem pagamento de juros um largo período – desde a imissão de posse do expropriante até o trânsito em julgado –, a jurisprudência, inspirada na lição de Lacerda de Almeida, passou a admitir o pagamento de juros ao expropriado antes do trânsito em julgado da sentença. Não podendo fazê-lo a título de juros moratórios, porque estes, por lei, correriam a partir do trânsito em julgado da sentença, a jurisprudência criou a figura dos juros compensatórios nas desapropriações, os quais precederiam aos moratórios e correriam a partir do momento em que o expropriado perde o uso da coisa pela antecipada imissão de posse, até o trânsito em julgado da sentença, quando começaria a incidir a outra espécie de juros.”62

Bem-vistas as coisas, tratou-se, então, de típica ficção jurídica, na sugestiva designação de Chaïm Perelman63, voltada a paliar os efeitos assumidamente inconstitucionais – ou, eufemisticamente, injustos – do Decreto n. 22.785/1933 sem que se tivesse que declarar sua inconstitucionalidade.

Ora, chega a ser intuitiva validade da construção para o art. 167, parágrafo único, do CTN, declaradamente inspirado no regime do Decreto n. 22.785/1933, embora não se mostre mais necessário o recurso à mesma ficção jurídica, uma vez que o atual status quaestionis, tanto legal quanto jurisprudencial, torna a sua inconstitucionalidade não apenas institucionalmente aceitável, como absolutamente previsível e, mais ainda, irrecusável mesmo. É justamente por isso que também não colhe, tecnicamente, o criativo paliativo cogitado pela doutrina minoritária que, para obviar a “injustiça” do regime do CTN, sustenta o direito do contribuinte a juros compensatórios, recorrendo à mesma ficção jurídica de que o STF lançou mão no passado, mas numa conjuntura inteiramente diferente.

Ademais, o indefectível assento constitucional da reparação à mutilação do direito de propriedade e, mais especificamente, a analogia entre a desapropriação e o desfalque sofrido pelo contribuinte, ambos já realçados, qualificariam como típica contradição sistêmico-axiológica o eventual tratamento diferenciado das 2 (duas) situações, incongruência que se torna mais vívida quando se tem em conta que a pretensão expropriatória do Poder Público é, essencialmente, lícita64, enquanto a tributação indevida se constitui, por definição mesmo, num ato ilícito.

É certo que, na desapropriação, os juros moratórios continuam sujeitos a disciplina equivalente à do art. 167, parágrafo único, do CTN (cf. Súmula n. 70 do STJ65 e art. 15-B, Decreto-lei n. 3.365/194166), mas a explicação para tal – e, mais ainda, a pré-condição da sua constitucionalidade – é justamente a incidência do sucedâneo (juros compensatórios) já a partir da imissão na posse. Sendo a lesão sofrida pelo expropriado devida e inteiramente compensada, pouco importa o específico título a que tal se der (pecunia non olet), indiferença não apenas prática, mas também jurídica, em se assumindo a linha desenvolvida pelo Ministro Moreira Alves no já referido RE n. 90.656, no sentido da equivalência ontológica entre as várias modalidades de juros67.

E o raciocínio não parece ser afetado sequer pelo overruling recentemente implementado na análise do mérito da ADI 2.33268, quando se reconheceu a constitucionalidade de dispositivo que passou a vincular os juros compensatórios à produtividade do imóvel expropriado. Em primeiro lugar, não é desprezível o peso da premissa de que o proprietário já receberia juros moratórios, tomando-se os compensatórios como um plus cuja falta não prejudicaria a substância da indenização, denotando um equilíbrio dificilmente sustentável à vista dos verdadeiros termos iniciais (diversos) de cada modalidade de juros69. Em segundo lugar, porque estavam em questão apenas propriedades comprovadamente improdutivas, circunstância determinante para a assunção da neutralidade patrimonial do seu desapossamento provisório, inferência nem de longe admissível no tocante ao numerário transferido indevidamente para o Poder Público em virtude de tributação indevida, cuja potencialidade de gerar frutos é mesmo elementar.

Desnuda-se, assim, outra causa de inconstitucionalidade do art. 167, parágrafo único, do CTN, com uma notável diferença em relação à anterior: embora o STF, a rigor, nunca tenha chegado a problematizar a compatibilidade do dispositivo com a CF/1988, pelo menos o seu caráter anti-isonômico sempre foi denunciado doutrinariamente, refletindo-se, ainda que em menor medida, no tímido debate judicial que chegou a ser esboçado, o que, ao que tudo indica, não pode ser dito da abordagem ora proposta, especialmente sob o enfoque das implicações da ratio decidendi do recente Tema n. 962. Salvo melhor juízo, a significância desse elemento novo não pode ser negligenciada para fins de revisão do Tema n. 243.

6. Conclusão

O art. 167, parágrafo único, do CTN é nada mais nada menos do que uma anomalia, seja qual for o referencial adotado. No plano internacional, isola o Brasil do resto do mundo civilizado. No âmbito interno, lança num “gueto” os contribuintes titulares de indébitos oponíveis a entes subnacionais que não se constrangem em perpetuar uma “meia-igualdade”, aproveitando-se da aparente indefinição sobre o alcance e as implicações da rigorosa isonomia postulada pelos Temas 810 (STF) e 905 (STJ).

Sua inconstitucionalidade é de tal modo grosseira que chega a ser chocante a indiferença com ele continua a ser aplicado, com um automatismo dificilmente igualado, o que só pode ser tido como subproduto de um debate judicial que, a rigor, nunca chegou a se desenvolver por diversas contingências processuais, notadamente um improfícuo “jogo de espelhos” entre o STJ e o STF.

Com efeito, as circunstâncias que conduziram ao rebaixamento da discussão ao plano infraconstitucional pelo Tema n. 243 do STF não podem servir para “blindar” uma inconstitucionalidade dessa magnitude. Do contrário, aquele leading case faria as vezes do retrato de Dorian Gray em nosso sistema jurídico: por um lado, a exteriorização de uma valorização ímpar da igualdade, notavelmente superior até à verificada em ordenamentos-modelos; por outro, um anômalo superprivilégio repulsivo às consciências jurídicas mais condescendes, que se perpetuaria na penumbra, sem despertar maior atenção ou reação.

E não seria a primeira vez que o Tribunal reagiria devidamente à elevação para o plano constitucional de um debate desenvolvido, a princípio, sob o enfoque infraconstitucional. Foi, com efeito, o que ocorreu no Tema n. 36870, cuja afetação decorreu de inconstitucionalidade declarada pelo TRF da 4ª Região, assim como nos referidos Temas 808 e 962 (tributação dos juros de mora), também em resposta a iniciativas semelhantes do TRF-4, tendo o STF, em todos esses casos, implementado notável inflexão, tendo-se em vista a linha que prevalecia, até então, no STJ. A diferença, agora, é que os principais fatores de revisão do Tema n. 243 provêm, em grande medida, do próprio STF, seja o atual status quaestionis dos reflexos da isonomia em matéria de juros de mora, sejam as implicações da racionalidade do superveniente Tema n. 962.

Sempre é tempo de corrigir um erro, seja ele escusável ou não. É inconcebível que uma inconstitucionalidade chapada como a que inquina o art. 167, parágrafo único, do CTN seja simplesmente esquecida, ainda que a recente EC n. 113/2021 tenha equalizado o problema para situações a ela posteriores. Esse (re)encontro do STF com o tema há de acontecer e há de ter outro desfecho, para o bem de todos os envolvidos e interessados.

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1 “Os juros moratórios, na repetição do indébito tributário, são devidos a partir do trânsito em julgado da sentença.”

2 “A questão da definição do termo inicial dos juros moratórios nas ações de repetição de indébito tributário tem natureza infraconstitucional e a ela são atribuídos os efeitos da ausência de repercussão geral.”

3 “Art. 133. A restituição vence juros de seis por cento ao ano, não capitalizáveis, a partir do trânsito em julgado da decisão definitiva que a determinar.”

4 Trabalhos da Comissão Especial do Código Tributário Nacional. Rio de Janeiro: Ministério da Fazenda, 1954, p. 224.

5 Fazendo justiça a Aliomar Baleeiro, relator do projeto proposto após o encerramento dos trabalhos da Comissão Especial (PL n. 4.834/1954), deve ser registrado que o seu substancioso relatório foi apresentado ainda em 1958. Só 8 (oito) anos depois é que a tramitação legislativa foi retomada por meio do PL n. 13/1966, que aproveitou o material preexistente, sendo aprovado em tempo recorde, sem qualquer discussão.

6 Dossiê do PLP n. 141/2000. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1232581&filename=Dossie-PLP%20141/2000. Acesso em: 30 jun. 2023.

7 “Salvo contra a Fazenda Pública, sendo a obrigação ilíquida, contam-se os juros moratórios desde a citação inicial para a ação.”

8 “Sendo ilíquida a obrigação, os juros moratórios, contra a Fazenda Pública, incluídas as autarquias, são contados do trânsito em julgado da sentença de liquidação.”

9 “O art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação da Lei 11.960/09, não modificou o termo a quo de incidência dos juros moratórios sobre as obrigações ilíquidas devidas pela Administração ao servidor público, aplicando-se, consequentemente, as regras constantes dos arts. 219 do CPC e 405 do Código Civil, os quais estabelecem a citação como marco inicial da referida verba.”

10 “O termo inicial dos juros de mora, em ação de cobrança de valores pretéritos ao ajuizamento de anterior mandado de segurança que reconheceu o direito, é a data da notificação da autoridade coatora no mandado de segurança, quando o devedor é constituído em mora (art. 405 do Código Civil e art. 240 do CPC).”

11 “Nos termos do art. 167, parágrafo único, do CTN e da Súmula 188/STJ, ‘Os juros moratórios, na repetição do indébito tributário, são devidos a partir do trânsito em julgado da sentença’. Tal regime é aplicável à repetição de indébito de contribuições previdenciárias, que também têm natureza tributária.”

12 “A taxa de juros de mora incidente na repetição de indébito de tributos estaduais deve corresponder à utilizada para cobrança do tributo pago em atraso, sendo legítima a incidência da taxa Selic, em ambas as hipóteses, quando prevista na legislação local, vedada sua cumulação com quaisquer outros índices.”

13 “Incide a taxa Selic na repetição de indébito de tributos estaduais a partir da data de vigência da lei estadual que prevê a incidência de tal encargo sobre o pagamento atrasado de seus tributos e, relativamente ao período anterior, incide a taxa de 1% ao mês, nos termos do art. 161, § 1º, do CTN, observado o disposto na súmula 188/STJ, sendo inaplicável o art. 1º-F da Lei 9.494/97.”

14 “3.3 Condenações judiciais de natureza tributária. A correção monetária e a taxa de juros de mora incidentes na repetição de indébitos tributários devem corresponder às utilizadas na cobrança de tributo pago em atraso. Não havendo disposição legal específica, os juros de mora são calculados à taxa de 1% ao mês (art. 161, § 1º, do CTN). Observada a regra isonômica e havendo previsão na legislação da entidade tributante, é legítima a utilização da taxa Selic, sendo vedada sua cumulação com quaisquer outros índices.”

15 “Aplica-se a taxa Selic, a partir de 1º.1.1996, na atualização monetária do indébito tributário, não podendo ser cumulada, porém, com qualquer outro índice, seja de juros ou atualização monetária. Se os pagamentos foram efetuados após 1º.1.1996, o termo inicial para a incidência do acréscimo será o do pagamento indevido; havendo pagamentos indevidos anteriores à data de vigência da Lei 9.250/95, a incidência da taxa Selic terá como termo a quo a data de vigência do diploma legal em tela, ou seja, janeiro de 1996.”

16 TORRES, Ricardo Lobo. Restituição de tributos. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 53.

17 MACHADO, Brandão. Repetição do indébito no direito tributário. In: MACHADO, Brandão (coord.). Direito tributário: estudos em homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 93.

18 TORRES, Ricardo Lobo. Restituição de tributos. Rio de Janeiro: Forense, 1983 p. 54.

19 SANTIAGO, Igor Mauler. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães et alli (coord.). Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: MP Editora, 2005, p. 1.238.

20 Compartilham dessa posição, exemplificativamente, Aroldo Gomes de Mattos (A incidência da taxa “Selic” como juros na compensação ou restituição do indébito tributário. Revista Dialética de Direito Tributário n. 43. São Paulo: Dialética, abr. 1999, p. 11-3), Hugo de Brito Machado (Curso de direito tributário. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 208), Ives Gandra da Silva Martins e Paulo Lucena de Menezes (Crédito-prêmio de IPI. Embargos à execução: ocorrência de preclusão da aplicação da Resolução CIEX n. 02/79. Juntada de documentos em fase de execução. Juros de mora: critérios de incidência. Revista Dialética de Direito Tributário n. 50. São Paulo: Dialética, nov. 1999, p. 106-8), Luciano Amaro (Direito tributário brasileiro. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 411), Regina Helena Costa (Curso de direito tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 203-4), Ricardo Alexandre (Direito tributário esquematizado. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 416), Robson Maia Lins (A mora no direito tributário. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2008, p. 338-9) e Zelmo Denari (Infrações tributárias e delitos fiscais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 74).

21 CERQUEIRA, Marcelo Fortes. Repetição do indébito tributário: delineamentos de uma teoria. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 422-4.

22 LAURENTIIS, Thais Catib de. Restituição de tributo inconstitucional. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2014, p. 145-56.

23 AI no REsp n. 215.881, Corte Especial, rel. p/ acórdão Ministro Nilson Naves, DJ 8.4.2002.

24 REsp n. 44.223, 1ª Turma, rel. p/ acórdão Ministro Garcia Vieira, DJ 12.9.1994.

25 Por exemplo: REsp n. 878.508, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJ 14.12.2006.

26 Por exemplo: REsp n. 313.402, 2ª Turma, Rel. Min. Franciulli Netto, DJ 19.5.2003.

27 REsp n. 1.086.935, 1ª Seção, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 24.11.2008.

28 Por exemplo: AgInt nos EDcl no AREsp n. 1.774.367, 1ª Turma, Rel. Min. Gurgel de Faria, DJe 20.10.2022.

29 Tanto assim que é comum a adoção de índice neutro de correção até o trânsito em julgado e, só depois, da Selic, ex vi da Súmula n. 188. Por exemplo: TJMG, Proc. n. 1.0000.20.560212-1/003, Rel. Desembargador Wilson Benevides, j. 20.6.2023; e TJPR, Proc. n. 0004720-55.2015.8.16.00042, Rel. Everton Luiz Penter Correa, j. 02.05.2023.

30 Por exemplo: RE n. 85.791, 1ª Turma, Rel. Min. Cunha Peixoto, DJ 29.4.1977; RE n. 82.851, 1ª Turma, Rel. Min. Eloy da Rocha, DJ 13.5.1977; e RE n. 90.232, 2ª Turma, Rel. Min. Djaci Falcão, DJ 1.12.1978.

31 O ponto foi enfatizado pelo Ministro Cordeiro Guerra no RE n. 90.656: “O Código Tributário Nacional reconhece a insuficiência dos juros moratórios fixados no art. 1.062 do Código Civil – ao estabelecer que os juros moratórios, de regra, são calculados à taxa de 1% ao mês – art. 161, § 1º, do CTN.”

32 TRF-4, 2ª Turma, AC n. 89.04.10073-9, Rel. Juiz Federal Teori Albino Zavascki, DJ 28.3.1990.

33 RE n. 83.041, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cordeiro Guerra, DJ 15.8.1980.

34 Por exemplo: RE n. 80.276, 1ª Turma, Rel. Min. Rodrigues Alckmin, DJ 8.7.1976; RE n. 84.350, 2ª Turma, Rel. Min. Leitão de Abreu, DJ 16.8.1976; e RE n. 83.929, 2ª Turma, Rel. Min. Bilac Pinto, DJ 17.9.1976.

35 Por exemplo: ACO n. 231, Tribunal Pleno, Rel. Min. Décio Miranda, DJ 6.4.1979; e ACO n. 342, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, DJ 17.6.1988.

36 Por exemplo: RE n. 250.609, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 21.3.2003; e RE n. 405.885, 1ª Turma, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 9.9.2005.

37 Embora a ementa do AI n. 632.644 (1ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 7.12.2007) sugira o contrário ao afirmar que “[o] art. 167, parágrafo único, do CTN foi recepcionado pela CF 88”, o voto condutor desmente esta impressão, tendo, na verdade, entendido tratar-se de ofensa indireta à Constituição.

39 RE n. 596.492, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe 16.4.2010.

40 “II – É legítima a utilização, por lei, da taxa Selic como índice de atualização de débitos tributários.”

41 RE n. 479.956, 1ª Turma, Rel. Min. Rosa Weber, DJe 11.12.2019.

43 VELLOSO, Andrei Pitten. O princípio da igualdade tributária: da teoria da igualdade ao controle das desigualdades impositivas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 52.

44 Esse critério é endossado por Karl Larenz (Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Tradução: José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 471-2) e Klaus Tipke (Princípio de igualdade e idéia de sistema no direito tributário. Tradução: Brandão Machado. In: MACHADO, Brandão (coord.). Direito tributário: estudos em homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 520). Também Neil MacCormick, embora sem aludir especificamente à isonomia, dá ênfase ao liame entre a quebra de coerência e a arbitrariedade (Retórica e o Estado de Direito: uma teoria da argumentação jurídica. Tradução: Conrado Hübner Mendes e Marcos Paulo Veríssimo. Rev. Téc.: Cláudio Michelon Jr. Rio de Janeiro: Elsevier; Campus Jurídico, 2008, p. 260-1).

45 VELLOSO, Andrei Pitten. O princípio da igualdade tributária: da teoria da igualdade ao controle das desigualdades impositivas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 113 e 209

46 ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 126-7, 134-7 e 180.

47 TIPKE, Klaus; LANG, Joachim. Direito tributário. Tradução: Elisete Antoniuk. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2014. vol. III, p. 403.

48 Deve ser esclarecido que os juros previstos no § 237 do AO guardam correspondência com aqueles que, no sistema brasileiro, correm durante a pendência do processo administrativo fiscal ou dos embargos à execução.

49 ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 126.

50 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Tradução: José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 475-9.

51 ADI n. 4.425, Tribunal Pleno, rel. p/ acórdão Ministro Luiz Fux, DJe 18.3.2013.

52 “O art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, com a redação dada pela Lei n. 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput).”

53 RE n. 1.350.069 AgR, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 17.4.2023.

54 MATTOS, Aroldo Gomes de. A incidência da taxa “Selic” como juros na compensação ou restituição do indébito tributário. Revista Dialética de Direito Tributário n. 43. São Paulo: Dialética, abr. 1999, p. 12 e 15.

55 Nesse sentido: REsp n. 206.991, 1ª Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 8.5.2000.

56 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira de. Imposto de Renda das empresas. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 113.

57 Nesse sentido: RE n. 4.756, Tribunal Pleno, Rel. Min. Castro Nunes, j. 3.5.1943.

58 RE n. 1.063.187, Tribunal Pleno, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 15.12.2021.

59 “Não incide imposto de renda sobre os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função.”

60 “Os juros compensatórios surgiram como sucedâneo dos juros moratórios, que, à época, eram incabíveis contra a Fazenda Pública senão após o trânsito em julgado da respectiva decisão condenatória (art. 3º do Decreto 22.785/1933).” (RODRIGUES, Rodrigo Cordeiro de Souza. Juros e correção monetária judiciais. 3. ed. São Paulo: JusPodivm, 2023, p. 178-9). No mesmo sentido: HARADA, Kiyoshi. Desapropriação: doutrina e prática. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 142-3.

61 Embora no recente julgamento do mérito da ADI n. 2.332 tenha sido frequente a assunção de que eles pretendiam fazer as vezes de correção monetária, o fato é que, pelo menos desde 1965, o próprio Decreto-lei n. 3.365/1941 já previa expressamente a atualização anual do valor da indenização (art. 26, § 2º).

62 RE n. 90.656, Tribunal Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 26.9.1980. Na mesma linha: RE n. 85.209, 1ª Turma, Rel. Min. Rodrigues Alckmin, DJ 6.5.1977.

63 “Aquele que recorre à ficção jurídica manifesta uma revolta contra a realidade jurídica, a revolta de quem acredita não ter condição de modificá-la, mas recusa-se a submeter-se a ela, porque ela o obrigaria a uma decisão que julga injusta, inadequada ou insensata. Para solucionar o problema, a maneira mais conforme à tradição, que submete o poder judiciário ao legislativo, seria modificar os textos legais. Mas se o legislador demora a manifestar-se, os tribunais podem igualmente dar um fim na ficção, reinterpretando os textos, saindo da ideologia positivista e legalista do direito [...].” (PERELMAN, Chaïm. Lógica jurídica: nova retórica. Tradução: Vergínia K. Pupi. Rev. de Tradução: Maria Ermanina Galvão. Rev. Téc.: Gildo Rios. São Paulo: Martins Fontes, 2014, p. 89)

64 O ponto foi bem enfatizado pelo Ministro Edson Fachin na ADI n. 2.332, inclusive fortalecendo a tese do cabimento de juros moratórios em situações como a ora sob exame: “[...] a desapropriação, tendo assento constitucional, não é um ato ilícito do Poder Público, mas sim um ato intensamente regulamentado a fim de conformar, nos limites da lei, o direito individual ao interesse público. Portanto, não é possível compreender-se a figura dos juros compensatórios como uma retribuição por um ilícito praticado contra o particular [...].”

65 “Os juros moratórios, na desapropriação direta ou indireta, contam-se desde o trânsito em julgado da sentença.”

66 “Art. 15-B Nas ações a que se refere o art. 15-A, os juros moratórios destinam-se a recompor a perda decorrente do atraso no efetivo pagamento da indenização fixada na decisão final de mérito, e somente serão devidos à razão de até seis por cento ao ano, a partir de 1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, nos termos do art. 100 da Constituição.”

67 “[...] os juros têm sempre um único fundamento (a privação do uso de elemento que integra o patrimônio de alguém), e, em razão desse fundamento, eles são sempre compensatórios. Ocorre, porém, que essa privação pode ser lícita ou ilícita. Quando ela é somente lícita [...], os juros pela privação do uso do capital se denominam compensatórios. Quando ela é somente ilícita [...], os juros pela privação do uso da coisa se denominam moratórios (a mora começa a correr do momento em que o ato ilícito é praticado).”

68 ADI n. 2.332, Tribunal Pleno, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 16.4.2019.

69 Trata-se, salvo melhor juízo, da leitura mais fidedigna de proposições como a do Ministro Alexandre de Moraes, que abriu a divergência parcial que se sagrou vitoriosa no ponto, no sentido de que “[a] perda da propriedade é compensada pelo valor principal, pela correção monetária e pelos juros moratórios, como se ele houvesse vendido para alguém”, ou a do Ministro Ricardo Lewandowski, de que “[o] Estado paga, sim, o preço de mercado, que é aferido pela perícia, depois ele paga a correção monetária e os juros moratórios, pela demora. Agora, os compensatórios, data venia, precisam ser provados para evitar situações de injustiças.”

70 Eis a descrição constante do portal próprio: “Incidência do imposto de renda de pessoa física sobre rendimentos percebidos acumuladamente. Obs.: revisão de tese do tema 133, o qual não tinha repercussão geral.” Já a respectiva tese foi assim redigida: “O Imposto de Renda incidente sobre verbas recebidas acumuladamente deve observar o regime de competência, aplicável a alíquota correspondente ao valor recebido mês a mês, e não a relativa ao total satisfeito de uma única vez.”