A não Cumulatividade das Contribuições Sociais sobre a Receita

The Non-cumulative Method of Social Contributions on Revenue

Humberto Ávila

Professor Titular de Direito Tributário da Universidade de São Paulo. E-mail: humberto.avila@humbertoavila.com.br.

Recebido em: 3-10-2023 – Aprovado em: 17-10-2023

https://doi.org/10.46801/2595-6280.55.5.2023.2452

Resumo

O presente artigo reconstrói o conteúdo normativo da não cumulatividade das contribuições sociais sobre a receita com base na Constituição. Examina criticamente tanto a tese de que a não cumulatividade das contribuições sociais sobre a receita teria natureza legal e, por conta disso, poderia ser livremente conformada pelo legislador infraconstitucional, quanto a tese de que o revendedor só poderia compensar aquilo que foi cobrado a título de contribuição sobre a receita na operação anterior. Baseado em categorias normativas, linguísticas e lógicas, sustenta que o significado da não cumulatividade das contribuições sociais sobre a receita está implicitamente previsto na Constituição e tem seu conteúdo vinculado à natureza do tributo e às estruturas conceituais pressupostas para sua compreensão e evocadas na sua instanciação. Conclui que as restrições legais à inclusão do valor dos impostos sobre o consumo incidentes sobre a aquisição de bens e insumos é inconstitucional por violar a matriz constitucional das contribuições sociais sobre a receita, o princípio da igualdade e o postulado da proporcionalidade.

Palavras-chave: não cumulatividade, contribuições sociais sobre a receita, impostos sobre o consumo, créditos a compensar.

Abstract

This article reconstructs the normative content of the non-cumulative method of social contributions on revenue based on the Constitution. It critically examines both the thesis that the non-cumulative method of social contributions on revenue has a legal nature and, therefore, may be freely shaped by the legislator, and the thesis that the reseller may only offset the amount that was charged as a contribution on revenue in the previous transaction. Based on normative, linguistic, and logical categories, it defends the view that the meaning of the non-cumulative method of social contributions on revenue is implicitly provided for in the Constitution itself and has its content linked to the nature of the tax and to the conceptual structures presupposed for its understanding and invoked in its instantiation. It concludes that legal restrictions on the inclusion of the value of consumption taxes incurred on the acquisition of goods and inputs are unconstitutional because they violate the constitutional framework of social contributions on revenue, the principle of equality and the postulate of proportionality.

Keywords: non-cumulative method, social contributions on revenue, consumption taxes, credits to be offset.

Introdução

O presente artigo analisa o significado da expressão “não cumulativas” constante do enunciado constitucional de acordo com o qual “as contribuições sobre a receita serão não cumulativas”. Reveste-se tal análise de suma importância e atualidade na medida em que a exigência constitucional de “não cumulatividade”, aplicada como sempre foi aos impostos sobre o consumo, após sucessivas mudanças constitucionais e legais passou a também ser aplicável às contribuições sociais sobre a receita. Reconstruir seu conteúdo constitucional tornou-se, pois, essencial e urgente.

A Constituição de 1988, nos termos da redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional n. 20/1998, atribui competência à União para instituir “contribuições sociais do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre a receita ou o faturamento” (art. 195, caput e I, “b”). Prevê também, no mesmo artigo, agora com a redação conferida pela Emenda Constitucional n. 42/2003, que “A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não cumulativas” (art. 195, § 12).

Dado que a Constituição, no que respeita aos impostos sobre produtos industrializados e operações relativas à circulação de mercadorias, dispõe que a não cumulatividade será efetivada “compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores” (arts. 153, § 3º, II e 155, § 2º, I), mas com relação às contribuições sobre a receita ou o faturamento apenas estabelece que a lei “definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições [...] serão não cumulativas”, surge a questão de saber se a não cumulatividade das mencionadas contribuições, em razão da suposta ausência de especificação constitucional quanto ao seu modo de efetivação, poderia ser livremente conformada pelo legislador.

Essa discussão assume relevância na determinação dos créditos a serem apurados sob a sistemática não cumulativa de cobrança das contribuições sociais, especificamente para responder se o ICMS e o IPI incidentes sobre as operações de aquisição de bens para revenda ou insumos integrariam ou não o valor de créditos a serem apurados pelo contribuinte.

No que diz respeito ao ICMS, tal indagação cresce em importância com a nova redação que dá a Lei n. 14.592/2023, fruto da conversão da Medida Provisória n. 1.147/2002, tanto ao inciso III do § 2º do art. 3º da Lei n. 10.637/2002, relativamente à contribuição ao PIS, quanto ao inciso III do § 2º do art. 3º da Lei n. 10.833/2003, a propósito da Cofins. Na dicção desses dispositivos, “Não dará direito a crédito o valor do ICMS que tenha incidido sobre a operação de aquisição”. No que toca ao IPI, a mesma indagação se faz presente, embora em decorrência de os incisos I e III do parágrafo único do art. 171 da Instrução Normativa n. 2.121/2022, incluídos pela Instrução Normativa n. 2.152/2023, terem estabelecido que não geram direito a crédito, respectivamente, o ICMS e o IPI incidentes na venda do bem pelo fornecedor.

De acordo com a exposição de motivos da citada Medida Provisória, como a lei passou a excluir o valor do ICMS da base de cálculo das contribuições – em decorrência da decisão prolatada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário n. 574.706 (Tema n. 69) –, segue-se que tal valor, por suposta consequência lógica, deveria também ser excluído dos créditos a serem deduzidos do montante a pagar: “se o valor do ICMS destacado na Nota Fiscal não está sujeito ao pagamento das contribuições, consequentemente não deveria dar direito ao crédito”; “o valor do ICMS destacado na Nota Fiscal, conforme decisão do Supremo, não integra o preço/valor do produto, visto que apenas transita no caixa das empresas para depois ser recolhido aos estados. Logo, na apuração dos créditos da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins na forma prescrita no inciso I do § 1º do art. 3º da Lei n. 10.833, de 2003, deve ser efetuada também a exclusão do valor do ICMS destacado na Nota Fiscal de aquisição” (destaques meus).

O importante aqui é que, ao justificar a introdução das modificações legais, a União – sabendo ou não, querendo ou não, pouco importa – terminou por sufragar duas teses com relação à exigência constitucional de não cumulatividade das contribuições sobre a receita.

Em primeiro lugar, a tese da natureza legal da não cumulatividade das contribuições sobre a receita, consoante a qual poderia a referida não cumulatividade ser livremente conformada pelo legislador. Seu fundamento repousa na suposta ausência de especificação constitucional quanto ao modo de efetivação da não cumulatividade das contribuições sobre a receita. Em termos argumentativos, poder-se-ia decompor analiticamente essa tese da seguinte forma:

Como a exigência de não cumulatividade tem seu conteúdo materialmente especificado pela Constituição (premissa maior);

E esta não especificou o modo como a não cumulatividade deve ser efetivada para as contribuições sobre a receita (premissa menor);

Então o legislador é livre para especificar o modo como a não cumulatividade será efetivada para as contribuições sobre a receita (conclusão).

A premissa implícita de tal argumento é, naturalmente, a de que a Constituição só especifica o modo como a não cumulatividade deve ser efetivada quando o faz direta e expressamente, a exemplo de como procedeu com relação aos impostos sobre produtos industrializados e sobre operações relativas à circulação de mercadorias e prestação de serviços de transporte e de comunicação. Se deixou de fazê-lo com relação às contribuições sobre a receita, segue o raciocínio, então a não cumulatividade para estas poderia ter seu conteúdo livremente conformado pelo legislador.

Em segundo lugar, a tese do “tributo contra tributo”, conforme a qual permitiria a não cumulatividade compensar apenas o que fosse devido em cada operação relativa ao auferimento de receita com o montante cobrado a mesmo título na operação anterior. Seu fundamento reside na presumida existência de simetria entre a base de cálculo do tributo a ser pago pelo vendedor na operação anterior e o crédito a ser compensado pelo comprador/revendedor na operação posterior: se o valor do imposto não compôs a base de cálculo daquela, então, por uma espécie de consequência lógica, tampouco poderia compor o valor do crédito nesta. Em termos argumentativos, poderia tal tese ser analiticamente reconstruída do seguinte modo:

Como o montante passível de ser deduzido como crédito na operação posterior é aquele que foi cobrado na operação anterior (premissa maior);

E o valor do ICMS, por não integrar a base de cálculo das contribuições sobre a receita na operação anterior, não foi cobrado nessa operação (premissa menor);

Então o valor do ICMS não pode compor o valor do crédito a ser descontado na operação posterior (conclusão).

Tal argumento incorre em visível tautologia, pois sua conclusão limita-se a repetir sua premissa: se o que pode ser deduzido é o que foi cobrado na operação anterior (premissa maior), então só pode ser deduzido o que foi cobrado na operação anterior (conclusão). Ao assim se racionar, presume-se como verdadeiro aquilo mesmo que se deveria demonstrar, isto é, que o único montante passível de ser deduzido na etapa posterior é aquele cobrado na anterior. Independentemente desse ponto, a ser endereçado na altura própria, importa neste momento destacar que a premissa subjacente a esse argumento é a de que “o valor do ICMS” teria a mesma natureza na operação anterior, com respeito à composição da base de cálculo das contribuições sobre a receita a serem pagas pelo vendedor, e na operação posterior, relativamente à composição dos créditos a serem descontados pelo comprador/revendedor. De tal sorte que, prossegue o raciocínio, tendo o valor do ICMS idêntico significado nessas operações bilateralmente simétricas, se não constou como débito na operação precedente, também não poderia constar como crédito na operação subsequente.

O presente artigo tem por escopo analisar criticamente essas teses e suas premissas expressas e implícitas, sempre por meio de exemplos ilustrativos e com esteio nas categorias fundamentais do Direito Tributário, da Teoria do Direito, da Filosofia da Linguagem, da Linguística e da Lógica. Por conta disso, está dividido em quatro partes.

Na primeira parte, investiga-se se o significado de determinadas expressões com valor adjetivo – de que é exemplo a expressão “não cumulativas” constante do enunciado constitucional “as contribuições sociais sobre a receita serão não cumulativas” – decorre tão só de uma definição constitucional direta e expressa ou se, antes e também, advém de outros elementos, como da natureza do objeto a que visa modificar e das estruturas conceituais pressupostas para sua compreensão e evocadas em sua instanciação. Para cumprir tal desiderato, serão examinados como os itens lexicais se relacionam entre si, quais as espécies de significado que exprimem e como devem ser interpretados.

Na segunda parte, analisa-se o significado da expressão adjetival “não cumulativas” com supedâneo nos fundamentos expostos na primeira parte, de modo a determinar se a referida expressão experimenta o mesmo significado quando aplicada aos impostos sobre o consumo e quando dirigida às contribuições sobre a receita. Para dar conta de tal tarefa, é feita uma contraposição entre os impostos sobre o consumo e as contribuições sobre a receita no que se refere à natureza, às dimensões e às propriedades de seus significados.

Na terceira parte, examina-se se o significado nominal de um item lexical – de que é exemplo a expressão “o valor do ICMS” integrante do enunciado legal “Não dará direito a crédito o valor do ICMS que tenha incidido sobre a operação de aquisição” – possui um único sentido, ou se antes comporta sentidos diversos, a depender do elemento saliente enfocado e da perspectiva sob a qual analisado.

Na quarta e derradeira parte, escrutina-se se o critério eleito pelo legislador – a inclusão, pelo fornecedor, do valor do ICMS na base de cálculo das contribuições sobre a receita – para efeito de delimitar o valor dos bens para cálculo dos créditos pode ser utilizado como medida de diferenciação entre os contribuintes sem que isso implique violação ao princípio constitucional da igualdade e ao postulado da proporcionalidade.

Tais são, portanto, as questões que passam doravante a ser enfrentadas da maneira mais clara, concisa e precisa possível.

1. Teoria dos significados

1.1. Significado e composicionalidade

A expressão “não cumulativas”, parte constitutiva da expressão complexa “as contribuições sociais sobre a receita serão não cumulativas”, é expressão adjetival que refere uma propriedade do regime de apuração de um dado tributo – nesse caso, a propriedade de “não ser cumulativo”. Como ficará claro ao longo deste artigo, embora não lhe tenha a Constituição definido o conteúdo direta e expressamente, acabou por fazê-lo por via indireta e implícita, ao empregá-la para denotar uma propriedade do regime jurídico das contribuições sociais sobre a receita.

A tal conclusão prévia se chega por meio do adequado exame do princípio linguístico da composicionalidade – não, porém, no sentido original que lhe atribuiu Frege, de acordo com o qual o valor semântico global de uma expressão será exclusivamente determinado pelo valor semântico de seus constituintes e pela forma como se acham combinados, senão em seu sentido atual, conforme o qual o significado de uma expressão linguística depende da relação vertical e de cima-para-baixo entre o valor semântico da expressão complexa como um todo e o valor semântico de suas partes constituintes (partes todo), de um lado, bem como da relação horizontal, lateral e paralela entre os valores semânticos das partes entre si (partes partes), de outro1.

No caso de expressões complexas compostas por elementos verbais e nominais, por exemplo, o significado do verbo dependerá do nome que funcione como objeto da ação verbalmente denotada2. Assim é que, numa expressão complexa tal como “cortar a grama”, o verbo “cortar” comunica um significado diferente daquele veiculado na expressão complexa “cortar o bolo”: na primeira ocorrência, comporta o sentido específico de aparar, ao passo que, na segunda, traduz o sentido específico de fatiar. Vale dizer, o valor semântico da ação verbal “cortar” em uma dada ocorrência particular varia em função do objeto cortado. Em outras palavras, embora possua o verbo em apreço o sentido convencional geral e constante de causar a separação linear afetando a integridade de um objeto por meio de um instrumento afiado, há certas situações particulares em que, a depender do objeto nominal a que se refira, ele experimentará significados específicos ou modos específicos de instanciação, como sucede nos casos citados, em que “cortar” assume ora a acepção de cortar do modo grama (aparar), ora a de cortar do modo bolo (fatiar). O mesmo se aplica ao verbo “abrir” nas expressões verbais complexas “abrir a boca”, “abrir a porta”, “abrir o freezer”, “abrir o computador”, “abrir a garrafa”, “abrir a pasta”, “abrir espaço”, “abrir caminho”, “abrir a blusa”, “abrir a sessão”, “abrir a cabeça”, “abrir o coração”, entre tantas outras. Em cada qual dessas ocorrências particulares, “abrir” experimenta significados específicos ou modos específicos de instanciação de acordo com o substantivo sobre o qual recai a ação verbal.

Tratando-se já de expressões complexas compostas por elementos nominais substantivos e adjetivos, caso que mais de perto interessa ao tema ora esquadrinhado, o significado do adjetivo dependerá do substantivo a que vise qualificar ou modificar. Na expressão “mala leve”, por exemplo, o adjetivo “leve” denota um significado distinto daquele articulado na expressão “som leve”: na primeira ocorrência, refere-se à dimensão espaço associada à propriedade peso, encerrando o sentido específico de mala com pouco peso; na segunda, remete à dimensão força associada à propriedade intensidade, comunicando o sentido específico de som de baixa intensidade. Quer dizer, o valor semântico transmitido pelo adjetivo “leve” em determinada ocorrência particular varia em função do objeto a que ele visa qualificar ou modificar. Por outros termos, conquanto possua o significado convencional geral e constante de presença em baixa medida de algum elemento, o adjetivo em questão, em determinadas situações particulares, a depender do substantivo que tencione qualificar ou modificar, experimentará significados específicos ou modos específicos de instanciação, como ocorre nos casos mencionados, em que “leve” assume quer a acepção de leve para uma mala (pouco peso), quer a de leve para um som (baixa intensidade). Igual vale para o adjetivo “longa(o)”, que na expressão “cobra longa” faz referência à dimensão espaço associada à propriedade extensão, enquanto na expressão “DVD longo” alude à dimensão tempo associada à propriedade duração. Em cada uma dessas ocorrências particulares, insista-se, o qualificativo “longo” experimenta significados específicos ou modos específicos de instanciação conforme o substantivo que tem em vista modificar.

Esses singelos exemplos, a que inúmeros outros poderiam somar-se, servem para demonstrar que o valor semântico global de uma expressão depende do valor semântico singular das outras palavras com as quais esteja combinada – não apenas no sentido de que o significado da expressão complexa como um todo depende do significado de suas partes constituintes, senão também no sentido de que o significado das partes constituintes depende de sua relação vertical com o significado da expressão complexa como um todo e de sua relação paralela e lateral com o significado das demais partes constituintes. Tal compreensão do princípio linguístico da composicionalidade é de crucial relevância para o exame do tema ora enfrentado, porquanto permite diferenciar duas espécies de significado: o significado geral convencional e o significado particular específico3.

1.2. Significado de classe e significado de instanciação

O significado geral convencional traduz o sentido lexical mínimo e constante expresso por determinado termo enquanto classe de uma categoria, como visto anteriormente nos casos do verbo “cortar”, que comporta a acepção de causar a separação linear afetando a integridade de um objeto por meio de um instrumento afiado, e do adjetivo “leve”, cujo significado transmite a ideia de presença em baixa medida de algum elemento.

O significado particular específico, por sua vez, traduz o sentido específico que experimenta o item lexical em uma ocorrência particular ou situação concreta de proferimento, em razão do contexto linguístico e extralinguístico em que inserido, enquanto instanciação do significado geral convencional básico, como verificado nos casos dos significados do verbo “cortar” como cortar do modo grama (aparar) e cortar do modo bolo (fatiar) ou do adjetivo “leve” como leve para uma mala (pouco peso) e leve para um som (baixa intensidade).

A contraposição entre o significado geral convencional e o significado particular específico é tratada de diferentes formas e sob diversas nomenclaturas pela literatura da Filosofia da Linguagem e da Linguística: significado constante x significado ocasional (standing meaning x occasion meaning)4; significado-classe x significado-instanciação (word-type x word-token)5; significado-caráter x significado-conteúdo (character x content)6. Para os estritos propósitos deste estudo, basta constatar que a distinção entre significado-classe e significado-instanciação guarda sutil distância daquela entre significados homônimos.

No caso da ambiguidade por homonímia, uma mesma palavra, dita homônima, exprime mais de um significado conjunto alternativo e não relacionado. É o que se dá, por exemplo, com o vocábulo “banco”, que comunica o significado de instituição financeira, lugar para se sentar e elevação de areia no mar ou em rio. Nesse caso, portanto, um mesmo termo veicula significados independentes e não relacionados entre si, ocasionando três entradas lexicais separadas, ainda que sob a mesma grafia7. No caso que ora se escrutina, entretanto, o significado-classe permite uma entrada lexical básica, geral e constante, a indicar o sentido mínimo ou básico de determinado item lexical, ao passo que o significado-instanciação sinaliza uma especificação daquele significado básico, geral e constante para uma ocorrência particular em determinado domínio de instanciação e relativamente a determinada propriedade. É o que se pôde verificar no caso do adjetivo “longo”: quando dirigido a um objeto fisicamente existente, seu significado relaciona-se a determinado domínio (espaço) e indica determinada propriedade (extensão), como exemplifica a expressão “cobra longa”; quando alusivo a uma entidade abstrata, remete a outro domínio (tempo) e aponta para outra propriedade (duração), como ilustra a expressão “DVD longo”.

Pois bem, as considerações tecidas até aqui já se afiguram suficientes para alcançar conclusões prévias essenciais acerca do tema ora tratado: primeiro, servem para demonstrar que o valor semântico de uma expressão complexa – como é o caso da expressão “as contribuições sociais sobre a receita serão não cumulativas” – depende, de um lado, da relação vertical entre o significado de suas partes constituintes e o significado da expressão completa, ao mesmo passo que, de outro, da relação horizontal e paralela do significado de uma dessas partes com o significado das demais partes que a integram; segundo, permitem evidenciar que no caso de expressões que cumprem função adjetiva – a exemplo da expressão “não cumulativas” – o significado do adjetivo em uma dada ocorrência particular depende do significado do substantivo a que vise qualificar ou modificar, variando, pois, conforme a natureza de que este é dotado, as dimensões que pressupõe e as propriedades que evoca; terceiro e por consequência, prestam-se a comprovar que não podem as expressões adjetivais ser interpretadas isoladamente dos objetos que qualificam ou modificam, senão à luz da interação que com eles estabelecem.

Essa última conclusão torna oportuna a contraposição entre duas modalidades de interpretação do significado de expressões linguísticas – de que é exemplo a expressão “não cumulatividade”, objeto de análise no presente artigo. São elas a interpretação isolacionista e a interpretação interacionista.

1.3. Interpretação isolacionista e interpretação interacionista

De acordo com a interpretação isolacionista, o significado de um item lexical (ou lexema) não depende de sua relação quer com o significado do enunciado de que faz parte, quer com o significado dos outros itens lexicais (ou lexemas) que também fazem parte do mesmo enunciado. Sob tal concepção, o significado de um lexema é qual uma ilha em um arquipélago: isolada, sem comunicação com o significado das outras ilhas lexicais circunjacentes. A essa espécie de interpretação conferiu Cohen uma descrição tão plástica quanto precisa:

“Conforme a interpretação isolacionista, o significado de uma palavra presente em uma frase particular é insulado contra a interferência do significado de qualquer outra palavra presente na mesma frase. De acordo com tal visão, a composição de uma frase assemelha-se à construção de uma parede com tijolos de diferentes formatos. O resultado depende das propriedades das partes e do padrão de sua combinação. Mas, assim como cada tijolo tem exatamente o mesmo formato em cada parede ou em parte da parede para a qual é movido, assim também o sentido padrão de uma palavra ou frase é exatamente o mesmo em toda a frase ou em parte da frase na qual esteja presente.”8

A interpretação isolacionista, em conexão com a acepção de composicionalidade que pressupõe, pode ser visualmente representada por meio do seguinte gráfico:

Humberto1.jpg

Do esquema acima resulta claro, de um lado, que o significado dos itens lexicais, retratados como figuras retangulares autônomas, à semelhança de tijolos, independe do significado dos outros itens que compõem o enunciado objeto de interpretação; de outro, que os significados individuais dos referidos lexemas contribuem para o significado global da expressão complexa, mas que a recíproca não é verdadeira.

Sob o prisma da interpretação interacionista, em contrapartida, o significado de um item lexical tanto depende de sua relação com o significado do enunciado de que faz parte quanto daquela que mantém com o significado dos outros itens lexicais que também fazem parte do mesmo enunciado. Diversamente da concepção anterior, portanto, nesta outra o significado de um lexema não se acha ilhado: mantém vasos comunicantes com o significado dos demais lexemas vizinhos que compõem o enunciado objeto de interpretação e o discurso de que este faz parte. Com igual verve o mesmo autor assim descreveu esse modo de interpretação:

“O interacionismo faz uma asserção contraditória: em certas frases de algumas línguas, o significado de uma palavra em uma frase pode ser determinado, em parte, pelo contexto verbal daquela frase […]. De acordo com essa concepção, a composição de uma frase assemelha-se mais à construção de uma parede com sacos de areia de diferentes tipos. Apesar de o tamanho, a estrutura, a textura e o conteúdo do saco de areia restringirem a gama de formatos que ele pode apresentar, o formato efetivo que adota em uma situação particular depende em maior ou menor medida dos formatos adotados pelos outros sacos de areia na parede, sendo que o mesmo saco de areia pode assumir um formato diferente em outra parede ou numa diferente posição na mesma parede.”9

A interpretação interacionista, em conexão com a acepção de composicionalidade que lhe é subjacente, pode ser visualmente representada por meio do seguinte gráfico:

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Dessa outra representação resta evidente, de um lado, que o significado dos itens lexicais, retratados agora como figuras circulares limitadas atuando reciprocamente umas sobre as outras, como sacos de areia, depende do significado dos demais itens que compõem o enunciado objeto de interpretação; de outro, que os significados individuais dos referidos itens contribuem para o significado global da expressão complexa, e vice-versa.

Vê-se, portanto, que a contraposição que assim se estabelece entre interpretação isolacionista e interpretação interacionista, mais que oportuna, é fundamental para o tema ora enfrentado. Com efeito, se o significado de uma expressão complexa depende, de um lado, da relação vertical entre o significado de suas partes constituintes e o significado da expressão tomada em seu todo, assim como, de outro, da relação horizontal e paralela dos significados das partes constituintes entre si; e o significado do adjetivo em uma dada ocorrência particular depende do significado do substantivo que ele vem a qualificar ou modificar; então simplesmente não podem as expressões adjetivais ser interpretadas sob uma óptica isolacionista, isto é, separadamente dos objetos que têm em mira qualificar ou modificar, como se fossem ilhas linguísticas apartadas dos enunciados e dos discursos dos quais fazem parte.

A rigor, o fenômeno que se está a analisar, a par de constituir uma manifestação específica da interpretação sistemática, é ilustrado pelo cânone noscitur a sociis (o significado de um termo se conhece por seus companheiros), de acordo com o qual o contexto linguístico imediato de um termo ou expressão, marcado pelas palavras ou frases vizinhas, resulta essencial para delimitar-lhe o sentido10. Afinal, se de um lado é preciso constatar que “compreender é separar”, de outro, é necessário não perder de vista que “compreender é relacionar”, o que, em suma, significa que “compreender é, de um lado, cortar e dividir, mas, de outro, juntar e unir”11. Isso significa dizer que não se pode reconstruir um significado constitucional exclusivamente com base no exame isolado dos dispositivos constitucionais que expressa e imediatamente lhe digam respeito; é preciso, em vez disso e baseado no postulado da unidade do sistema jurídico, explicitar as conexões formais e materiais internas do ordenamento para reconstruir as propriedades que necessariamente compõem o referido significado e, por conta disso, não podem ser afastadas pelo legislador ordinário12.

Sendo assim, porém, o significado da expressão adjetival “não cumulativas”, tal como constante do enunciado “as contribuições sociais sobre a receita serão não cumulativas”, depende necessariamente da natureza da expressão “as contribuições sociais sobre a receita”, e das estruturas conceituais pressupostas para sua compreensão e evocadas em sua instanciação.

1.4. Significado e estruturas conceituais

Como visto, o significado das expressões adjetivais constantes de uma frase ou enunciado varia conforme o objeto que qualificam ou modificam. Não obstante, pode tal objeto pressupor o exame de determinadas dimensões ou domínios de instanciação13. Em alguns casos, o exame de diferentes objetos reclamará a consideração de diferentes dimensões e propriedades. Por exemplo, o objeto “som”, como entidade abstrata percebida pela audição, ao compor a expressão adjetival “som leve”, remete à dimensão força e à propriedade intensidade; o objeto “mala”, por sua vez, na qualidade de entidade física concreta, ao integrar a expressão adjetival “mala leve”, remete à dimensão espaço e à propriedade peso. Vale dizer, o exame do sentido de diferentes entidades pressupõe a consideração de diferentes dimensões, como espaço, tempo e função, e evoca diferentes propriedades, como formato, duração e utilidade.

Outros casos há, porém, em que o exame de diferentes objetos demandará a consideração das mesmas dimensões, mas evocará propriedades distintas ou distintas locações dentro dessas propriedades. O objeto “casa”, por exemplo, uma entidade física concreta, ao constituir a já referida expressão adjetival “casa boa” remete à dimensão função e à propriedade específica utilidade para morar; já o objeto “carro”, entidade não menos concreta, ao participar da expressão adjetival “carro bom”, muito embora também remeta à dimensão função, evoca a propriedade específica utilidade para trafegar. Outro não é o caso dos objetos “nadador” e “piloto”: o primeiro, na qualidade de agente social, ao compor a expressão adjetival “nadador veloz”, remete às dimensões espaço, tempo e causa, e evoca a propriedade movimentação acelerada no espaço e no tempo causada pelo corpo; o segundo, embora também se caracterize como um agente social, ao integrar a expressão adjetival “piloto veloz”, remete às mesmas dimensões, mas evoca propriedade específica diversa, qual seja, movimentação acelerada no espaço e no tempo causada pela condução de entidade concreta. Significa dizer, em outras palavras, que tanto César Cielo quanto Ayrton Senna são velozes; não, porém, da mesma forma.

Tais exemplos, a que outros tantos poderiam ser igualmente agregados, satisfazem o propósito de demonstrar, de um lado, que o significado de uma expressão adjetival depende do significado do objeto que ela qualifica ou modifica e, de outro, que o significado do objeto por ela qualificado ou modificado depende das estruturas conceituais que lhe são associadas, isto é, das dimensões de instanciação que ele pressupõe e das propriedades específicas que evoca. A razão de assim ser é singela: uma expressão adjetival denota propriedades, e propriedades são sempre propriedades de alguma coisa14.

Daí decorre que o significado das expressões com valor adjetivo varie conforme o objeto que qualificam ou modificam. E assim é por duas razões especiais. Em primeiro lugar, porque expressões qualificativas ou atributivas de qualidades e estados especificam o grau que uma dada coisa possui de determinada propriedade, grau que sempre dependerá, por sua vez, da natureza da coisa medida. Uma expressão tal como “uma pessoa alta”, por exemplo, transmitirá um significado distinto daquele comunicado pela expressão “um prédio alto”, do mesmo modo que da locução “um elefante grande” não se colherá o mesmo significado extraído da locução “um rato grande”. Por onde se vê que os significados das propriedades “alta” e “grande” variam conforme o tipo de coisa que está sendo medido: se uma entidade abstrata ou concreta; se um evento, um estado ou um processo; e assim por diante.

Definida a natureza do objeto qualificado pela expressão adjetival, será preciso ainda, não obstante, estabelecer uma classe de comparação ou uma classe de referência para que a propriedade a ele atribuída seja correta e adequadamente utilizada e assimilada. Isso porque as pessoas, por exemplo, não são altas ou baixas em si, mas em comparação com outras e com relação a algum propósito: uma mesma pessoa pode ser “baixa” para ser jogadora de basquete, mas “alta” para ser piloto de “Fórmula 1”.

Em segundo lugar, o significado das expressões adjetivais varia pelo fato de serem aplicadas relativamente a variadas dimensões de instanciação. Nessa medida, as já citadas expressões “cobra longa” e “DVD longo” assumem conotações inteiramente diversas em razão de os lexemas que constituem o núcleo do sintagma adjetival referirem dimensões distintas dos objetos que qualificam: na primeira, o adjetivo “longa” alude à dimensão espaço e à propriedade extensão; na segunda, o adjetivo “longo” remete à dimensão tempo e à propriedade duração. Fenômeno idêntico sucede com a expressão “livro longo”, cujo sentido tanto pode traduzir a noção de que o objeto por ela qualificado, enquanto suporte físico (o tomo), possui grande extensão no âmbito da dimensão espaço, quanto a ideia de que, como conteúdo (a obra), requer considerável período para ser lido na dimensão tempo. É dizer: o significado da propriedade “longo” denota dimensões distintas dos objetos.

O exposto até aqui demonstra que o sentido de um item lexical não depende apenas da relação interativa que mantém com os demais lexemas coocorrentes em um sintagma e a expressão complexa de que fazem parte; depende, também, das estruturais conceituais que lhe são associadas, notadamente das dimensões de instanciação que pressupõe e das propriedades que evoca15. Semelhante concepção, inspirada nas representações de Paradis e Jackendoff, pode ser ilustrada com recurso ao seguinte gráfico:

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Por meio dessa representação, evidencia-se que o significado das expressões linguísticas depende não apenas de significados convencionais ou estipulados, diretos ou indiretos – sempre importantes e diferenciais no âmbito do Direito, dado o caráter autoritativo e direcionador de condutas que lhe é próprio –, senão também das estruturas conceituais a eles associadas e evocadas em seu proferimento.

Essa última constatação torna importante contrapor duas modalidades de significados. São eles o significado expresso e o significado implícito.

1.5. Significado expresso e significado implícito

Ao proferir o enunciado “João e Maria casaram-se muito jovens” no contexto de uma conversa informal em torno das dificuldades típicas do matrimônio, não está o interlocutor transmitindo apenas o significado expresso, derivado da acepção convencional das palavras, de que João e Maria casaram-se muito jovens; está também, de forma latente, comunicando outros significados, a saber: o significado acarretado de que João e Maria não eram casados nem idosos; o significado pressuposto de que existia João, existia Maria e houve um casamento; o significado implícito de que João e Maria casaram “entre si”; e o significado implicado de que não estão felizes. Idêntico fenômeno observa-se no enunciado emitido pelo interlocutor que, indagado se era vegetariano, responde: “Como alguns tipos de carne”. Sob a superfície do significado convencional expresso de que costuma comer alguns tipos de carne, outros significados latentes estão sendo por ele veiculados: o significado acarretado de que se alimenta; o significado pressuposto de que existe e come; o significado implícito de que come alguns tipos de carne, mas não todos; e o significado implicado de que não é vegetariano16.

Tais exemplos, propositadamente singelos, mas elevadamente ilustrativos, demonstram que é preciso atentar, entre outros níveis, para o que é dito (aquilo que é transmitido de acordo com o significado convencional ou estipulado das palavras), o que é acarretado (aquilo que está embutido, por decorrência lógica, no significado do que é dito), o que é pressuposto (aquilo que deve ser considerado verdadeiro para que o que está sendo dito também o seja), o que é especificado (aquilo que é subentendido pelo ato de se dizer algo) e o que é implicado (aquilo que também é dito em adição ao que é expressamente dito)17. É que, a depender da situação de proferimento, cada qual dessas distintas camadas de significação pode vir a compor o significado global do que é comunicado, como o ilustra a seguinte representação gráfica:

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Dessa outra representação resulta claro que há várias camadas de significado além – e por vezes aquém – daquela que resulta da superficialidade sintática dos itens lexicais expressos em determinado enunciado. Essas camadas são aqui retratadas como círculos concêntricos que partem de um círculo central em direção a círculos periféricos, tal como sucede quando uma pedra é arremessada no interior de um lago com águas calmas e seu impacto sobre a superfície da água produz uma perturbação em forma de círculo que se propaga em ondas circulares espalhadas de forma centrífuga pela referida superfície.

No que toca ao caso em pauta, importa atentar especialmente para o nível especificado, também denominado implicitura, explicatura ou enriquecimento pragmático18. É a camada na qual opera o significado que é subentendido no ato de dizer-se algo. Para ainda melhor ilustrá-lo, imagine-se o caso de uma mulher que, aprontando-se para uma festa, grita para o marido do fundo de um closet abarrotado de roupas: “Eu não tenho roupa!”. Que estará ela querendo dizer? Que não possui vestimenta alguma? Decerto que não. O que de fato está a comunicar é que não dispõe do traje “adequado para aquela ocasião”. Tal é também o caso da mãe que, ante o choro copioso do filho pequeno que acabou de cortar o joelho, exclama: “Você não vai morrer!”. Seguramente não está ela querendo dizer que o filho viverá eternamente, apenas que não morrerá em razão “daquele corte” – além de implicar que o ferimento não é grave19. Tais significados estão implícitos nos atos de proferimento das frases, resultando inteiramente transparentes à compreensão dos destinatários.

Logo, se é certo que, para além do significado expresso contido nos enunciados existem outros significados implícitos que também são transmitidos quando de seu proferimento, não será impertinente concluir, por reflexo, que o conteúdo normativo do Direito, mesmo considerando suas especificidades em relação a conteúdos conversacionais particulares, ultrapassa em muito aquilo que é comunicado na superfície sintática de seus enunciados. A esse respeito convém enfatizar que os significados nem sempre se prendem a elementos articulados na superfície sintática dos enunciados: “Muitas vezes eles se escondem em camadas mais profundas da linguagem, a exemplo dos significados originários mediatos decorrentes dos processos linguísticos de expansão/enriquecimento, ou dos significados derivados decorrentes dos processos linguísticos de pressuposição, de implicação e de atos de fala.”20 A esse respeito, a jurisprudência é farta de exemplos, como evidencia, para lançar mão de um único exemplo já examinado pelo Supremo Tribunal Federal, a concretização do princípio da segurança jurídica relativamente a regras de transição não expressas no texto constitucional: “Há, efetivamente, conteúdos do princípio da segurança jurídica que se encontram implícitos no texto constitucional21. Fenômeno semelhante é o que sucede a propósito da não cumulatividade para as contribuições sobre a receita, objeto desta investigação: apesar de seu conteúdo não vir expressamente demarcado no enunciado normativo, como no caso dos impostos sobre o consumo, não há dúvida de que ele está implícito por decorrer tanto da interação entre a expressão adjetival “não cumulativas” e a expressão nominal “as contribuições sociais sobre a receita” quanto das estruturas semânticas associadas a essas expressões.

Pois bem, o que até aqui foi dito basta para demonstrar que a interpretação de uma expressão com valor adjetivo vincula-se à natureza do objeto que ela qualifica e à dimensão que avalia. Como afirma Taylor, “colocar um adjetivo ao lado de um substantivo pode desencadear uma interação complexa entre as estruturas semânticas de ambos”22. Ou, nas palavras de Paradis, “O que é obviamente importante para a interpretação de adjetivos é a natureza do substantivo e a saliência do aspecto do significado do substantivo que é modificado pelo adjetivo.”23 Exatamente o que sucede com a expressão adjetival “não cumulativas”, cujo sentido denota a propriedade evitar sobreposição, sendo tal propriedade, invariavelmente, a da “não sobreposição/cumulação” de alguma coisa sobre a outra. Se, pois, o significado das expressões com valor adjetivo varia de acordo com a natureza do objeto que qualificam, lícito concluir então que o significado da expressão “não cumulativo”, no âmbito do Direito Tributário, também há necessariamente de variar conforme a natureza do tributo que tenha por escopo qualificar.

Por tais razões, ainda que a expressão “não cumulativas” encerre o significado convencional geral e constante (significado-classe) de evitar sobreposição por meio do direito de abater valores ou gerar créditos referentes àquilo que não deve ser sobreposto, seu significado específico (significado-instanciação) há de variar segundo a natureza do objeto a que ela visa modificar, as dimensões de instanciação que tal objeto pressupõe e as propriedades que evoca. Com efeito, a percepção das dimensões pressupostas e das propriedades evocadas pelo sentido dos objetos aos quais relacionada permitirá saber por que a expressão “não cumulativas” experimenta significados específicos conforme a natureza do tributo que ela serve para qualificar, instanciando um significado específico na expressão “impostos sobre consumo não cumulativos” e outro significado específico na expressão “contribuições sobre a receita não cumulativas”. É o que se passa a demonstrar.

2. Aplicação da teoria dos significados ao caso da não cumulatividade

2.1. A não cumulatividade dos impostos sobre o consumo

Quando a não cumulatividade tem por objeto os impostos sobre o consumo, como o IPI e o ICMS, ela exprime o direito à compensação do que é devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou produtos industrializados com o montante cobrado nas operações anteriores. Isso porque tais tributos, conforme sua matriz constitucional (fato gerador e base de cálculo), possuem a seguinte natureza jurídica:

a) são impostos – devem ser pagos independentemente de uma atuação estatal relativa ao contribuinte, da promoção de uma finalidade específica e do destino legal de sua arrecadação;

b) são indiretos – permitem que seu ônus econômico seja juridicamente transferido ao consumidor final das mercadorias ou produtos;

c) são reais – incidem sobre operações que têm por objeto bens (mercadorias e produtos industrializados);

d) pressupõem o exame da totalidade da cadeia econômica – gravam cada operação de venda de mercadorias e produtos industrializados inserida no ciclo econômico que vai da produção ao consumo.

Como se pode perceber, os objetos “impostos sobre produtos industrializados” e “impostos sobre operações relativas à circulação de mercadorias e prestação de serviços de transporte e de comunicação” remetem o intérprete a conteúdos, domínios e propriedades assaz específicos.

No que concerne aos bens, as expressões “produtos industrializados” e “mercadorias” denotam certos artefatos que se qualificam como entidades duradouras e estáveis, dotados de existência substancial e física. Por conta de tais características, aludem a determinados domínios de instanciação, como espaço e função, evocam determinadas propriedades, tanto intrínsecas, como formato, material, dimensão e peso, quanto extrínsecas, como essencialidade para o consumidor e destinação ao consumo, e tornam pertinentes determinadas questões, como integração aos bens e consumição em seu processo de produção.

Com relação à “produção” e à “circulação”, o objeto exprime determinadas entidades estáveis, que perduram ou ocorrem na dimensão tempo, fazendo referência, mais especificamente, a um processo enquanto fenômeno dinâmico complexo ou evento prolongado distribuído de forma serial, conjunta e concatenada nas dimensões espaço e tempo. Devido a esses traços distintivos, pressupõem determinados domínios de instanciação, como espaço e tempo, evocam determinadas propriedades, como mudança, movimentação e duração, e tornam pertinentes determinadas questões, como cumulação de tributos ao longo da cadeia e carga tributária global.

Sendo assim, quando a não cumulatividade tiver por objeto tributos de semelhante natureza (impostos indiretos sobre o consumo cujo fato gerador envolva operações com bens inseridas em uma cadeia econômica, pressupondo objetos físicos e processos dinâmicos de produção e circulação distribuídos no tempo e no espaço de forma sequencialmente encadeada), seu conteúdo necessariamente há de variar em consonância com a natureza desses objetos. Em decorrência, pois, da própria matriz constitucional dos impostos sobre o consumo, a não cumulatividade do IPI e do ICMS tem seu significado vinculado ao ciclo econômico desses bens e aos tributos incidentes sobre as operações que os têm como objeto. Daí que experimente o sentido específico de direito de o contribuinte compensar o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores (tese do “imposto contra imposto”).

Claro está, portanto, que o significado da não cumulatividade dessas espécies tributárias deflui da própria materialidade dos impostos sobre o consumo, aqui examinada não apenas sob o paradigma da virada linguística, mas também sob a perspectiva da virada cognitiva. Tanto é assim que o próprio Supremo Tribunal Federal, ao julgar se casos de isenção ou não incidência de exação na operação anterior ensejariam direito de crédito, asseverou que sua vedação já se achava subentendida na exigência de não cumulatividade, antes mesmo do advento da Emenda Constitucional n. 23/1983, que expressamente incluiu no art. 23 da Constituição de 1969 o seguinte trecho: “A isenção ou não incidência, salvo determinação em contrário da legislação, não implicará crédito de imposto para abatimento daquele incidente nas operações seguintes”. Consoante ressaltou o Tribunal, “a nova Carta, de 1988, tornando explícito o que se achava subentendido no princípio em foco, dispôs, pedagogicamente, que... (citação do art. 155, parágrafo 2º)”24.

Com efeito, o segmento “tornando explícito o que se achava subentendido no princípio em foco, dispôs, pedagogicamente”, aqui grifado, demonstra com absoluta clareza que a vedação ao crédito na operação posterior em casos de isenção ou não incidência de tributação na anterior decorreria da própria não cumulatividade aplicada aos impostos sobre o consumo – em que pese a ausência de disposição expressa nesse sentido naquele momento. Tal constatação é de crucial relevância para o caso em pauta, sobretudo pelo fato de a tese da natureza legal da não cumulatividade das contribuições sobre a receita partir da premissa implícita de que a Constituição só especifica o modo como a não cumulatividade deve ser efetivada quando o faz direta e expressamente, o que, como se acaba de ver, não condiz com a verdade. Como acertadamente decidiu o Supremo Tribunal Federal, o modo como deve a não cumulatividade ser efetivada, dependendo da materialidade do tributo e do objeto sobre o qual recaia a não cumulatividade, pode estar “subentendido” no texto constitucional.

Por essa razão se pode afirmar que a Constituição, a rigor, cuidou apenas e tão somente de explicitar e estreitar o significado da não cumulatividade ao delimitar suas características para o IPI e o ICMS, respectivamente, do seguinte modo (arts. 153, § 3º, II, e 155, § 2º, I):

art. 153, § 3º [...] II – será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores;

155, § 2º, [...] I – será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal; II – a isenção ou não incidência, salvo determinação em contrário da legislação: a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes; b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores; (destaques meus)

Da leitura desses dispositivos ressaem evidenciados os atributos que caracterizam a não cumulatividade dos impostos sobre consumo, a saber:

a) vinculação a bens (mercadorias e produtos industrializados) – tanto é assim que a seletividade dos tributos deve-se à essencialidade desses itens para o consumidor, tendo sido os créditos qualificados jurisprudencialmente (dada a relação com os bens poder ser mais ou menos imediata e mais ou menos direta) como “créditos físicos”, e não como “créditos financeiros”, por exigirem integração ao bem ou consumição em seu processo de produção;

b) vinculação à incidência dos impostos – tanto é assim que só se admite o crédito relativamente ao imposto “cobrado” (incidente) nas operações anteriores, sendo que a isenção e a não incidência não implicarão créditos para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes e acarretarão a anulação do crédito relativo às operações pretéritas;

c) vinculação a um ciclo econômico – tanto é assim que a dicção do preceito constitucional relativo à não cumulatividade usa a expressão “cada operação com o montante cobrado nas anteriores”, designando individualmente fases que formam uma série ou cadeia econômica;

d) transferência do ônus econômico ao consumidor – tanto é assim que a repetição do indébito somente será feita a quem prove haver assumido o encargo financeiro ou tenha autorização de quem o assumiu.

Pois bem, quer tudo isso dizer que a não cumulatividade adquire um conteúdo normativo específico que decorre da natureza do tributo, das dimensões que este pressupõe e das propriedades que evoca. Significa dizer, por conseguinte, que, quando a não cumulatividade disser respeito a (a) impostos, (b) indiretos, (c) sobre consumo, (d) reais e (e) plurifásicos, só será dada a compensação do que for devido em cada operação relacionada à circulação de mercadorias ou produtos industrializados com o montante cobrado nas operações precedentes (tese do “imposto contra imposto”).

Tal conclusão, insista-se, é alcançada, de um lado, pela circunstância de a não cumulatividade ter por referência mercadorias e produtos industrializados, e estes serem qualificados como entidades físicas substanciais, remeterem ao domínio de instanciação espaço, evocarem determinadas propriedades, tanto intrínsecas, como material, formato, dimensão e peso, quanto extrínsecas, como essencialidade e destinação, e suscitarem questões atinentes à incorporação ao bem e à consumição em seu processo de produção; de outro, pela particularidade de a não cumulatividade ter por eixo a circulação de mercadorias e a industrialização de produtos, e estas serem qualificadas como eventos prolongados (processos), remeterem aos domínios de instanciação espaço e tempo, evocarem determinadas propriedades, como mudança, duração e encadeamento, e suscitarem questões pertinentes à tributação do bem na fase anterior e à carga tributária global na cadeia. Desse modo, constituindo a “relação com os bens” o traço distintivo da não cumulatividade associada às referidas espécies tributárias, a tributação sobre eles incidente nas etapas anteriores do ciclo econômico indica qual o critério de aplicação (tributação do bem nas fases anteriores), bem como o seu conteúdo (compensação do tributo devido em cada operação com o montante cobrado nas operações anteriores).

2.2. A não cumulatividade das contribuições sobre a receita

Todavia – e aqui se chega ao ponto crucial do presente artigo –, precisamente pelo fato de seu conteúdo normativo dimanar da natureza do tributo, das dimensões que este pressupõe e das propriedades que evoca, quando a não cumulatividade tiver por objeto tributos outros que, dotados de natureza diversa, pressuponham diferentes dimensões e evoquem distintas propriedades, também ele, seu conteúdo normativo, haverá de ser outro. Tal é o caso da não cumulatividade pertinente às contribuições sociais incidentes sobre a receita ou o faturamento.

Deveras, quando a não cumulatividade tem por objeto as contribuições sobre a receita, como o PIS e a Cofins, ela expressa o direito à compensação do valor do bem adquirido para revenda ou do insumo utilizado para sua produção ou comercialização, de modo a que a tributação incida apenas sobre aquilo que foi agregado na operação da qual resultou o auferimento de receita. Isso porque tais tributos, de acordo com o fato gerador e a base de cálculo previstos na Constituição, revestem-se da seguinte natureza jurídica:

a) são contribuições sociais – devem ser pagos para promover finalidades específicas e financiar gastos com saúde, previdência e assistência social;

b) são diretos – gravam o sujeito passivo e não permitem que seu ônus econômico seja juridicamente transferido ao consumidor final das mercadorias ou produtos;

c) são pessoais – incidem sobre uma grandeza do sujeito passivo (seu faturamento ou receita), e não sobre algo vinculado ao bem;

d) pressupõem o exame dos custos e receitas de cada contribuinte – têm como fato gerador a atividade econômica (fato gerador) da qual resulta o auferimento de receita (base de cálculo), exigindo o cômputo do custo incorrido para a geração dessa receita.

Como resta patente, o objeto “contribuições sociais sobre a receita” remete o intérprete a dimensões e a propriedades diversas daquelas pressupostas e evocadas no caso dos impostos sobre o consumo. É que o termo “receita” exprime uma realidade institucional que, desprovida de estrutura substancial física, depende da sua vinculação a uma pessoa para materializar-se. Por força dessas características, remete a determinados domínios de instanciação, como função, e evoca determinadas propriedades, como definitividade do ingresso patrimonial para determinada pessoa.

Produto de uma atividade econômica, as receitas têm a materialidade condicionada ao seu auferimento, qualificado como um evento que, apreendido de modo momentâneo, é distribuído de forma segmentada e individualizada no espaço, manifestando-se em um único ponto no tempo.

Assim, quando tiver a não cumulatividade por objeto tributos de tal natureza (contribuições sociais diretas cujo fato gerador envolva uma atividade econômica da qual resulte o evento unitário de auferimento de receita), deverá seu conteúdo necessariamente variar em conformidade com ela. Por efeito da própria matriz constitucional das contribuições sobre a receita, portanto, é que a exigência de não cumulatividade do PIS e da Cofins está vinculada ao valor agregado na operação. Daí que traduza o direito que assiste ao contribuinte de compensar o custo incorrido no auferimento da receita (tese da “base contra base”).

Tal constatação serve ao propósito de demonstrar que o significado da não cumulatividade das contribuições sobre a receita deriva de sua própria materialidade, devendo, por conseguinte, possuir as seguintes características:

a) vinculação à geração de receita – tanto é assim que o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte e para a geração de receita, conforme jurisprudência consolidada;

b) vinculação ao custo do bem adquirido para revenda – tanto é assim que elegeu a legislação, como critério básico para o creditamento de insumos, o valor de aquisição do bem, porquanto é o valor da aquisição, e não do tributo, que serve de parâmetro para apurar o que foi necessário para auferir a receita;

c) desvinculação à operação anterior – tanto é assim que a dicção do preceito constitucional relativo à não cumulatividade das contribuições em nenhum momento faz uso da expressão “cada operação com o montante cobrado nas anteriores”, limitando-se a indicar que deverá o legislador escolher o setor em que tais contribuições serão não cumulativas;

d) ausência de transferência do ônus econômico ao consumidor – tanto é assim que a repetição do indébito é feita para o sujeito passivo, na qualidade de tributo, devendo o adquirente suportar esse ônus como preço, não diretamente como tributo.

As considerações precedentes não fazem senão evidenciar que, quando a não cumulatividade disser respeito a (a) contribuições sociais, (b) diretas, (c) sobre a receita do contribuinte, (d) pessoais e (e) unitariamente consideradas, só poderá a dedução aplicar-se ao custo incorrido para a geração da referida receita (tese da “base contra base”).

Tal conclusão, insista-se uma vez mais, é alcançada, de um lado, pela circunstância de a não cumulatividade ter por referência a “receita” do contribuinte e esta ser qualificada como uma entidade institucional, remeter ao domínio de instanciação pessoalidade, evocar determinadas propriedades, como instrumentalidade, e suscitar questões atinentes à essencialidade para a geração da receita; de outro, pela particularidade de a não cumulatividade ter por eixo o “auferimento da receita” e este ser qualificado como evento pontual, remeter aos domínios de instanciação função e tempo, evocar determinadas propriedades, como vinculação à geração de receita, e suscitar questões pertinentes aos custos incorridos para sua ocorrência. Logo, sendo a “relação com a atividade econômica da qual resulta o auferimento de receita” o elemento essencial a distinguir a não cumulatividade associada a essas espécies tributárias, o valor dos custos incorridos para a geração de receita sinaliza qual o critério de aplicação (valor dispendido para a aquisição do bem a ser revendido ou do insumo utilizado para sua produção ou venda) e o seu conteúdo (dedução do custo do bem ou do insumo).

A comparação entre a natureza dos impostos sobre o consumo e a natureza das contribuições sociais sobre a receita evidencia a razão pela qual a não cumulatividade, malgrado comporte um significado básico, geral e constante (significado-classe), experimenta significados específicos distintos para cada qual dessas espécies tributárias (significados-instanciação).

No caso dos impostos sobre o consumo, a não cumulatividade veicula o sentido específico de proibição de mais de uma incidência sobre a operação de venda da mercadoria ou do produto industrializado. Nesse aspecto, se um sapato é formado pela soma de determinadas partes (solado, couro, cola e cadarço), e cada uma delas já sofreu tributação na fase anterior da cadeia econômica, para arredar a cumulação tributária há que se descontar o imposto cobrado nas operações anteriores relativamente a cada uma das partes (“imposto contra imposto”). Daí traduzir a não cumulatividade dos impostos sobre o consumo a proibição de mais de uma incidência sobre a operação de venda do bem e, por implicação, o direito à compensação do tributo cobrado nas operações anteriores.

Já no caso das contribuições sobre a receita, o sentido específico transmitido pela não cumulatividade é o de garantia de incidência do tributo apenas sobre a receita auferida pelo contribuinte pessoalmente onerado naquela operação. Daí traduzir a não cumulatividade das contribuições sobre a receita a garantia de incidência tão somente sobre o valor agregado daquela operação e, por implicação, o direito à compensação do custo incorrido para a geração de sua receita, isto é, o valor total dispendido na aquisição do bem destinado à revenda ou do insumo que será empregado em sua produção ou comercialização.

Como é de ver, tanto a não cumulatividade possui um conteúdo quando aplicada aos impostos sobre o consumo e outro quando aplicada às contribuições sobre a receita, que aquilo que faz sentido para um caso não faz sentido para o outro, como demonstram os casos dos insumos e da carga global.

No que tange ao conceito de insumo, é de proveito realçar que, no caso dos impostos sobre o consumo, por se tratar de tributos reais, haja vista incidirem sobre operações sucessivas envolvendo bens, sua definição é pautada pelo critério da vinculação com o bem: considera-se insumo aquilo que integra o bem ou que é consumido em sua produção. Já no caso das contribuições sobre a receita, por consistirem em tributos pessoais – incidem de maneira unitária sobre a receita do contribuinte –, a definição de insumo assenta no critério da essencialidade e da relevância para a atividade econômica: concebe-se como insumo aquilo que é essencial ou relevante para a atividade econômica da qual resultará o auferimento de receita.

Não por outras razões a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, sob a sistemática dos recursos repetitivos (Temas Repetitivos n. 779 e n. 780), pacificou entendimento segundo o qual “o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo Contribuinte”25. Com efeito, confrontando a não cumulatividade do IPI e do ICMS com a não cumulatividade das contribuições sociais, compreendeu o Tribunal que a noção de “crédito físico”, aplicada aos impostos indiretos, reais e plurifásicos, simplesmente não poderia ser transposta às contribuições sociais, caracterizadas que são como tributos diretos, pessoais e monofásicos. Reconheceu-se, em suma, a confusão existente entre o creditamento do IPI e do ICMS e o creditamento da contribuição ao PIS e da Cofins, no sentido de que a interpretação restritiva de insumos para efeito de não cumulatividade das contribuições sociais inviabilizaria “a tributação exclusiva do valor agregado” (p. 124 do acórdão).

Ora, se é certo que a matriz constitucional dos impostos sobre o consumo difere completamente da matriz constitucional das contribuições sociais sobre a receita, supérfluo dizer que o conceito de insumo para efeito de não cumulatividade será inteiramente diverso num e noutro caso. Daí que para defini-lo com vistas à não cumulatividade das contribuições não faça sentido algum perquirir sobre sua integração ao bem ou sua consumição no processo de produção: como o conteúdo da não cumulatividade decorre da natureza do tributo, e esta é definida pelo fato gerador (atividade econômica), pela base de cálculo (receita) e pela finalidade (financiamento da seguridade social) da exação, o que interessa, por suposto, não é a vinculação do insumo com o bem, como ocorre no caso dos impostos sobre o consumo: é – isto sim – sua vinculação com a atividade econômica de geração de receita.

O decisivo aqui é ter presente que a conclusão que assim se atinge com relação aos bens provém da constatação de que as contribuições sobre a receita não fazem referência a bens (entidades substanciais físicas, atômicas e não relacionais, concebidas de maneira estática e holística), mas a receitas (entidade institucional, desprovida de substância física e vinculada a uma pessoa). De um lado, pressupõem determinados domínios mais salientes de instanciação, como função, e excluem outros, como espaço; de outro, evocam determinadas propriedades, como pessoalidade, e afastam outras, como material e formato. Condicionam-se, com efeito, ao auferimento da receita, evento que não se acha vinculado a um ciclo econômico, mas à pessoa do contribuinte e à atividade econômica por ele exercida. Por onde se vê mais claramente que, no caso dessa modalidade contributiva, inquirir sobre a integração do insumo aos bens ou sua consumição no processo de produção é tão descabido quanto indagar a respeito do formato físico da hora, do ruído ou do amarelo – simplesmente não faz sentido26.

Da mesma forma, no que toca à carga tributária, calha igualmente frisar que, no caso dos impostos sobre o consumo, mercê do fato de serem tributos indiretos – incidem sobre cada operação da cadeia econômica e têm seu ônus transferido ao consumidor final –, a não cumulatividade, considerando-se um ciclo econômico ideal, deveria ser aferida a partir de uma análise global das diversas fases que compõem a cadeia, reputando-se não cumulativo o imposto cujo ônus global final não ultrapassasse a alíquota aplicável ao bem incidente sobre o preço pago pelo consumidor. Nesse sentido decidiu o próprio Supremo Tribunal Federal, ao assim asseverar:

“O princípio da não cumulatividade de certos tributos, como o ICM, tem por objeto impedir que, na composição do preço da mercadoria, nas diversas fases de seu ciclo econômico, mormente na última, de venda ao consumidor final, a parcela representativa do tributo venha representar percentual excedente do que corresponde à alíquota máxima permitida em lei. Em suma, previne excessos resultantes de tributações sucessivas.”27

Em termos esquemáticos, a análise do ciclo econômico como um todo pode ser representada pela seguinte ilustração:

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No caso das contribuições sobre a receita, em contrapartida, sendo elas tributos diretos, pois incidem diretamente sobre a receita do contribuinte, sem guardar vinculação com o restante da cadeia econômica – salvo com a operação anterior, especificamente no que diz com os custos incorridos para a geração de sua receita –, deve a não cumulatividade ser aferida por meio da análise unitária da operação de auferimento de receita, conjuntamente com a consideração do custo de aquisição de bens para revenda ou de seus insumos, qualificando-se como não cumulativa a contribuição que só incida sobre o valor agregado na operação. Tal análise pode ser representada pelo seguinte esquema:

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Como a matriz constitucional dos impostos sobre o consumo difere inteiramente da matriz constitucional das contribuições sobre a receita, evidente que o conceito de cumulação resulta completamente distinto num e noutro caso: para os impostos sobre o consumo, trata-se de garantia de não incidência sobre o mesmo imposto; para as contribuições sobre a receita, trata-se de garantia de incidência apenas sobre a receita agregada naquela operação.

O essencial aqui é também compreender que a conclusão que assim se alcança com respeito à carga tributária advém da constatação de que as contribuições sobre a receita não fazem referência ao processo de circulação que vai da produção ao consumo (processos duradouros, relacionais, seriais e encadeados sequencialmente, distribuídos de maneira concatenada no tempo e no espaço), senão ao auferimento de receitas (evento momentâneo, distribuído de maneira segmentada no espaço e pontual no tempo). De um lado, pressupõem determinadas entidades, como eventos, e rechaçam outras, como processos; de outro, remetem a determinados domínios específicos de instanciação, como ocorrência segmentada no tempo, e repelem outros, como duração sequencial no tempo. Tratando-se, pois, de contribuições sociais sobre a receita, não será menos fora de propósito perquirir acerca das diversas fases do ciclo econômico de produção e circulação ou da carga tributária final. Fazê-lo seria tão razoável quanto indagar a respeito da altura de uma cobra: se é certo que a propriedade da altura concerne a objetos físicos cujo elemento saliente é a dimensão vertical, pode-se perquirir sobre a altura de pessoas, edifícios, montanhas, árvores e mastros – jamais sobre a de cobras28.

Na esteira das observações anteriores, pode-se afirmar que a expressão adjetival “não cumulativo” experimenta significados específicos (significados-instanciação) que variam de acordo com as dimensões pressupostas a partir do exame do objeto que qualifica e com as propriedades por ele evocadas em sua instanciação: no caso dos impostos sobre o consumo, traduz o sentido específico de afastar nova incidência sobre bem já tributado; no das contribuições sobre a receita, o de garantir a tributação apenas sobre o valor agregado. Daí envolver a não cumulatividade o direito de compensar o imposto cobrado, no caso dos impostos, e o direito de abater o custo do bem adquirido para revenda ou dos insumos empregados na produção, no caso das contribuições sobre a receita.

Significa dizer, em ligeiros traços, que a não cumulatividade depende necessariamente da natureza do tributo que tem em mira qualificar, natureza que, por seu lado, deriva das dimensões de instanciação que pressupõe e das propriedades que evoca. De tal arte que, sendo uma a matriz constitucional dos impostos sobre o consumo e outra, absolutamente diversa, a das contribuições sobre a receita, não espanta que a não cumulatividade exprima sentidos específicos inteiramente distintos conforme se trate desta ou daquela espécie tributária: no caso dos impostos sobre o consumo, a acepção específica de afastar nova incidência sobre o mesmo bem, o que conduz à compensação do imposto cobrado nas etapas anteriores; no caso das contribuições sobre a receita, a de garantir a tributação apenas sobre o valor agregado, o que implica compensar o valor do bem adquirido para revenda ou do insumo utilizado na produção ou comercialização.

Para tal conclusão concorre o fato de a “receita” englobar o resultado tanto da produção e venda de bens quanto da prestação de serviços sem vinculação com bens. Ora, se o sentido de “receita” exprime uma entidade institucional manifestada no evento relativo ao seu auferimento, não faz sentido averiguar a relação com bens nem imiscuir-se em questões relacionadas à incorporação a eles ou à consumição em seu processo de produção ou circulação, pois esses itens, que perpassam toda a cadeia econômica que vai da produção ao consumo, remetem à dimensão espaço e evocam as propriedades material, formato, dimensão e peso, ao passo que a “receita”, constituindo, como dito, uma entidade institucional manifestada em um evento pontual, remete às dimensões função e pessoalidade, bem como evoca a propriedade instrumentalidade. Sendo assim, porém, no caso das contribuições sobre a receita, por constituir o seu objeto uma entidade institucional que abrange inclusive a prestação de serviços, não se há de falar em vinculação dos créditos com a tributação dos bens na operação anterior. Com efeito, a amplitude material da “receita”, obtenível do resultado de qualquer atividade econômica, inclusive de atividades sem vinculação com bens, exige outro elemento e rechaça a relação com a tributação de bens em etapa anterior.

Todas as considerações até aqui expendidas conduzem à inarredável conclusão no sentido de não se poder afirmar, como fez a União e pressupôs o legislador, que a não cumulatividade das contribuições sobre a receita (a) é passível de livre conformação pelo legislador (tese da natureza legal da não cumulatividade das contribuições); e (b) permite a compensação apenas do que é devido em cada operação relativa ao auferimento de receita com o montante cobrado nas operações anteriores (tese do “tributo contra tributo”). Absolutamente não.

A rigor, o que efetivamente se pode afirmar é que a não cumulatividade das contribuições sobre a receita (a) não é passível de livre conformação pelo legislador, haja vista a existência de parâmetros constitucionais materiais vinculantes (tese da natureza constitucional da não cumulatividade das contribuições); e (b) permite a dedução do que é dispendido para a aquisição do bem que será revendido ou do insumo que será empregado na produção ou revenda (tese da “base contra base”). É bem de ver, portanto, que a tese da natureza legal da não cumulatividade das contribuições sobre a receita não se afigura verdadeira.

A tais conclusões chega-se inevitavelmente uma vez constatado o fato de que a Constituição prevê especificamente como deve a não cumulatividade ser efetivada – e o faz tanto de maneira direta, servindo-se de definições estipulativas, quanto indireta, vinculando a expressão adjetival “não cumulativas” a determinado objeto que ele modifica. Nesse último caso, o significado do termo qualificativo decorre da natureza do objeto qualificado, das dimensões que sua compreensão faz pressupor e das propriedades que evoca. Como é de ver, tampouco a premissa implícita da tese da natureza legal da não cumulatividade das contribuições sobre a receita encontra fundamento constitucional.

Daí ser inconstitucional, por atentar contra a matriz constitucional das contribuições sobre a receita, a restrição prevista no art. 3º, § 2º, inciso III, das Leis n. 10.637/02 e n. 10.833/03 (com redações dadas pela Lei n. 14.592/23, fruto da conversão em lei da Medida Provisória n. 1.147/2022), nos termos do qual “Não dará direito a crédito o valor do ICMS que tenha incidido sobre a operação de aquisição”. Daí também a inconstitucionalidade que inquina a disposição plasmada nos incisos I e III do parágrafo único do art. 171 da Instrução Normativa n. 2.121/22 (incluídos pela Instrução Normativa n. 2.152/23), consoante a qual não geram direito a crédito o ICMS e o IPI incidentes sobre a venda do bem pelo fornecedor.

Ora, sendo pacífico o liame que une o conteúdo da não cumulatividade à materialidade das contribuições, como demonstrado ao longo deste artigo, do fato de a Constituição – à diferença do que fez expressamente com relação ao IPI e ao ICMS – ter-se limitado a estabelecer que “A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não cumulativas” (art. 195, § 12º) não se segue, em absoluto, que o legislador seja livre para conformar a não cumulatividade como bem lhe aprouver. Conforme entendimento manifestado pelo Supremo Tribunal Federal, cumpre que sejam “respeitados os demais preceitos constitucionais, como a matriz constitucional das contribuições ao PIS e Cofins”29. Exatamente o que descurou de fazer o legislador infraconstitucional ao conformar a não cumulatividade das contribuições sobre a receita como se esta sujeita fosse à mesma matriz constitucional que rege os impostos, afastando assim, do direito ao crédito, o valor do ICMS e do IPI que deixou de compor a base de cálculo da operação anterior.

3. A diferença categórica entre o valor do ICMS como tributo e como custo

Aqui chegada a presente investigação, é tempo, enfim, de enfrentar o argumento segundo o qual deveria haver uma espécie de simetria entre “o valor do ICMS” para efeito de apuração da base de cálculo da operação anterior e “o valor do ICMS” para efeito de apuração do crédito na operação posterior. Eis o raciocínio: se o valor do imposto não compôs a base de cálculo da operação anterior, então, por uma espécie de consequência lógica, não poderia também compor o valor do crédito a ser descontado na operação posterior. Subjacente a esse raciocínio está o pressuposto de que “o valor do ICMS” partilha o mesmo significado em ambas as operações, a anterior e a posterior. Tal proposição não é, contudo, verdadeira. Para demonstrá-lo, imprescindível se faz examinar, ilustrativamente, a importância da saliência e da perspectiva para a compreensão dos significados30.

É sabido que um mesmo termo pode exprimir diferentes sentidos, a depender do discurso em que inserido. Na frase “Por favor, coloque o livro na estante”, por exemplo, o vocábulo “livro” designa o artefato (tomo) na dimensão espaço, enquanto que, na sentença “Eu achei esse livro ilegível”, o objeto designado é a obra literária na dimensão inteligibilidade. Não obstante, pode um mesmo termo também exprimir significados distintos em um único discurso. É o que sucede com o próprio vocábulo “livro” quando inserido em uma frase tal como “Coloque o livro de volta na prateleira; ele [o livro] é praticamente ilegível”. Veja-se que a coordenação das duas proposições do enunciado não implica contradição, porquanto o substantivo (nas suas formas nominal e pronominal) denota o mesmo referente sob perspectivas distintas e com respeito a elementos salientes diversos: na primeira oração, nominalmente, evoca a dimensão espaço e remete à noção de artefato; na segunda, anaforicamente, evoca a dimensão inteligibilidade e remete à noção de obra literária. Vale dizer, o lexema substantivo “livro” pressupõe mais de uma dimensão e evoca mais de uma propriedade. Semelhante atributo é referido pela literatura como facetas dos significados: um único significado nominal pode apresentar duas ou mais facetas31.

Tal fenômeno também sucede com a expressão “Faculdade de Direito”. Na sentença “Quase toda a Faculdade de Direito assinou o manifesto em favor da democracia”, por exemplo, ela pressupõe a dimensão instituição e remete, metonimicamente, às pessoas que a integram. Na frase “A Faculdade de Direito está com o teto quebrado”, por outro lado, evoca a dimensão espaço e alude à entidade física ocupada pela instituição. Já na oração “A Faculdade de Direito é difícil”, aponta para a dimensão instituição educacional e refere a atividade nela exercida.

O mesmo fenômeno sucede ainda com a palavra “Picasso”. Na frase “Picasso morreu em 1973”, por exemplo, ela pressupõe a dimensão entidade humana e remete à pessoa do pintor. Já na elocução “George Harrison comprou um Picasso original”, evoca as dimensões espaço e qualidade e alude à obra de arte pintada pelo artista. No enunciado “Picasso está na galeria B, no final do corredor”, em contrapartida, sinaliza a dimensão espaço e refere a coleção de peças do autor. Por fim, na sentença “Picasso está na parte de baixo da pilha, embaixo do Van Gogh”, pressupõe a dimensão espaço e alude ao livro sobre as pinturas do artista32.

Pois bem, no que concerne ao caso ora esmiuçado, a expressão “o valor do ICMS” apresenta diferentes facetas de acordo com o contexto em que empregada. No âmbito da operação anterior, “o valor do ICMS” é avaliado sob a óptica da composição da base de cálculo das contribuições sobre a receita, para efeito de apurar se pode ou não ser enquadrado na classe das receitas, assim compreendidos os ingressos definitivos no patrimônio do contribuinte sem reserva ou condição. Logo, sob essa faceta, “o valor do ICMS” diz respeito à relação entre o vendedor e a União no tocante à parcela que deve ou não integrar a base de cálculo das contribuições sobre a receita por ele devidas.

No âmbito da operação posterior, entrementes, “o valor do ICMS” é analisado sob o ângulo da composição dos créditos pelo revendedor, para efeito de determinar se deve ou não ser enquadrado na classe dos custos incorridos para a obtenção da receita. Sob esta outra faceta, como se vê, “o valor do ICMS” diz respeito à relação entre o comprador/revendedor e a União no que tange à parcela que deve ou não integrar o crédito a ser descontado relativamente aos seus custos.

Quer isso dizer que o significado nominal da expressão “o valor do ICMS” comporta determinada acepção quando associado à operação anterior, por remeter à sua inserção na base de cálculo das contribuições e ao seu enquadramento na classe das receitas, e outra, completamente distinta, quando relacionado à operação posterior, por aludir à sua inserção nos créditos a compensar e ao seu enquadramento na classe dos custos. Se assim é, porém, não se há de falar em simetria entre “o valor do ICMS” na operação anterior e “o valor do ICMS” na operação posterior. Visto que o mesmo significado nominal encerra duas facetas, a expressão “o valor do ICMS” está sendo empregada com acepções distintas na primeira e na segunda operação, de modo que não faz o menor sentido afirmar que “se o valor do ICMS não compôs a base de cálculo na operação anterior, ele não poderá compor os créditos da operação posterior”. Afinal de contas, um é o significado da expressão “o valor do ICMS” na primeira oração, outro o do pronome anafórico “ele” na segunda. Vale dizer, uma coisa é saber se o-valor-do-ICMS compõe a base de cálculo das contribuições sobre a receita; outra, diferente, é saber se o-valor-do-ICMS compõe os créditos a serem descontados na operação posterior relativos aos custos incorridos. Da mesma forma, na frase “Coloque o livro de volta na prateleira; ele é praticamente ilegível”, o significado que “o livro” denota na primeira oração destoa inteiramente daquele veiculado por seu substituto anafórico na segunda. Significa dizer que uma coisa é saber se o-livro-como-tomo deve ser recolocado na estante; outra, distinta, é saber se o-livro-como-obra é inteligível.

Em face disso, atribuir o mesmo significado à expressão “o valor do ICMS” na primeira e na segunda operação é obedecer à mesma lógica que ensejaria a seguinte construção: “Como o saco de 1 kg tem 80% de feijão e 20% de arroz, então ele não pesa 1 kg”. Ora, para determinar se o saco pesa ou não 1 kg, é preciso investigar a dimensão espaço com referência à propriedade peso, para o que pouco importa saber qual o seu conteúdo. Este, com efeito, pode ser relevante sob outra dimensão e com respeito a outra propriedade, como seria a dimensão qualidade para a verificação do conteúdo, do preço ou da destinação, se o propósito consistisse em cumprir uma operação de venda ou de importação e tais propriedades fossem evocadas na ocorrência particular da expressão conforme o regime jurídico aplicável.

Se assim é, contudo, não faz sentido algum afirmar que, por não ter sido todo o valor pago pelo bem que veio a integrar a base de cálculo do tributo devido pelo vendedor, então não é todo o valor pago pelo bem que corresponde ao seu custo na perspectiva do comprador/revendedor. Ora, o-valor-do-icms-como-tributo não se confunde com o-valor-do-icms-como-custo. Trata-se de duas facetas distintas, decorrentes de duas perspectivas distintas, conducentes a dimensões e propriedades distintas. Tanto é assim que o custo incorrido pelo comprador será rigorosamente o mesmo quer seja o valor do ICMS inserido, quer não, na base de cálculo das contribuições sobre a receita pelo vendedor. Se, pois, o fato de não constituir a base de cálculo das contribuições não faz com que o referido valor deixe de compor o custo incorrido pelo comprador, forçoso é constatar que a circunstância de ter ele integrado ou não a base de cálculo das contribuições na operação anterior é de todo impertinente e irrelevante para averiguar se foi suportado pelo comprador no momento da aquisição do bem para posterior revenda ou uso como insumo.

Mas se, como dito, “o valor do ICMS” apresenta duas facetas de significado distintas, decorrentes de duas perspectivas distintas, conducentes a dimensões e propriedades distintas, então simplesmente não se há de falar em simetria bilateral, pois que esta pressupõe o corte de um único objeto em duas partes ou a comparação de dois objetos comensuráveis submetidos à mesma métrica. Exigir simetria entre duas partes diferentes e não relacionadas do mesmo objeto, ou entre dois objetos relativamente a diferentes dimensões e propriedades, beira o disparate.

Tratando-se, a rigor, de objetos distintos correspondentes a dimensões e propriedades diversas, querê-los simétricos é flertar com o nonsense. É dizer, com Chomsky, “ideias verdes incolores dormem furiosamente”, clássica sentença cunhada pelo linguista norte-americano com o fito de demonstrar que certas frases, a despeito de serem sintaticamente bem construídas – portanto, gramaticalmente corretas –, carecem de significação semântica, por promoverem uma ruptura com as dimensões e as propriedades pressupostas e evocadas em sua instanciação33. Precisamente o que se observa na paradigmática construção chomskiana: ideias, na qualidade de entidades abstratas, não dormem, muito menos furiosamente – essa é uma ação reservada aos seres animados que agem e têm sentimentos; ideias, por serem abstratas, tampouco possuem cor, propriedade pertencente às entidades concretas apreensíveis pela visão; o advérbio “furiosamente” pressupõe atividades que causam irritação, algo incompatível com a atividade passiva de dormir; e uma entidade dotada de cor que seja ao mesmo tempo e sob a mesma perspectiva incolor não é senão uma contradição em termos.

Logo, pretender que “como o valor do ICMS integrou a base de cálculo das contribuições na operação anterior, ele não pode integrar o montante dos créditos na operação anterior” é, com a devida vênia, incorrer em uma espécie de “equívoco categórico”: usar um elemento em dimensões de instanciação e relativamente a propriedades que não lhe são próprias. Equivaleria a dizer “como o livro não tem toda a capa escura, então ele não pode ser interessante”. Considerando que o termo “livro”, na primeira oração, denota o tomo e, na segunda, a obra literária, e que a presença de cor no tomo não guarda relação com a qualidade da história que veicula, a sentença, embora revestida de gramaticalidade, carece de sentido semântico. O mesmo sucede na frase “como não foi toda a corte que votou, então ela não pode ser pintada”. Dadas as diferentes acepções da palavra “corte” na primeira e na segunda oração (julgadores e prédio, respectivamente), e a ausência de qualquer vinculação entre a quantidade de votos e a carência de pintura do prédio onde proferidos, a frase, conquanto bem-organizada sintaticamente, também é desprovida de conteúdo semântico. Igual sucede ainda no enunciado “como o quadro não é um retrato, então ele não pode ser quadrado”. Uma vez que o vocábulo “quadro”, na primeira oração, comporta a acepção de pintura e, na segunda, exprime o sentido de suporte físico, e que inexiste ligação entre o objeto da pintura e o formato da tela, novamente a sentença, malgrado bem estruturada, não é dotada de valor semântico. Igual, por fim, ocorre na frase “como a fotografia está rasgada, então ela está fora de foco”. Tendo em vista que a palavra “fotografia”, na primeira oração, designa o pedaço de papel e, na segunda, a imagem visual, e que o papel no qual foi impressa a fotografia não tem conexão com o foco da imagem visual nela retratada, a frase, uma vez mais, ainda que formalmente bem encadeada, não possui qualquer significação semântica34.

Tais exemplos, aos quais numerosos outros poderiam somar-se à exaustão, servem ao ensejo de elucidar o equívoco de raciocínio que macula a suposta exigência de simetria entre o “valor do ICMS” na primeira operação e o “valor do ICMS” na segunda. “Equívoco categórico”, “choque de significado” ou “anomalia semântica” – eis os termos pelos quais é compreendido o emprego da linguagem que desconsidera a existência de mais de uma faceta admitida por um item lexical e o interpreta como se dotado de apenas uma, atribuindo-lhe, em razão disso, uma dimensão e uma propriedade que não lhe pertencem35. Com todo o respeito, o raciocínio ora combatido pode ser reconstruído da seguinte maneira: “como não foi todo o valor pago por Alfredo que ficou com João, porque parte dele foi para Manoel, então Alfredo não pagou todo o valor a João”. Ora, uma coisa é saber que parcela do valor ficou com João; outra, diferente, é saber se Alfredo suportou o pagamento do referido valor a João. A circunstância de Alfredo ter arcado com o valor pago a João não tem relação com a permanência ou não de tal valor com João. Da mesma forma que o fato de um enfermo ter sido transferido de um hospital para outro não muda o fato de alguém tê-lo carregado nos braços até lá.

Essa singela constatação basta para demonstrar – agora do ponto de vista lógico, e não propriamente linguístico – que a circunstância de ter o fornecedor incluído ou não na base de cálculo das contribuições sobre a receita o valor do ICMS é elemento de todo irrelevante para o propósito de saber se ele compõe ou não o custo do revendedor. Em termos lógicos, “a proposição A é irrelevante para a proposição B se, e somente se, a verdade de A não conta nem a favor, nem contra a verdade de B36. Pois essa, justamente, é a irrelevância que se manifesta no caso em tela: o fornecedor não ter incluído na base de cálculo das contribuições sobre a receita o valor do ICMS não conta nem a favor, nem contra o revendedor ter suportado o pagamento do valor do ICMS no preço pago pelo bem a ser revendido ou do insumo a ser por ele utilizado – se tal valor foi incluído no preço pago pelo revendedor, este o suportou, pouco importando se o fornecedor o incluiu na base de cálculo das contribuições sobre a receita que ele deve pagar. O mesmo vale para o IPI.

Precisamente por ser esse elemento – ter o fornecedor incluído na base de cálculo das contribuições sobre a receita o valor do ICMS e do IPI – irrelevante para dimensionar o valor do bem a ser revendido ou do insumo a ser utilizado pelo revendedor – precisamente por isso, repita-se, é que seu emprego termina por violar o princípio da igualdade, por três razões principais.

4. Violação ao princípio da igualdade

Em primeiro lugar, o emprego do sobredito elemento viola o princípio da igualdade por valer-se de uma medida de comparação que não mantém vínculo de pertinência ou razoabilidade com o fim que justifica sua utilização. Como se sabe, o princípio da igualdade exige o cotejo entre dois sujeitos com base em uma medida de comparação justificada pela finalidade da própria comparação37. Assim é que, se a medida de comparação não guardar vínculo de pertinência ou razoabilidade com o propósito que justifica utilizá-la, seu emprego será destituído de fundamento e, pois, arbitrário. Sendo certo que a finalidade da comparação no caso do creditamento tributário, como acima demonstrado, é a aferição do custo incorrido para o auferimento de receita proveniente da atividade econômica exercida pelo contribuinte, imediato concluir que a inserção do valor do ICMS na base de cálculo das contribuições sobre a receita pelo fornecedor não pode ser utilizada como medida de diferenciação entre os contribuintes, pelo simples fato de que o referido custo não se altera com sua consideração.

Em segundo lugar, a utilização do citado elemento viola o princípio da igualdade por tratar de maneira igual contribuintes que não se encontram em situação equivalente. Como é notório, o princípio da igualdade proíbe os entes federados de instituir tratamento desigual a contribuintes que se achem em situação equivalente e, reversamente, de instituir tratamento igual a contribuintes que não se achem em situação equivalente (art. 150, inc. II, da Constituição)38. Logo, se a inserção do valor do ICMS na base de cálculo das contribuições sobre a receita pelo vendedor/fornecedor for utilizada como medida de diferenciação entre os contribuintes a fim de apurar o custo incorrido para o auferimento de receita oriunda de sua atividade econômica, dois contribuintes adquirentes/revendedores que arquem com custos diferentes (um contribuinte incorre em um custo maior porque paga um valor maior pelo bem em razão da incidência de ICMS na operação anterior e outro contribuinte suporta um custo menor porque paga um valor menor pelo bem graças à não incidência de ICMS na operação anterior) serão tratados da mesma forma para efeito de determinar de quanto poderão se creditar na operação seguinte (ambos poderão creditar-se do valor do bem sem o valor do ICMS, pouco importando se um suportou seu custo na compra do vendedor/fornecedor e o outro não). Vale dizer, dois contribuintes que se encontram em situação não equivalente serão tratados da mesma forma: aquele que suportou no preço o valor do ICMS, porque incidente na operação anterior, será tratado da mesma forma que aquele que não suportou o valor do ICMS, porque não incidente na operação anterior.

Veja-se que tal proceder conduz à violação de outros princípios constitucionais, notadamente daquele que impõe tratamento isonômico entre bens produzidos no país e bens produzidos no exterior, sem um fim que possa legitimar a diferenciação. Com efeito, se o imposto incide com carga tributária maior na compra efetuada no mercado interno e carga reduzida naquela proveniente de importação, o uso da inserção do valor do ICMS na base de cálculo das contribuições sobre a receita pelo vendedor/fornecedor como critério de diferenciação entre os contribuintes para efeito de apuração do custo incorrido no auferimento de receita resultante de sua atividade econômica fará com que o adquirente seja incentivado a comprar bens no mercado internacional, e não no mercado interno. Tal incentivo, como logo se percebe, não apenas conflita com o mandamento constitucional que veda a prática de tratamento discriminatório entre produtos nacionais e estrangeiros, como de resto faz com que a tributação abandone a neutralidade frente às escolhas dos contribuintes. Nesse caso, o Direito Tributário deixa de se apropriar de uma manifestação de capacidade econômica externada pelos atos e negócios praticados pelos contribuintes para influir internamente na própria prática desses atos e negócios – assim procedendo mesmo na ausência de uma finalidade extrafiscal justificadora e a despeito dos mandamentos constitucionais que impõem a persecução de finalidades diversas.

Em terceiro lugar, o uso do mencionado elemento viola o princípio da igualdade por implicar uma atuação inconsistente por parte do legislador. Com efeito, se por um lado acertadamente elegeu o legislador o valor do bem como critério aferidor dos créditos, ao estabelecer que “Do valor apurado na forma do art. 2o a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a bens adquiridos para revenda” (art. 3, caput, das Leis n. 10.637/02 e n. 10.833/03; destaques meus), por outro lado excluiu dos créditos o valor que não foi incluído na base de cálculo das contribuições sobre a receita, ao prescrever que “Não dará direito a crédito o valor da aquisição de bens ou serviços não sujeitos ao pagamento da contribuição” (art. 3, § 2º, inc. II, das Leis n. 10.637/02 e n. 10.833/03; destaques meus). É dizer: fixou o valor dos bens adquiridos para revenda como critério para calcular os créditos, de um lado, ao mesmo tempo que excluiu uma parcela que compõe o próprio valor dos bens adquiridos para revenda, de outro. Tal proceder internamente inconsistente do legislador importa uma afronta ao princípio da igualdade precisamente por deixar de aplicar de forma consequente e não contraditória o critério que ele próprio elegeu39. Não pode o legislador, é bom que se diga, implementar um regime jurídico sob o signo da contradição – elegendo um critério diferenciador, mas aplicando-o pela metade –, sob pena de desfigurar o próprio regime igualitário que pretendeu instituir, estabelecendo, em seu lugar, um regime de tratamento discriminatório.

Essa situação faz lembrar aquela anedota envolvendo a ex-colônia britânica que, depois de conquistar sua independência, quis eliminar toda e qualquer influência do império a que por tanto tempo estivera submetida, a começar pela regra de trânsito de acordo com a qual os veículos deveriam trafegar pelo lado esquerdo da pista. Todavia, para não implementar o novo sistema de maneira integral e abrupta, resolveu durante um período aplicar a nova regra que obrigava os veículos a trafegarem pelo lado direito da pista exclusivamente para os caminhões. Os resultados, como era de se esperar, foram naturalmente catastróficos.

Essa historieta revela um aspecto decisivo do funcionamento dos sistemas jurídicos: há determinados regimes que ou são adotados em sua inteireza, ou simplesmente não podem ser adotados. É o que mais prosaicamente sucede com o combustível de um automóvel: pode ser gasolina ou álcool, mas, se o modelo eleito foi projetado para trafegar à base de gasolina, a inserção posterior de álcool em seu tanque simplesmente o impedirá de funcionar.

A contradição interna da legislação evidencia a concomitante violação do postulado da proporcionalidade. Segundo este, a atuação estatal destinada a promover um fim deve ser adequada (deve-se escolher meio que contribua para a promoção do fim que justificou sua utilização), necessária (deve-se escolher o meio menos gravoso para os direitos dos contribuintes entre aqueles igualmente adequados para a promoção do fim) e proporcional em sentido estrito (não se devem produzir mais efeitos negativos para os direitos dos contribuintes do que positivos decorrentes da promoção do fim)40. Ora, quando o legislador elege o valor do bem vendido pelo fornecedor ao revendedor como base para a apuração dos créditos, mas deste retira o valor do ICMS embutido no preço suportado pelo último, o que faz, ao fim e ao cabo, é escolher meio inadequado para a promoção do fim que justificou sua utilização: se a eleição do valor do bem vendido pelo fornecedor ao revendedor tem por fim apurar o custo incorrido pelo revendedor na geração de sua receita, para promovê-lo será manifestamente inadequada a exclusão do valor do ICMS que compõe o seu valor. Daí que a exclusão do valor do ICMS, além de violar o princípio da igualdade, constitui afronta direita ao postulado da proporcionalidade.

Conclusões

A conclusão específica que se pode avistar nas linhas deste artigo – e que provoca enorme impacto no âmbito do Direito Tributário – é a de que o significado da expressão adjetival “não cumulativas”, presente no enunciado “as contribuições sobre a receita serão não cumulativas”, está constitucionalmente vinculado à natureza do objeto que qualifica ou modifica, razão pela qual experimenta o significado específico de garantia de incidência apenas sobre o valor agregado na operação e implica o direito à compensação do custo incorrido para a geração de sua receita. Para tal conclusão abriram caminho as seguintes razões:

1) O significado de uma expressão linguística depende da relação vertical e de cima-para-baixo entre o valor semântico da expressão complexa como um todo e o valor semântico de suas partes constituintes (partes todo), de um lado, bem como da relação horizontal, lateral e paralela dos valores semânticos das partes entre si (partes partes), de outro. Assim, a expressão adjetival “não cumulativas” depende, de um lado, da relação vertical do conteúdo semântico global da expressão “as contribuições sobre a receita serão não cumulativas” com o conteúdo semântico particular de cada um dos itens lexicais que a compõem, tanto quanto, de outro, da relação horizontal de seu significado com o significado da expressão “contribuições sociais”.

2) O significado de uma expressão adjetival depende do significado do objeto que ela modifica, na medida em que expressões adjetivais qualificam propriedades, e propriedades são sempre propriedades de alguma coisa. Donde o significado do qualificativo que constitui o sintagma “não cumulativas” dependerá da natureza do objeto denotado no sintagma “contribuições sociais sobre a receita”.

3) Por força de sua vinculação a determinado contexto, pode o sentido de uma expressão linguística traduzir um significado-classe e um significado-instanciação: o primeiro veicula o significado básico, geral e constante de uma expressão enquanto classe, ao passo que o segundo encerra uma especificação daquele significado básico, geral e constante em determinado contexto e domínio de instanciação. Assim, embora a expressão “não cumulativas” possua o significado-classe de evitar sobreposição por meio do direito de abater valores ou gerar créditos referentes àquilo que não deve ser sobreposto, seus significados específicos hão de variar conforme o objeto a que ela vise modificar, se impostos sobre o consumo ou contribuições sociais sobre a receita.

4) Haja vista o significado específico de uma expressão adjetival variar de acordo com o objeto por ela modificado, não se pode interpretá-la sob um viés isolacionista, isto é, como se o seu significado fosse uma ilha isolada dos significados dos demais itens lexicais que integram a expressão complexa da qual ela faz parte; deve-se fazê-lo sob uma perspectiva interacionista, isto é, fundada na relação horizontal e paralela de seu significado com os significados dos outros itens lexicais que compõem a expressão complexa.

5) Assim sendo, o significado da expressão substantiva, que serve de objeto da expressão adjetival, depende de suas estruturas conceituais, isto é, da natureza do objeto denotado, das dimensões pressupostas para sua compreensão e das propriedades evocadas em sua instanciação.

6) No caso dos impostos sobre o consumo, especificamente no que se refere a bens, as expressões “produtos industrializados” e “mercadorias” denotam certos artefatos que se qualificam como entidades duradouras e estáveis, dotadas de existência substancial e física. Por conta de tais características, remetem a determinados domínios de instanciação, como espaço e função, e evocam determinadas propriedades, tanto intrínsecas, como formato, material, peso e dimensão, quanto extrínsecas, como essencialidade e destinação. No que tange à “produção” e à “circulação”, o objeto exprime determinadas entidades estáveis, que perduram ou ocorrem na dimensão tempo, fazendo referência, mais especificamente, a um evento prolongado (processo) enquanto fenômeno complexo distribuído de forma serial, conjunta e concatenada nas dimensões espaço e tempo, manifestando-se como uma linha no tempo. Em razão desses atributos, as aludidas expressões pressupõem determinados domínios de instanciação, como espaço e tempo, e evocam determinadas propriedades, como mudança, movimentação e duração.

7) No caso das “contribuições sociais sobre a receita”, em contrapartida, a palavra “receita” exprime uma realidade institucional que, desprovida de estrutura substancial física, está vinculada a uma pessoa. Em virtude dessas características, remete a determinados domínios de instanciação, como função, e evoca determinadas propriedades, como resultado (auferimento) e definitividade do ingresso patrimonial. Produto que é de uma atividade econômica, a “receita” tem a materialidade condicionada ao seu auferimento, sendo este qualificado como um evento pontual que, apreendido de modo momentâneo e unitário, é distribuído de forma segmentada e individualizada no espaço, manifestando-se em um único ponto no tempo.

8) Na medida em que a não cumulatividade depende da natureza do tributo que visa a qualificar, e que esta decorre das dimensões de instanciação que pressupõe e das propriedades que evoca, o sentido específico da não cumulatividade dos impostos sobre o consumo resulta inteiramente distinto daquele da não cumulatividade das contribuições sobre a receita: no primeiro caso, significa afastar nova incidência sobre o mesmo bem, o que conduz à compensação do imposto cobrado nas fases anteriores; no segundo, garantir a tributação apenas sobre o valor agregado na operação, o que implica compensar o valor do bem adquirido para revenda ou do insumo utilizado na produção ou comercialização de um bem.

9) O significado da expressão “o valor do ICMS” apresenta duas facetas: na operação anterior, “o valor do ICMS” é avaliado sob a óptica da composição da base de cálculo das contribuições sobre a receita para efeito de determinar se pode ou não ser enquadrado na classe das receitas; na operação posterior, é analisado sob o prisma da composição dos créditos pelo revendedor para efeito de apurar se pode ou não ser enquadrado na classe dos custos incorridos para a obtenção da receita da operação.

10) Como o significado nominal da expressão “o valor do ICMS” possui duas facetas distintas na primeira e na segunda operação, não faz sentido algum afirmar que “se o valor do ICMS não compôs a base de cálculo na operação anterior, ele não poderá compor os créditos da operação posterior”, uma vez que “o valor do ICMS” traduz, na primeira operação, o-valor-do-ICMS-como-tributo e, na segunda, o-valor-do-ICMS-como-custo, este correspondendo ao montante total pago pelo comprador na aquisição do bem a ser revendido ou do insumo necessário para produzir e comercializar um bem, pelo que se afigura totalmente irrelevante saber se o vendedor/fornecedor incluiu ou não o valor do ICMS na base de cálculo das contribuições sobre a receita que ele deve pagar – o seu custo para o comprador/revendedor permanece rigorosamente o mesmo.

A conclusão geral, mais profunda, que exerce enorme impacto no Direito – e que se vislumbra na Teoria dos Significados e na Teoria das Camadas de Significação, aqui estruturadas como desenvolvimento da Teoria da Indeterminação por mim concebida – é a de que os significados, ademais de possuírem várias camadas, nem todas visíveis ao intérprete preso à literalidade e à explicitude, dependem não apenas de significações convencionais ou estipuladas, sempre importantes e diferenciais no âmbito do Direito, dado o seu caráter autoritativo e direcionador de condutas, senão também de estruturas conceituais associadas às expressões linguísticas.

A relação entre as expressões linguísticas e seus significados é como que intermediada por estruturas conceituais cuja correta compreensão é condição indispensável para a adequada, precisa e profunda compreensão do fenômeno da significação no Direito. Com efeito, as camadas de significados e as estruturas conceituais fazem ver que o Direito é muito mais determinado do que se imagina. A esse respeito, convém recordar a seguinte constatação:

“Com efeito, a riqueza significativa do Direito é muito mais profunda que aquela articulada na superfície sintática de sua linguagem expressa. Tornando à metáfora musical anterior, muitas vezes aquilo que se afigura indeterminado quando a orquestra não está em execução adquire determinação ao soarem as primeiras notas do concerto que principia, assim também sucedendo no domínio da linguagem, quando os processos inferenciais de ajuste que conduzem à confirmação, restrição ou ampliação dos significados lexicais, ainda no plano linguístico da comunicação e sem adentrar os argumentos jurídico-interpretativos, entram a operar.”41

Tais considerações demonstram que, longe de esvaziadas de significado, as palavras encerram tanto significados incorporados e consolidados pela prática institucional quanto significados latentes que se definem quando a linguagem é efetivamente usada em determinado contexto linguístico e extralinguístico – precisamente o que se deu por ocasião da promulgação da Constituição de 1988 e ao tempo em que cada mudança constitucional foi realizada. Como conclui Recanati, após analisar as combinações de significado que emergem da interação entre os itens lexicais: “[…] quando a linguagem é realmente usada, há um contexto definido (tanto linguístico quanto extralinguístico), e ele é finito. Em virtude do contexto, as várias expressões nele usadas adquirem um significado definido.”42

Todas as considerações tecidas até aqui atestam, a todas as luzes, a importância de o intérprete – de modo coerente, consistente e limitado – reconstruir os significados dos enunciados normativos e do discurso em que inseridos de molde a transparentemente explicitar-lhes o conteúdo latente e eliminar ou reduzir suas indeterminações potenciais, levando as palavras do constituinte – e, portanto, o próprio princípio democrático – às últimas consequências43. Tal tarefa, contudo, não pode ser levada a cabo de maneira endógena e restrita à doutrina do Direito Tributário, antes devendo absorver os extraordinários avanços por que passaram no último século os estudos a respeito do fenômeno da significação realizados nos domínios da Teoria do Direito, da Filosofia da Linguagem, da Linguística e da Lógica.

Referências

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1 FREGE, Gottlob. Die Grundlagen der Arithmetik: Eine Logische Mathematische Untersuchung über Begriff der Zahl. Stuttgart, Reclam, 1987 (1884), Introdução, X e §§ 60, 62 e 106; RECANATI, François. Compositionality, flexibility, and context dependence. In: WERNING, Markus et alii (org.). The Oxford handbook of compositionality. Oxford: OUP, 2012, p. 175-191, 176.

2 SEARLE, John R. The background of meaning. In: SEARLE, John R. et alii (org.). Speech act theory and pragmatics. Dordrecht: Reidel, 1980, p. 221-232, 221. SEARLE, John R. Expression and meaning. Cambridge: CUP, 1979, p. 117 e ss.

3 LANGACKER, Robert. W. Foundations of cognitive grammar. Stanford: SUP, 1991. vol. 2, p. 53.

4 RECANATI, François. Compositionality, flexibility, and context dependence. In: WERNING, Markus et alii (org.). The Oxford handbook of compositionality. Oxford: OUP, 2012, p. 175-191, 179.

5 LEVINSON, Stephen. Presumptive meanings: the theory of generalized conversational implicature. Cambridge/MA: MIT, 2000, p. 22, 25, 54. TAYLOR, John R. Cognitive grammar. Oxford: OUP, 2002, p. 172.

6 KAPLAN, David. Demonstratives. An essay on the semantics, logic, metaphysics, and epistemology of demonstratives and other indexicals. In: ALMOG, Joseph et alii (org.). Themes from Kaplan. Oxford: OUP, 1989 (1977), p. 481 e ss.

7 ÁVILA, Humberto. Teoria da indeterminação no direito. 2. ed. São Paulo: Malheiros/Juspodivm, 2023, p. 43-45.

8 COHEN, Jonathan L. Is conceptual innovation possible? Erkenntnis vol. 25, n. 2, 1986, p. 221-238, 223.

9 COHEN, Jonathan L. Is conceptual innovation possible? Erkenntnis vol. 25, n. 2, 1986, p. 221-238, 223.

10 CARSTON, Robyn. Legal texts and canons of construction: a view from current pragmatic theory. Law and language. Current Legal Issues 15/8-33. Oxford: OUP, p. 26; CÔTÉ, Pierre-André. Interprétation des lois. 4. ed. Montréal: Thémis, 2009, p. 359.

11 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 644, 645 e 646.

12 ÁVILA, Humberto. A hipótese de incidência do imposto sobre a renda construída a partir da Constituição. Revista de Direito Tributário vol. 77. São Paulo, 2000, p. 103-119 (104).

13 LANGACKER, Robert. W. Essentials of cognitive grammar. Oxford: OUP, 2013, p. 134.

14 MURPHY, Lynne M. Lexical meaning. Cambridge: CUP, 2010, p. 222.

15 PARADIS, Carita. Ontologies and construals in lexical semantics. Axiomathes vol. 15, 2005, p. 541-573, 544. JACKENDOFF, Ray. Foundations of language. Oxford: OUP, 2002, p. 300.

16 BIANCHI, Claudia. Pragmatica cognitiva. Roma: Laterza, 2009, p. 87 e 180.

17 ÁVILA, Humberto. Teoria da indeterminação no direito. 2. ed. São Paulo: Malheiros/Juspodivm, 2023, p. 27, 41 e ss, e 162.

18 BACH, Kent. Meaning and communication. In: FARA, Delia Graff; RUSSEL, Gillian (org.). The Routledge Companion to Philosophy of Language. New York: Routledge, 2012, p. 79-90, 88. CARSTON, Robyn. Explicatures and semantics. In: DAVIS, Steven; GILLON, Brendan S. (org.). Semantics. Oxford: OUP, 2004, p. 817-845 (839). RECANATI, François. Pragmatics and semantics. In: HORN, Laurence; WARD, Gregory (org.). The handbook of pragmatics. Oxford: Blackwell, 2004, p. 443-462, 460.

19 BACH, Kent. Meaning and communication. In: FARA, Delia Graff; RUSSEL, Gillian (org.). The Routledge Companion to Philosophy of Language. New York: Routledge, 2012, p. 79-90, 88.

20 ÁVILA, Humberto. Teoria da indeterminação no direito. 2. ed. São Paulo: Malheiros/Juspodivm, 2023, p. 39.

21 BRASIL, STF, RE n. 566.621, Rel. Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, DJ 11.10.2011, p. 21 do acórdão (destaques meus).

22 TAYLOR, John R. Cognitive grammar. Oxford: OUP, 2002, p. 450.

23 PARADIS, Carita. Ontologies and construals in lexical semantics. Axiomathes vol. 15, 2005, p. 541-573, 555.

24 BRASIL, STF, RE n. 125.106-9, Rel. Min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, DJ 03.02.1995, p. 05 do voto do Relator.

25 BRASIL, STJ, REsp n. 1.221.170, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, DJe 24.04.2018.

26 LANGACKER, Robert. W. Essentials of cognitive grammar. Oxford: OUP, 2013, p. 136.

27 BRASIL, STF, RE n. 125.106/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, Primeira Turma, DJ 03.02.1995, p. 3 do acórdão.

28 LANGACKER, Robert. W. Essentials of cognitive grammar. Oxford: OUP, 2013, p. 186.

29 BRASIL, STF, RE n. 841.979, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJe 09.02.2023.

30 PARADIS, Carita. Where does metonymy stop? Senses, facets, and active zones. Metaphor and Symbol 19(4), 2004, p. 254-264, 250.

31 PARADIS, Carita. Ontologies and construals in lexical semantics. Axiomathes vol. 15, 2005, p. 541-573, 563.

32 LANGACKER, Robert. W. Cognitive grammar: a basic introduction. Oxford: OUP, 2008, p. 69.

33 CHOMSKY, Noam. Three models for the description of language. Transactions on information theory 2(3), 1956, p. 113-124, 116.

34 TAYLOR, John R. Cognitive grammar. Oxford: OUP, 2002, p. 442. LANGACKER, Robert. W. Cognitive grammar: a basic introduction. Oxford: OUP, 2008, p. 69.

35 CANN, Ronnie. Sense relations. Semantics – lexical structures and adjectives. Berlin: De Gruyter, 2019, p. 172-200, 185.

36 WALTON, Douglas. Relevance in argumentation. New York: Routledge, 2004, p. 76. WALTON, Douglas. Informal logic. 2. ed. Cambridge: CUP, 1989, p. 78 e ss.

37 ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 4. ed. São Paulo: Malheiros/Juspodivm, 2021, p. 45 e ss.

38 ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 4. ed. São Paulo: Malheiros/Juspodivm, 2021, p. 77.

39 ÁVILA, Humberto. O “postulado do legislador coerente” e a não-cumulatividade das contribuições. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Grandes questões atuais do direito tributário. São Paulo: Dialética, 2007. vol. 11, p. 175-183.

40 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 21. ed. São Paulo: Malheiros/Juspodivm, 2022, p. 211. ÁVILA, Humberto. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de proporcionalidade. Revista de Direito Administrativo vol. 215. Rio de Janeiro, 1999, p. 151-179. ÁVILA, Humberto. Conteúdo, limites e intensidade dos controles de razoabilidade, de proporcionalidade e de excessividade das leis. Revista de Direito Administrativo vol. 236. Rio de Janeiro, 2004, p. 369-384.

41 ÁVILA, Humberto. Teoria da indeterminação no direito. 2. ed. São Paulo: Malheiros/Juspodivm, 2023, p. 39.

42 RECANATI, François. Compositionality, flexibility, and context dependence. In: WERNING, Markus et alii (org.). The Oxford handbook of compositionality. Oxford: OUP, 2012, p. 175-191, 191.

43 ÁVILA, Humberto. Teoria da indeterminação no direito. 2. ed. São Paulo: Malheiros/Juspodivm, 2023, p. 29 e 161-2.