Limites Interamericanos ao Poder de Tributar e a Possibilidade da Proteção Reflexa dos Direitos Humanos dos Contribuintes
Inter-American Limits on Taxing Powers and the Possibility of Reflex Protection of Taxpayers’ Human Rights
André Elali
Professor Associado de Direito Tributário na UFRN com Estágios de Pesquisa no Max-Planck-Institüt für Steuerrecht, na Queen Mary University of London e na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Membro do IBDT, Conselheiro da APET e Advogado. E-mail: andreelali@andreelali.com.br.
Thiago Oliveira Moreira
Professor Adjunto IV da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Graduação e Mestrado). Doutor e Mestre em Direito pela Universidade do País Basco (UPV/EHU). Mestre em Direito pela UFRN. Doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra, com Estância de Investigação na Universidad Externado de Colombia. Professor/Pesquisador Visitante da Universidade Lusófona do Porto (2022). E-mail: thiago.moreira@ufrn.br.
Erick da Silva Bezerra
Graduado em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e graduando em Direito pela UFRN. Presidente do Conselho Editorial da Revista Jurídica In Verbis. E-mail: bezerra.erick@gmail.com.
https://doi.org/10.46801/2595-6280.55.14.2023.2464
Resumo
O presente artigo possui como objetivo examinar se os contribuintes estão protegidos por limites ao poder de tributação do Estado no âmbito do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos (SIPDH). Caso a resposta seja negativa, analisar-se-á se essa limitação pode ser alcançada de forma reflexa. Realizar-se-á análise da relação entre direitos humanos e tributação, e a relação do SIPDH e a tutela dos contribuintes. Analisar-se-á a possibilidade de proteção dos contribuintes no âmbito do SIPDH por via reflexa a partir do estudo de seus instrumentos e jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e das manifestações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos a partir de expressões selecionadas. A identificação desses limites permitirá uma melhor compreensão dos princípios que devem orientar a tributação, bem como de sua adequada aplicação, assim como possibilitar que os contribuintes possam buscar na CIDH e na Corte IDH a proteção aos seus direitos.
Palavras-chave: contribuintes, poder de tributação, direitos humanos, Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos.
Abstract
This article aims to examine whether taxpayers are protected by limits on the state’s power to tax within the Inter-American System for the Protection of Human Rights (SIPDH). If the answer is negative, it will analyze whether this limitation can be achieved reflexively. The article will investigate the relationship between human rights and taxation, as well as the connection between SIPDH and the protection of taxpayers. Furthermore, It will also explore the possibility of indirectly protecting taxpayers within the SIPDH through the examination of its instruments and jurisprudence from the Inter-American Court of Human Rights and the expressions used by the Inter-American Commission on Human Rights. Identifying these limits will enable a better understanding of the principles that should guide taxation and their proper application. It will also empower taxpayers to seek protection for their rights from the IACHR and the IACtHR.
Keywords: taxpayers, taxing power, human rights, Inter-American System for the Protection of Human Rights.
1. Introdução
A tributação é a principal fonte de financiamento dos Estados Fiscais e é essencial à realização dos direitos sociais, econômicos e culturais da população. Por meio da tributação, sustenta-se a estrutura financeira dos Estados Fiscais, bem como se permite uma regulação, por meio indireto, do mercado.
Legitima-se a tributação pela própria liberdade humana, por meio de uma restrição voluntária desta, eximindo da incidência, por opção política, certos indivíduos e instituições, enquanto volta sua estrutura para exigir tributos conforme a capacidade contributiva de cada pessoa. Não por outra razão, a tributação é o preço da liberdade, conforme lição clássica de Ricardo Lobo Torres1.
Apesar disso, essa competência do Estado, que advém da soberania fiscal2, também pode ser instrumento para limitar o exercício dos direitos humanos, especialmente quando a tributação é cobrada de maneira desigual, ilegal, desproporcional e/ou discriminatória. Assim, a tributação deve ser realizada dentro de limites que visem proteger a liberdade, a segurança jurídica e os demais valores da ordem econômica3. Nesse sentido, é imperioso analisar os limites do poder de tributar do Estado à luz do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos, visto que o Sistema visa garantir a tutela da pessoa humana contra toda forma de dominação e de poder arbitrário, incluindo nestes os oriundos dos entes estatais.
Dessa forma, a presente pesquisa tem por objetivo averiguar se, no âmbito do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos, os contribuintes estão protegidos por limites ao poder de tributação do Estado. E, caso a resposta seja negativa, se essa limitação pode ser realizada por via indireta ou reflexa.
Para tanto, é primordial realizar uma análise da relação entre direitos humanos e tributação. Em seguida, tornar-se-á adequado apresentar o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos e a tutela dos contribuintes e, logo após, analisar a possibilidade de proteção dos contribuintes no âmbito do Sistema Interamericano por via indireta ou reflexa a partir de seus instrumentos normativos e jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e das manifestações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Diante do que foi posto, com a finalidade de atingir os objetivos propostos, se trará discussão bibliográfica a partir de recentes produções acadêmicas sobre a temática, bem como as considerações de doutrinadores nacionais e estrangeiros. A despeito disso, far-se-á pesquisa documental dos principais instrumentos normativos do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos, da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos e das manifestações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a partir das expressões “confisco”, “contribuinte”, “imposto”, “taxa”, “tributação”, “tributo”, bem como de seus correspondentes em língua espanhola.
Desse modo, a identificação dos limites ao poder de tributação do Estado no âmbito do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos se demonstra relevante para a tutela dos direitos dos contribuintes diante do poder de tributação do Estado. Isso permitirá uma melhor compreensão dos princípios que devem orientar a tributação, bem como identificar boas práticas e desafios na aplicação desses princípios em diferentes contextos nacionais e internacionais, assim como possibilitar que os contribuintes possam buscar na Comissão Interamericana de Direitos Humanos e na Corte Interamericana de Direitos Humanos a proteção aos seus direitos.
2. Breve análise histórica da evolução dos direitos humanos e da tributação
A compreensão de que a pessoa humana é dotada de direitos que devem ser protegidos não é recente, e nem resultado de uma corrente teórica específica, é, antes de tudo, produto de um lento e gradual processo de conscientização, da percepção da vulnerabilidade da vida humana diante da dor e do sofrimento e de sua necessária tutela para dignificar a condição humana4.
Desde a Antiguidade, as civilizações foram reconhecendo certos direitos individuais, inseridos nas reflexões filosóficas e nas primeiras codificações normativas. Os direitos à propriedade, à liberdade, à igualdade, à participação política, dentre outros, foram aos poucos surgindo e se aperfeiçoando no decorrer desse período. No Medievo, apesar do quase ilimitado poder dos governantes, pulularam movimentos reivindicatórios por mais liberdades, os quais se concretizaram em alguns documentos, como a Declaração das Cortes de Leão, em 1188, e a Magna Carta, em 12155. No entanto, a liberdade defendida não era a irrestrita, concedida a todos, mas direcionada aos estamentos mais altos da sociedade, como o clero e a nobreza, com raras concessões ao povo6.
No período moderno, três importantes revoluções propiciaram um crescimento da participação civil na esfera de poder, permitindo uma ampliação das liberdades individuais. A primeira delas, a Revolução Inglesa, garantiu, por meio da Petition of Rights (1628) e o Bill of Rights (1689), a supremacia do Parlamento e da lei, e as liberdades individuais. A segunda, a Revolução Americana, lançou as bases para a promulgação das 10 ementas que estabeleceram os direitos contidos na Constituição dos E.U.A. E, por último, a Revolução Francesa, que permitiu, imbuída dos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, via Assembleia Nacional Constituinte, confeccionar a reconhecida Declaração Francesa de Direitos do Homem e do Cidadão7.
As atrocidades ocorridas durante a Segunda Guerra Mundial ensejaram a necessidade de tutelar internacionalmente os direitos humanos por meio de mecanismos que de alguma forma evitassem a repetição de atos atentatórios contra a dignidade humana. Nesse sentido, em 1945, no âmbito da Conferência de São Francisco, aprovou-se a Carta de São Francisco, que instituiu a Organização das Nações Unidas (ONU), a qual, em 1948, aprovou a Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH), importante marco no processo de reconstrução dos direitos humanos, inserindo no debate as concepções de universalidade e indivisibilidade desses direitos8.
Da mesma forma como os direitos humanos, a tributação também assumiu variadas configurações ao longo da história e sempre esteve estreitamente ligada aos direitos humanos. A existência de tributos pode ser encontrada nos períodos mais remotos das civilizações. Na Suméria, região da Baixa Mesopotâmia, foi encontrada uma peça em argila relatando sobre tributos que foram aplicados durante uma guerra e que continuaram a ser cobrados mesmo após seu término, apenas cessando quando da ascensão de um novo monarca, o qual afastou os coletores de impostos, “estabelecendo a liberdade” do povo9.
Ao longo de toda a Antiguidade, a tributação não incidia sobre todos os indivíduos de dada sociedade, eis que os cidadãos livres não pagavam impostos e toda carga de tributos era suportada pelos povos vencidos. Estes pertenciam aos vencedores, que poderiam dispor dos bens e dos próprios corpos daqueles como quisessem. Em algumas situações, os vencedores, ao não conseguirem levar os bens materialmente consigo, permitiam que os vencidos usassem sua outrora propriedade, desde que assumissem uma prestação periódica em favor do vencedor. Nessa configuração, o tributo se originou com o estigma da servidão, como sujeição, via tributos, aos povos dominadores10.
No Medievo, imbuído dos ideais do Cristianismo, os tributos não poderiam ser impostos contra a vontade dos súditos, tornava-se necessário legitimar a tributação diante dos contribuintes. Para isso, inicialmente, os senhores e monarcas buscaram legitimar a cobrança de tributos utilizando como justificativa que ela seria empregada no custeio da atividade militar, com o objetivo de proteger o reino contra invasores, e, ao proteger o reino, também se estaria protegendo as vidas e os bens de todos os súditos. Importante frisar que o Estado precisava negociar a concordância dos seus súditos, dialogando por meio de representantes e assembleias11.
Na Idade Moderna, o Estado passa a ser o promotor da atividade econômica, assumindo uma posição mais intervencionista, garantidor das liberdades de seus cidadãos. Essa configuração estatal gradualmente se modifica a partir da consolidação das ideias liberais, que, a partir do final do século XVII, começaram a se propagar pela Europa. No liberalismo a relação entre propriedade e liberdade é muito íntima, compreendendo a organização do Estado como necessária para a proteção da propriedade, desse modo, pressupondo que as pessoas a tenham, se entende a razão pela qual o Estado não poderia retirar do homem uma parte dela sem sua anuência12.
Durante esse período, a tributação sempre esteve envolvida nas motivações que levaram ao estopim das principais revoluções. À medida que os monarcas ultrapassavam os limites razoáveis da cobrança de tributos, os estamentos sociais se insurgiam e impunham limitações aos poderes reais. As revoluções mencionadas acima não diferiram dessa realidade, como é o caso da Revolução Americana, que teve suas raízes na discordância dos colonos americanos em relação à cobrança de impostos realizada pelos ingleses13.
Nessa perspectiva, a relação entre tributação e liberdade assume novas configurações. O tributo passa a ser o preço que os cidadãos devem pagar para se manterem livres das garras do Estado, nascendo do espaço aberto pelos direitos humanos e por eles totalmente limitado14. O indivíduo se distancia do ente estatal para melhor desenvolver suas habilidades e anui à tributação como forma de garantia da liberdade, visto que o Estado renuncia de atuar no mercado para dar espaço à iniciativa privada, mas garantindo a esta a tutela do livre exercício da profissão e a proteção da propriedade privada, com a contrapartida de financiar suas ações por meio da participação no resultado da economia privada por meio dos tributos15.
Hoje, compreende-se que a massiva transferência de recursos para o Estado via tributação macula a iniciativa da sociedade, impedindo seu adequado desenvolvimento econômico, ao retirar recursos que a coletividade precisa para realizar seus fins. Nesse sentir, hodiernamente o tributo é justificado na medida em que seja indispensável para a construção de uma liberdade coletiva que garanta inclusão social, caso contrário, o aumento excessivo de tributos não se legitima. Ao admitir essa justificação, e quando a sociedade civil assume para si alguns papéis que o Estado não é capaz ou hábil para realizar, surge a própria necessidade de impor limites à tributação, seja na totalidade da cobrança, seja na maneira como é realizada16.
Tal limitação não é realizada de forma discricionária, mas é exercida por meio de princípios que tutelam os direitos humanos dos contribuintes e ao mesmo tempo servem de parâmetro para delimitar o poder de tributação do Estado.
3. Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos e tutela dos contribuintes
No plano regional, o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos surgiu no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA), estabelecida na IX Conferência Interamericana, em 1948, na cidade de Bogotá. Na mesma Conferência se aprovou a Carta da OEA e a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem (DADDH), sendo estes os primeiros instrumentos normativos fundamentais de proteção dos direitos humanos no continente americano. A organização e seus primeiros instrumentos desempenharam um importante papel na formação do Direito Interamericano dos Direitos Humanos17 e continuam a servir como parâmetros relevantes para a aplicação dos direitos humanos no plano regional.
As disposições sobre direitos humanos contidas na Carta da OEA estabelecem que o verdadeiro propósito da solidariedade americana e da boa vizinhança é fortalecer um sistema baseado na liberdade individual e justiça social, com o respeito aos direitos fundamentais do ser humano. Além das disposições da Carta, os Estados-membros da OEA estão obrigados a cumprir os direitos mencionados na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, a qual é considerada interpretação autêntica dos princípios gerais de proteção dos direitos humanos contidos na Carta da OEA18.
A DADDH, redigida meses antes da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), reconheceu a universalidade dos direitos humanos ao proclamar que os direitos fundamentais do ser humano não são baseados em sua cidadania ou nacionalidade, mas sim em sua condição humana19.
Com a adoção da Carta da OEA e da DADDH, deu-se início a um processo de desenvolvimento da proteção dos direitos humanos no âmbito interamericano. O primeiro avanço nesse sentido foi a criação, por meio da Resolução VIII, na V Reunião dos Ministros de Relações Exteriores, realizada em Santiago do Chile, em 1959, da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, órgão especializado na promoção e proteção dos direitos humanos dentro da estrutura da OEA20, funcionando provisoriamente até integrar a estrutura permanente da instituição a partir do Protocolo de Buenos Aires, aprovado em 1967, que emendou a Carta da OEA, tornando-se órgão principal da própria Organização dos Estados Americanos21.
A competência da CIDH abrange todos os Estados-membros da Convenção Americana, em relação aos direitos humanos estabelecidos em seu texto. Além disso, abrange todos os Estados-membros da OEA, no que diz respeito aos direitos consagrados na DADDH22. A Comissão é composta por sete membros que possuem alta autoridade moral e reconhecido conhecimento em matéria de direitos humanos e podem ser da nacionalidade de qualquer dos Estados-membros da OEA, eleitos pela Assembleia Geral da Organização a título pessoal. Seus encontros podem ocorrer várias vezes por ano, a depender da demanda que lhe é designada pela OEA23.
Além da Carta da OEA e da DADDH, outros dois diplomas normativos também tutelam os direitos humanos no plano americano, são eles: a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), também denominada Pacto de San José da Costa Rica, aprovada em 1969, que criou a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH); e o Protocolo de San Salvador, aprovado em 1988, o qual ampara os direitos econômicos, sociais e culturais que haviam sido pouco explorados na CADH.
A CADH, apesar de ter sido aprovada em 1969, somente entrou em vigor em 1978, com a obtenção do mínimo de 11 ratificações necessárias. No que tange os direitos protegidos, a Convenção aprimorou a redação dos direitos estabelecidos na DADDH, estabelecendo obrigações vinculativas para os Estados. Além disso, concedeu novas atribuições à já existente Comissão Interamericana de Direitos Humanos e criou a Corte Interamericana de Direitos Humanos, como o segundo órgão de supervisão do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos24.
O papel da Corte Interamericana é de ser o órgão jurisdicional do SIPDH, composta por sete juízes nacionais de Estados membros da OEA, eleitos a título pessoal pelos Estados partes da Convenção, apresenta as competências consultiva e contenciosa. A primeira está relacionada à interpretação das disposições da CADH, bem como das disposições de tratados relacionados à proteção dos direitos humanos no seio da OEA, já a segunda diz respeito à resolução de controvérsias que surgem em relação à interpretação ou aplicação da própria Convenção25.
Quanto ao Protocolo de San Salvador, ele é o mais importante dentre os Protocolos Adicionais aprovados no âmbito do SIPDH, isto porque versa sobre matéria de direitos econômicos, sociais e culturais, trazendo para uma região marcada por fortes desigualdades sociais e pelo contraste entre a riqueza de poucos e miséria de milhões a responsabilidade sobre a necessidade de aferir o cumprimento dos direitos sociais em sentido amplo pelo Estado26.
Após essa breve síntese sobre o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos e seus principais instrumentos e órgãos, passa-se agora para analisar a hipótese da existência de limites no âmbito do SIPDH ao poder de tributação do Estado e da consequente proteção dos contribuintes em face desse poder tributante27.
Primeiramente, da análise textual dos principais instrumentos normativos do SIPDH, a saber, a Carta da OEA28, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem29, a Convenção Americana de Direitos Humanos30 e o Protocolo de São Salvador31, não se constatou a previsão de limites expressos e diretos ao poder de tributação do Estado, bem como também não se verificou a tutela expressa e específica dos direitos humanos dos contribuintes.
A pesquisa não se limitou a perscrutar os diplomas normativos, na tentativa de encontrar em seus conteúdos alguma previsão que limitasse o poder de tributação do Estado ou que reconhecesse direitos humanos típicos dos contribuintes, também se abrangeu a análise da jurisprudência da Corte IDH32 e das manifestações da CIDH33, se utilizando das expressões “confisco”, “contribuinte”, “imposto”, “taxa”, “tributação”, “tributo”, bem como de seus correspondentes em língua espanhola, nos arquivos dos sites desses órgãos.
Do mesmo modo como ocorreu com os principais documentos do SIPDH, o resultado da pesquisa na Corte IDH e na CIDH não logrou êxito em encontrar decisões ou manifestações que trouxessem em seu conteúdo alguma previsão expressa que limitasse o poder de tributação do Estado ou que reconhecesse direitos humanos típicos dos contribuintes.
Nessa perspectiva, diante da necessária tutela dos direitos humanos dos contribuintes em face do poder de tributar do Estado, cabe averiguar a possibilidade da proteção por via indireta ou reflexa dos contribuintes no âmbito do SIPDH.
4. Proteção indireta ou reflexa dos contribuintes no Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos
O SIPDH consagra diversos direitos humanos por meio de seus diplomas normativos, os quais servem de parâmetros mínimos que os Estados devem adotar em âmbito interno. Qualquer violação desses direitos se configura como grave agressão à dignidade da pessoa humana, mormente em seu direito à liberdade, segurança, igualdade e propriedade.
O respeito a esses princípios gerais permite evitar que o Estado atue de forma excessiva na área tributária, ajustando o poder de tributação de modo a não anular tais direitos. Princípios são diretrizes imediatamente orientadas para um fim e principalmente voltadas para o futuro, ou seja, têm como objetivo complementar e direcionar, em torno de um ideal, a interpretação e a aplicação das regras34.
O direito à igualdade, consagrado no art. 2 da Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem35 e no art. 24 do Pacto de San José da Costa Rica36, tem como um de seus desdobramentos o princípio da capacidade contributiva, norma de extrema importância em matéria tributária e que garante ao contribuinte a correta calibração dos tributos a serem pagos conforme sua capacidade de suportá-los.
Desse modo, a capacidade contributiva tem início a partir daquela riqueza que excede o mínimo necessário para a subsistência do cidadão. A partir desse ponto, a carga tributária deve ser distribuída de forma justa e solidária, baseando-se na ideia de sacrifício individual. Esse sacrifício não deve ser apenas proporcional, mas sim mais exigente na medida da capacidade de contribuição revelada pelo signo presuntivo de riqueza que fundamenta a incidência do tributo37. Violar esse princípio também acarretaria a violação do princípio geral da igualdade tutelado pelo SIPDH.
Guarda relação com o princípio da capacidade contributiva o princípio da vedação ao confisco. Este é de extrema relevância por assegurar que o Estado exerça seu poder de tributação dentro de limites razoáveis, proibindo abusos ou excessos que possam prejudicar o patrimônio dos indivíduos, exteriorizando a necessidade de um limite máximo para a pretensão tributária38.
Além disso, a vedação ao confisco também se aplica no contexto de penalidades resultantes do não cumprimento da legislação tributária, desde que sejam de valor abusivo. Isso pode ocorrer, a título de exemplo, quando a porcentagem da penalidade é maior do que o valor do próprio tributo ao qual se refere, ou quando a multa, calculada com base no valor da operação ou prestação sujeita à tributação, também excede o valor principal39.
Desse modo, visto que todo tributo incide sobre a propriedade dos contribuintes, qualquer tributação desproporcional acarreta a limitação do uso da propriedade, impedindo ou dificultando seu exercício40, sendo esta tutelada no art. 23 da DADDH41 e no art. 21 do Pacto de San José42.
Um dos direitos resguardados pelo SIPDH é o que protege a livre circulação das pessoas pelo território do país em que são nacionais, tanto o art. VIII da DADDH43 quanto o art. 22 da CADH44 são claros ao tutelar esse direito. Nesse sentido, quando determinado tributo incide sobre a circulação de pessoas, onerando-as de forma abusiva, a tal ponto que as impeça de transitar livremente pelo território do seu país, esta espécie de tributação estará violando os artigos dos diplomas acima mencionados, não podendo o Estado adotar tributos que acarretem limitações ao tráfego de pessoas45.
No seio das espécies de tributos, as taxas possuem as características de serem devidas em razão de uma prestação estatal, dito de outro modo, são pagas porque alguém gerou uma despesa para o Estado. No âmbito das taxas, estão inseridas as custas e emolumentos judiciais, cobrados para cobrir as despesas oriundas da tramitação dos processos judiciais46. Os valores cobrados precisam ser de tal modo que não dificultem o acesso dos cidadãos à prestação jurisdicional, podendo, quando for o caso, a concessão da gratuidade de justiça para parte processual que não tiver recursos econômicos suficientes para custear o processo.
A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, em seu art. XVIII47, e a Convenção Americana sobre Direito Humanos, em seus arts. 8 e 25, trazem a tutela do acesso à justiça, afirmando que toda pessoa tem o direito de ser ouvida, com as devidas garantias, com prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente48, além de salientar que o processo se realize via recurso simples e rápido49.
Para alcançar esse objetivo, como consequência lógica da garantia do acesso à justiça, está incluída a preocupação com as custas e emolumentos processuais, uma vez que os valores cobrados podem se tornar um impedimento para o acesso a esse direito, especialmente para a parcela da população mais vulnerável que não teria como arcar com esses custos ou como instrumento de obstrução desse direito.
Embora não se tenha encontrado na pesquisa jurisprudencial decisões da Corte IDH que trouxessem em sua fundamentação previsão expressa sobre limites do poder de tributação do Estado ou que reconhecessem direitos humanos típicos dos contribuintes, foi possível encontrar essa proteção de forma indireta ou reflexa ao analisar algumas sentenças da Corte e resoluções da CIDH50.
4.1. Caso Cantos vs. Argentina
O caso em particular ocorreu contra o Estado Argentino, sendo submetido à Corte pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 10 de março de 1999. A demanda da Comissão se originou a partir da Denúncia n. 11.636, recebida em sua Secretaria em 29 de maio de 1996.
Em março de 1972, a Direção Geral de Receitas da Província de Santiago del Estero, Argentina, com base em uma suposta violação tributária da Lei dos Selos, realizou buscas nas instalações administrativas das empresas do Sr. J. M. Cantos. Os funcionários da agência levaram todos os documentos contábeis, livros e registros comerciais, recibos de pagamento e uma série de títulos e ações comerciais, resultando em grave prejuízo econômico para suas empresas, dada a impossibilidade de sua operação, execução e oponibilidade contra terceiros51.
Ainda no mesmo mês, o Sr. Cantos deu entrada em várias ações judiciais para se defender. Como resultado dessas ações, o empresário foi alvo de perseguições sistemáticas e de assédio por parte de agentes do Estado, chegando a ficar detido e incomunicável. Todas as ações impetradas por ele foram rejeitadas e arquivadas. A Corte Suprema de Justiça da Nação, em setembro de 1996, proferiu sentença condenando-o ao pagamento de custas judiciais superiores a US$ 145.000.000, correspondentes a taxas judiciais e honorários advocatícios.
Na Comissão IDH houve o reconhecimento da demanda do Sr. Cantos e peticionou junto à Corte IDH solicitando que esta declare que o Estado Argentino violou os direitos à justiça e o direito de petição, consagrados na DADDH, respectivamente os arts. XVIII e XXIV; declare, fundamentado no art. 2 da CADH52 e no Pacta sunt servanda que o Estado Argentino violou o art. 50 da CADH53 ao não cumprir as recomendações formuladas pela Comissão; ordene o restabelecimento da plenitude dos direitos do Sr. Cantos, reparando-o e indenizando-o adequadamente; o pagamento das custas da instância internacional, tanto os procedimentos levados à Comissão quanto os levados à Corte; declare que o Estado Argentino deve reparar e indenizar todos os efeitos prejudiciais da sentença proferida pelo tribunal interno, uma vez que esta viola uma norma internacional54.
Analisando o caso55, a Corte IDH concentrou-se no art. 8 da CADH, que estabelece o direito de acesso à justiça, garantindo que os Estados não devem criar obstáculos para as pessoas que buscam a determinação ou proteção de seus direitos perante os tribunais, sejam eles direitos previstos na Convenção, direitos constitucionais ou direitos legais. Esse direito se concretiza por meio de um acesso efetivo a recursos judiciais que permitam a defesa desses direitos.
A Corte IDH teve que decidir sobre a compatibilidade da aplicação da lei e a consequente determinação de uma taxa de justiça com os arts. 8 e 25 da CADH. Em particular, a questão discutida era se as quantias estabelecidas como taxa de justiça e os honorários advocatícios regulados com base no valor da causa constituíram em possível obstrução do acesso à justiça.
Embora a Corte reconheça que o direito ao acesso à justiça não é absoluto e pode estar sujeito a certas limitações por parte do Estado, essa discricionariedade na imposição de limites deve estar em conformidade com o meio utilizado e o objetivo perseguido, e não podem anular esse direito.
A Corte considerou que não é razoável, mesmo que a taxa de justiça seja proporcional ao valor da demanda em termos aritméticos. Portanto, concluiu-se que o valor indicado não está em conformidade com o meio utilizado e o objetivo perseguido pela legislação argentina, o que claramente obstrui o acesso à justiça do Sr. Cantos e viola os arts. 8 e 25 da CADH. Em relação aos honorários advocatícios regulados com base no valor da causa, nos termos estabelecidos neste caso, a Corte afirma que impõem uma carga desproporcional ao autor e obstruem a administração efetiva da justiça.
A Corte IDH considerou que tais cobranças realizadas de acordo com parâmetros legais resultaram em quantias excessivas, obstruindo o acesso do Sr. Cantos à justiça. Portanto, o Estado argentino violou os arts. 8 e 25 da CADH, em relação ao art. 1.1, ferindo os direitos do Sr. Cantos.
Como resultado, a Corte IDH determinou as seguintes obrigações para o Estado: abster-se de cobrar a taxa de justiça e a multa por falta de pagamento do Sr. Cantos; estabelecer honorários razoáveis ao caso; deve assumir o pagamento dos honorários e custas dos peritos e advogados do Estado e da Província de Santiago del Estero; suspender os embargos, a restrição geral e outras medidas impostas aos bens e atividades empresariais do Sr. Cantos para garantir o pagamento da taxa de justiça e dos honorários regulados; pagar aos representantes da vítima o valor total de US$ 15.000 pelas despesas incorridas no processo internacional perante a Corte; rejeitar as demais reivindicações da demanda por não serem procedentes; deve apresentar à Corte IDH relatório sobre as medidas tomadas para o cumprimento da sentença a ser enviado a cada seis meses; a Corte supervisionará o cumprimento da decisão e encerrará o caso assim que o Estado tiver dado pleno cumprimento ao disposto na sentença56.
4.2. Caso Salvador Chiriboga vs. Equador
Os fatos deste caso tiveram início quando María Salvador Chiriboga e Julio Guillermo Salvador Chiriboga herdaram uma propriedade de 60 hectares de seu pai. Em 13 de maio de 1991, o Conselho Municipal de Quito declarou a propriedade como de utilidade pública, para fins de expropriação e ocupação urgente, com o objetivo de construir um Parque Metropolitano.
Os irmãos Salvador Chiriboga apresentaram diversos processos e recursos perante as instâncias estatais, contestando a declaração de utilidade pública e buscando uma indenização justa. No entanto, nenhuma resolução definitiva foi emitida, resultando no Conselho Municipal de Quito mantendo a posse da propriedade.
A CIDH apresentou a demanda neste caso com o objetivo de que a Corte IDH decidisse se o Estado violou os direitos consagrados nos arts. 8, 21 e 25 da Convenção Americana, em relação aos arts. 1.157 e 2 dessa, os representantes das vítimas solicitaram que a Corte IDH também declarasse a violação dos arts. 24 e 29 da CADH.
Conforme sentença de 6 de maio de 2008, a Corte reconheceu a violação dos arts. 1 (obrigação de respeitar os direitos), 2 (dever de adotar disposições de direito interno), 21 (direito à propriedade privada), 24 (igualdade perante a lei), 25 (proteção judicial) e 8 (garantias judiciais), da Convenção Americana por parte do Estado do equatoriano.
Especificamente em relação a violação do direito à propriedade privada, a Corte sustentou que o Estado privou a senhora María Salvador Chiriboga do direito à propriedade privada com base em razões legítimas e devidamente fundamentadas de utilidade pública, relacionadas à proteção do meio ambiente através do estabelecimento do Parque Metropolitano. No entanto, o Estado não cumpriu os requisitos necessários para restringir o direito à propriedade, conforme estabelecido nos princípios gerais do direito internacional e de forma explícita na CADH.
O Estado não respeitou os procedimentos estabelecidos em lei ao violar a proteção e as garantias judiciais, resultando em recursos que excederam o prazo razoável e que se apresentaram ineficazes. Como consequência, a vítima foi privada de sua propriedade, bem como do recebimento de uma indenização justa, resultando em ônus excessivos impostos à vítima, tornando a expropriação arbitrária. Desse modo, a Corte IDH considerou que o Equador foi responsável pela violação do direito consagrado no art. 21.2 da Convenção Americana, em relação aos direitos estabelecidos nos arts. 8.1 e 25.1 da CADH, relacionando-os ao art. 1.1 do mesmo instrumento58.
4.3. Caso Ivcher Bronstein vs. Peru
Os acontecimentos deste caso envolvem Baruch Ivcher Bronstein, que era proprietário majoritário do canal de televisão peruano Compañía Latinoamericana de Radiodifusión S.A. Nascido em Israel, o Sr. Ivcher posteriormente obteve a cidadania peruana por naturalização.
Um dos programas desse canal começou a transmitir reportagens relacionadas ao governo do então Presidente Alberto Fujimori. Em 23 de maio de 1997, o Poder Executivo do Peru emitiu o Decreto Supremo n. 4-97-IN, que regulamentava a Lei de Nacionalidade n. 26.574 e estabelecia a possibilidade de revogar a nacionalidade de peruanos naturalizados. Em julho de 1997, o título de nacionalidade peruana do Sr. Ivcher foi tornado sem efeito. Como resultado, ele foi suspenso como acionista majoritário do seu canal de televisão. Os recursos apresentados para contestar essas decisões não foram reconhecidos pelos órgãos competentes.
Com consequência da perda da nacionalidade o Juiz Percy Escobar tomou várias medidas legais em agosto do mesmo ano: a) suspendeu os direitos de acionista majoritário e Presidente da Empresa do senhor Ivcher, bem como revogou sua nomeação como Diretor; b) ordenou a convocação judicial de uma Assembleia Geral Extraordinária de Acionistas para escolher um novo Conselho de Administração e impedir a transferência das ações de Ivcher; c) temporariamente concedeu a administração da Empresa aos acionistas minoritários até a nomeação de um novo conselho.
A CIDH apresentou a demanda neste caso com o objeto de que a Corte IDH decidisse se o Peru violou os direitos resguardados nos arts. 8, 1359, 2060, 21 e 25 da Convenção Americana em relação ao art. 1.1 dessa. A Corte reconheceu a violação do art. 1 (obrigação de respeitar os direitos), art. 13 (liberdade de pensamento e expressão), art. 20 (direito à nacionalidade), art. 21 (direito à propriedade privada), art. 25 (proteção judicial) e art. 8 (garantias judiciais).
No que diz respeito à violação da propriedade privada, a Corte IDH concluiu que para a privação dos bens de alguém estar de acordo com o direito à propriedade estabelecido na Convenção, é necessário que seja fundamentada em razões de utilidade pública ou interesse social, que envolva o pagamento de uma compensação justa, que se restrinja a casos específicos e que seja realizada de acordo com os procedimentos previstos em lei.
No caso analisado, a Corte chegou à conclusão de que não há provas de que a medida cautelar ordenada pelo Juiz Percy Escobar tenha sido baseada em razões de utilidade pública ou interesse social. Pelo contrário, os fatos comprovados indicam que o Estado pretendia privar o Sr. Ivcher do controle do Canal 2, suspendendo seus direitos como acionista majoritário da Companhia.
Além disso, não houve indenização adequada pela privação dos bens do Sr. Ivcher, e a medida não seguiu as leis vigentes no País. A Corte concluiu que os processos relacionados à limitação dos direitos do Sr. Ivcher não cumpriram os requisitos mínimos do devido processo legal. Portanto, a privação dos direitos do Sr. Ivcher sobre suas ações na Companhia foi considerada arbitrária pela Corte IDH, em desacordo com o art. 21 da Convenção61.
4.4. Caso Elena Nuques Villacís e Outros vs. Equador
Trata-se da admissibilidade perante a CIDH do caso dos herdeiros do Sr. Anselmo Nuques. Este possuía um engenho açucareiro e cinco fazendas localizadas no Equador. Em 1967, a autoridade tributária local emitiu ordens de cobrança de impostos sobre a produção de açúcar e imposto de renda contra o engenho. O processo de cobrança resultou na apreensão do engenho e das fazendas. Trinta anos depois, os herdeiros do Sr. Nuques moveram uma ação nos tribunais equatorianos buscando a anulação do processo de apreensão.
Em 1999, a Suprema Corte de Justiça aceitou a ação. Como resultado, em 2000, os herdeiros solicitaram a restituição do engenho e das fazendas. No entanto, a autoridade tributária afirmou que não era possível cumprir essa restituição, alegando que restavam apenas vestígios do engenho e que as fazendas estavam agora sob posse de terceiros. Diante dessa situação, os herdeiros buscaram indenizações.
No ano de 2003, a Suprema Corte decidiu que deveria haver indenização pelos danos causados, estabelecendo aproximadamente USD 43,3 milhões como valor da indenização. Em 2006, a Suprema Corte determinou que os tribunais inferiores deveriam cumprir a sentença de 2003, mas esses tribunais supostamente falharam em fazê-lo.
A autoridade tributária propôs um processo de mediação em 2007, no qual as partes concordaram que os herdeiros do Sr. Nuques receberiam USD 23 milhões como indenização pelas perdas. No entanto, o pagamento não foi realizado, levando os herdeiros a exigirem o cumprimento compulsório do acordo de mediação, que foi rejeitado em setembro de 2010.
Como resultado, em 2011, as vítimas apresentaram uma petição junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos buscando reparar o descumprimento das sentenças proferidas pela Suprema Corte que ordenavam o pagamento das indenizações.
A CIDH considerou a reivindicação como admissível e conforme seu entendimento, a alegada falta de cumprimento das sentenças de indenização e a contínua negação de justiça podem configurar em possíveis violações dos arts. 8 (direito a um julgamento justo), 21 (direito à propriedade) e 25 (direito à proteção judicial) da Convenção Americana. A Comissão ressaltou que os herdeiros esgotaram os recursos disponíveis no âmbito doméstico para garantir o cumprimento das sentenças, contudo esses recursos se mostraram ineficazes62.
4.5. Caso Suárez Rosero vs. Equador
Os eventos do caso em questão ocorreram em 23 de junho de 1992, quando Rafael Iván Suárez Rosero foi detido por agentes da Polícia Nacional do Equador, no âmbito da operação “Ciclón”, cujo suposto objetivo era desarticular uma organização de narcotráfico internacional. A detenção ocorreu sem uma ordem judicial e sem que ele fosse pego em flagrante delito.
Ademais, durante seu primeiro interrogatório, o Sr. Suárez Rosero não teve assistência de um advogado e suas visitas familiares foram restringidas. Um recurso de habeas corpus foi impetrado para contestar a detenção, porém foi negado. Em 9 de setembro de 1996, uma sentença condenatória foi proferida, na qual foi decidido que o Sr. Suárez Rosero era cúmplice do crime de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes e psicotrópicas, sendo condenado a dois anos de prisão e a uma multa de duas mil vezes o salário mínimo vigente à época.
A CIDH apresentou a demanda neste caso com o objetivo de que a Corte IDH decidisse se o Estado do Equador violou os direitos consagrados nos arts. 563, 764, 8 e 25 da Convenção Americana, em relação com o art. 1 da Convenção Americana.
A Corte, em sentença proferida em 12 de novembro de 1997, afirmou que o Estado do Equador infringiu os arts. 1165 (direito à honra e dignidade), 1766 (proteção à família), 25 (proteção judicial), 5 (direito à integridade pessoal), 7 (direito à liberdade pessoal), 8 (garantias judiciais), relacionando-os com o art. 1 (obrigações de respeitar os direitos) da Convenção Americana.
Na sentença de Reparação e Custos, a Corte decidiu que o Estado do Equador não execute a multa imposta ao senhor Rafael Iván Suárez Rosero, eliminando seu nome do Registro de Antecedentes Penais e do Registro do Conselho Nacional de Substâncias Entorpecentes e Psicotrópicas; pague um montante global de US$ 86.621,77; que pague, a título de custas e despesas, o montante de US$ 6.520,00 ao senhor Alejandro Ponce Villacís e o montante de US$ 6.010,45 ao senhor Richard Wilson; que os pagamentos deverão ser isentos de qualquer tributação ou imposto atual ou futuro.
O Equador solicitou a interpretação de dois pontos, visto que tinha interesse em tributar as indenizações e custas. O primeiro ponto refere-se às indenizações ordenadas em favor da vítima e de seus familiares, se a geração de juros e o destino dados aos montantes da indenização após o pagamento também estariam isentos do pagamento de impostos. O segundo aspecto da demanda de interpretação se concentrou no pagamento ordenado em favor dos advogados da vítima, o qual, segundo o Estado, estaria sujeito a impostos.
A Corte IDH concluiu que o Estado tem a obrigação de aplicar os mecanismos que sejam apropriados para garantir o cumprimento dessas obrigações da maneira mais rápida e eficiente, nas condições e prazos estabelecidos na sentença de reparações e, especialmente, adotar as medidas adequadas para garantir que a dedução legal realizada pelas entidades do sistema financeiro equatoriano das transações monetárias não prejudique o direito dos beneficiários de receber a totalidade da indenização ordenada em seu favor, e uma vez o pagamento venha a ser realizado, este passará a integrar o patrimônio dos beneficiários, podendo, a partir desse momento, ser-lhes instituídos os devidos tributos.
Quanto às custas e despesas processuais, a Corte se manifestou no sentido de que estas são consideradas equitativas e razoáveis, acrescentando que devem ser recebidas integralmente e de forma efetiva pelos advogados da vítima, não podendo o Estado pagar menos, realizando deduções ou tributações, pois acarretaria descumprimento da sentença67.
4.6. Caso Baena Ricardo e Outros vs. Panamá
Os fatos dizem respeito ao desligamento de 270 funcionários públicos e dirigentes sindicais que haviam participado de vários protestos para reivindicarem seus direitos trabalhistas. Os desligamentos ocorreram com base na Lei n. 25, de 14 de dezembro de 1990, após o Governo acusar essas pessoas de participarem de manifestações de protesto e serem cúmplices de um golpe militar. Vários recursos administrativos foram apresentados, porém sem obter resultados positivos.
A CIDH peticionou junto à Corte neste caso buscando decisão no sentido de saber se o Estado violou os direitos consagrados nos arts. 8, 968, 1069, 1570, 1671 e 25 da Convenção Americana em relação aos arts. 1 e 2 dessa, em detrimento dos 270 trabalhadores.
Na sentença a Corte IDH reconheceu que o Estado do Panamá violou a CADH em seus arts. 1 (obrigação de respeitar os direitos), 10 (direito a indenização), 15 (direito de reunião), 16 (direito à liberdade de associação), 2 (dever de adotar disposições de direito interno), 25 (proteção jurisdicional), 8 (garantias judiciais), 9 (princípio da legalidade e retroatividade).
A Corte sentenciou o Panamá a pagar aos 270 trabalhadores os montantes correspondentes aos salários pendentes e outros direitos trabalhistas que lhes coubessem de acordo com a legislação vigente, no caso dos trabalhadores falecidos, esses pagamentos devem ser feitos aos seus dependentes; reintegrar os 270 trabalhadores aos seus cargos e, se isso não for possível, oferecer-lhes alternativas de emprego que respeitem as mesmas condições, salários e remunerações que tinham no momento da sua demissão. Caso isso também não seja viável, o Estado deve proceder ao pagamento da indenização devida pela rescisão do contrato de trabalho, de acordo com a legislação trabalhista interna; pagar a cada um dos 270 trabalhadores a quantia de US$ 3.000 a título de dano moral; pagar ao conjunto dos 270 trabalhadores a quantia de US$ 100.000 como reembolso das despesas geradas pelas gestões realizadas pelas vítimas e seus representantes, e a quantia de US$ 20.000 como reembolso das custas processuais.
Na Resolução da Corte IDH de 22 de novembro de 2002, sobre cumprimento de sentença, constatou-se que o Estado do Equador não havia cumprido uma série de obrigações e que estava unilateralmente descontando imposto de renda dos valores pagos das indenizações. Sobre este ponto, a Corte decidiu que o pagamento das indenizações compensatórias ordenadas em benefício das 270 vítimas ou de seus herdeiros não pode ser tributado pelo Estado com qualquer imposto existente ou que possa ser criado no futuro, incluindo o imposto de renda72.
4.7. Caso Myrna Mack Chang vs. Guatemala
O caso analisado ocorreu no ambiente político em que a Guatemala estava imersa em um conflito armado interno, onde execuções extrajudiciais seletivas foram realizadas com o objetivo de limpeza social. Nesse contexto, Myrna Mack Chang realizou atividades de pesquisa sobre as comunidades de população em resistência e as políticas do Exército da Guatemala em relação a elas.
Em 11 de setembro de 1990, Myrna Mack foi morta por agentes militares após estar sob vigilância. Houve muitas obstruções no processo penal que foi iniciado e não foi possível tentar punir todos os autores materiais e intelectuais do crime.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos solicitou à Corte IDH que declarasse a responsabilidade internacional do Estado da Guatemala pela suposta violação dos direitos reconhecidos nos arts. 473, 8 e 25 da Convenção Americana, em relação ao art. 1 do mesmo instrumento, em detrimento de Myrna Elizabeth Mack Chang e seus familiares. Os representantes concordaram, em geral, com as violações alegadas pela CIDH. No entanto, além das alegações da CIDH, eles consideraram que os direitos reconhecidos nos arts. 5, 8, 25 e 1.1 do mesmo instrumento também foram violados.
O Estado da Guatemala foi condenado por violar o art. 1 (obrigação de respeitar direitos), art. 25 (tutela jurisdicional), art. 4 (direito à vida), art. 5 (direito a tratamento humano), art. 8 (garantias judiciais), da Convenção Americana. Devido a essas violações a Guatemala foi condenada a investigar os fatos deste caso, a fim de identificar, processar e punir todos os autores materiais e intelectuais e outros responsáveis pela execução extrajudicial da vítima; remover todos os obstáculos e mecanismos de fato e de direito que mantenham a impunidade neste caso; realizar um ato público de reconhecimento de sua responsabilidade; incluir treinamentos sobre direitos humanos nos cursos de formação de militares e policiais; pagar o valor total de US$ 266.000,00 como compensação por danos materiais; pagar o valor total de US$ 350.000,00 como compensação por danos imateriais; pagar o valor total de US$ 163.000,00 para custas e despesas, e o valor de US$ 5.000,00 para despesas futuras; além de outras medidas reparadoras.
Sobre este caso vale destacar o voto concorrente justificado do Juiz Sergio García Ramírez. Em seu voto, o magistrado ponderou que o entendimento de que as indenizações não podem ser afetadas por tributação ou outros gravames é consolidado nas sentenças da Corte e obedece ao propósito de evitar que, por meio fiscal ou outros semelhantes, a decisão do tribunal seja burlada e que a vítima ou seus familiares, representantes e assistentes legais sejam privados das compensações previstas pela Corte74.
4.8. Caso Loayza Tamayo vs. Peru
O caso aborda a responsabilidade internacional do Estado do Peru em relação aos tratamentos cruéis, desumanos e degradantes infligidos a María Elena Loayza Tamayo, além da ausência de garantias e proteção judicial para questionar sua detenção e o processo perante a jurisdição penal militar.
Em 6 de fevereiro de 1993, María Elena Loayza Tamayo, professora universitária, foi detida por membros da Divisão Nacional contra o Terrorismo (Dincote) em uma propriedade localizada no Distrito Los Olivos, na cidade de Lima. Sua detenção ocorreu com base em sua suposta colaboração com o grupo armado Sendero Luminoso.
María Elena Loayza Tamayo foi levada ao centro da Dincote, onde ficou incomunicável e impossibilitada de apresentar um recurso judicial para questionar sua detenção. Posteriormente, ela foi exposta publicamente nos meios de comunicação vestindo um uniforme listrado e identificada como terrorista. Mais tarde, ela foi processada e posteriormente absolvida pelo crime de traição à pátria no tribunal militar. Mesmo assim, a vítima foi processada no tribunal ordinário pelo crime de terrorismo e condenada a 20 anos de prisão.
Em 12 de janeiro de 1995, a CIDH submeteu o caso à Corte para que esta se pronunciasse se o Estado do Peru violou os arts 5, 7, 8 e 25 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, todos eles em conexão com o art. 1.1 do mesmo instrumento. A Corte decidiu por reconhecer as violações dos direitos humanos perpetrados pelo Peru, ao dizer que este violou os arts. 1 (obrigação de respeitar os direitos), 25 (proteção judicial), 5 (direito à integridade pessoal), 7 (direito à liberdade pessoal) e o 8 (garantias judiciais), todos da CADH.
Ademais, a Corte ainda condenou o Estado Peruano a tomar todas as medidas necessárias para reintegrar a senhora María Elena Loayza Tamayo ao serviço docente em instituições públicas; assegurar à senhora María Elena Loayza Tamayo o pleno gozo de seu direito à aposentadoria, incluindo o tempo transcorrido desde o momento de sua detenção; pagar uma quantia global de US$ 167.190,30 (cento e sessenta e sete mil cento e noventa dólares dos Estados Unidos da América e trinta centavos); pague, a título de honorários e despesas, a quantia de US$ 20.000,00 (vinte mil dólares dos Estados Unidos da América), à senhora Carolina Maida Loayza Tamayo; que todo pagamento ordenado na Sentença de Reparações e Custas deva ser isento de qualquer imposto ou taxa existente ou futura, além de outras medidas.
Após a condenação, o Peru solicitou a interpretação a respeito de quatro pontos, entre eles, se a isenção de impostos ordenada pela Corte inclui também os honorários profissionais. Analisando o ponto, a Corte decidiu que a isenção está em consonância com a jurisprudência constante da Corte. Quando há a condenação para o pagamento das custas, exige que o Estado inclua no valor do pagamento os impostos que possam ser aplicáveis ou faça o cálculo correspondente e determine o montante resultante.
Caso o Estado deduzisse algum percentual desses montantes como impostos, o valor recebido pela beneficiária não seria o mesmo determinado pela Corte. Consequentemente, na situação mencionada, não se estaria cumprindo o que foi ordenado na sentença de reparações.
A Corte reafirmou que o pagamento dos honorários e despesas profissionais é concedido em benefício da advogada. Uma vez que a beneficiária tenha recebido o pagamento integral do montante devido referente aos honorários e despesas, esse valor passará a fazer parte de seu patrimônio. O uso, administração ou destino dessas somas, a partir desse momento, estarão sujeitos às normas peruanas aplicáveis75.
4.9. Caso Acevedo Buendía e Outros (“Aposentados e Jubilados da Contraloría”) vs. Peru
O assunto central do caso está relacionado com a responsabilidade internacional do Estado pelo não cumprimento de duas sentenças emitidas pelo Tribunal que determinavam a equalização das pensões (a partir de novembro de 2002) e a restituição dos montantes devidos por esse conceito (de abril de 1993 a outubro de 2002) aos 273 membros da Associação de Aposentados e Jubilados da Contraloría General de la República do Peru.
Os acontecimentos deste caso tiveram início quando 273 membros da Associação de Aposentados e Jubilados da Contraloría General de la República del Perú aderiram ao regime de pensões regulado pelo Decreto-lei n 20.530, o qual estabelecia uma pensão de aposentadoria nivelada progressivamente com a remuneração do titular em atividade da Contraloría General de la República (CGR) que ocupasse o mesmo cargo ou função análoga àquela que eles desempenhavam na data de sua aposentadoria.
Contudo, em 7 de julho de 1992, foi publicado o Decreto-lei n. 25.597, atribuindo ao Ministério da Economia e Finanças (MEF) a responsabilidade pelo pagamento das remunerações, pensões e benefícios similares que, até então, eram de responsabilidade da CGR, e restringindo o direito dos membros da Associação de continuarem a receber uma pensão nivelada conforme o Decreto-lei n. 20.530.
Em 27 de maio de 1993, a Associação interpôs uma ação de amparo contra a CGR e o MEF perante o Sexto Juzgado en lo Civil de Lima, buscando a declaração de inaplicabilidade dos dispositivos legais mencionados em favor de seus membros. Após recorrer várias vezes, a Associação apresentou um recurso extraordinário perante o Tribunal Constitucional do Peru, que, por meio das sentenças proferidas em 21 de outubro de 1997 e 26 de janeiro de 2001, determinou que a Contraloría General de la República deve cumprir com o pagamento dos salários, gratificações e bônus aos membros da Associação demandante nos mesmo montante que recebem os servidores em atividade da referida Contraloría que ocupam cargos idênticos, similares ou equivalentes aos que os aposentados ou jubilados tinham.
O Estado cumpriu parcialmente uma parte da sentença do Tribunal Constitucional do Peru ao nivelar as pensões a partir de novembro de 2002. Contudo, não cumpriu com a restituição dos montantes das pensões retidos desde abril de 1993 até outubro de 2002.
A CIDH solicitou à Corte IDH que estabeleça a responsabilidade internacional do Estado por ter descumprido suas obrigações internacionais ao violar os arts. 21 e 25 da Convenção Americana, em relação ao art. 1.1 dessa, no que os representantes das vítimas concordaram.
A Corte IDH constatou que o Estado Peruano violou os arts. 1 (obrigação de respeitar os direitos), 21 (direito à propriedade privada), 25 (proteção judicial) e 2676 (desenvolvimento progressivo), da CADH, condenando o Peru a dar cumprimento total às sentenças do Tribunal Constitucional do Peru, incluindo a obrigação do Estado de reintegrar os montantes não recebidos pelas vítimas entre o período demandado, de acordo com a legislação interna relativa à execução de decisões judiciais, e garantir plenamente o direito das vítimas de receber o pagamento correspondente em um prazo razoável, considerando que os montantes a serem atribuídos como resultado da execução da sentença, incluindo os juros, não devem ser afetados por qualquer carga tributária77.
4.10. Da possibilidade da tutela indireta ou reflexa
Como visto acima, muito embora o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos não traga expressamente nenhum rol de direitos típicos dos contribuintes, os diplomas normativos do SIPDH tutelam direitos inerentes à pessoa humana que, a partir de seus desdobramentos, podem limitar o poder de tributação do Estado em face dos princípios tributários que protegem os contribuintes.
Nos casos analisados, identificou-se que o SIPDH indiretamente tratou sobre a proteção dos direitos humanos dos contribuintes, seja na perspectiva da proteção da propriedade privada, da justa reparação e proteção contra a tributação indevida sobre estas ou da tutela contra taxas judiciais desmedidas.
Nos casos Chiriboga vs. Equador, Ivcher Bronstein vs. Peru e Elena Nuques e outros vs. Equador, podemos visualizar a preocupação do SIPDH em garantir aos contribuintes a tutela do seu direito de propriedade contra as ações abusivas das autoridades tributárias, que, ao utilizar de seu aparato estatal para perseguir e constranger os contribuintes, violam o art. 21 da Convenção Americana.
No que tange ao pagamento das indenizações, os casos exemplificados (Suárez Rosero vs. Equador, Baena Ricardo e outros vs. Panamá, Myrna Mack Chang vs. Guatemala, Loaysa Tamayo vs. Peru e Acevedo Buendía e outros vs. Peru) refletem uma consolidação da jurisprudência da Corte IDH, no sentido de assegurar a intangibilidade dos montantes definidos pela Corte78. O objetivo principal dessa medida é impedir que os valores pagos sejam gravados por qualquer tipo de tributação que faça diminuir a totalidade do que foi pago, garantindo que as vítimas possam receber os montantes de forma integral e efetiva.
Ainda, conforme entendimento da Corte IDH, na sentença sobre o caso Cantos vs. Argentina, em que o tribunal reconheceu que os arts. 8 e 25 da CADH estavam sendo violados pelo Estado Argentino, pode-se observar a proteção dos direitos dos contribuintes de forma indireta ou reflexa a partir dos princípios contidos nos instrumentos normativos do SIPDH, como o foi no caso analisado, no qual, tendo como base a proteção do direito de acesso à justiça, se reconheceu a abusividade da conduta do Estado Argentino, e a consequente limitação de seu poder de tributar, ao condená-lo pela cobrança exorbitante das taxas judiciais.
Desse modo, é possível que os contribuintes sejam tutelados em seus direitos humanos de forma indireta ou reflexa, possuindo como fundamentos os princípios gerais estabelecidos no plano do SIPDH e os princípios de matéria tributária que derivam do natural desenvolvimento das normas contidas nos instrumentos do SIPDH, bem como fundamentado na jurisprudência dos órgãos do SIPDH, ao possibilitar levar possível caso de violação de seus direitos ao conhecimento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos via petição individual e esta, caso haja necessidade, demandar a Corte IDH para que o caso venha a ser analisado perante o tribunal, como ocorrido nos casos aqui verificados.
5. Conclusão
A tributação é essencial para o financiamento das atividades do Estado e para garantir os direitos sociais e econômicos da população. Ela se legitima na própria liberdade humana, limitando-se voluntariamente e devendo em consideração a capacidade de cada pessoa para contribuir com os gastos públicos.
No entanto, a tributação pode ser usada indevidamente para limitar o exercício dos direitos humanos, especialmente quando é aplicada de forma desigual, ilegal, desproporcional e/ou discriminatória. Portanto, é importante que a tributação seja realizada dentro dos limites que protejam os direitos dos contribuintes, que se somam aos aspectos de competências federativas e às formalidades próprias da tributação.
Afinal, a tributação, ao ser exercida de modo inadequado, acabará gerando distorções sociais e econômicas, afastando o Estado do modelo de desenvolvimento que deve ser implementado.
O Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos promove e tutela direitos humanos mínimos que devem guiar a ação dos Estados no plano interno. Nessa perspectiva, e diante da necessária proteção do contribuinte em face do poder de tributar do Estado, sendo aquele lado o mais frágil nessa relação, a pesquisa analisou os principais instrumentos normativos do SIPDH, bem como a jurisprudência da Corte IDH e as manifestações da CIDH, a partir de expressões selecionadas, com o objetivo de encontrar previsão expressa e direta da proteção dos direitos humanos dos contribuintes.
Da referida análise, não foi encontrado qualquer limite expresso e direto ao poder de tributação do Estado, nem proteção específica dos direitos humanos dos contribuintes. Do mesmo modo, da análise da jurisprudência da Corte IDH e das manifestações da CIDH, não foram encontradas decisões ou manifestações que estabelecessem limites ao poder de tributação do Estado ou reconhecessem direitos humanos específicos dos contribuintes.
Embora o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos não mencione de forma explícita direitos típicos dos contribuintes, os instrumentos normativos do SIPDH contemplam direitos humanos que, em seus desdobramentos, podem limitar indiretamente o poder de tributação do Estado.
Dessa forma, é possível que os direitos humanos dos contribuintes sejam protegidos de forma indireta ou reflexa, com base nos princípios gerais estabelecidos no âmbito do SIPDH e nos elementos normativos tributários que se desenvolvem a partir do Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos, assim como há fundamento na jurisprudência dos órgãos do SIPDH, como demonstrado nos casos exemplificados neste trabalho, ao possibilitar que os contribuintes tenham seus direitos tutelados reflexa e indiretamente e, assim, possam peticionar junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos caso haja violação de seus direitos em face do poder de tributação do Estado, e esta, caso seja necessário, demandar a Corte Interamericana de Direitos Humanos para que o caso venha a ser analisado perante o tribunal.
A utilização de mecanismos de defesa dos direitos humanos do contribuinte é medida legítima e democrática, adequada num Estado de Direito, que deve prezar pela confiança e pelo respeito ao binômio igualdade-legalidade, elementos que, aplicados de forma correta, não devem permitir relações tributárias lastreadas em arbitrariedades, discriminações e medidas afins. O controle dos abusos do Estado Fiscal é um avanço da própria estrutura da tributação, mantendo-a coerente com um sistema ótimo de fiscalidade.
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1 TORRES, Ricardo Lobo. A ideia de liberdade no Estado Patrimonial e no Estado Social. Rio de Janeiro: Renovar, 1991, p. 1-12.
2 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 181.
3 Cf. MOREIRA, Vital. Economia e Constituição: para o conceito de Constituição Econômica. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1979, p. 41.
4 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 25.
5 RAMOS, André de Carvalho. Curso de direitos humanos. 8. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 58.
6 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 13.
7 RAMOS, André de Carvalho. Curso de direitos humanos. 8. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 76-70.
8 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito internacional constitucional. 14. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 205.
9 ADAMS, Charles. For good an evil. The impact of taxes on the course of civilization. 2. ed. Lanham; New York; Toronto; Plymouth: Madison, 1999, E-book, posição 313.
10 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 10. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2021, p. 26.
11 GENET, Jean-Philippe. Estado. In.: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude. Dicionário analítico do Ocidente Medieval. São Paulo: Unesp, 2017, v. 1, p. 454-455.
12 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 10. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2021, p. 31-33.
13 CARVALHO, Márcio Menezes. Os Direitos Humanos como limites ao poder de tributar do Estado. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito do Recife, Universidade Federal de Pernambuco. Recife, p. 266. 2001, p. 85.
14 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário: os direitos humanos e a tributação: imunidades e isonomia. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, v. III, p. 14.
15 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 10. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2021, p. 35.
16 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 10. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2021, p. 38-39.
17 MOREIRA, Thiago Oliveira. A aplicação dos tratados internacionais de direitos humanos pela jurisdição brasileira. Natal: EDUFRN, 2015, p. 74.
18 RAMOS, André de Carvalho. Curso de direitos humanos. 8. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 507-508.
19 RAMOS, André de Carvalho. Curso de direitos humanos. 8. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 507.
20 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 825.
21 RAMOS, André de Carvalho. Curso de direitos humanos. 8. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 508.
22 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito internacional constitucional. 14. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 345.
23 MOREIRA, Thiago Oliveira. A aplicação dos tratados internacionais de direitos humanos pela jurisdição brasileira. Natal: EDUFRN, 2015, p. 76.
24 RAMOS, André de Carvalho. Curso de direitos humanos. 8. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 509.
25 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito internacional constitucional. 14. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 345.
26 RAMOS, André de Carvalho. Curso de direitos humanos. 8. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 510.
27 No âmbito do Sistema Europeu dos Direitos Humanos a discussão sobre a possibilidade de a proteção dos direitos humanos dos contribuintes ser feita pelos tribunais de direitos humanos não é recente. Para um estudo sobre tema, vide: BAKER, Philip. Taxation and Human Rights. In.: GRUNDY, Milton. GITC Review. Disponível em: http://taxbar.com/wp-content/uploads/2016/01/gitc_review_v1_n1.pdf#targetText=The%20two%20Conventions%20have%20broadly,discrimination%20and%20protection%20of%20property. Acesso em: 30 jul. 2023.
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28 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Carta da Organização dos Estados Americanos. Disponível em: https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/q.carta.oea.htm. Acesso em: 31 maio 2023.
29 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. Disponível em: https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/b.declaracao_americana.htm. Acesso em: 31 maio 2023.
30 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Americana sobre Direitos Humanos. 22 de novembro de 1969. Disponível em: https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/c.convencao_americana.htm. Acesso em: 31 maio 2023.
31 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Protocolo adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de direitos econômicos, sociais e culturais, “Protocolo de San Salvador”. Disponível em: https://www.cidh.oas.org/basicos/portugues/e.protocolo_de_san_salvador.htm. Acesso em: 31 maio 2023.
32 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Buscador de la Corte Interamericana de Derechos Humanos. Disponível em: https://corteidh.scjn.gob.mx/buscador/busqueda. Acesso em: 31 maio 2023.
33 IUSLAT. Sentencias de Tribunales, Cortes y Salas Constitucionales de América Latina y del Sistema Interamericano de Derechos Humanos. Disponível em: Base de datos jurisprudencia constitucional latinoamericana – KAS (iuslat.com). Acesso em: 31 maio 2023.
34 BRAZUNA, José Luis Ribeiro. Direito tributário aplicado. São Paulo: Almedina, 2020, p. 49.
35 Artigo II (DECLARAÇÃO AMERICANA DE DIREITOS E DEVERES DO HOMEM): “Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm os direitos e deveres consagrados nesta declaração, sem distinção de raça, língua, crença, ou qualquer outra”.
36 Art. 24 (CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS): “Todas as pessoas são iguais perante a lei. Por conseguinte, têm direito, sem discriminação, a igual proteção da lei”.
37 BRAZUNA, José Luis Ribeiro. Direito tributário aplicado. São Paulo: Almedina, 2020, p. 50-51.
38 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 10 ed. São Paulo: SaraivaJur, 2021, p. 375.
39 BRAZUNA, José Luis Ribeiro. Direito tributário aplicado. São Paulo: Almedina, 2020, p. 67.
40 CARRAZZA, Roque Antônio; BARRENI, Smith Robert. Proibição aos efeitos de confisco no direito tributário: positivação, aplicação e identificação de limites objetivos. Revista de Direito Internacional Econômico e Tributário – RDIET, Brasília, v. 14, n. 1, p. 28-52, jan.-jun., 2019.
41 Art. XXIII (DECLARAÇÃO AMERICANA DOS DIREITOS E DEVERES DO HOMEM): “Toda pessoa tem direito à propriedade particular correspondente às necessidades essenciais de uma vida decente, e que contribua a manter a dignidade da pessoa e do lar”.
42 Art. 21 (CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS): “1. Toda pessoa tem direito ao uso e gozo dos seus bens. A lei pode subordinar esse uso e gozo ao interesse social. 2. Nenhuma pessoa pode ser privada de seus bens, salvo mediante o pagamento de indenização justa, por motivo de utilidade pública ou de interesse social e nos casos e na forma estabelecidos pela lei. 3. Tanto a usura como qualquer outra forma de exploração do homem pelo homem devem ser reprimidas pela lei”.
43 Art. VIII (DECLARAÇÃO AMERICANA DOS DIREITOS E DEVERES DO HOMEM): “Toda pessoa tem direito de fixar sua residência no território do Estado de que é nacional, de transitar por ele livremente e de não abandoná-lo senão por sua própria vontade”.
44 Art. 22 (CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS): “1. Toda pessoa que se ache legalmente no território de um Estado tem direito de circular nele e de nele residir em conformidade com as disposições legais. 2.Toda pessoa tem o direito de sair livremente de qualquer país, inclusive do próprio. 3. O exercício dos direitos acima mencionados não pode ser restringido senão em virtude de lei, na medida indispensável, numa sociedade democrática, para prevenir infrações penais ou para proteger a segurança nacional, a segurança ou a ordem pública, a moral ou a saúde públicas, ou os direitos e liberdades das demais pessoas. 4. O exercício dos direitos reconhecidos no inciso 1 pode também ser restringido pela lei, em zonas determinadas, por motivo de interesse público. 5. Ninguém pode ser expulso do território do Estado do qual for nacional, nem ser privado do direito de nele entrar. 6. O estrangeiro que se ache legalmente no território de um Estado Parte nesta Convenção só poderá dele ser expulso em cumprimento de decisão adotada de acordo com a lei. 7. Toda pessoa tem o direito de buscar e receber asilo em território estrangeiro, em caso de perseguição por delitos políticos ou comuns conexos com delitos políticos e de acordo com a legislação de cada Estado e com os convênios internacionais. 8. Em nenhum caso o estrangeiro pode ser expulso ou entregue a outro país, seja ou não de origem, onde seu direito à vida ou à liberdade pessoal esteja em risco de violação por causa da sua raça, nacionalidade, religião, condição social ou de suas opiniões políticas. 9. É proibida a expulsão coletiva de estrangeiros”.
45 RESENDE, Augusto César Leite. A proteção do contribuinte no âmbito do Sistema Interamericano de Direitos Humanos. Revista de Direito Internacional Econômico e Tributário – RDIET, Brasília, v. 12, n. 2, p. 301-338, jul.-dez., 2017, p. 30.
46 SCHOUERI, Luis Eduardo. Direito tributário. 10. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2021, p. 139.
47 Art. XVIII (DECLARAÇÃO AMERICANA DOS DIREITOS E DEVERES DO HOMEM): “Toda pessoa pode recorrer aos tribunais para fazer respeitar os seus direitos. Deve poder contar, outrossim, com processo simples e breve, mediante o qual a justiça a proteja contra atos de autoridade que violem, em seu prejuízo, qualquer dos direitos fundamentais consagrados constitucionalmente”.
48 Art. 8.1 (CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS): “Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”.
49 Art. 25 (CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS): “1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais. 2. Os Estados Partes comprometem-se: a. a assegurar que a autoridade competente prevista pelo sistema legal do Estado decida sobre os direitos de toda pessoa que interpuser tal recurso; b. a desenvolver as possibilidades de recurso judicial; e c. a assegurar o cumprimento, pelas autoridades competentes, de toda decisão em que se tenha considerado procedente o recurso”.
50 Para a seleção dos casos apresentados neste trabalho foi utilizada em parte a pesquisa das professoras Patricio Masbernat e Gloria Ramos-Fuentes e em outra os relatórios do Observatory on the Protection of Taxpayers’ Rights: RAMOS FUENTES, Gloria; MASBERNAT, Patricio. Asuntos tributarios en la jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos. Díkaion, [S. l.], v. 28, n. 2, 2019. DOI: 10.5294/dika.2019.28.2.8. Disponível em: https://dikaion.unisabana.edu.co/index.php/dikaion/article/view/9582. Acesso em: 30 jul. 2023, e OBSERVATORY ON THE PROTECTION OF TAXPAYERS’ RIGHTS. Report of Inter-American Court. Disponível em: https://www.ibfd.org/ibfd-academic/publications/observatory-protection-taxpayers-rights-optr#:~:text=The%20OPTR%20is%20a%20neutral,at%20the%202015%20IFA%20Congress.. Acesso em: 30 jul. 2023, respectivamente.
51 Sobre o papel das pessoas jurídicas na sociedade e sua relação perante terceiros, mormente nos casos em que ocorre desvio de sua finalidade com o intuito de praticar abusos e fraudes e da aplicação da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica para coibir tais abusos no âmbito da Corte Interamericana de Direitos Humanos, ao se debruçar sobre o Caso Cantos vs. Argentina, ver: MOREIRA, Thiago Oliveira; XAVIER, Yanko Marcius de Alencar (Orgs.). Direito internacional na contemporaneidade. Natal: Flor do Sal, 2017, p. 211-234.
52 Art. 2 (CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS): “Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1 ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados Partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades”.
53 Art. 50 (CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS): “Se não se chegar a uma solução, e dentro do prazo que for fixado pelo Estatuto da Comissão, esta redigirá um relatório no qual exporá os fatos e suas conclusões. Se o relatório não representar, no todo ou em parte, o acordo unânime dos membros da Comissão, qualquer deles poderá agregar ao referido relatório seu voto em separado. Também se agregarão ao relatório as exposições verbais ou escritas que houverem sido feitas pelos interessados em virtude do inciso 1, e, do artigo 48. 2. O relatório será encaminhado aos Estados interessados, aos quais não será facultado publicá-lo. 3. Ao encaminhar o relatório, a Comissão pode formular as proposições e recomendações que julgar adequadas”.
54 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Petição à corte interamericana de direitos humanos contra a República Argentina caso José María Cantos. Disponível em: https://www.oas.org/es/cidh/decisiones/corte/2004-1986/69.%20Cantos,%20Argentina.PDF. Acesso em: 30 jul. 2023.
55 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Cantos vs. Argentina, Ficha Técnica. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/CF/jurisprudencia2/ficha_tecnica.cfm?nId_Ficha=272. Acesso em: 30 jul. 2023.
56 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Cantos vs. Argentina, Ficha Técnica. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/CF/jurisprudencia2/ficha_tecnica.cfm?nId_Ficha=272. Acesso em: 30 jul. 2023.
57 Art. 1.1 (CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS): “Os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social”.
58 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Salvador Chiriboga vs. Equador, Ficha Técnica. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/cf/Jurisprudencia2/ficha_tecnica.cfm?lang=es&nId_Ficha=292. Acesso em: 30 jul. 2023.
59 Art. 13 (CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS): “1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha. 2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar: a. o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou b. a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas. 3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões. 4. A lei pode submeter os espetáculos públicos à censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2. 5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência”.
60 Art. 20 (CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS): “1. Toda pessoa tem direito a uma nacionalidade. 2. Toda pessoa tem direito à nacionalidade do Estado em cujo território houver nascido, se não tiver direito a outra. 3. A ninguém se deve privar arbitrariamente de sua nacionalidade nem do direito de mudá-la”.
61 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Ivcher Bronstein vs. Peru, Ficha Técnica. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/cf/Jurisprudencia2/ficha_tecnica.cfm?nId_Ficha=200&lang. Acesso em: 30 jul. 2023.
62 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Elena Nuques Villacís e outros vs. Equador. Informe n. 87/19, Petición 212-11 Informe de Admisibilidad. Disponível em: https://www.oas.org/es/cidh/decisiones/2019/ecad212-11es.pdf. Acesso em: 30 jul. 2023.
63 Art. 5 (CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS): “1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua integridade física, psíquica e moral. 2. Ninguém deve ser submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com o respeito devido à dignidade inerente ao ser humano. 3. A pena não pode passar da pessoa do delinquente. 4. Os processados devem ficar separados dos condenados, salvo em circunstâncias excepcionais, e ser submetidos a tratamento adequado à sua condição de pessoas não condenadas. 5. Os menores, quando puderem ser processados, devem ser separados dos adultos e conduzidos a tribunal especializado, com a maior rapidez possível, para seu tratamento. 6. As penas privativas da liberdade devem ter por finalidade essencial a reforma e a readaptação social dos condenados.
64 Art. 7 (CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS): “1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais. 2. Ninguém pode ser privado de sua liberdade física, salvo pelas causas e nas condições previamente fixadas pelas constituições políticas dos Estados Partes ou pelas leis de acordo com elas promulgadas. 3. Ninguém pode ser submetido a detenção ou encarceramento arbitrários. 4. Toda pessoa detida ou retida deve ser informada das razões da sua detenção e notificada, sem demora, da acusação ou acusações formuladas contra ela. 5. Toda pessoa detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada pela lei a exercer funções judiciais e tem direito a ser julgada dentro de um prazo razoável ou a ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo. 6. Toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura se a prisão ou a detenção forem ilegais. Nos Estados Partes cujas leis preveem que toda pessoa que se vir ameaçada de ser privada de sua liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente a fim de que este decida sobre a legalidade de tal ameaça, tal recurso não pode ser restringido nem abolido. O recurso pode ser interposto pela própria pessoa ou por outra pessoa. 7. Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar”.
65 Art. 11 (CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS): “1. Toda pessoa tem direito ao respeito de sua honra e ao reconhecimento de sua dignidade. 2. Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, na de sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação. 3. Toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas”.
66 Art. 17 (CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS): “1. A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e deve ser protegida pela sociedade e pelo Estado. 2. É reconhecido o direito do homem e da mulher de contraírem casamento e de fundarem uma família, se tiverem a idade e as condições para isso exigidas pelas leis internas, na medida em que não afetem estas o princípio da não discriminação estabelecido nesta Convenção. 3. O casamento não pode ser celebrado sem o livre e pleno consentimento dos contraentes. 4. Os Estados Partes devem tomar medidas apropriadas no sentido de assegurar a igualdade de direitos e a adequada equivalência de responsabilidades dos cônjuges quanto ao casamento, durante o casamento e em caso de dissolução do mesmo. Em caso de dissolução, serão adotadas disposições que assegurem a proteção necessária aos filhos, com base unicamente no interesse e conveniência dos mesmos. 5.A lei deve reconhecer iguais direitos tanto aos filhos nascidos fora do casamento como aos nascidos dentro do casamento”.
67 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Suárez Rosero vs. Equador, Ficha Técnica. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/CF/jurisprudencia2/ficha_tecnica.cfm?nId_Ficha=315. Acesso em: 30 jul. 2023.
68 Art. 9 (CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS): “Ninguém pode ser condenado por ações ou omissões que, no momento em que forem cometidas, não sejam delituosas, de acordo com o direito aplicável. Tampouco se pode impor pena mais grave que a aplicável no momento da perpetração do delito. Se depois da perpetração do delito a lei dispuser a imposição de pena mais leve, o delinquente será por isso beneficiado”.
69 Art. 10 (CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS): “Toda pessoa tem direito de ser indenizada conforme a lei, no caso de haver sido condenada em sentença passada em julgado, por erro judiciário”.
70 Art. 15 (CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS): “É reconhecido o direito de reunião pacífica e sem armas. O exercício de tal direito só pode estar sujeito às restrições previstas pela lei e que sejam necessárias, numa sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança ou da ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e liberdades das demais pessoas”.
71 Art. 16 (CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS): “1. Todas as pessoas têm o direito de associar-se livremente com fins ideológicos, religiosos, políticos, econômicos, trabalhistas, sociais, culturais, desportivos ou de qualquer outra natureza. 2. O exercício de tal direito só pode estar sujeito às restrições previstas pela lei que sejam necessárias, numa sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança ou da ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e liberdades das demais pessoas. 3. O disposto neste artigo não impede a imposição de restrições legais, e mesmo a privação do exercício do direito de associação, aos membros das forças armadas e da polícia”.
72 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Baena Ricardo e outros vs. Panamá, Ficha Técnica. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/cf/jurisprudencia2/ficha_tecnica.cfm?lang=es&nId_Ficha=222. Acesso em: 30 jul. 2023.
73 Art. 4 (CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS): “1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente. 2. Nos países que não houverem abolido a pena de morte, esta só poderá ser imposta pelos delitos mais graves, em cumprimento de sentença final de tribunal competente e em conformidade com lei que estabeleça tal pena, promulgada antes de haver o delito sido cometido. Tampouco se estenderá sua aplicação a delitos aos quais não se aplique atualmente. 3. Não se pode restabelecer a pena de morte nos Estados que a hajam abolido. 4. Em nenhum caso pode a pena de morte ser aplicada por delitos políticos, nem por delitos comuns conexos com delitos políticos. 5. Não se deve impor a pena de morte a pessoa que, no momento da perpetração do delito, for menor de dezoito anos, ou maior de setenta, nem aplicá-la a mulher em estado de gravidez. 6. Toda pessoa condenada à morte tem direito a solicitar anistia, indulto ou comutação da pena, os quais podem ser concedidos em todos os casos. Não se pode executar a pena de morte enquanto o pedido estiver pendente de decisão ante a autoridade competente”.
74 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Myrna Mack Chang vs. Guatemala, Ficha Técnica. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/cf/jurisprudencia2/ficha_tecnica.cfm?nId_Ficha=287. Acesso em: 30 jul. 2023.
75 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Loayza Tamayo vs. Peru, Ficha Técnica. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/cf/Jurisprudencia2/ficha_tecnica.cfm?nId_Ficha=311&lang=e. Acesso em: 30 jul. 2023.
76 Art. 26 (CONVENÇÃO AMERICANA SOBRE DIREITOS HUMANOS): “Os Estados Partes comprometem-se a adotar providências, tanto no âmbito interno como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados”.
77 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Acevedo Buendía e outros vs. Peru, Ficha Técnica. Disponível em: https://www.corteidh.or.cr/cf/Jurisprudencia2/ficha_tecnica.cfm?nId_Ficha=276&lang=e. Acesso em: 30 jul. 2023.
78 RAMIREZ, Sergio García. La jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos en materia de reparaciones. In. La Corte Interamericana de Derechos Humanos. Un cuarto de siglo: 1979-2004. San José: Corte Interamericana de Direitos Humanos, 2005, p. 58.