O Inédito Diálogo Institucional e Federativo que vem conduzindo a Concretização Normativa da Regra Constitucional da Seletividade de Alíquotas do ICMS

The Unprecedented Institutional and Federative Dialogue that has been Leading the Normative Implementation of the Constitutional Rule on the Selectivity of ICMS Rates

Marciano Seabra de Godoi

Doutor em Direito Financeiro e Tributário (Universidade Complutense de Madri) e Mestre em Direito Tributário (UFMG). Realizou estudos de pós-doutorado com bolsa Capes na Universidade Autônoma de Madrid. Professor da PUC Minas. Professor Visitante na Universidade Autônoma de Madri em 2022. Vice-presidente do Instituto de Estudos Fiscais (Belo Horizonte). Advogado. E-mail: m.godoi@rolim.com.

Simone Bento Martins Cirilo

Mestra em Direito Público na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Professora de Curso de Extensão da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Advogada. E-mail: s.martins@rolim.com.

https://doi.org/10.46801/2595-6280.55.16.2023.2466

Resumo

O estudo é de natureza sociojurídica e não tem objetivos dogmáticos. O artigo inicia sua análise abordando o estado de aplicação da regra constitucional da seletividade do ICMS até o ano de 2021, para então examinar o decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Recurso Extraordinário n. 714.139 e o inédito diálogo institucional entabulado a partir daí, com movimentos concretos por parte do STF e dos poderes executivos e legislativos da União e dos Estados ao longo dos anos de 2022 e 2023.

Palavras-chave: diálogos institucionais, seletividade de alíquotas, ICMS, jurisprudência, STF.

Abstract

The study is of a socio-legal nature and does not have dogmatic objectives. The article begins by addressing the state of application of the selectivity constitutional rule of ICMS until the year 2021, and then examines what was decided by the Federal Supreme Court (STF) in Extraordinary Appeal 714.139 and the unprecedented institutional dialogue that took place thereafter, with concrete movements by the STF and the legislative and executive powers from the Union and the States throughout the years 2022 and 2023.

Keywords: institutional dialogues, tax rates selectivity, ICMS, case law, STF.

1. Introdução

Nos últimos anos, o tema do diálogo institucional entre os poderes vem sendo bastante explorado pela academia jurídica brasileira1. O foco principal das pesquisas costuma ser a teoria do diálogo institucional em sua interface com o controle de constitucionalidade das leis e políticas públicas no Brasil, procurando-se descaracterizar (numa perspectiva normativa ou descritiva) a visão tradicional do poder judiciário em geral – e do STF em particular – como o detentor da chamada última palavra2.

Os diálogos institucionais entre os poderes entabulados no âmbito da política e do direito tributário também vêm sendo estudados nos últimos anos3, ainda que o número de estudos seja naturalmente menor do que o número de pesquisas voltadas para o direito constitucional e o controle judicial de constitucionalidade das políticas públicas em geral.

No presente artigo, analisaremos os diversos movimentos do interessante diálogo institucional e federativo que se instaurou nos últimos anos (e permanece em curso) a respeito da regra constitucional segundo a qual o ICMS “poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços” (art. 155, § 2º, III, da Constituição da República).

O estudo não pretende teorizar, de um ponto de vista normativo, sobre os diálogos institucionais, nem indagar em que medida eles devem estar presentes na formulação e no controle de validade das normas tributárias. Nossos objetivos são os seguintes: avaliar de um ponto de vista jurídico e econômico em que estado se encontrava a seletividade de alíquotas do ICMS até o ano de 2021; analisar o processo de diálogo institucional e federativo que se iniciou a partir do julgamento pelo STF do Recurso Extraordinário n. 714.139 em 2021, bem como as sensíveis alterações tributárias já provocadas por esse diálogo; considerar as perspectivas que se projetam sobre o futuro da seletividade tributária do ICMS levando em conta o inédito acordo de autocomposição alcançado em dezembro de 2022 no STF (ADPF n. 984 e ADI n. 7.191) e posteriormente confirmado em março de 2023, que resultou na Lei Complementar n. 201, de 24 de outubro de 2023; examinar o movimento posto em prática pelos Estados a partir dos últimos meses de 2022 no sentido do aumento da alíquota-base ou da alíquota modal do ICMS nas legislações estaduais.

Trata-se de uma pesquisa de natureza sociojurídica, baseada em revisão bibliográfica ampla (literatura jurídica, literatura econômica, documentos e levantamentos econômicos e estatísticos) e exame de legislação e jurisprudência, sem objetivos dogmáticos. Como o objeto central da pesquisa é muito recente (um diálogo interinstitucional específico iniciado em 2021 e ainda em curso), a pesquisa se reveste de cunho exploratório. As seções do artigo foram dispostas de modo a ir da teoria à prática, do geral para o particular, procurando-se abordar criticamente o diálogo institucional objeto do estudo numa ordem cronológica de movimentos concretos.

2. Seletividade de alíquotas do ICMS na Constituição de 1988: bela teoria e tortuosa prática

Em pesquisa publicada no ano de 2016, Marciano Godoi afirmou que a seletividade tributária do ICMS presente na Constituição de 1988 (art. 155, § 2.º, III) era lastreada numa bela teoria, mas concretizada numa tortuosa prática4.

A teoria é bela visto que se trata de uma norma5 voltada especialmente para a justiça fiscal num Estado Social: na tributação indireta, que recai com mais intensidade – e quase sempre de modo opaco – sobre os contribuintes dos estratos inferiores de renda (os quais praticamente esgotam toda sua renda na aquisição de bens e serviços de primeira necessidade), a regra constitucional impõe que as alíquotas sejam tanto menores quanto forem mais essenciais os produtos tributados, tomando por essenciais aqueles produtos e serviços que ocupam, em determinado contexto histórico-social, a cesta de consumo “do maior número dos habitantes do país”, tais como os itens relativos “à alimentação, ao vestuário, à moradia, ao tratamento médico e higiênico das classes mais numerosas”6.

Mas a prática da seletividade do ICMS prevista na Constituição de 1988 se revelou enganadora e tortuosa, visto que as legislações de todos os Estados da federação elegeram historicamente alguns produtos/serviços claramente essenciais (ou pelo menos claramente não supérfluos) como energia elétrica, serviços de comunicação e combustíveis para serem gravados com as alíquotas mais altas previstas na legislação – alíquotas nominais de aproximadamente 25 a 30%, que na sistemática do cálculo por dentro aplicável ao ICMS representam aproximadamente 40% do valor do produto antes da incidência tributária.

Essa prática tortuosa não se deu por mera coincidência ou por capricho dos governantes estaduais, mas esteve ligada desde suas origens à prática igualmente tortuosa da guerra fiscal travada entre os Estados. Um dos ineludíveis efeitos da guerra fiscal entre os Estados é a crescente erosão da parcela da base de incidência do ICMS que correspondia à antiga base de incidência do ICM. Como explica Godoi,

“Para atrair os investimentos para o seu território, os Estados se lançam a um leilão, em que vence aquele que mais reduzir sua carga tributária sobre o setor automobilístico, sobre determinado setor industrial ou de transformação. Ao se deprimir a carga tributária aplicável a tais setores, os Estados têm de recompor de alguma forma sua receita, visto que as despesas públicas não participam do estranho leilão acima mencionado. E como se dá essa recomposição da receita tributária? Adotando-se pesadíssimas alíquotas sobre as chamadas blue chips (energia elétrica, telecomunicações e combustíveis), bases tributárias de alta produtividade e baixo índice de sonegação (poucos fornecedores).

[...] não é possível identificar, em nenhuma das legislações estaduais, uma lógica coerente de atribuição de ônus tributário em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços.

As altíssimas alíquotas do ICMS aplicadas à energia elétrica e aos serviços de telecomunicação são incompatíveis com as normas constitucionais da seletividade tributária e da capacidade econômica, mas permanecem sendo adotadas pelos Estados em razão das consequências provocadas pelo nefasto problema da guerra fiscal e sua proliferação de benefícios fiscais abusivos, que reduzem drasticamente o índice de aproveitamento do potencial de arrecadação do ICMS e provocam um sensível encolhimento da base sobre a qual o imposto é efetivamente arrecadado.

Essa tortuosa prática, que distorce e desnatura a pretensa seletividade do ICMS, contribui para que esse imposto ostente efeitos extremamente regressivos e aumente o grau de desigualdade social na já tão desigual e excludente sociedade brasileira.”7

3. Início do diálogo institucional: o julgamento pelo STF do RE n. 714.139 (2021)

O estado de aplicação da seletividade tributária do ICMS, tal como descrito na seção anterior, permaneceu inalterado por décadas. Mas desde 2014 havia um indício de que a situação poderia ser alterada pelo Supremo Tribunal Federal. É que nesse ano de 2014 os ministros do STF reconheceram a repercussão geral da discussão judicial que pleiteava a inconstitucionalidade das alíquotas agravadas do ICMS aplicadas à energia elétrica e aos serviços de comunicação.

No RE n. 714.139, o contribuinte-recorrente buscava, com base na regra da seletividade tributária do ICMS presente no art. 155, § 1º, III, da Constituição, a reforma de um julgado do Tribunal de Justiça de Santa Catarina que considerara válida a alíquota de 25% de ICMS cobrada sobre energia elétrica e serviços de telecomunicação. O caso chegou ao STF em 2012 e a repercussão geral da matéria foi reconhecida em 2014, numa votação bastante apertada em que seis ministros se manifestaram pela ausência de repercussão geral da matéria8.

É difícil compreender os motivos pelos quais esses seis ministros entenderam que o caso não apresentava “questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico” que ultrapassassem “os interesses subjetivos da causa” (definição legal de repercussão geral conforme determinado pela Lei n. 11.418/2006). Ora, é difícil pensar num processo com mais questões relevantes do ponto de vista econômico, social e jurídico do que um caso em que está em questão a violação da regra constitucional da seletividade tributária do ICMS por uma legislação estadual; e como essa legislação estadual contestada no caso concreto era semelhante à legislação de todos os demais Estados, é curioso que seis ministros não tenham visto que a matéria do recurso ultrapassava de modo claro e inequívoco os interesses subjetivos da lide9.

Outro fato que chama atenção é o longo período decorrido entre o reconhecimento da repercussão geral (junho de 2014) e a liberação do processo pelo relator (Ministro Marco Aurélio) para inclusão em pauta de julgamento (dezembro de 2020). Não fosse a proximidade da aposentadoria do relator, que se deu em meados de 2021 e foi expressamente mencionada na decisão de dezembro de 2020 que encaminhou o caso para julgamento pelo plenário virtual, é provável que o processo ainda estivesse sem julgamento – e assim não houvesse ocorrido o intenso diálogo institucional analisado no presente artigo.

Não é objetivo do presente artigo analisar em detalhes o julgamento de mérito proferido pelo STF no RE n. 714.139, visto que o foco do estudo não é exatamente o acórdão do STF e sim o diálogo entre poderes e entre unidades federativas que se iniciou com o julgamento do STF. De todo modo, nos próximos parágrafos analisaremos em linhas gerais o conteúdo do julgamento quanto ao seu mérito e quanto à modulação dos efeitos da decisão.

O Recurso Extraordinário n. 714.139/SC teve origem em Mandado de Segurança impetrado por contribuinte que visou ao reconhecimento do seu direito de pagar o ICMS sobre aquisição de energia elétrica e serviços de telecomunicações pela alíquota geral de 17%, e não pela alíquota de 25% prevista na Lei Estadual n. 10.297/1996, de Santa Catarina, a qual teria afrontado as normas da isonomia tributária e da seletividade do imposto, previstas nos arts. 150, inciso II, e 155, § 2º, III, da Constituição.

Parece-nos correta a alegação do contribuinte acolhida no acórdão do STF10. Mesmo não sendo obrigatório que haja a seletividade de alíquotas do ICMS (o art. 155, § 2º, III, trata de uma faculdade e não de uma imposição da adoção da seletividade), a regra é imperativa no sentido de que, em caso de se adotar a seletividade com diferenciação de alíquotas, essa diferenciação deve ser feita em função da essencialidade dos produtos e serviços11. Vale dizer: o que é facultativa é a adoção da seletividade no ICMS, e não o critério dessa seletividade.

A alegação do Estado de Santa Catarina foi que o legislativo seria completamente livre, conforme um juízo de conveniência e oportunidade não controlável pelo judiciário, para definir o que é ou não um produto/serviço essencial, e também para definir se a diferenciação de alíquotas irá se pautar por outros parâmetros, distintos da essencialidade. Ora, interpretada nesses termos tão vagos, a regra constitucional da seletividade do ICMS perderia qualquer conteúdo normativo, passando a ser tão somente uma sugestão despretensiosa ao legislador estadual.

Quanto aos serviços de comunicação, houve unanimidade entre os ministros no julgamento do recurso. Todos os ministros reconheceram que a tributação do ICMS por uma alíquota agravada de 25% e não pela alíquota-base de 17% somente se justifica no caso de serviços supérfluos, o que naturalmente não é o caso dos serviços de comunicação. Quanto à energia elétrica, os Ministros Alexandre de Moraes, Gilmar Mendes e Roberto Barroso ficaram vencidos, por entenderem que seria válida a cobrança da alíquota de 25% para consumidores que não se encaixam nas faixas de baixo consumo de energia previstas na legislação como sujeitas à alíquota de 12%. Segundo esses ministros, a presumida capacidade econômica dos contribuintes com maior consumo de energia justificaria a cobrança do ICMS com a alíquota agravada de 25%. O ponto de vista adotado pelos três ministros que ficaram vencidos foi defendido, em 2007, em sede doutrinária, por Marcelo Continentino12. A respeito desse ponto de vista, observou Marciano Godoi:

“[...] o problema não está em tributar a energia elétrica da tarifa social (consumos diminutos) com uma alíquota inferior, ou mesmo isentá-la do imposto. O problema está em definir uma alíquota de 25%, 30% ou mais para a energia elétrica consumida pelas residências que não se encaixam no âmbito da tarifa social. Continentino defende que essas alíquotas mais altas corresponderiam à capacidade econômica dos consumidores, mas não estende sua análise às demais alíquotas do ICMS vigentes no Estado de Pernambuco. Será razoável equiparar a presumida capacidade econômica dos consumidores de energia elétrica com a presumida capacidade econômica do consumidor de ‘esquis aquáticos, pranchas de surfe, pranchas a vela, tacos, bolas e outros equipamentos para golfe’, mercadorias para as quais a legislação pernambucana define atualmente a mesma alíquota de 25%?

Pelo critério da essencialidade das mercadorias, expressamente consignado na Constituição, é risível tributar o consumo de energia elétrica a patamares superiores aos aplicáveis ao consumo de produtos como joias, perfumes, fogos de artifício e refrigerantes importados, tal como se dá atualmente em Minas Gerais. Por outro lado, ao contrário do que afirma Continentino, não adianta recorrer ao critério da capacidade econômica para tentar justificar a incidência de alíquotas de 25%, 30% ou mais sobre a energia elétrica, visto que nada justifica presumir que a capacidade econômica manifestada pelas famílias no consumo de energia elétrica seja equivalente à capacidade econômica manifestada na compra de tacos de golfe, sais perfumados para banho ou obras de pérolas naturais ou cultivadas (mercadorias para as quais a legislação pernambucana define a mesma alíquota da energia elétrica).”

O voto do Ministro Dias Toffoli (páginas 54 a 88 do acórdão do RE n. 714.139) respondeu de modo claro e didático às alegações da posição minoritária, agregando a informação relevante de que é “ínfimo” o número de contribuintes sujeitos à alíquota de 12%, ficando a grande maioria dos contribuintes sujeita a uma alíquota (25%) que somente seria aceitável caso estivéssemos em presença de um bem supérfluo, o que definitivamente não é o caso da energia elétrica.

O conteúdo concreto da decisão no RE n. 714.139 foi o de determinar a aplicação da alíquota modal do ICMS de 17% (ou de 18%, conforme as legislações estaduais) ao serviço de comunicação e ao fornecimento de energia elétrica (sem prejuízo de poder haver alíquotas reduzidas para determinados contribuintes no caso da energia elétrica). A tese definida quanto ao tema foi assim formulada13:

“Adotada pelo legislador estadual a técnica da seletividade em relação ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), discrepam do figurino constitucional alíquotas sobre as operações de energia elétrica e serviços de telecomunicação em patamar superior ao das operações em geral, considerada a essencialidade dos bens e serviços.”

Conscientes do impacto bilionário que esta orientação contida na decisão do RE n. 714.139 teria sobre os orçamentos estaduais, os ministros decidiram modular os efeitos da tese definida no acórdão, para que esta se aplicasse somente a partir do exercício de 2024 (quando se inicia um novo ciclo orçamentário de longo prazo), ressalvadas da modulação as ações ajuizadas até a data do início do julgamento do mérito pelo plenário (5 de fevereiro de 2021). O único ministro a rejeitar qualquer modulação para o tema foi o Ministro Edson Fachin, que alegou que não haveria razões de interesse social para a modulação, mas tão somente “interesse orçamentário” dos Estados a provocar um resultado incompatível com o ordenamento jurídico – a “convalidação de cobranças consideradas inconstitucionais” (p. 150-151 do acórdão)14.

Façamos uma síntese crítica desse primeiro passo ou dessa primeira rodada do diálogo institucional sob análise. Uma característica estrutural da legislação do mais importante tributo dos Estados (o ICMS) foi invalidada (com convincentes argumentos jurídicos) pelo STF, o qual, contudo, reconhecendo que a decisão impunha uma drástica alteração na política tributária dos Estados, com altíssimos impactos orçamentários que poderiam vir a prejudicar a viabilidade da oferta de serviços públicos e políticas públicas em andamento, adiou para o longo prazo (2024) o impacto financeiro de sua decisão.

4. Segundo momento do diálogo institucional (primeiro semestre de 2022): resposta em brevíssimo tempo do executivo federal e do Congresso Nacional ao julgamento do STF encerrado em dezembro de 2021

Os Estados lutaram no STF para que as alíquotas majoradas de ICMS (em geral de 25 a 30%) para o serviço de comunicação e o fornecimento de energia elétrica fossem consideradas válidas. Como se viu na seção anterior, o esforço não resultou no ganho da causa (RE n. 714.132), mas garantiu que os efeitos concretos da decisão, pelo menos no que diz respeito à generalidade dos contribuintes, fossem postergados para 2024. Portanto, segundo a decisão do STF tomada em dezembro de 2021, somente em 2024 a cobrança do imposto sobre o serviço de comunicação e o fornecimento de energia elétrica deveria obrigatoriamente adotar a alíquota-base do tributo (que tradicionalmente variou entre 17 e 18%, conforme a legislação de cada Estado).

Não fosse o ano de 2022 um ano de eleições gerais, os Estados provavelmente manteriam sua política e sua arrecadação tributárias intocadas até o ano de 2024. Mas a partir dos primeiros meses de 2022, a Presidência da República passou a adotar uma série de medidas econômicas e financeiras destinadas a reduzir a inflação (que em meados de 2022 atingia o patamar de 11% em termos anualizados) e assim aumentar suas chances eleitorais no pleito do final de 2022.

Nesse sentido, o executivo federal viu na decisão do STF que considerara inválida a alíquota majorada de ICMS para serviço de comunicação e energia elétrica (o acórdão do RE n. 714.139 foi publicado em março de 2022) um poderoso argumento para pressionar o Congresso Nacional a aprovar leis complementares que reduzissem de modo imediato a historicamente alta carga tributária de ICMS sobre energia elétrica, serviço de comunicação e combustíveis.

No caso da tributação dos combustíveis, que não foi discutida pelo STF no RE n. 714.139, aprovou-se no Congresso a Lei Complementar n. 19215, publicada em março de 2022, que determinou algumas alterações bastante relevantes na incidência de ICMS sobre combustíveis, como a imposição da adoção de alíquotas específicas (ad rem) por unidade de medida, visando impedir um aumento de arrecadação tributária proporcional ao aumento de preços dos produtos pela Petrobras. Além disso, em 14 de junho de 2022, a Presidência da República ajuizou a ADPF n. 98416, pedindo que o STF ordenasse imediatamente, em medida cautelar, que a tributação estadual dos combustíveis fosse limitada à aplicação da alíquota-base do ICMS sobre o preço dos combustíveis.

Mas foi com a Lei Complementar n. 19417, cuja tramitação nas duas casas legislativas durou apenas três meses (de março a junho)18, que se alcançaram os principais impactos. A Lei Complementar n. 194 foi publicada em 23 de junho de 2022 e entrou em vigor imediatamente, sendo diretamente responsável (juntamente com as medidas da LC n. 192) pelas inflações negativas (deflações) verificadas no país nos três meses seguintes – julho, agosto e setembro de 202219. Com o drástico corte no ICMS dos combustíveis determinado pelas Leis Complementares n. 192 e n. 194, o preço da gasolina caiu fortemente, chegando ao final do ano com um valor 25% inferior ao preço que vigorava no início do ano20.

Numa clara resposta institucional à argumentação jurídica efetuada pelo STF no acórdão do RE n. 714.159, o Congresso Nacional, impelido pelo executivo federal, incorporou ao Código Tributário Nacional e à Lei Complementar n. 87/1996 a determinação de que “os combustíveis, o gás natural, a energia elétrica, as comunicações e o transporte coletivo são considerados bens e serviços essenciais e indispensáveis, que não podem ser tratados como supérfluos”, e vedou aos Estados a fixação de alíquotas do ICMS sobre referidas bases tributárias “em patamar superior ao das operações em geral, considerada a essencialidade dos bens e serviços” (arts. 1º e 2º da LC n. 194).

O impacto da Lei Complementar n. 194 sobre os orçamentos estaduais foi muito forte, visto que as alíquotas até então aplicáveis a combustíveis, energia elétrica e serviços de telefonia tinham um valor médio próximo de 30%, e com a LC n. 194 essa alíquota caiu menos de 20%. O normal, em se tratando de medidas legislativas aprovadas no Congresso Nacional com tamanho impacto sobre os orçamentos estaduais21, é que haja a criação de períodos de transição, tal como ocorreu na mudança da legislação sobre as cotas-partes do Fundo de Participação dos Estados ou na mudança da legislação sobre o direito de cobrar o ICMS em operações interestaduais. Nesse sentido, com sua aplicação imediata sem qualquer período de transição, a Lei Complementar n. 194 foi um ponto completamente fora da curva na história do federalismo tributário brasileiro.

Apesar de essa questão não ser o objeto principal de nosso estudo, registramos que nos parece de validade constitucional duvidosa a definição, por lei complementar, dos produtos e serviços considerados essenciais para fins da seletividade de alíquotas do ICMS, visto que a Constituição da 1988 não prevê tal papel normativo específico para as leis complementares. A dúvida é ainda mais forte no caso dos combustíveis fósseis, visto que no RE n. 714.139 somente houve manifestação do STF em relação a serviços de comunicação e energia elétrica, havendo aparente contradição entre a Constituição determinar a proteção do meio ambiente mediante “tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços” (art. 170, VI) e uma lei complementar definir que as alíquotas do ICMS sobre todos os combustíveis (sem diferenciação quanto a seu impacto ambiental) não podem ser superiores à alíquota básica do imposto.

Os governos estaduais resistiram e reagiram fortemente à aprovação das Leis Complementares n. 192 e n. 194. Especialmente em relação à Lei Complementar n. 194, os Estados argumentaram que no Congresso Nacional não houve diálogo federativo e aprofundamento de estudos técnicos que justificassem uma alteração tão forte e abrupta na legislação do ICMS. Além disso, os Estados alegaram que a alta na arrecadação do ICMS no ano de 2021 e nos primeiros meses de 2022 não se revelava uma alta estrutural e sim conjuntural, movida pelos reajustes de preço da Petrobras que acompanharam a variação do preço internacional do petróleo e do câmbio. Assim, não seria justificável que, a partir de uma alta conjuntural da arrecadação (sem ter havido aumento de alíquota do imposto) se determinasse uma sensível alteração legislativa de modo abrupto e com prazo indefinido de duração22.

O Congresso Nacional teve uma atuação curiosa na tramitação e na aprovação da Lei Complementar n. 194. Por um lado, agiu alinhado ao governo federal no sentido de promover, numa lógica eleitoral, uma imediata queda da inflação no país. Por outro lado, o Congresso Nacional introduziu no texto da LC n. 194 uma série de compensações a serem feitas pela União em benefício dos Estados, tendo em vista a vultosa perda de arrecadação do ICMS no exercício de 2022 comparado ao exercício de 2021.

Grande parte dos mecanismos de compensação da União aos Estados aprovados pelo Congresso foi vetada pelo Presidente da República quando sancionou a LC n. 194, em junho de 2022. Na votação do Congresso Nacional a respeito da manutenção ou derrubada desses vetos, o poder legislativo votou de modo bem mais sensível aos interesses dos Estados, derrubando todos os vetos presidenciais, sendo que a última derrubada de vetos se deu em dezembro, após o pleito eleitoral23.

Façamos uma síntese crítica desse segundo movimento do diálogo institucional sob análise. Não fosse o ano de 2022 um ano eleitoral, a modulação de efeitos determinada pelo STF no RE n. 714.139, numa deferência ao interesse dos Estados, teria prevalecido. Para reduzir drástica e imediatamente a inflação, o Congresso Nacional levou em conta o julgamento anterior do STF para aprovar em tempo recorde uma sensível alteração na legislação do ICMS, não prevendo qualquer período de transição para a implementação da mudança, como costuma ocorrer em medidas legislativas dessa natureza. Se por um lado o Congresso Nacional não mostrou deferência aos Estados ao determinar a aplicação imediata das mudanças, por outro lado derrubou todos os vetos presidenciais que impediam a plena compensação das perdas arrecadatórias estaduais ocorridas em 2022. A conclusão parcial é de que o movimento em aliança dos poderes executivo e legislativo federais para aprovar em tempo recorde a LC n. 194 foi exitoso, visto que a aplicação da lei gerou na economia brasileira uma deflação por três meses seguidos (julho, agosto e setembro de 2022).

5. Terceiro movimento do diálogo institucional (segundo semestre de 2022): a inovadora autocomposição federativa concertada pelo STF nos processos de relatoria do Ministro Gilmar Mendes (ADI n. 7.191 e ADPF n. 984)

Antes da aprovação no Congresso Nacional da LC n. 194 (no final de junho de 2022), o STF já havia recebido várias ações ajuizadas no rescaldo do decidido pelo Tribunal no julgamento do RE n. 714.139 (julgamento finalizado em dezembro de 2021, acórdão publicado em março de 2022). Nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 7.105 e n. 7.173 (ambas distribuídas ao Ministro André Mendonça em março e maio de 2022, respectivamente) pediu-se que, em nome da seletividade de alíquotas do ICMS, fosse declarada a inconstitucionalidade da legislação do Mato Grosso do Sul que tributava os combustíveis com alíquota de 30%; na ADPF n. 984 (distribuída em 15 de junho ao Ministro Gilmar Mendes), o Presidente da República, baseando-se no que restou decidido no RE n. 714.139, requereu que o STF ordenasse imediatamente, em medida cautelar, que a tributação de todos os Estados fosse limitada à aplicação da alíquota-base do ICMS sobre o preço dos combustíveis24.

Com a aprovação das Leis Complementares n. 192 e n. 194, os Estados se mobilizaram e recorreram imediatamente ao STF, ajuizando a ADI n. 7.191 (distribuída ao Ministro Gilmar Mendes) contra vários dispositivos da LC n. 192 e a ADI n. 7.195 (distribuída à Ministra Rosa Weber, posteriormente redistribuída ao Ministro Luiz Fux) contra vários dispositivos da LC n. 194. Por sua vez, a Presidência da República também recorreu ao STF para alegar que os Estados vinham descumprindo as determinações da LC n. 192 sobre a tributação dos combustíveis (ADI n. 7.164, distribuída ao Ministro André Mendonça).

Diante dessas intensas judicializações de conflitos entres Estados e União a respeito da legislação do ICMS e suas sensíveis alterações determinadas pelas Leis Complementares n. 192 e n. 194, houve duas respostas bem distintas por parte dos Ministros André Mendonça e Gilmar Mendes.

Como relator da ADI n. 7.164, de autoria da Presidência da República, o Ministro André Mendonça deferiu a medida cautelar pretendida pelo governo federal no mesmo dia da distribuição da ação (13 de maio de 2022), suspendendo a aplicação de cláusulas do Convênio Confaz n. 16/2022. Com a cautelar deferida, o Ministro relator convocou audiência de conciliação. Os Estados buscaram a via da autocomposição, elaborando uma proposta concreta de acordo. O Ministro relator concedeu 24 horas para a União se manifestar a respeito da proposta dos Estados; diante da resposta negativa da União (que afirmou haver “desacordo substantivo em relação” à proposta dos Estados), o Ministro relator deu por “frustrada” a iniciativa conciliatória e ato contínuo ratificou a medida cautelar inicialmente concedida em favor da União, não obstante haver deixado abertas as portas para futuras negociações entre as partes25.

Como relator da ADI n. 7.191 e da ADPF n. 984, o Ministro Gilmar Mendes adotou uma postura bem diversa, buscando desde o início da tramitação dos processos criar todas as condições e envidar todos os esforços para alcançar concretamente a autocomposição requerida pelos Estados, que havia sido rechaçada pela União na ADI n. 7.164. Após a realização de uma primeira audiência de conciliação em 28 de junho de 2022, e percebendo uma profunda oposição entre as visões e as premissas dos Estados e da União, o Ministro Gilmar Mendes inovou ao decidir no dia 18 de julho26 instalar uma “Comissão Especial” no âmbito da Corte com ampla participação de órgãos federais, estaduais e municipais dos três poderes, com prazo de duração dos trabalhos até 4 de novembro de 2022, determinando que a conciliação seria supervisionada por ele próprio, por um juiz auxiliar e por um membro de seu gabinete, além de contar com a participação de especialistas em finanças públicas indicados pelo Ministro27, que responderiam a quesitos formulados pelas partes.

O Ministro depois concedeu prazo adicional para a finalização dos trabalhos da Comissão Especial, que somente veio a ocorrer no início de dezembro (cinco meses após sua instalação). O resultado do esforço de autocomposição foi um texto de seis cláusulas escrito e aprovado por todos os representantes dos entes federativos que participaram da Comissão, que posteriormente foi ratificado por manifestação formal do Fórum de Governadores e da União (Ministério da Economia e Ministério das Minas e Energia).

O teor do acordo revela que prevaleceram as visões dos Estados, tendo a União reconhecido a necessidade de “aperfeiçoamento legislativo” de vários pontos das Leis Complementares n. 192 e n. 194, inclusive assumindo o compromisso de enviar ao Congresso Nacional Projeto de Lei Complementar para, dentre outros pontos, promover a revogação da norma do CTN segundo a qual, para fins de incidência do ICMS, os combustíveis, o gás natural, a energia elétrica, as comunicações e o transporte são considerados bens e serviços essenciais e indispensáveis, vedando sua tributação por alíquota superior à alíquota das operações em geral (art. 18-A do CTN, introduzido pelo art. 1º da LC n. 194).

Justificando sua decisão por criar a Comissão Especial, o Ministro Gilmar Mendes lembrou que iniciativa semelhante houvera sido adotada por ele no bojo da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão n. 2528, e afirmou que diante das “variáveis político-fiscal-orçamentárias”, o papel do STF deve ser o de buscar a autocomposição, tentando “reconstruir pontes para devolver à arena político-legislativa a solução final”29.

Paralelamente aos trabalhos desenvolvidos pela Comissão Especial instalada no STF, 12 Estados aprovaram em suas respectivas Assembleias Legislativas aumentos na alíquota do ICMS aplicável às operações em geral, como forma de reduzir as perdas arrecadatórias provocadas pela LC n. 19430. De acordo com essas medidas, as alíquotas modais nesses Estados passaram de 17-18% a 19-22%, com efeitos a partir do início de abril de 202331. É curioso que, no acórdão no qual o STF homologou por unanimidade a autocomposição alcançada na ADPF n. 984/ADI n. 7.191, o Ministro Gilmar Mendes decidiu enviar em seu voto uma espécie de recado ou até mesmo sugestão ao Senado Federal32, afirmando que, para conter esses aumentos estaduais da alíquota modal do ICMS (que o Ministro reputou como preocupantes), o Senado poderia aprovar uma alíquota máxima para as operações modais internas, nos termos do art. 155, § 2º, V, alínea “b”, da Constituição.

Tal como nas seções anteriores deste estudo, façamos uma síntese crítica desse terceiro movimento de diálogo institucional sobre a norma da seletividade de alíquotas do ICMS. Era esperado que, diante da aprovação das Leis Complementares n. 192 e n. 194, se inaugurasse no STF nova rodada de judicializações, promovidas por ambos os lados do conflito. Mas não era esperado que o Ministro Gilmar Mendes conseguisse alcançar um inédito acordo de autocomposição entre a União, os Estados e o Congresso Nacional, buscando “reconstruir pontes para devolver à arena político-legislativa a solução final”. A nosso ver, o fator fundamental para haver sido alcançada a autocomposição (que a União fizera naufragar na ADI n. 7.164) foi a decisão estratégica do Ministro Gilmar Mendes de, em julho, instalar uma Comissão Especial com um longo prazo para desenvolver seus trabalhos (de julho a dezembro de 2022), valendo-se do fato de que, após o pleito eleitoral de outubro, a disposição da União para a negociação seria bem diferente. Ou seja, desde o início a autocomposição no imbróglio envolvendo a seletividade de alíquotas do ICMS foi planejada levando em conta que atravessaria o período eleitoral para somente ser ultimada após a definição do pleito de outubro de 2022.

6. Quarto movimento do diálogo institucional (2023): suspensão pelo STF (ADI n. 7.195) dos efeitos da norma da LC n. 194 que retirou da base de cálculo do ICMS as tarifas de uso dos sistemas de transmissão e distribuição da energia elétrica, e rápida aprovação pelo Congresso Nacional da Lei Complementar n. 201/202333

A aprovação das Leis Complementares n. 192 e n. 194 fez com que a arrecadação do ICMS em termos nacionais apresentasse queda real de 12,7% na comparação entre o quarto trimestre de 2021 e o quarto trimestre de 2022 (período em que as referidas leis complementares já estavam gerando todos os seus efeitos)34. A arrecadação do ICMS no primeiro semestre de 2022 vinha subindo em termos reais (em relação a 2021), mas no segundo semestre, com os efeitos das leis complementares antes referidas, sofreu forte queda, fechando o acumulado do ano de 2022 em patamares praticamente iguais, em termos reais, aos da arrecadação de 202135.

Iniciado o ano de 2023, dois movimentos do diálogo institucional ora em estudo foram responsáveis por estancar boa parte da perda arrecadatória dos Estados.

O primeiro movimento foi a concessão pelo STF, em março de 2023, de uma medida cautelar requerida nos autos da ADI n. 7.19536. A ação distribuída em meados de 2022 questiona a constitucionalidade de diversos dispositivos da Lei Complementar n. 194 e possuía inicialmente um pedido amplo de concessão de cautelar para suspender a execução desses dispositivos. Posteriormente, após o acordo entre União e Estados obtido na ADPF n. 984/ADI n. 7.191, esse pedido de cautelar foi tornado mais específico, limitando-se a pedir a suspensão da execução da norma da LC n. 194 (art. 2º) que determinou a não incidência do ICMS sobre as tarifas cobradas pelo uso dos sistemas de distribuição e transmissão da energia elétrica (TUSD e TUST)37. Essa medida cautelar deferida pelo STF foi responsável por recuperar, em parte, a arrecadação nacional de ICMS sobre energia elétrica: até a LC n. 194, a arrecadação mensal nacional de ICMS sobre energia elétrica tinha uma média de R$ 6 bilhões (valores do primeiro semestre de 2022); a partir do segundo semestre de 2022, essa arrecadação caiu pela metade, pelo efeito conjunto das medidas da LC n. 194 sobre a alíquota (que na maioria dos Estados era próxima de 30% e passou após a LC n. 194 a ser a alíquota-padrão, em geral inferior a 20%) e sobre a base de cálculo do imposto nas operações de energia elétrica (exclusão da incidência sobre TUSD e TUST). Após março de 2023, data da concessão da cautelar, a arrecadação mensal média do ICMS sobre energia elétrica passou a superar os R$ 4 bilhões, valor ainda bem inferior ao patamar que vigorava antes da LC n. 19438.

O segundo e mais relevante movimento partiu do Congresso Nacional, que em pouco mais de três meses aprovou o projeto de lei complementar que o executivo federal lhe enviara em julho de 2023, como cumprimento do acordo (assinado em 31 de março de 2023) ao qual União e Estados chegaram nos autos da ADPF n. 984 e da ADI n. 7.191. Esse acordo que resultou na Lei Complementar n. 201/2023, inédito na história do federalismo tributário brasileiro, fixou em pouco mais de R$ 27 bilhões a quantia devida pela União aos Estados como compensação pelas perdas de arrecadação de ICMS provocadas pela Lei Complementar n. 194, valor a ser rateado pelos Estados conforme quadro anexo ao acordo e estampado na LC n. 201.

As cláusulas desse inédito acordo entre os poderes executivos da União e dos Estados são complexas e algumas delas bastante curiosas. Uma dessas cláusulas (a cláusula terceira) afirma que, para que os Estados deem completa quitação e renunciem ao direito de receber a compensação federal prevista nos arts. 3º e 14 da Lei Complementar n. 194, é necessário que o STF, no julgamento da ADI n. 7.195 (atualmente com os autos conclusos ao relator), reconheça a inconstitucionalidade da norma que determinou a não incidência do ICMS sobre as tarifas cobradas pelo uso dos sistemas de distribuição e transmissão da energia elétrica (art. 2º da Lei Complementar n. 194) e, cumulativamente, decida pela não inclusão da gasolina no rol dos combustíveis considerados essenciais para fins da seletividade do ICMS, nos termos do novo art. 18-A do Código Tributário Nacional, introduzido pela Lei Complementar n. 194.

No acórdão do STF que homologou referido acordo, o único julgador que parece ter se dado conta do quão inusual é esta cláusula terceira foi o Ministro André Mendonça, que afirmou em seu voto39:

“No que diz respeito aos parágrafos Terceiro e Quarto da Cláusula Terceira do acordo, uma das leituras possíveis consiste em inaceitável pressão dos interessados sobre a prestação jurisdicional desta Corte. Isso porque ressoa heterodoxo condicionar o sucesso de um negócio jurídico ao resultado de uma ação direta de inconstitucionalidade movida por parcela dos contraentes e, simultaneamente, submeter esse acordo à homologação do órgão julgador, que será responsável por produzir, ou não, a primeira resultante. Informado pela boa-fé processual, não é viável entender que este ato homologatório represente qualquer tipo de pré-comprometimento do juízo com a pretensão de uma das partes em feito alheio. Dito de forma viável, por mais inovadora que seja a utilização de técnicas autocompositivas no controle abstrato de constitucionalidade, à luz da indisponibilidade da função de Guardião da Constituição, a meu sentir, não é dado ao STF atuar, a um só tempo, como terceiro imparcial no julgamento cautelar ou definitivo da ADI 7.195 e stakeholder no presente acordo federativo.”

Com efeito, nas cláusulas do acordo homologado pelo STF nos autos da ADI n. 7.191/ADPF n. 984, os poderes executivos dos Estados e da União parecem querer induzir outras partes (como o STF e o Congresso Nacional) a darem determinados passos futuros em prol da higidez do acordo. O comportamento do Congresso Nacional é mencionado várias vezes no acordo, como nos §§ 2º e 3º da cláusula quarta. Após determinar que o executivo federal enviará em 30 dias ao Congresso Nacional um projeto de lei complementar para implementar vários pontos do acordo, afirma-se, em tom de clara advertência aos membros do Congresso Nacional, que “nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, emendas parlamentares à proposta legislativa do Poder Executivo Federal devem ter pertinência temática com o projeto enviado”, e que “havendo alteração substancial do Projeto de Lei Complementar [...] o Supremo Tribunal Federal pode ser novamente instado a se manifestar”40.

Assustado diante do ineditismo desinibido das cláusulas do acordo, o Ministro André Mendonça obtemperou que a homologação desse acordo federativo não poderia “servir de precedente para situações futuras, sob o risco de incidirmos no que o eminente Relator outrora denominou neste Tribunal Pleno de ‘Estado de Exceção Fiscal’, porém de caráter permanente”41.

Considerações finais

A concretização normativa da seletividade de alíquotas do ICMS prevista na Constituição (art. 155, § 2º, III) envolveu um inédito diálogo institucional entre unidades federativas e poderes da República, diálogo que muito provavelmente não teria sido iniciado não fosse a aposentadoria compulsória do Ministro Marco Aurélio em julho de 2021, aposentadoria que provocou no final de 2020 a inclusão em pauta do RE n. 714.139, que dormitava no STF desde 2012.

O ineditismo do encaminhamento institucional da questão urdido pelo Ministro Gilmar Mendes no âmbito do controle concentrado de constitucionalidade (ADPF n. 984 e ADI n. 7.191) é proporcional ao ineditismo da atuação anterior do Congresso Nacional, o qual, pela primeira vez na história, aprovou uma mudança tributária com impactos bilionários sobre os cofres estaduais sem prever qualquer período de transição (LC n. 194/2022).

O caráter inédito do acordo entre os executivos dos Estados e da União nos autos de uma ADI/ADPF ficou ainda mais marcado pelo conteúdo surpreendente de suas cláusulas, muitas delas condicionando a eficácia final do acordo a determinados comportamentos futuros do Congresso Nacional (quanto à tramitação do projeto de lei complementar que resultou na LC n. 201/2023) e do Supremo Tribunal Federal (quanto ao mérito da decisão a ser tomada na ADI n. 7.195).

O diálogo institucional estudado no presente artigo confirma a visão de que o STF não detém a última palavra, num sentido forte e definitivo, no âmbito do controle de constitucionalidade das leis. A decisão do STF que eventualmente põe fim a determinado processo judicial (como foi o caso do acórdão do RE n. 714.139) muitas vezes abre passo a um longo diálogo institucional, feito de rodadas procedimentais complexas e condicionadas por fatores conjunturais como a aposentadoria de um Ministro do STF ou a realização de uma eleição geral.

O diálogo institucional visto no presente artigo, pelo menos quanto àquela etapa em que foi explicitamente induzido pelo STF e detalhadamente planejado e formalizado no âmbito de um processo de controle constitucional abstrato mediante cláusulas que contemplam inclusive o comportamento futuro de atores que não tomaram parte da avença, parece ser de um tipo novo, ainda não estudado pela academia brasileira.

Referências

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1 Cf. MENDES, Conrado Hubner. Direitos fundamentais, separação de poderes e deliberação. São Paulo: Saraiva, 2011; CLÈVE, Clèmerson Merlin; LORENZETTO, Bruno Meneses. Diálogos institucionais: estrutura e legitimidade. Revista de Investigações Constitucionais vol. 2, n. 3. Curitiba, set.-dez. 2015, p. 183-206; ESCOSSIA, Matheus Henrique dos Santos da. O diálogo constitucional numa perspectiva brasileira: um colóquio contínuo entre os Três Poderes. Revista Direito Público vol. 12, n. 63. Porto Alegre, maio-jun. 2015, p. 65-83; GODOY, Miguel Gualano de; MACHADO FILHO, Roberto Dalledone. Diálogos institucionais – possibilidades, limites e o importante alerta de Roberto Gargarella. Revista de Informação Legislativa n. 233. Brasília, jan./mar. 2022, p. 117-133.

2 Cf. MENDES, Conrado Hubner. Constitutional Courts and Deliberative Democracy. New York-Oxford: Oxford University Press, 2013; BRANDÃO, Rodrigo. Supremacia judicial versus diálogos constitucionais. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2022; GODOY, Miguel Gualano de. Devolver a Constituição ao povo – crítica à supremacia judicial e diálogos institucionais. Belo Horizonte: Fórum, 2015.

3 Cf. OLIVEIRA, Gustavo da Gama Vital de. Direito tributário e diálogo constitucional. Niterói: Impetus, 2013; GODOI, Marciano Seabra de. A nova legislação sobre tributação de lucros auferidos no exterior (Lei 12.973/2014) como resultado do diálogo institucional estabelecido entre o STF e os Poderes Executivo e Legislativo da União. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Grandes questões atuais do direito tributário. São Paulo: Dialética, 2014. vol. 18, p. 277-314; GRILO, Renato Cesar Guedes. A necessidade de diálogo institucional entre os poderes para a construção de uma compensação fiscal após a prolação de decisões judiciais paradigmáticas tributárias. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-graduação em Direito UniCEUB. Brasília, 2020.

4 GODOI, Marciano Seabra de. Seletividade e ICMS: para onde a Constituição de 1988 apontou e para onde a política fiscal dos Estados realmente nos conduziu. In: TEIXEIRA, Alessandra Machado Brandão et al (org.). Código Tributário Nacional 50 anos. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 427-443.

5 A norma tem formulação linguística simples, prescrevendo que o ICMS “poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços” – art. 155, § 1º, III, da Constituição da República.

6 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 12. ed. revista, atualizada e ampliada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 490.

7 GODOI, Marciano Seabra de. Seletividade e ICMS: para onde a Constituição de 1988 apontou e para onde a política fiscal dos Estados realmente nos conduziu. In: TEIXEIRA, Alessandra Machado Brandão et al (org.). Código Tributário Nacional 50 anos. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 438-442.

8 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Repercussão Geral no Recurso Extraordinário n. 714.139 Santa Catarina, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 12 jun. 2014, DJe 26 set. 2014.

9 A respeito da prática do STF na avaliação da existência ou não de repercussão geral em casos envolvendo matéria tributária, cf. GODOI, Marciano Seabra de; PRADO, Júlia F. G. Acessibilidade e qualidade das decisões judiciais num sistema de precedentes: como se comportam os ministros do Supremo Tribunal Federal no exame da repercussão geral das questões constitucionais em matéria tributária? In: BOSSA, Gisele Barra et al (org.). Medidas de redução do contencioso tributário e o CPC/2015. São Paulo: Almedina, 2017, p. 497-520.

10 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 714.139 Santa Catarina, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 18 dez. 2021, DJe 15 mar. 2022.

11 Neste sentido, cf. MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. A tributação da energia elétrica e a seletividade do ICMS. Revista Dialética de Direito Tributário n. 62. São Paulo: Dialética, 2000, p. 70-77.

12 CONTINENTINO, Marcelo Casseb. A seletividade do ICMS incidente sobre energia elétrica e a constitucionalidade da graduação de alíquotas segundo o princípio da capacidade contributiva. Revista Dialética de Direito Tributário n. 141. São Paulo: Dialética, 2007, p. 109-119.

13 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 714.139 Santa Catarina, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 18 dez. 2021, DJe 15 mar. 2022.

14 Não é possível, nos limites do presente artigo, analisar em profundidade essa posição do Ministro Fachin. Contudo, salta aos olhos que se trata de uma postura que, ao dissociar de modo absoluto os “interesses sociais” (que permitiriam a modulação) dos interesses orçamentários/arrecadatórios (que na visão do ministro nunca permitiriam a modulação), mostra-se completamente dissonante da prática adotada pelo STF nas últimas décadas, que em diversas ocasiões determinou a modulação de efeitos de acórdãos em matéria tributária que consideraram inconstitucional determinada cobrança tributária. Parece-nos que caberia ao Ministro Fachin o ônus de explicitar que sua decisão, da maneira absoluta em que posta e fundamentada, contraria frontalmente a jurisprudência da Corte. Além disso, nos parece que, rechaçando corretamente o exagero segundo o qual o interesse público seria sempre o interesse da arrecadação de receitas públicas, a decisão acaba adotando o exagero oposto, o exagero de afirmar que perdas orçamentárias nunca poderiam resultar em riscos e danos sociais que justifiquem excepcionalmente a modulação de efeitos.

15 BRASIL. Lei Complementar n. 192, de 11 de março de 2022. Define os combustíveis sobre os quais incidirá uma única vez o Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), ainda que as operações se iniciem no exterior; e dá outras providências. Brasília, DOU 11 mar. 2022.

16 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 984, distribuição em 15 de junho, Rel. Min. Gilmar Mendes.

17 BRASIL. Lei Complementar n. 194, de 23 de junho de 2022. Altera a Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), e a Lei Complementar n.87, de 13 de setembro de 1996 (Lei Kandir), para considerar bens e serviços essenciais os relativos aos combustíveis, à energia elétrica, às comunicações e ao transporte coletivo, e as Leis Complementares n. 192, de 11 de março de 2022, e n. 159, de 19 de maio de 2017. Brasília, DOU 23 jun. 2022.

18 O Projeto de Lei Complementar n. 18/2022 foi apresentado pelo Deputado Danilo Forte (PSDB/CE) em 11 de março de 2022.

19 BRASIL tem deflação de 0,29% em setembro no IPCA e acumulado cai para 7,17%. Exame. Brasília, 11 out. 2022. Disponível em: https://exame.com/economia/inflacao-ipca-setembro-2022/. Acesso em: 28 jan. 2023.

20 PREÇO da gasolina cai 25% em 2022, mas mantém alta sob Bolsonaro, Poder 360. Brasília, 7 jan. 2023. Disponível em: https://www.poder360.com.br/energia/preco-da-gasolina-cai-25-em-2022-mas-mantem-alta-sob-bolsonaro/. Acesso em: 28 jan. 2023.

21 ESTADOS perderam R$ 44, 2 bilhões com redução de ICMS em 2022, aponta associação de fiscais. O Globo, 28 jan. 2023. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2023/01/estados-perderam-r-442-bilhoes-com-reducao-de-icms-em-2022-aponta-febrafite.ghtml. Acesso em: 30 jan. 2023.

22 Cf. GOBETTI, Sérgio Wulff. Nota Técnica – ICMS: crescimento de receita estrutural ou temporário? [s.l.], 2022. Disponível em: https://comsefaz.org.br/novo/wp-content/uploads/2022/07/NT_ICMS-crescimento-de-receita-estrutural-ou-temporario_Sergio-Gobetti.pdf. Acesso em: 28 jan. 2023.

23 CONGRESSO derruba veto de Bolsonaro e obriga União a compensar Estados com recursos para saúde e educação. G1, 15 dez. 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2022/12/15/congresso-derruba-veto-de-bolsonaro-e-obriga-uniao-a-compensar-estados-com-recursos-para-saude-e-educacao.ghtml. Acesso em: 29 jan. 2023.

24 O Presidente da República pediu a distribuição dessa ADPF n. 984 ao Ministro André Mendonça, por prevenção em relação às Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 7.105 e n. 7.173, de autoria do Conselho Federal da OAB (ADI n. 7.105) e do Partido Trabalhista Brasileiro (ADI n. 7.173). Não houve a distribuição por prevenção requerida pela Presidência da República, e a relatoria da ADPF coube ao Ministro Gilmar Mendes.

25 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 7.164 Distrito Federal, Rel. Min. André Mendonça. Brasília, DJe 17 jun. 2022.

26 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 984, Rel. Min. Gilmar Mendes. Brasília, DJe 18 jul. 2022.

27 Foram indicados os professores José Roberto Afonso, Clóvis Panzarini, Ricardo Varsano, Fernando Rezende, Misabel Derzi, Everardo Maciel, Élida Graziane Pinto, Edilberto Pontos de Lima e Marcos Nóbrega.

28 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão n. 25, Rel. Min. Gilmar Mendes, Brasília, DJe 12 nov. 2020.

29 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acordo na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 984, Rel. Min. Gilmar Mendes, p. 52, Brasília, DJe 19 dez. 2022.

30 GRANER, Fábio. Comsefaz estima novas alíquotas modais para compensar perda de arrecadação. Jota. São Paulo, 06 dez. 202. Disponível em: https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/comsefaz-estima-novas-aliquotas-modais-para-compensar-perda-de-arrecadacao-06122022. Acesso em: 08 dez. 2022.

31 GOVERNADORES sobem teto do ICMS para reaver perdas. Valor Econômico, Brasília, 30 jan. 2023. Disponível em: https://valor.globo.com/brasil/noticia/2023/01/30/governadores-sobem-teto-do-icms-para-reaver-perdas.ghtml. Acesso em: 30 jan. 2023.

32 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acordo na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 984, Rel. Min. Gilmar Mendes, p. 63-64, Brasília, DJe 19 dez. 2022.

33 BRASIL. Lei Complementar n. 201, de 24 de outubro de 2023. Dispõe sobre a compensação [...] e revoga dispositivos da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional) e das Leis Complementares n. 87, de 13 de setembro de 1996 (Lei Kandir) e 192, de 11 de março de 2022. Brasília, DOU 24 out. 2023.

34 Puxada pelo ICMS, receita dos Estados cai no 4.º tri de 2022. Poder 360, Brasília, 18 fev. 2023. Disponível em: https://www.poder360.com.br/economia/puxada-pelo-icms-receita-dos-estados-cai-no-4o-tri-de-2022/. Acesso em: 30 out. 2023.

35 CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA FAZENDÁRIA – Confaz. Boletim de arrecadação de tributos estaduais. Disponível em: https://www.confaz.fazenda.gov.br/boletim-de-arrecadacao-dos-tributos-estaduais. Acesso em: 30 out. 2023.

36 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Referendo na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 7.195, Rel. Min. Luiz Fux, Brasília, DJe 22 mar. 2023.

37 O art. 2º da LC n. 194 incluiu na LC n. 87/1996 um dispositivo segundo o qual o ICMS “não incide sobre serviços de transmissão e distribuição e encargos setoriais vinculados às operações com energia elétrica” (art. 3º, X, da LC n. 87, acrescentado pela LC n. 194).

38 Valores obtidos pelos autores a partir de CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA FAZENDÁRIA – Confaz. Boletim de arrecadação de tributos estaduais. Disponível em: https://www.confaz.fazenda.gov.br/boletim-de-arrecadacao-dos-tributos-estaduais. Acesso em: 30 out. 2023.

39 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 984, Rel. Min. Gilmar Mendes, p. 79, Brasília, DJe 28 jun. 2023.

40 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 984, Rel. Min. Gilmar Mendes, p. 63-64, Brasília, DJe 28 jun. 2023.

41 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 984, Rel. Min. Gilmar Mendes, p. 72-73, Brasília, DJe 28 jun. 2023.