O Ajuste a Valor Justo Segundo um Tributarista
The Fair Value Adjustment According to a Tax Specialist
Valterlei da Costa
Doutorando em Direito Tributário pela USP e em Direito do Estado pela UFPR. Mestre em Direito do Estado e Bacharel em Direito pela UFPR. Membro do Instituto de Direito Tributário do Paraná e da Comissão de Direito Tributário da OAB/PR. Professor de Cursos de Pós-Graduação em Direito lato sensu. Ex-Técnico de Finanças e Controle da PGFN. Sócio do Costa & Costa Advogados em Curitiba (PR). E-mail: valterlei@costaecostaadvocacia.com.br.
Recebido em: 11-3-2024 – Aprovado em: 7-7-2024
https://doi.org/10.46801/2595-6280.57.23.2024.2507
Resumo
Trata este artigo do ajuste a valor justo de ativos, o qual, quando positivo em relação ao preço histórico, é considerado receita contábil, com reflexos no resultado. Agora, nem essa receita nem o lucro dela proveniente são tributados, uma vez que há dispositivos expressamente assim dispondo. E tal situação, em linguagem contábil, é apresentada como um caso de “neutralidade”, em linha de que tais lançamentos escriturais não interferem na apuração do fiscal. Todavia, no estudo do direito tributário a questão deve-se dar em outros termos, quais sejam, se se está diante de uma isenção ou de uma não incidência, até porque a forma de enquadrar o tema vai além da mera disputa teórica, revelando consequências práticas, especialmente se seria devida a tributação nos casos em que não for o ajuste corretamente identificado em subconta do patrimônio líquido. Outra possibilidade é considerar a tributação como passivo diferido, o que tem implicações em caso de mudança na forma de apuração do lucro de um exercício para outro.
Palavras-chave: direito tributário, contabilidade, ajuste a valor justo, isenção, não incidência.
Abstract
This article addresses the fair value adjustment of assets, which, when positive in relation to the historical cost, is considered accounting revenue, impacting the financial results. Currently, neither this revenue nor the resulting profit is subject to taxation, as expressly stipulated by applicable provisions. In accounting language, this situation is presented as a ‘neutrality’ case, suggesting that such book entries do not interfere with tax assessment. However, in the study of tax law, the issue must be approached differently, specifically whether we are dealing with an tax-exemption or non-incidence. This distinction is crucial because framing the subject goes beyond a mere theoretical dispute, revealing practical consequences, especially in cases where taxation might be due if the adjustment is not correctly identified in a subaccount of equity. Another possibility is to consider taxation as a deferred liability, which has implications in the event of a change in the profit calculation method from one fiscal year to another.
Keywords: tax law, accounting, fair value adjustment, exemption, non-incidence.
1. Introdução
O ensino formal, do muito que se poderia dele dizer, prepara os estudantes para que sejam membros de uma comunidade que, minimamente, possui um léxico comum. Por isso, uma palavra que somente poderia ser usada com um auditório não especializado, por mais cultos que sejam os ouvintes, caso precedida de algumas explicações, pode ser facilmente empregada com a agremiação acadêmica da qual se faça parte. Isso porque, estendendo a questão, os cientistas em suas áreas comungam dos mesmos “paradigmas”1. Claro que, vez ou outra, os paradigmas são rompidos e temos, então, o que se denomina revolução científica, quando há a necessidade, inclusive, de nova linguagem, já que a hodierna perspectiva de mundo não pode ser expressa por meio de vernáculos vetustos2. Todavia, a ânsia por estar na vanguarda de uma revolução, imaginando-se viver tempos “disruptivos”, pode promover, simplesmente, uma degeneração do conhecimento acumulado em vez de ser o limiar de uma nova era. Risco, não desprezível, que correm os estudos de direito tributário ao incorporar mais e mais das ciências contábeis3.
Com isso em conta, exploremos neste artigo a palavra “neutralidade”, a qual tem sido mais e mais usada nas investigações tributárias. Em verdade, há todo um rosário de vocábulos que estão sendo incorporados depois da adoção dos padrões internacionais pela contabilidade brasileira4. Ao que parece, a ideia foi que tais mudanças, ao menos a princípio, não produzissem efeitos tributários, isso desde a Lei n. 11.638/20075, passando pelo Regime Tributário de Transição (RTT) instituído pela Lei n. 11.941/20096, até desembocar na Lei n. 12.973/2014, a qual prescreve que alterações nas normativas contábeis não trarão, automaticamente, implicações à apuração dos tributos federais7.
Claro que sob a rubrica “neutralidade” há uma gama de situações das mais variadas ordens, buscando-se evitar não só a majoração da carga tributária das empresas, mas também uma redução sua. Em verdade, é mais uma questão de “semelhança de família”8, de elementos que guardam alguma relação entre si, do que de espécies que se subsomem ao gênero “neutralidade” a ser lido como um conceito. E, para evitar essas dificuldades, restrinjamos nosso estudo ao ajuste a valor justo de ativos quando positivo, ou seja, quando a variação do ativo mensurado for maior do que seu custo histórico. Nessa hipótese, para não tributar o ganho, seria lícito falar em “neutralidade”?
Parece ter findado a era dos grandes tributaristas que imaginavam tudo encontrar na Constituição e que, por isso, ao discorrer sobre o imposto de renda, não se sentiam premidos a lançar mão de uma boa dose de conhecimento contábil. Hoje, em seu lugar, temos tributaristas que se expressam como cientistas contábeis, o que pode ser a fonte de dois problemas: o primeiro, um imitador, no anseio de superar seu modelo, torna-se caricato; o segundo, o espelhante, pode adquirir tal grau de perfeição que, deveras, torna-se o espelhado. Para a primeira situação, como as coisas passam-se em desnudo, no fim, quando se falar em sério, o que se faz é abandonar o prestidigitador e buscar o especialista. Afinal, por que ficar com um tributarista que vive de jargões contábeis se se pode ir ao cientista contábil? A segunda hipótese é bem mais complicada, uma vez que dissolve o direito tributário na contabilidade e, no limite, pode retirar a própria razão de ser do primeiro enquanto disciplina9. Pense-se bem: se a questão, no fim, será tratada em termos contábeis, por que demorar-se com a ciência do direito tributário?
Se arremedo alguém das ciências contábeis ou mesmo se sou de tal área, não há nada de impróprio em asseverar que o ajuste a valor justo de ativos quando positivo será “neutralizado” na apuração dos tributos. Agora, se sou um tributarista, que ganharia empregando tal termo? Conteria alguma exatidão que escapa a outras ciências? Seria palavra intraduzível para o estudo do direito tributário? Em nossa forma de ver, como tributarista temos à disposição termos muito bem investigados e, logo, mais precisos do que “neutralidade”, quais sejam, isenção e não incidência. Com isso, não vemos o porquê de enxertar nos estudos tributários uma palavra, à guisa de neologismo, a qual pode até quedar-se bem em outras paragens, mas que, para nós, apenas borra a questão de saber por que não se deve pagar tributo mesmo havendo variação positiva em ativos avaliados a preço justo, pois retrucar que assim é em razão da neutralidade, em termos tributários, não é dizer muito, isso para não assegurar que é dizer nada.
2. Direito versus contabilidade: uma falsa oposição
Uma das teses mais geniais e, por isso mesmo, controversa é a de que a ciência do direito deve ser pura10. Por essa linha, há a linguagem (o direito) e há a metalinguagem (a ciência do direito). Todavia, mesmo que se aceite tal entendimento, não é nada simples identificar o direito e construir, a partir dele, uma linguagem de sobrenível. Por isso, na demarcação do direito, são empregadas teorias reducionistas, pois uma compreensão de que o direito seria fato, valor e norma torna o campo de estudo da ciência do direito especialmente amplo11. Por isso, igualar o direito a um conjunto de normas jurídicas pode trazer o grau de precisão necessária caso queira-se apresentar a jurisprudência como uma ciência e não como uma arte12.
Mas ainda diz pouco conceituar o direito como um conjunto de normas jurídicas, sendo mister discorrer sobre o que sejam normas jurídicas sob pena de incompletude, ponto sobre o qual, diga-se, não há consenso, mas, para fins deste artigo, não vemos problemas em pactuar não propriamente o que sejam normas jurídicas, mas de onde elas são obtidas: de textos legais. Sem embargo, não olvidamos que tudo isso se encaixa bem no civil law, havendo dificuldades, porém, no common law, mas o principal aqui é entender que, de um texto jurídico, podem ser obtidas várias normas ou que, algo muito comum, para formar-se uma norma é necessário consultar mais de um texto jurídico. E nada disso impede, ademais, a alusão às “normas implícitas”, ou seja, normas as quais não estão vinculadas diretamente a um texto13.
Com isso, então já é possível asseverar, por mais que se vá de encontro à tradição que os trata como diferentes, que a contabilidade não é mais do que uma parte do direito. Com efeito, a contabilidade é um conjunto particular de normas jurídicas construídas com lastro em certos textos normativos. E quem duvida que faça, então, o teste kelseniano da estrutura escalonada14. Nos termos da Constituição, compete privativamente à União legislar sobre direito civil e comercial (art. 22, I) e, então, temos o Código Civil, o qual prescreve a obrigação do empresário e da sociedade empresária de seguir um sistema de contabilidade (art. 1179), bem como a Lei das S.A., a qual dispõe que a escrituração da companhia seja feita em obediências aos princípios de contabilidade (art. 177). Agora, quem regula acerca dos princípios contábeis é o Conselho Federal de Contabilidade (art. 6º, f, do Decreto-lei n. 9.295/1946), o qual, no exercício de sua competência, criou o Comitê de Pronunciamento Contábil (CPC), que tem como uma de suas atribuições emitir Pronunciamentos Técnicos (art. 4º, I, da Resolução CFC n. 1.055/2005). Logo, por esta linha que adotamos, o objeto de estudo do cientista contábil não é diferente do cientista do direito tributário, já que ambos se dedicam a normas jurídicas formadas a partir de textos normativos15.
A diferença entre eles, assim, não é o objeto, ou seja, não é qualitativa, mas sim de ponto de partida, ou seja, referencial. Ambos estudam a ordem jurídica, mas principiam por pontos nos extremos. Para o cientista do direito tributário, a direção é Constituição-CPC; para o cientista contábil, CPC-Constituição. Logo, a posição inicial importa, pois as primeiras tomadas influenciam as demais e, assim, como partem de polos diferentes, ao interpretarem um mesmo dispositivo do ordenamento jurídico, podem chegar a entendimentos diversos. Com isso em conta, não há nada de misterioso no fato de que, por um lado, os tributaristas, ao partir da Constituição, neguem que a substância econômica per se possa ensejar tributação16, mas que, por outro, o cientista contábil interprete os dispositivos do CPC ancorado no primado da essência sobre a forma17. De igual modo, questão referencial, não há nada de errado em que o cientista contábil empregue “neutralidade” e o cientista do direito tributário, por fazer outra jornada, atente-se a seu próprio vocabulário.
Ademais, ainda há a questão de escopo, pois os cientistas contábeis, por autocontenção, quase nunca chegam a fazer o percurso completo, contentando-se com uma análise dos pronunciamentos técnicos e das leis tributárias18; já os tributaristas, sem modéstia, dão-se o direito de iniciar seus artigos expondo que é um dos objetivos do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária para, ao final, discorrer sobre os ativos biológicos, o que acaba sendo muito profuso e, a depender da forma como feito, merecedor de críticas. Contudo, neste artigo, nosso ponto são os tributaristas que desconsideram quais são as premissas de que devem partir e se lançam, sem mais, só sobre a base do ordenamento jurídico.
Dito isto, uma forma de separar a ciência do direito tributário das ciências contábeis não é em relação a seu objeto, já que ambas têm por lastro as normas jurídicas, mas sim quanto a seus pontos de partida e de chegada, pois um tributarista pode-se contentar, muito bem, com a Constituição, o Código Tributário Nacional e as leis tributárias enquanto o contador pode investigar os Pronunciamentos Técnicos CPC e os atos infralegais da Receita Federal do Brasil, especialmente o Regulamento do Imposto de Renda e as instruções normativas. Tudo uma questão de especialidade.
2.1. Lucro contábil versus lucro tributável: outra falsa oposição
Muitos dos que acreditam que haja uma oposição entre o direito e a contabilidade o fazem em razão de outra crença, a de que haveria uma oposição entre o lucro contábil e o lucro tributável. O primeiro ponto é que o lucro contábil não é apurado à margem do direito, senão segundo o direito, e se estamos em um sistema de civil law, as prescrições para a apuração encontram-se em textos normativos pertencentes à ordem jurídica como, no caso brasileiro, os Pronunciamentos Técnicos CPC. Com isso, fica simples inferir que o lucro contábil não representa a contabilidade em um imaginário antagonismo contra o direito, ao qual pertenceria o lucro tributável.
O que se pode questionar é como o direito fixa a apuração do lucro tributável e, então, as opções são três: o lucro tributável é idêntico ao contábil; o lucro tributável é calculado a partir do contábil; o lucro tributável é mensurado independentemente do contábil. Dito isto, qualquer uma dessas três hipóteses é legítima, o que não significa que sejam equivalentes, pois, a depender do ponto de apoio, pode-se compreender uma como melhor do que a outra. Igualar o lucro contemplado pela norma de tributação ao apurado pelas normas contábeis tem todas as vantagens de tornar a apuração mais simples, mas pode ser interessante desigualá-los19. Por sua vez, uma total independência, mesmo que em teoria seja possível, provavelmente na prática não o é, pois seus elementos formadores serão retirados dos registros contáveis, mas, mesmo assim, não deixam de ser um gravame, pois se exigirá da entidade uma apuração e do contribuinte outra, com as atividades, em muitos aspectos, acabando-se por sobrepor20. Assim, um modelo que parta do lucro contábil para chegar ao tributável tem tanto a vantagem de evitar repetições desnecessárias, bem como permite ajustes nos casos em que os interesses em jogo não forem exatamente os mesmos, pois tributação e prestação de informação nem sempre estão alinhados21.
Seja como for, se temos presente que, no Brasil, o lucro tributável é apurado a partir do lucro contábil22, então descomplicado perceber que não há oposição entre eles, mas sim uma relação de contiguidade – e não de contingência –, já que um se segue depois do outro23.
3. Avaliação a valor justo (fair value) e lançamento contábil
O substantivo “valor” carrega tal amplitude que, para ter um mínimo de determinação, especialmente em direito tributário, carece de ser seguido de um adjetivo com função partitiva e, por isso, emprega-se “valor declarado”, “valor estimado”, “valor arbitrado”, “valor atual”, “valor certo”, “valor ajustado”, “valor adicionado, “valor contábil” etc. Feito tal destaque, voltemos nossa atenção para a expressão “valor justo”.
Uma vez adquirido um ativo, há a necessidade de avaliá-lo para fins de contabilização, o que, por sua vez, enseja a aplicação de um método, sendo comum em um mercado livre sua mensuração como equivalendo ao valor do ativo consumido para a aquisição desse novo ativo. Podemos falar, então, de custo histórico, o qual apresenta muitas vantagens, mas também desvantagens “[...] que se referem, normalmente, ao fato de que o valor dos ativos muda com o tempo [...]”24. E em razão dos câmbios que o tempo promove é que passou a ter lugar uma avaliação “verdadeira e justa” (true and fair) dos ativos em valores de mercado, compreendendo-se valor justo como: “Preço que seria recebido pela venda de um ativo ou que seria pago pela transferência de um passivo em uma transação não forçada entre participantes do mercado na data de mensuração”25. Ou seja, o valor justo assim mensurado resulta no montante que se espera receber pela venda do ativo em condições normais.
Todavia, não se deve entender que, com tal “valor justo”, estar-se-ia praticando alguma espécie de reavaliação, uma vez que a expressão monetária da transação realizada não muda, sendo mantido seu valor histórico de entrada, pois o que ocorre, deveras, é uma mensuração “[...] a valor de saída, de forma contrária ao custo que faz parte das mensurações a valor de entrada”26. Logo, não se busca substituir o valor de entrada, que continua o mesmo, pois se lança um novo valor, de saída, nos termos de avaliação, agora a valor justo (fair value).
Dados esses moldes, a avaliação ganha papel central na mensuração a valor justo, pois, com base nela, é que se realizará o registro, lembrando que o valor justo não se confunde com a receita operacional líquida (net operating income ou simplesmente NOI) que o ativo possa gerar, uma vez que, mesmo sem receita alguma, pode tal ativo sofrer considerável alteração de valor. Agora, para um grau maior de confiabilidade, o ideal é que se tenha peritos independentes, seguindo técnicas de aferição reconhecidas por seus pares, em nome da objetividade, mas, apesar disso, o emprego de um avaliador externo não é uma obrigação, apenas uma recomendação27.
Seja como for, uma vez realizada a avaliação a valor justo, então deve ser levada a registro, e aqui não custa lembrar que a ciência contábil tem sua origem com a adoção do método das partidas dobradas28, uma vez que antes o que havia era o mero registro para organização, em linha de que “[...] o ‘homem contador’ põe ordem, classifica, agrega e inventaria o que o ‘homem produtor’, em seu anseio de produzir, vai, às vezes desordenadamente, amealhando [...]”29. Assim, justamente em razão do método das partidas dobradas, devem ser apontadas duas contas – uma a débito e outra a crédito – para que sejam, então, corretamente realizados os registros contábeis da mensuração do ativo a valor justo.
Contabilmente, os ganhos decorrentes da mensuração a valor justo devem ser creditados inicialmente, como receita e, ao final do período, levados a resultado, o que alterará – a não ser em caso de ser a avaliação igual ao custo histórico – a distribuição de lucros ou dividendos30.
Por fim, deve-se ter em conta que, de forma geral para todos os ativos, não há a obrigação de realizar a avaliação a valor justo, pois o que estabelece o Pronunciamento Técnico CPC 46 são, simplesmente, questões procedimentais para sua realização, sem prejuízo de que, para temas específicos, haja outros pronunciamentos obrigando tal avaliação31. Mas ser uma obrigação ou uma permissão não muda o fato de que, uma vez registrada, ela produz efeitos, especialmente no caso das sociedades anônimas, haja vista a obrigatoriedade de distribuição de dividendos mínimos, bem como dividendos fixos por ação preferencial, como se verá com mais detalhes adiante. Isto é, a não ser em hipóteses específicas, trata-se de permissão a avaliação a valor justo, mas, uma vez implementada, seus efeitos tornam-se obrigatórios.
Em suma, a não ser que coincida com o custo histórico, os ativos podem ser avaliados a valor justo, mas isso provavelmente provocará impacto no resultado do exercício em que ocorrer a mensuração por esse método. Todavia, o mesmo não ocorre quanto à questão tributária, mesmo que seja positivo.
4. Tributação da avaliação a valor justo
Para a apuração do resultado ao longo de um período, estabelece-se, de um lado, as receitas (minuendo) e, de outro, as despesas (subtraendo), empregando-se, na sequência, a subtração. Então, dessa operação matemática, caso a diferença ou resto seja positiva, tem-se lucro; caso negativa, prejuízo. Mas se houver lucro contábil, não equivalerá, automaticamente, ao lucro tributável, uma vez que há a necessidade, ainda, de adições, exclusões e compensação, nos termos da lei tributária, e é nesse ponto que entraria o ganho promovido entre o cotejo da avaliação a valor justo e o custo histórico, uma vez que, contabilmente, está configurada a receita. Contudo, é de perguntar se tal receita, na apuração do lucro tributário (IRPJ e CSLL), deve ser ou não excluída. E a mesma pergunta deve ser feita para a apuração da tributação sobre a receita (PIS e Cofins), pois, se a mensuração a valor justo implica o reconhecimento contábil de receita, isso não significa que, forçosamente, haverá tal reconhecimento no plano tributário.
Um modo de entender-se a questão seria apontando a existência de um conceito constitucional de renda32 e, igualmente, um de receita33. Dessarte, mesmo que a diferença entre o valor histórico do ativo e uma posterior avaliação pelo método do valor justo desse mesmo ativo seja considerada receita em sentido contábil, de um ponto de vista jurídico-constitucional, não seria receita para fins de PIS e Cofins, nem comporia o cálculo do lucro para o IRPJ e a CSLL. De forma geral, o raciocínio seria o de que, da receita em sentido contábil, nem sempre implicaria dever de contribuir, pois a capacidade tributária que permite a tributação deve ser efetiva, o que “[...] implica seja esta capacidade concreta, real, e não meramente presumida ou fictícia”34.
Por essa linha, não haveria a necessidade de qualquer lei excluindo a receita decorrente de avaliação pelo método do valor justo – quer do PIS e Cofins, quer do IRPJ e CSLL –, pois, constitucionalmente, assim já estaria disposto, uma vez que seria vedado instituir normas de tributação cuja materialidade não tenha por substrato fato revelador de capacidade contributiva, o que significa que nem toda a receita contábil deva ser também considerada para fins tributários. Poder-se-ia concluir, então, que haveria verdadeira incompetência para a tributação de fatos que não denotem capacidade contributiva. Claro, pode-se objetar que nem precisaríamos ir tão longe em nossa construção, pois há expressa previsão legal para que não seja a receita advinda de avaliação pelo valor justo computada no cálculo desses tributos, quer indiretamente, meio para se chegar ao lucro, como nos casos do IRPJ e da CSLL, quer diretamente, como nas hipóteses do PIS e da Cofins.
Com efeito, para o IRPJ e a CSLL, a regulamentação é feita por meio da Lei n. 12.973/2014, a qual exclui da determinação do lucro tributável, até que haja sua efetiva realização, a receita contábil proveniente de mensuração a valor justo, desde que haja a correta contabilização dessa operação35. Por sua vez, para o PIS e a Cofins, tratam do tema a Lei n. 9.718/199836, a Lei n. 10.637/200237, bem como a Lei n. 10.833/200338, todas elas com redação dada pela Lei n. 12.973/2014 em relação a esses tributos, as quais excluem da tributação, entre outras, a receita decorrente da avaliação de investimento. Em razão disso, chegou-se mesmo a considerar que o legislador se aproximou da ideia de que receita seria o resultado efetivo de uma operação, não bastando o mero reconhecimento contábil39.
Ao que parece, toda ideia envolvida nesses dispositivos legais é a de que a avaliação pelo método do valor justo dos ativos tem efeito para a prestação de informação no plano contábil, em nome da evidenciação, mas que, de um ponto de vista tributário, deve ser “neutra”, pois, do contrário, ninguém se proporia a rever a mensuração já lançada pelo custo histórico, a não ser que obrigado, uma vez que isso resultaria em uma carga tributária maior. Consequentemente, haveria, no plano teórico, a possibilidade contábil de adoção do valor justo para o ativo, mas que, em razão dos efeitos tributários adversos, ninguém adotaria.
Contabilmente, o ganho do ajuste deve ser considerado “receita”, calculado como a diferença positiva entre a mensuração a valor justo e o custo histórico. Todavia, no plano tributário o mesmo não ocorre e isso porque, entre outras questões que se poderia argumentar, há dispositivos legais diretamente assim determinando, como vimos acima, o que mantém as grandezas a pagar a título de IRPJ, CSLL, PIS e Cofins inalteráveis, seja qual for o valor do ajuste. Em suma, avaliar os ativos pelo método do valor justo é, em geral, uma permissão contábil, que não traz, contudo, reflexos tributários, pois, por um lado, a receita decorrente de avaliação a valor justo, obrigatoriamente, tem seu registro contábil, mas, por outro turno, para fins de apuração dos tributos, deve ser excluída. Consequentemente, “[o]s ajustes referentes à avaliação a valor justo não têm impacto fiscal, sendo necessários ajustes (adições e exclusões) para apuração do IR, CSLL, PIS e Cofins”40.
Com isso em conta, deixando à margem o tema dos conceitos constitucionais, investiguemos se tal exclusão de receita (ganho decorrente de ajuste a valor justo), com interferência no lucro, que vem sendo denominada “neutralidade”, tem lugar no estudo do direito tributário como isenção ou como não incidência, o que, como se demonstrará abaixo, não é questão meramente bizantina.
5. Isenção e não incidência
Não há na doutrina consenso sobre o que seja “isenção”, sendo enunciada com as mais distintas variações, tais como “dispensa legal de pagamento”41, “regra não juridicizante”42, “fato impeditivo”43, “hipótese de não incidência qualificada”44 ou mesmo “regra mutiladora”45. De nossa parte, parece uma boa forma de compreender o tema tomando os dispositivos legais de modo não autônomo e, assim, não há de se referir à regra ou norma de isenção em sentido estrito, mas sim se ter em conta que “[a] mesma norma jurídica que tributa é a mesma que isenta. Afinal, quando descreve a situação que instaurará a relação jurídica, por consequência, põe qual não instaurará”46.
Por um lado, poderíamos ter um dispositivo que prescrevesse, por conotação, serem situações jurídicas a ensejar consequências todos os números pares até oito (inclusive), com exceção do quatro, ou, por outro lado, um por denotação, do seguinte modo: {2,6,8}. Evidentemente, ambos equivalentes. Ademais, por conotação, poder-se-ia, em vez de um, ter-se dois dispositivos, até em diplomas normativos diferentes, da seguinte forma: em um, a regra geral, qual seja, todos os números pares até oito (inclusive); em outro, a ressalva, isto é, com a exceção do quatro. Agora, nada disso deve afastar-nos do entendimento de que “[...] a norma é única, produto dos enunciados positivos e negativos, podendo dizer-se dos fatos que são ou não a ela subsumidos”47. Posicionamento que, de certo modo, aproxima-nos de Sacha Calmon Navarro Coêlho, para quem só há a norma jurídica de tributação, a qual é o resultado dos fatos tributáveis conjugados com as previsões isencionais – com o que, até aqui, estamos de acordo – e também as imunizantes –, as quais, em nossa forma de entender, não compõem a norma de tributação, mas podem ser fundamento de sua invalidade, caso haja a tributação de situações imunes48.
Agora, posta a questão só nestes termos, estaríamos prontos para reconhecer que isenção seria um caso de não incidência tout court no desenho maior que é a norma de tributação, aquela que prescreve a obrigação de dar dinheiro ao Estado em razão de um fato lícito. Todavia, não podemos olvidar que, no caso brasileiro, a norma de competência de ordem constitucional, a qual valida a norma de tributação, não estabelece meramente o procedimento, mas também, ora mais, ora menos, seu conteúdo, não nos cabendo investigar, aqui, se como tipo ou conceito. Em razão disso, há um campo predefinido sobre o qual a norma de tributação não deve avançar sob pena de invalidade, sendo adequada, então, a expressão “não incidência”.
Se há um campo possível de tributação, como decorrência da norma de competência, a norma de tributação pode saturá-lo todo, cabendo ser chamados de “isentivos” os dispositivos que criarem exceção a essa regra geral, mas, naquilo que o ultrapassar, será a norma de tributação inválida por incompetência. Todavia, pode ser que haja um dispositivo não para excluir algo que, pela regra geral, estaria abrangido pela competência, mas, em vez disso, para declará-lo como não acobertado por essa competência, situação que pode ser nominada de “não incidência”. Ou seja, nega-se efeitos exacionais a hipóteses que já estão fora desse âmbito, o que demonstra um cariz declaratório ou explicativo, e não isentivo ou excludente. E assim é porque dispositivos legais sobre a não incidência até possuem função pragmática, reforçando comportamentos que já seriam o esperado, mas não sintática, pois a norma de tributação, sob pena de invalidade, já não pode contemplar hipóteses além de seu campo de incidência possível dado por norma de competência.
Com esse arrazoado, estamos prontos para diferençar isenção de não incidência. Em um plano estático, atentos meramente aos efeitos tributários, pouco importa se dada situação deixa de ser tributada em razão de isenção ou não incidência. Todavia, no plano dinâmico, quando se toma em conta a estrutura escalonada do direito e, especialmente, a norma de competência tributária, as coisas não se passam assim. Com efeito, ocorrendo a derrogação da norma de tributação – ou seja, a exclusão de uma parte sua, pois, se fosse de toda ela, seria hipótese de ab-rogação49 –, somente se terá efeitos tributários de pagar tributo se a parte excluída puder ser caracterizada como isentiva, pois, sendo caso de não incidência, ainda assim não existiria obrigação tributária, já que não se pode exigir mais do que o campo de tributação possível dado pela norma de competência tributária. Em verdade, nessa última hipótese, não houve propriamente uma exclusão, mas sim uma explicitação do campo de tributação.
Dito isso, para reforçarmos que não se trata de mera logomaquia, vejamos o porquê de classificar como isenção ou não incidência o ajuste a valor justo produz reflexos tributários de grande monta, a partir da obrigação de controle em subconta desse valor.
6. Obrigação acessória
Não é caso aqui de investigarmos se é ou não a mais adequada a nomenclatura “obrigação acessória” adotada pelo Código Tributário Nacional (CTN) em seu art. 113, § 2º, mas, para registro, lembramos que Paulo de Barros Carvalho prefere a expressão “dever instrumental”50. Assim, em lexo carvalhiano, sobre a imperiosidade de controle em subconta do ajuste a valor justo, é correto afirmar que se trata de “dever instrumental” com fins (anti)exacionais – pois alude a uma “documentação em linguagem”51 –, cuja consequência tributária em caso de descumprimento é que seja levado à tributação esse ajuste mesmo que a regra geral seja pela “neutralidade”. Entretanto, vem sendo combatida tal exigência, especialmente se argumentando que o não cumprimento de obrigação acessória pode até ser a base para a aplicação de penalidade, mas não para o pagamento de tributo, em linha de que haveria “[...] ofensa direta ao preceito do art. 3º do CTN que impede que o legislador erija como fato gerador uma situação que vise (sic) sancionar a prática de um ato ilícito”52. Todavia, essa forma de explanação somente faz sentido se estivermos diante de um caso de não incidência, mas não de um de isenção.
Sendo um caso de não incidência, a norma de tributação não pode alcançar âmbitos que não possam ser reconduzidos à norma de competência sob pena de invalidade, não podendo isso ser alterado pelo descumprimento de uma obrigação acessória por mais relevante que seja ela. Logo, se o ajuste a valor justo for um caso de não incidência, então, cumpra ou não o sujeito passivo com suas obrigações de registro e evidenciação (disclosure), não lhe pode ser imputada uma tributação inexistente per se, remanescendo, todavia, a possibilidade de penalização, quer seja de ordem tributária, contábil ou mesmo outra.
Agora, configurando uma hipótese de isenção deixar de tributar o ajuste a valor justo, então não há nada de errado em que fique sujeita ao cumprimento de obrigações acessórias, o que está, aliás, de acordo com as normas gerais sobre o tema, a permitir que se vincule a concessão da isenção às condições e requisitos que a lei estabelecer53. Ou seja, em tais circunstâncias, “[...] o cumprimento da obrigação acessória constitui [...] um requisito para o desfrute da isenção”54.
Com isso, parece-nos demonstrado que investigar o porquê não se tributa o ajuste a valor justo, se em razão de uma não incidência ou de uma isenção, não seria questão meramente acadêmica, já que tem reflexos práticos.
6.1. Subcontas
O que seja uma conta contábil não é algo que possa ser respondido com um par de linhas, mas estipulemos aqui que são representações gráficas nas quais se registram as operações da entidade55. Agora, aceito tal ponto, o que seriam “subcontas”? A verdade é que a Lei n. 12.973/2014 adotou a postura de que muitos lançamentos devem ser “neutralizados” no plano da apuração dos tributos a partir do emprego de subcontas contábeis, porém, em nenhum momento, expôs-nos o que seriam elas.
De pronto, cabe consignar que é termo infeliz, uma vez que o prefixo “sub” significa “[...] sob, no fundo de, debaixo de [...]”56, e a partir daí alguém poderia concluir que uma subconta seria uma conta sob outra conta. Contudo, faria uma inferência incorreta, já que subcontas são registros contábeis de último nível57. Ou seja, uma subconta não está debaixo de outra conta a que se vincula, mas sim a seu lado58.
7. Ajuste a valor justo
7.1. Um caso de renda
Apresentado o que seria o ajuste a valor justo, os efeitos “neutralizantes” para a tributação, bem como a importância de compreender se tais efeitos devem ser classificados como isenção ou não incidência, é chegado o momento de posicionar-nos, o que faremos a partir da interpretação que damos ao art. 43 do CTN, o qual prescreve o “fato gerador” do imposto de renda como a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica.
Aquisição, do vocábulo latino acquisitio, significa a ação de adquirir59; por sua vez, disponibilidade é o estado ou qualidade do que é ou está disponível60. E organizando esse conhecimento por meio da fórmula da regra-matriz, segundo a qual os tributos são decompostos em critérios, sendo que o material deve ser analiticamente enunciado como verbo seguido de complemento61, percebemos que não é a aquisição que deve estar disponível, o que, do ponto de vista semântico, nem faria muito sentido, mas sim que a conduta ensejadora da obrigação de pagar tributo é a de adquirir renda disponível.
Nesse ponto, deve-se destacar que, em direito, o adquirir pode operar de dois modos: originário ou derivado. No derivado, há um negócio jurídico ou, no mínimo, uma relação com um antecessor, o que traz a ideia de transmissão; já na forma originária, não existe qualquer transmissão, sendo inexistente ou irrelevante a figura do antecessor62. Tomadas essas lições, não há um porquê de restringir o verbo “adquirir” apenas aos casos derivados, podendo muito bem ser a renda adquirida na modalidade originária. Logo, por não estar embasado o ajuste a valor justo em um negócio jurídico, isso não significa um impedimento para que se considere realizada uma aquisição para fins tributários63.
Claro que não é qualquer ação de adquirir que conduz à obrigação tributária, pois necessitamos, ainda, do complemento do verbo, qual seja, o objeto direto “renda”. Agora, digam o que quiserem os tributaristas, parecem estar presos à ideia de que a palavra “renda” enseja alguma limitação ontológica e, por isso, ao se perguntarem o que é renda, as respostas vêm em tom descritivo, tal qual o fazem físicos e biólogos, respectivamente, para átomo e para célula. Todavia, “que é renda?” deve ser respondida tal qual a pergunta “que é dinheiro?”, ou seja, tomando-a como uma convenção que se manifesta no uso das palavras – isto é, como uma prática coletiva e não um específico objeto – sem que haja referente no mundo para asserirmos sua verdade por correspondência64. E, para registro, destacamos duas das formas mais comuns de empregar-se a palavra renda, que é associando-a a lucro65 ou a acréscimo patrimonial66, mas, seja como for, não é necessário travar aqui essa disputa, pois é possível subsumir o ajuste a valor justo a qualquer uma dessas concepções, uma vez que, a não ser na hipótese de coincidir com o custo histórico, tanto altera o patrimônio contábil da empresa como seu lucro e, por isso, de nossa parte, não temos embaraço em enquadrá-lo, quando positivo, como renda.
Do ganho com o ajuste a valor justo decorre um adquirir a ensejar, como efeito, acréscimo patrimonial ou lucro, o que permite, ao menos até aqui, sua subsunção à hipótese do imposto de renda, mas ainda nos queda a tarefa de investigar se tal renda está disponível, pois “[...] tributar renda indisponível importaria ultrapassar os limites postos pelo legislador do Código Tributário, para efeitos de criar a regra-matriz da exação”67. Entendimento esse que está correto, diga-se, apenas se tivermos em conta que existem dois tipos de renda: as disponíveis e as indisponíveis. Agora, não desconhecemos que haja quem trate o tema de forma conceitual, em linha de que se há renda, então ela está disponível, sendo a expressão “renda indisponível” uma contradição em seus próprios termos. Todavia, não necessitamos ir tão longe, bastando-nos analisar as formas de disponibilidade.
7.2. Um caso de disponibilidade
Um primeiro ponto para desenvolver uma adequada linha de raciocínio sobre a disponibilidade é termos em conta que não é ela algo no sentido de um tudo ou nada, isto é, não seria correto imaginarmos, em aplicação do princípio do terceiro excluído, que ou está disponível em toda sua amplitude ou, então, não está disponível. E tanto é assim que o próprio legislador adjetivou a disponibilidade como econômica ou jurídica, o que nos parece ser uma forma de gradação. Agora, também não desconhecemos que haja quem entenda não ser necessário indagar sobre a diferença entre essas duas formas de disponibilidade, em linha de que o legislador do CTN dispensou tal discussão, pois, para ele, “[o] que importa [...] é haver alguma disponibilidade”68. Ou mesmo os que consideram que o art. 43 do CTN “[c]ontém [...] palavras inúteis [...] que a doutrina, perplexa, encontra dificuldade para interpretar”69. Todavia, nosso ponto aqui é outro, o de que não se pode questionar, ao menos não seriamente, a ideia de que há, além de dinheiro em caixa, mais coisas que contam como renda disponível70.
Muito do mal-estar em relação a uma possibilidade de tributação do ganho decorrente de um ajuste a valor justo liga-se ao fato de que a entidade pode não ter recursos para pagar o tributo. Ora, mas isso também é assim em uma série de situações, especialmente nas vendas a prazo de recebimentos mais longos. Dito isto, até poderia ser boa política do ponto de vista dos contribuintes que a única forma de disponibilizar uma renda fosse por meio de uma contraparte financeira, mas, ao menos no plano do direito positivo, as coisas não são assim, pois a disponibilidade jurídica também configura renda (accrual basis), e não se necessita da disponibilidade econômica (cash basis), bastando que, “[...] tendo sido produzida, se incorpore ao patrimônio do titular (quer essa agregação se dê em dinheiro, quer se dê em bens ou em créditos)”71. Logo, não se nega que não venha junto com o ganho decorrente do ajuste a valor justo uma contraparte pecuniária, mas isso não significa, por outro lado, que não haja uma renda já disponível do ponto de vista jurídico.
Dado o ganho decorrente do ajuste a valor justo, então, sem dúvidas, há acréscimo patrimonial e, na sequência, lucro, lembrando que se faz seu registro, a débito, em subconta do ativo e a crédito em “receita de avaliação a valor justo”, atendendo-se, assim, ao método das partidas dobradas. A partir disso, fácil perceber que há toda uma série de efeitos decorrentes dessas contabilizações, desde a mudança em rating que facilita a tomada de dívidas ou mesmo a melhora do índice de endividamento de capital próprio (ECP), não se podendo olvidar que o ganho do ajuste a valor justo, inclusive, fica sujeito à constrição, podendo mesmo ser oferecido como garantia suficiente nos mais variados negócios (por meio do ativo mensurado). Agora, o ponto culminante dessa linha de raciocínio envolve o cálculo dos dividendos mínimos obrigatórios e, principalmente, dos dividendos fixos por ações preferenciais.
Não há dúvida de que o ajuste a valor justo compõe o cálculo para encontrar qual seria o dividendo mínimo obrigatório a ser pago, já que é apurado com base no lucro líquido (art. 202, caput, da Lei n. 6.404/197672). Igualmente, também não se ignora que isso possa criar problemas de monta para a empresa, uma vez que pode ter uma obrigação para cumprir sem ter, por outro lado, os recursos em caixa correspondentes, mas, por conta disso, é que há dispositivo segundo o qual o lucro líquido não realizado pode ser destinado à conta “reserva de lucros a realizar”, o que somente tem lugar se for decidido em assembleia-geral (art. 197 da Lei n. 6.404/197673). Seja como for, essa possibilidade de não distribuição não muda o fato de que, em princípio, ao integrar o lucro líquido, o ajuste a valor justo não só está disponível juridicamente, como também deve ser obrigatoriamente distribuído, salvo acordo em contrário.
Ademais, essa disponibilidade manifesta-se, ainda com mais vigor, nos casos de dividendos fixos por ação preferencial, uma vez que, nessa hipótese, nem mesmo há a possiblidade de, por deliberação em assembleia-geral, deixar-se de distribuir o lucro líquido não realizado (art. 203 da Lei n. 6.404/197674). É claro que, do ponto de vista societário, pode ser questionado se essa foi uma boa solução para incentivar o mercado de ações, já que põe em risco a própria empresa75, mas isso só reforça que estamos diante de uma disponibilidade jurídica, mesmo ausente a contraparte monetária. Em suma, implicações econômicas à parte, importa-nos destacar que tanto configura renda disponível o ganho decorrente do ajuste a valor justo que o acionista preferencial pode exigir a distribuição de dividendos mesmo contra a vontade dos demais, independentemente dos efeitos para a sociedade em caso de falta de caixa, podendo dizer, caso questionado: fiat justitia, ruat coelum.
7.3. Um caso de isenção
Uma vez que se saiba separar a isenção da não incidência, bem como se compreenda o que é o ajuste a valor justo, então não é mais necessário um termo como “neutralidade”.
Nas hipóteses de não incidência, um determinado fato econômico não pode ser alcançado por determinado tributo, mesmo que a lei que o instituiu nada disponha a respeito. Por sua vez, sendo o caso de isenção, esse mesmo fato estará ao alcance da norma de tributação e somente em situação de disposição expressa é que não ensejará a tributação. Já quanto ao ganho decorrente de avaliação a valor justo, não há dúvidas de que seja receita contábil. Ademais, também atende ao requisito da disponibilidade jurídica, pois interfere no lucro líquido da empresa, bem como na distribuição de dividendos. Pontos que, a princípio, deixá-lo-ia na posição de compor a base de cálculo dos tributos sobre a renda e a receita, o que, aliás, apenas não acontece em razão de expressa disposição legal em contrário.
Logo, não se paga tributos sobre o ajuste a valor justo em razão de uma isenção, a qual configura o desenho normativo do IRPJ, CSLL, Cofins e PIS.
8. Passivo fiscal diferido
Comumente, o termo “diferimento” é empregado como sinônimo da expressão “substituição tributária para trás”, significando a “[p]ostergação da exigência tributária para momento ulterior do ciclo operacional [...]”76. Entendimento que nos parece, aliás, adequado até porque, se o que tivermos for uma mera postergação do vencimento para o mesmo sujeito passivo, será hipótese de moratória, que é a passagem, no critério temporal, de um termo, uma data específica, para outro termo, outra data específica, nada impedindo que também seja “[...] a passagem de um termo, uma data específica para pagamento, para uma condição, um evento incerto”77. Todavia, no estudo do imposto de renda, a questão não segue essa ortodoxa terminologia.
Uma vez apurado no contábil, receitas podem ser excluídas e despesas ou custos podem ser adicionados no fiscal, todavia, não se pode olvidar que essas adições e exclusões podem-se dar quer a título definitivo, quer temporariamente. Nesse ponto, deve-se ter em conta o e-Lalur (e também o e-Lacs), o qual contém duas partes: A e B. Na parte A, apura-se o resultado líquido ajustado para, na sequência, proceder-se com a compensação do prejuízo fiscal; na parte B, por sua vez, são registrados o saldo do prejuízo fiscal, bem como os ajustes de caráter temporário78.
Dito isto, simples perceber que o ajuste a valor justo deve ser excluído na parte A do e-Lalur, pois não compõe o resultado líquido ajustado em razão de isenção, mas uma pergunta mais difícil é se deve ser controlado na parte B. Tema com consequências práticas, especialmente quanto à necessidade de reconhecimento de um passivo fiscal diferido que é, particularmente para os casos do IRPJ e da CSLL, “[...] o valor do tributo sobre o lucro devido em período futuro relacionado às diferenças temporárias tributáveis”79. Se assim for, as regras contábeis aplicáveis são as de que se credita a conta imposto de renda diferido, sendo que, “[f]uturamente, quando a receita ou lucro tornar-se tributável, os valores classificados [...] serão transferidos para a conta de Imposto de Renda a pagar [...]”80. Todavia, no ajuste a valor justo, as coisas não se passam assim, isto é, como diferimento, pois não há postergação alguma. Vejamos isso...
A princípio, a receita no plano contábil decorrente de ajuste a valor justo deveria influenciar nos tributos a pagar sobre o lucro e sobre a receita, o que pode levar a se imaginar que haveria um diferimento desse pagamento para o momento em que a mensuração a valor justo se concretizar em uma operação entre partes. Aliás, é certo que, havendo uma negociação envolvendo o ativo que foi mensurado a valor justo, então serão devidos os tributos consequentes dessa operação; todavia, isso não significa que a obrigação de pagar tributo tenha por lastro a mensuração, como até pode dar a sensação uma leitura apressada do art. 4º da Lei n. 9.959/200081, o qual, de toda sorte, aplica-se à “reavaliação” e não à “avaliação a valor justo”. E as coisas são assim porque a avaliação a preço justo não se liga diretamente ao valor da transferência de ativos (podendo servir, claro, de base para a negociação, mas isso é outra coisa), sendo a tributação calculada, deveras, pelo valor da operação. Ou seja, o valor do tributo devido não tem conexão com a avaliação a preço justo.
Por um lado, se se imagina que nem receita há, com o ganho decorrente da avaliação a valor justo compondo diretamente o patrimônio líquido sem passar por resultado, então não há o que excluir do e-Lalur, pois desde sempre não se computou receita82; por outro, se se imagina que existe receita, mas que sua exclusão é temporária, condicionada a uma realização do ativo, então deve ser feito o controle na parte B83. Contudo, nenhuma das duas formas de proceder seria a correta, pois o ganho a valor justo já é sim receita, e se não fosse pela isenção, seria tributado. Nessa linha, em uma futura transferência do ativo pelo mesmo valor contabilizado como justo, então não haverá receita contábil, uma vez que já reconhecida, mas haverá sim receita tributária, sendo mister sua adição na parte A do e-Lalur. Contudo, se a transferência for por valor superior, dois movimentos devem ocorrer: o reconhecimento como receita contábil da parte a maior, o que significa uma receita tributária, pois não mais se aplica a isenção, seguindo-se a adição do ganho decorrente da avaliação a valor justo já anteriormente contabilizado; se por valor inferior, contabilmente, o valor a menor deve ser revertido como receita e, do ponto de vista tributário, a adição deve-se limitar à diferença entre o custo histórico e o valor da transação.
Não há, assim, que se controlar na parte B do e-Lalur o ajuste a valor justo apontado em laudo, pois esse ajuste não tem seus efeitos tributários postergados, já que quando advier uma operação com o ativo em questão, será ela a tributada, e não o ajuste, o qual, em razão de dispositivo isentivo, nunca foi alcançado pela norma de tributação do imposto de renda, não havendo, portanto, que se falar em diferimento.
8.1. Mudança de regime de tributação
Tratando-se de passivo fiscal diferido, a regra sempre foi a de que, em havendo mudança de regime de apuração do lucro real para o presumido, deveria ser ele adicionado à base de cálculo do imposto no primeiro período depois da opção, e o câmbio na legislação foi apenas no sentido de tornar tal adição obrigatória independentemente da necessidade de qualquer controle do passivo na parte B do e-Lalur (atente-se que o dispositivo somente alude ao IRPJ, não fazendo referência à CSLL)84. Agora, tal dispositivo pode ser questionado sob o fundamento de que a mudança de regime não tem o condão de tornar renda o que não é renda85, mas não nos parece que seja um bom argumento, já que o diferimento é de algo devido, podendo estar condicionadas sua concessão e manutenção a que não haja alteração na forma de apuração do lucro86.
Com essa linha presente, se o ganho decorrente de ajuste a valor justo fosse um passivo fiscal diferido, ocorrendo mudança na forma de tributação, então seria medida correta sua adição à base de cálculo do imposto de renda, mas, conforme demonstrado acima, não se trata de um passivo diferido. Logo, inaplicável ao ajuste a valor justo o art. 54 da Lei n. 9.430/1996.
O pagamento do ganho resultante de ajuste a valor justo não está diferido, só não é devido em razão de isenção. Agora, poderíamos ter mais uma exigência para a concessão da isenção além do controle em subconta, qual seja, que não houvesse mudança no regime de apuração do lucro, tudo sob pena de tributação, mas acontece que o art. 13 da Lei n. 12.973/2014, ao tratar do tema, não traz esse requisito. Há, é verdade, disposição no sentido de que a passagem do lucro presumido para o real enseja a tributação, mas isso apenas prima facie, pois fará jus, igualmente, à isenção o contribuinte que executar o controle em subconta do ajuste87. Seja como for, a passagem do lucro real para o lucro presumido não é hipótese para tributação do ganho decorrente de ajuste a valor justo por falta de previsão legal, implicando que tal exigência não possa ser feita por meio de diplomas infralegais em razão da legalidade tributária, pois, no Brasil, “[...] a totalidade da matéria tributada deve vir regulada exclusivamente por lei, ou por atos com força de lei”88.
9. Conclusão
Com as exceções de Eva e Pandora, saber mais é melhor do que saber menos e, assim, bendito seja o tributarista que domina a ciência contábil. Todavia, as questões que analisamos são outras, quais sejam, quando um tributarista representa ser alguém das ciências contábeis, o que é um mal menor, já que caricato, ou quando realmente atua como tal, o que é mais grave, pois olvida toda a tradição em que foi formado, renegando os paradigmas do direito tributário. Assim, causa-nos estranheza que na boca de tributaristas estejam frases como “os efeitos contábeis foram neutralizados para fins de tributação”, se essas palavras não vierem acompanhadas de outras explicações, pois, com efeito, nessa hipótese ou estaremos diante de um arremedo, uma simulação, um idioleto, ou de alguém que se mudou dos campos da ciência do direito tributário para as plagas das ciências contábeis.
“Neutralizar os efeitos contábeis no plano da tributação” é tema que deve ser explicado segundo os cânones do direito tributário para que seja a obra de tributarista. Todavia, não se desconhece que seja uma difícil missão assim proceder, já que há muitas situações distintas que podem ser postas debaixo desse guarda-chuvas que é o termo “neutralidade”. Com isso em conta, neste artigo fizemos um recorte: restringimo-nos aos casos em que o ajuste a valor justo de ativo é positivo em relação a seu custo histórico, resultando em ganhos. E então, em vez de discorrermos sobre a questão em termos contábeis, empregamos vernáculos conhecidos por todos os tributaristas, quais sejam, “isenção” e “não incidência”. Nessa linha, reconhecido que o ajuste a valor justo resulta em receita contábil, por que, mesmo assim, não haveria a obrigação de pagar tributo sobre essa receita e, na sequência, sobre o lucro dela decorrente? Nossa posição, postas as coisas às claras, é por causa de uma isenção.
De pronto, buscamos demonstrar que a distinção entre isenção ou não incidência não configura mero exercício de academicismo, um embate por filigranas, e sim tema que implica consequência práticas e diretas. Por um lado, os dispositivos isencionais atuam junto com outros para formar o suporte da norma de tributação, significando que, sem tais dispositivos, a obrigação de pagar tributo terá outra configuração; por outro, a não incidência envolve a competência para tributar, bem como o âmbito da norma de tributação posta, e, assim, qualquer disposição sobre a não incidência, por mais que tenha efeitos pragmáticos, reforçando condutas já devidas, no plano sintático é redundante. Consequentemente, se o ajuste a valor justo, uma vez considerado receita contábil, não puder ser tributado em razão de isenção, logo a revogação de dispositivos que o mantêm à margem da tributação gera uma obrigação, mas se não for tributado por ser um caso de não incidência, então, do ponto de vista tributário, a revogação não ensejará efeitos obrigacionais. Em mesma linha, sendo isenção, é possível condicionar o não pagamento de tributo ao cumprimento de obrigações acessórias, já que podem ser estabelecidos requisitos para sua concessão; só que, sendo não incidência, incabível qualquer exigência.
Agora, nossa posição é no sentido de que o ajuste a valor justo de um ativo, quando positivo em comparação com o preço histórico, fica baixo isenção, não se enquadrando como caso de não incidência. Isso porque as receitas contábeis, ao menos a princípio, estariam no campo da tributação e, assim, dariam azo à tributação da receita e do lucro. Todavia, não desconhecemos que é possível objetar que apenas haverá tributação se a receita e o lucro dela decorrente estiverem disponíveis. Afinal, é certo que a receita em questão e seu correspondente lucro ainda não estão no caixa da empresa, o que significa que não há disponibilidade econômica, mas isso não quer dizer que não estejam disponíveis juridicamente, já que o ajuste do ativo, como produto da mensuração a valor justo, pode estar disponível das mais variadas formas, que vão desde a melhora no índice de alavancagem financeira para capitações mais robustas e com menos interesses, até sua constrição como garantia em empréstimos diretos. Mas o ponto que nos interessa destacar neste artigo é que o ajuste do ativo a valor justo não só pode como deve ser distribuído, pois faz parte do cálculo para os dividendos mínimos obrigatórios, exceto na hipótese de deliberação em contrário em assembleia-geral, sendo, ademais, obrigatório para a determinação de pagamento de dividendos fixos por ações preferenciais, os quais nem por assembleia-geral podem ser dispensados.
Aliás, por entendermos que o ajuste a valor justo de ativos não é tributado em razão de isenção, afastamos que seja o caso de diferimento, uma vez que não há qualquer postergação de pagamento de tributo. Com efeito, em se concretizando no futuro uma operação com o ativo em questão, é essa operação que será tida em conta para a apuração dos tributos devidos e não qualquer ajuste a valor justo feito no passado. Este, em verdade, é irrelevante para tal fim. Logo, especialmente para o caso da tributação do IRPJ, bastará a exclusão na parte A do e-Lalur, sem a necessidade de controle na parte B. Ademais, por também não ser o caso de passivo diferido, a mudança na forma de apuração do lucro da empresa não ensejará nenhuma obrigação tributária.
Por fim, se perguntarem a este autor se seria bom que se pagasse tributo sobre a renda e sobre o lucro em razão de um ajuste positivo de ativo a preço justo, certamente a resposta será um não, mas isso não muda a forma de compreender a questão do ponto de vista jurídico: em face de uma isenção, e não de uma não incidência, é que não há a obrigação tributária. Dito isto, podemos concluir que, da mesma forma que o tributarista não deve ficar a reboque das ciências contábeis, também não deve promover seus entendimentos tendo por lastro considerações econômicas, pensando naquilo que seria o melhor para a atividade empresarial. No fundo, tudo é uma questão de dar a César o que é de César e ao tributarista o que é do tributarista89.
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1 “Um paradigma é aquilo que os membros de uma comunidade científica, e apenas eles, compartilham” (KUHN, Thomas. Reconsiderações acerca dos paradigmas. A tensão essencial: estudos selecionados sobre tradição e mudança científica. Tradução de: Marcelo Amaral Penna-Forte. São Paulo: Unesp, 2011, p. 312-313).
2 “[...] a recepção de um novo paradigma requer com frequência uma redefinição da ciência correspondente” (KUHN, Thomas. A estrutura das revoluções científicas. Tradução de: Beatriz Vianna Boeira e Nelson Boeira. 11. ed São Paulo: Perspectiva, 2011, p. 138).
3 “O maior equívoco no Direito Tributário é a contaminação entre princípios e conceitos jurídicos e princípios e conceito pré-jurídicos (econômicos, financeiros, políticos, sociais, (sic) etc.)” (BECKER, Alfredo. Teoria geral do direito tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 2002, p. 40).
4 “Dentre as diversas consequências do processo de convergência das normas contábeis brasileiras às normas contábeis internacionais, uma das mais interessantes foi uma maior aproximação profissional e acadêmica entre contadores e advogados” (VETTORI, Gustavo. Apresentação. In: VETTORI, Gustavo et al. Controvérsias jurídico-contábeis. Barueri/SP: Atlas, 2023, v. 4, p. xiii).
5 Lei n. 6.404/1976, com o § 7º incluído pela Lei n. 11.638/2007 e revogado pela Lei n. 11.941/2009: “Art. 177. [...]. § 7º Os lançamentos de ajuste efetuados exclusivamente para harmonização de normas contábeis, nos termos do § 2º deste artigo, e as demonstrações e apurações com eles elaboradas não poderão ser base de incidência de impostos e contribuições nem ter quaisquer outros efeitos tributários”.
6 Lei n. 11.941/2009, com artigo revogado pela Lei n. 12.973/2014: “Art. 15. Fica instituído o Regime Tributário de Transição – RTT de apuração do lucro real, que trata dos ajustes tributários decorrentes dos novos métodos e critérios contábeis introduzidos pela Lei n. 11.638, de 28 de dezembro de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei”.
7 Lei n. 12.973/2014: “Art. 58. A modificação ou a adoção de métodos e critérios contábeis, por meio de atos administrativos emitidos com base em competência atribuída em lei comercial, que sejam posteriores à publicação desta Lei, não terá implicação na apuração dos tributos federais até que lei tributária regule a matéria”.
8 “Ao invés de indicar algo que seja comum a tudo o que chamamos linguagem, digo que não há uma coisa sequer que seja comum a estas manifestações, motivo pelo qual empregamos a mesma palavra para todas – mas são aparentadas entre si de muitas maneiras diferentes” (WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. Tradução de: Marcos G. Montagnoli. 9. ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 2014, p. 51).
9 “[...] as novas práticas contábeis acarretaram verdadeiras revoluções nas demonstrações financeiras brasileiras, subvertendo a normalidade e a razoável harmonia que havia entre os anteriores princípios fundamentais de Contabilidade e o Direito brasileiro, principalmente o Tributário, embora também o privado [...]” (OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Lei n. 12.973/2014: efeitos tributários das modificações contábeis (escrituração x realismo jurídico). In: RODRIGUES, Daniele Souto; MARTINS, Natanael (coord.). Tributação atual da renda: estudo da Lei n. 12.973/2014 – da harmonização jurídico-contábil à tributação de lucros do exterior. São Paulo: Noeses, 2015, p. 329).
10 Veja-se bem. O adjetivo “puro” liga-se ao substantivo “ciência”, e não ao “direito”, uma vez que a Teoria Pura do Direito “[...] pretende libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos” (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de: João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 1).
11 “A Teoria Tridimensional do Direito foi uma intuição da juventude” (REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 117).
12 Que a jurisprudência seria uma arte cujo método é a tópica, é a posição de Theodor Viehweg: “Não obstante algumas disciplinas possam encontrar alguns princípios objetivos [...] e, por isso, podem ser sistematizadas; há outras, ao invés, que são insistematizáveis (sic) [...]. Quando este caso se apresenta, só é possível uma discussão de problemas. [...]. Nessa situação se encontra, evidentemente, a Jurisprudência” (VIEHWEG, Theodor. Tópica e jurisprudência: uma contribuição à investigação dos fundamentos jurídico-científicos. Tradução de: Kelly Susane Alflen da Silva. 5. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2008, p. 97).
13 “Una norma implícita no puede referirse a texto normativo alguno como su significado. Se extrae, en general, de una o más normas explícitas (formuladas) mediante un razonamiento” (GUASTINI, Riccardo. Interpretar y argumentar. 2. ed. 1. reimpr. Traducción de: Silvina Álvares Medina. Madrid: Centro de estudios políticos y constitucionales (CEPC), 2021, p. 165).
14 A estrutura escalonada do direito, inclusive conforme reconhecido pelo próprio Kelsen, foi ideia originalmente concebida por Adolf Merkl: “[...] pode-se indicar como construção escalonada do direito o fenômeno da experiência conforme o qual os fenômenos jurídicos ou atos estatais não surgem de modo uniforme, mas sim com várias formas de manifestação, sendo que desta uma é condicionante e a seguinte é a condicionada” (MERKL, Adolf Julius. Prolegômenos para uma teoria da construção escalonada do direito. Escritos de teoria do direito, Tradução de: Matheus Pelegrino da Silva. São Leopoldo, RS: Unisinos, 2018, p. 295-296). Agora, aceito o escalonamento, próximo ponto é determinar qual seria sua cúspide, discussão a qual pode ser consulta em: COSTA, Valterlei da. No princípio era a norma fundamental? In: COSTA, Valterlei da; VALLE, Maurício Timm do (coord.). Estudos sobre a teoria pura do direito: homenagem aos 60 anos de publicação da 2ª edição da obra de Hans Kelsen. São Paulo: Almedina, 2023.
15 O cientista do direito tributário e o cientista contábil têm o mesmo objeto de estudo, qual seja, as normas jurídicas. Agora, isso não significa que o advogado (ou procurador da fazenda) realize a mesma prática que o contador. Não se deve confundir um doutrinador com um profissional, o qual tem suas obrigações e responde a seu conselho de classe, enquanto aquele, a seus pares acadêmicos.
16 “[...] havendo preferência por certa forma pelo particular, esta não haverá de ser ignorada pela simples razão de que seu resultado econômico se apresente identifico ao de outra diferentemente tributada” (CARVALHO, Paulo de Barros. A livre iniciativa no direito tributário brasileiro: análise do artigo 116 do Código Tributário Nacional. In: Derivação e positivação no direito tributário. São Paulo: Noeses, 2011, v. 1, p. 91).
17 “No que se refere à Prevalência da Essência sobre a Forma, na verdade, está a tratar de algo tão importante para a qualidade da informação contábil, que mereceria até ser considerado Postulado ou Pré-requisito ao conjunto de Postulados, Princípios e Convenções” (IUDÍCIBUS, Sérgio de. Teoria da contabilidade. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 66).
18 “A Faculdade de Ciências Econômicas não se destina a formar ‘pseudoadvogados’” (SOUSA, Rubens Gomes de. O ensino do direito tributário nos cursos jurídicos. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 165, p. 401-406, maio/jun. 1956, p. 406).
19 “[...] grande parte dos problemas advirá da perspectiva de que a contabilidade se atribui uma visão prospectiva, não se destinando apenas a registrar fatos passados [...], mas, além destes, também fatos futuros [...]. E muitas vezes, esses fatos ainda não acontecidos são contabilizados a crédito ou a débito de contas de resultados, antecipando ganhos ou perdas ainda não existentes” (OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Controvérsias e possíveis contenciosos derivados da introdução das diretrizes contábeis internacionais. In: ALBUQUERQUE, Fredy José Gomes de (coord.). Tributação sobre a renda (IRPJ/CSLL). Indaiatuba, SP: Foco, 2022. Série Controvérsias Tributárias e os Precedentes do CARF, v. 1, p. 318).
20 “Já com relação à pretensão de uma separação hermética entre o sistema contábil e o sistema jurídico, é possível concluir que este seria um caminho disfuncional e, em alguma instância, até mesmo inatingível” (FLORES, Eduardo. À contabilidade o que é da contabilidade, e ao direito o que é do direito. In: VETTORI, Gustavo Gonçalves; PINTO, Alexandre Evaristo; SILVA, Fabio Pereira da; MURCIA, Fernando Dal-Ri (org.). Controvérsias jurídico-contábeis. Barueri/SP: Atlas, 2023, v. 4, p. 204).
21 “[...] melhor caminho na minha opinião [...] é a RFB ampliar significativamente a aceitação de determinadas regras contábeis como também valendo fiscalmente, mantendo o lucro contábil como a base para se chegar ao lucro presumido” (MARTINS, Eliseu. Relação entre lucro contábil e apuração do IRPJ – algumas visões. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; PINTO, Alexandre Evaristo (coord.). 100 anos do imposto sobre a renda no Brasil (1922-2022). São Paulo: MP, 2022, p. 379).
22 Decreto-lei n. 1.598/1977: “Art. 6º Lucro real é o lucro líquido do exercício ajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas pela legislação tributária. § 1º O lucro líquido do exercício é a soma algébrica de lucro operacional (art. 11), dos resultados não operacionais, do saldo da conta de correção monetária (art. 51) e das participações, e deverá ser determinado com observância dos preceitos da lei comercial”.
23 Para David Hume, “[...] há apenas três princípios de conexão entre as ideias, a saber, semelhança, contiguidade no tempo e no espaço, e causa ou efeito” (HUME, David. Investigações sobre o entendimento humano e sobre os princípios da moral. Tradução de: José Oscar de Almeida Marques. São Paulo: Unesp, 2004, p. 42). Agora, se a relação de contiguidade é espacial, então deve ser expressa pelo advérbio “após”, se temporal, por “depois”: “Após dá ideia de posterioridade no estado de movimento [...]. Depois dá ideia de posterioridade no tempo [...]” (NASCENTES, Antenor. Dicionário de sinônimos. 3. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981, p. 90).
24 IUDÍCIBUS, Sérgio de. Teoria da contabilidade. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 134.
25 Item 9 do Pronunciamento Técnico CPC 46 – Mensuração do valor justo. Dispõe, igualmente, a Lei n. 6.404, de 15-12-1976, com a redação do § 1º dada pela Lei n. 11.941, de 28-12-2007: “Art. 183. No balanço, os elementos do ativo serão avaliados segundo os seguintes critérios: [...]. § 1º Para efeitos do disposto neste artigo, considera-se valor justo: [...]; c) dos investimentos, o valor líquido pelo qual possam ser alienados a terceiros. [...]”.
26 GELBCKE, Ernesto Rubens; SANTOS, Ariovaldo dos; IUDÍCIBUS, Sérgio de; MARTINS, Eliseu. Manual de contabilidade societária: aplicável a todas as sociedades de acordo com as normas internacionais e do CPC. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2020, p. 140.
27 Pronunciamento Técnico CPC 28 – Propriedade para investimento: “32. [...]. Incentiva-se a entidade, mas não se exige dela, a mensurar o valor justo das propriedades para investimento tendo por base avaliação de avaliador independente que tenha qualificação profissional relevante e reconhecida e que tenha experiência recente no local e na categoria da propriedade para investimento que esteja sendo avaliada”.
28 “O método das partidas dobradas consiste numa equação constante entre débito e crédito (D = C)” (FABRETTI, Láudio Camargo. Contabilidade tributária. Revisão e atualização de: Denise Fabretti, Dilene Ramos Fabretti e José Luíz Munhós. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 13).
29 IUDÍCIBUS, Sérgio de. Teoria da contabilidade. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 17.
30 Pronunciamento Técnico CPC 28 – Propriedade para investimento: “35. O ganho ou a perda proveniente de alteração no valor justo de propriedade para investimento deve ser reconhecido no resultado do período em que ocorra”. Pode-se estabelecer uma distinção entre ganho e ajuste, a partir da avaliação a valor justo, cujo efeito prático seria o de o registro do ajuste dar-se-ia em conta de patrimônio líquido e o do ganho em conta de resultado, mas não adotaremos tal distinção.
31 “O CPC 46 [...] versa apenas sobre critérios de mensuração do VJ, não tratando, propriamente, das situações em que a mensuração a valor justo é exigida ou permitida pelo ordenamento contábil” (MARTINS, Natanael. Tributação da avaliação a valor justo (AVJ). In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; PINTO, Alexandre Evaristo (coord.). 100 anos do imposto sobre a renda no Brasil (1922-2022). São Paulo: MP, 2022, p. 420).
32 “A Constituição tem um conceito pressuposto de renda, constitucional. Não depende de lei, não está na liberdade do legislador, no Brasil” (ATALIBA, Geraldo. Mesa de debates: periodicidade do imposto de renda I. Revista de Direito Tributário, São Paulo, Malheiros, n. 63, p. 15-39, [1993?], p. 35).
33 “‘Receita’ é categoria constitucional e, portanto, de acordo com as próprias disposições constitucionais é que se deve procurar o seu significado” (KNOPFELMACHER, Marcelo. O conceito de receita na Constituição: método para sua tributação sistemática. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 129).
34 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 91.
35 “Art. 13. O ganho decorrente de avaliação de ativo ou passivo com base no valor justo não será computado na determinação do lucro real desde que o respectivo aumento no valor do ativo ou a redução no valor do passivo seja evidenciado contabilmente em subconta vinculada ao ativo ou passivo. § 1º O ganho evidenciado por meio da subconta de que trata o caput será computado na determinação do lucro real à medida que o ativo for realizado, inclusive mediante depreciação, amortização, exaustão, alienação ou baixa, ou quando o passivo for liquidado ou baixado. § 2º O ganho a que se refere o § 1º não será computado na determinação do lucro real caso o valor realizado, inclusive mediante depreciação, amortização, exaustão, alienação ou baixa, seja indedutível”.
36 “Art. 2º As contribuições para o PIS/Pasep e a Cofins, devidas pelas pessoas jurídicas de direito privado, serão calculadas com base no seu faturamento, observadas a legislação vigente e as alterações introduzidas por esta Lei. Art. 3º [...] § 2º Para fins de determinação da base de cálculo das contribuições a que se refere o art. 2º, excluem-se da receita bruta: [...] II – as reversões de provisões e recuperações de créditos baixados como perda, que não representem ingresso de novas receitas, o resultado positivo da avaliação de investimento pelo valor do patrimônio líquido e os lucros e dividendos derivados de participações societárias, que tenham sido computados como receita bruta; [...]”.
37 “Art. 1º A Contribuição para o PIS/Pasep, com a incidência não cumulativa, incide sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil. [...]. § 3º Não integram a base de cálculo a que se refere este artigo, as receitas: [...] V – referentes a: [...] b) reversões de provisões e recuperações de créditos baixados como perda, que não representem ingresso de novas receitas, o resultado positivo da avaliação de investimentos pelo valor do patrimônio líquido e os lucros e dividendos derivados de participações societárias, que tenham sido computados como receita”.
38 “Art. 1º A Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins, com a incidência não cumulativa, incide sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil. [...]. § 3º Não integram a base de cálculo a que se refere este artigo as receitas: [...] V – referentes a: b) reversões de provisões e recuperações de créditos baixados como perda que não representem ingresso de novas receitas, o resultado positivo da avaliação de investimentos pelo valor do patrimônio líquido e os lucros e dividendos derivados de participações societárias, que tenham sido computados como receita”.
39 Nesse sentido, podemos citar Raquel Motta Xavier: “O critério material da regra matriz de incidência das contribuições sociais [do PIS e da Cofins] é realizar operações (negócios jurídicos) que resultem em receita. A realização de operações é condição necessária e suficiente da obtenção de receitas. Receita é o resultado das operações realizadas pela pessoa jurídica” (XAVIER, Raquel Mercedes Motta. Não cumulatividade do PIS e da Cofins: uma visão pragmática. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 67).
40 PÊGAS, Paulo Henrique. Manual de contabilidade tributária. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 96.
41 SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de legislação tributária. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 97.
42 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 2002, p. 303-306.
43 XAVIER, Alberto. Do lançamento no direito tributário brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 112.
44 BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 201.
45 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1985, p. 504.
46 COSTA, Valterlei da. Natureza jurídica da isenção: não incidência tout court. Revista Tributária e de Finanças Públicas, São Paulo, ano 26, v. 139, p. 221-244, IV trimestre 2018, p. 236.
47 COSTA, Valterlei da. REIDI – Noções gerais e natureza jurídica: um estudo sobre isenção e suspensão. Revista Direito Tributário Atual, São Paulo, IBDT, ano 39, n. 47, p. 461-497, 1º quadrimestre 2021, p. 478.
48 “As leis e artigos de leis (regras legais) que definem fatos tributáveis conjugam-se com as previsões imunizantes e isencionais para compor uma única hipótese de incidência: a da norma jurídica de tributação” (COELHO, Fábio Ulhoa. Teoria geral do tributo, da interpretação e da exoneração tributária (o significado do art. 116, parágrafo único, do CTN). 3. ed. São Paulo: Dialética, 2003, p. 209).
49 CICERÓN, Marco Tulio. La república. Traducción de Francisco Miguel del Rincón Sánchez. Madrid: Alianza, 2014, p. 166 (§ 27).
50 “Os deveres de que falamos não têm natureza obrigacional, por faltar-lhe conteúdo dimensível em valores econômicos. E, além de não serem obrigações, nem sempre são acessórias” (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1985, p. 303).
51 “[...] os deveres instrumentais cumprem papel relevante na implantação do tributo porque de sua observância depende a documentação em linguagem de tudo que diz respeito à pretensão impositiva” (CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método: as grandes disputas entre jurisprudência e dogmática na experiência brasileira atual. São Paulo: Noeses, 2008 (V Congresso Nacional de Estudos Tributários), p. 502).
52 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveria; PEIXOTO, Marcelo Magalhães. IRPJ e CSLL: inconstitucionalidades na tributação do ganho por ajuste ao valor justo em caso de incumprimento de obrigação acessória ou por mudança de regime de tributação. In: Gustavo Vettori et al. (org.). Controvérsias jurídico-contábeis, Barueri/SP: Atlas, 2023, v. 4, p. 182.
53 CTN: “Art. 176. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração”.
54 BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 336.
55 Interessante notar que Sérgio de Iudícibus e José Carlos Marion não nos dizer o que é uma conta contábil, mas sim para que serve: “CONTA. Serve para registro das operações da empresa” (IUDÍCIBUS, Sérgio de; MARION, José Carlos. Dicionário de termos de contabilidade. Colaboração de: Elias Pereira e Valmor Slomski. São Paulo: Atlas, 2001, p. 43).
56 CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. 4. ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2010, p. 609.
57 IN RFB n. 1700/2017: “Art. 89. As subcontas de que trata este Capítulo [Das disposições relativas a ajuste a valor presente e avaliação a valor justo] serão analíticas e registrarão os lançamentos contábeis em último nível”.
58 “Para ilustrar, suponha a existência de uma conta cujo código seja 1.1.5.1.001, para a qual deve ser criada uma subconta. Tal subconta poderá receber, por exemplo, código 1.1.5.1.002 (ou 1.1.5.1.003, 1.1.5.1.004 etc.), de modo que a estrutura do plano de conta não necessitará ser modificada” (SANTOS, Mateus Alexandre Costa dos. Contabilidade tributária: um enfoque nos IFRS e na legislação do IRPJ. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, p. 88).
59 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 74.
60 HOUAISS, Antonio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 1057.
61 Paulo de Barros Carvalho, depois de asseverar que o critério material é o núcleo da hipótese tributária, expõe que “[...] será formado, invariavelmente, por um verbo seguido de seu complemento” (CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária. 5. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 126).
62 “Por direito natural adquirimos não só as coisas que se tornam nossa por tradição, como também as adquiridas por ocupação, porque a ninguém elas pertenciam antes, como as coisas apanhadas na terra, no mar e no céu” (GAIUS. Institutas do jurisconsulto Gaio. Tradução de: José Cretella Jr. e Agnes Cretella. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 85).
63 “[...] o acréscimo patrimonial [...] pode advir de situações meramente de fato ou de situações jurídicas” (OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do imposto de renda. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, v. I, p. 384).
64 “Nadie puede tener dinero a menos que exista una práctica colectiva que contemple el dinero y a menos que tal práctica sea admitida por toda la comunidad a la que pertenece el individuo A” (SEARLE, John Rogers. Los engaños del dinero. Traducción de: Gerardo Matallana Medina. Altamarea: [S.l.], 2020, p. 33).
65 “Há um bom equilíbrio no termo lucro para sintetizar renda como produto do trabalho e do capital sem ser o próprio capital, patrimônio ou receita/faturamento” (COSTA, Valterlei da; LINHARES, Rosicléia Macedo. Conceito de renda: lucro ou acréscimo patrimonial? Argumentando com as consequências. Revista ABRADT Fórum de Direito Tributário — RAFDT, Belo Horizonte, Fórum, ano 2, n. 3, p. 221-237, jan./jun. 2018, p. 234).
66 Por todos, Roberto Quiroga Mosquera: “A palavra ‘renda’ e a expressão ‘proventos de qualquer natureza’ significam os acréscimos de elementos patrimoniais de uma determinada pessoa, isto é, o incremento de direitos reais e pessoais ao patrimônio pessoal” (MOSQUERA, Roberto Quiroga. Renda e proventos de qualquer natureza: o imposto e o conceito constitucional. São Paulo: Dialética, 1996, p. 106).
67 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método: as grandes disputas entre jurisprudência e dogmática na experiência brasileira atual. São Paulo: Noeses, 2008 (V Congresso Nacional de Estudos Tributários), p. 681.
68 SCHOUERI, Luís Eduardo. O conceito de renda e o artigo 43 do CTN: entre a disponibilidade econômica e a disponibilidade jurídica. In: ELALI, André; ZARANZA, Evandro; SANTOS, Kallina Flôr dos (coord.). Direito corporativo: temas atuais: 10 anos André Elali Advogados. São Paulo: Quartier Latin, 2013, p. 355.
69 MACHADO, Brandão. Breve exame crítico do art. 43 do CTN. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Imposto de renda: conceitos, princípios e comentários – homenagem a Henry Tilbery. São Paulo: Atlas, 1996, p. 108.
70 “[...] a disponibilidade ‘econômica’ inclui a ‘jurídica’; a recíproca não é verdadeira, mas, pelo art. 43, qualquer das duas hipóteses basta para configurar o fato gerador do imposto” (SOUSA, Rubens Gomes de. Pareceres – 1: imposto de renda. Ed. Póstuma. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 71). Contudo, deve-se atentar para o fato de que há exceção à tal regra, pois, nos casos de antecipação de clientes, há disponibilidade econômica, mas não jurídica, não se podendo falar, então, em receita.
71 AMARO, Luciano. Imposto de renda: regime jurídico. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Curso de direito tributário. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 396.
72 Lei n. 6.404/1976, com redação dada pela Lei n. 10.303/2001: “Art. 202. Os acionistas têm direito de receber como dividendo obrigatório, em cada exercício, a parcela dos lucros estabelecida no estatuto ou, se este for omisso, a importância determinada de acordo com as seguintes normas: [...]”.
73 Lei n. 6.404/1976, com redação dada pela Lei n. 10.303/2001: “Art. 197. No exercício em que o montante do dividendo obrigatório, calculado nos termos do estatuto ou do art. 202, ultrapassar a parcela realizada do lucro líquido do exercício, a assembleia-geral poderá, por proposta dos órgãos de administração, destinar o excesso à constituição de reserva de lucros a realizar”.
74 Lei n. 6.404/1976: “Art. 203. O disposto nos arts. 194 a 197, e 202, não prejudicará o direito dos acionistas preferenciais de receber os dividendos fixos ou mínimos a que tenham prioridade, inclusive os atrasados, se cumulativos”.
75 “O legislador, ao tentar salvaguardar direitos de acionistas minoritárias preferencialistas [...], acabou por deixar consignado na lei dispositivo que permite colocar em risco a continuidade da própria sociedade” (GELBCKE, Ernesto Rubens; SANTOS, Ariovaldo dos; IUDÍCIBUS, Sérgio de; MARTINS, Eliseu. Manual de contabilidade societária: aplicável a todas as sociedades de acordo com as normas internacionais e do CPC. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2020, p. 402).
76 MELO, José Eduardo Soares. Dicionário de direito tributário: material e processual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 119.
77 COSTA, Valterlei da; VALLE, Maurício Dalri Timm do. A moratória tributária em tempos de calamidade. In: MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito; GODOI, Marciano Seabra de; VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira; BATISTA JÚNIOR, Onofre Alves; ROCHA, Sergio André (coord.). A pandemia da covid-19 no Brasil em sua dimensão financeira e tributária. Belo Horizonte: D’Plácido, 2020, p. 688.
78 “Na parte A é informado o resultado antes dos tributos e os ajustes (adições e exclusões) para se chegar ao resultado líquido ajustado. Após, efetua-se a compensação de prejuízos fiscais, chegando ao lucro fiscal, base do imposto de renda e da CSLL. Para a parte B do Lalur são levados somente os prejuízos fiscais e os ajustes temporários, ou seja, aqueles itens que podem afetar o resultado tributável de períodos seguintes” (PÊGAS, Paulo Henrique. Manual de contabilidade tributária. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2019, p. 144).
79 Item 5 do Pronunciamento Técnico CPC 32 – Tributos sobre o lucro.
80 GELBCKE, Ernesto Rubens; SANTOS, Ariovaldo dos; IUDÍCIBUS, Sérgio de; MARTINS, Eliseu. Manual de contabilidade societária: aplicável a todas as sociedades de acordo com as normas internacionais e do CPC. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2020, p. 359.
81 Lei n. 9.959, de 27-1-2000: “Art. 4º A contrapartida da reavaliação de quaisquer bens da pessoa jurídica somente poderá ser computada em conta de resultado ou na determinação do lucro real e da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido quando ocorrer a efetiva realização do bem reavaliado”.
82 Tal hipótese, de que não há exclusão a ser feita, é aplicável aos ajustes de avaliação patrimonial (AAP), os quais “[...] somente impactarão o resultado quando da realização ou liquidação dos ativos ou passivos dos quais são originados [...]” (SANTOS, Mateus Alexandre Costa dos. Contabilidade tributária: um enfoque nos IFRS e na legislação do IRPJ. 2. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2023, p. 250). Todavia, não podemos desconsiderar o entendimento daqueles que creem “[...] viável [...] que valores registrados em AAP sejam utilizados, quer para aumento de capital, quer para distribuição aos sócios” (FAJERSZTAJN, Bruno; BIFANO, Elide. Anotações sobre a natureza jurídica e contábil da conta de ajuste de avaliação patrimonial e possíveis impactos fiscais. In: VETTORI, Gustavo Gonçalves; PINTO, Alexandre Evaristo; SILVA, Fabio Pereira da; MURCIA, Fernando Dal-Ri (org.). Controvérsias jurídico-contábeis. Barueri/SP: Atlas, 2023, v. 4, p. 75). Nesse caso, então não há como negar a disponibilidade jurídica, a configurar receita e renda.
83 O controle na parte B do e-Lalur somente seria devido em caso de não ser feito o controle em subconta, nos termos da IN RFB n. 1700/2017: “Art. 89. [...]. § 5º O controle por meio de subcontas de que trata este Capítulo dispensa o controle dos mesmos valores na Parte B do e-Lalur e do e-Lacs”. Contudo, sem o emprego de subconta, não é possuir fruir da isenção, pois condicionada (art. 13, § 3º, da Lei n. 12.973/2014).
84 Lei n. 9.430/1996, com redação dada pela Lei n. 12.973/2014: “Art. 54. A pessoa jurídica que, até o ano-calendário anterior, houver sido tributada com base no lucro real deverá adicionar à base de cálculo do imposto de renda, correspondente ao primeiro período de apuração no qual houver optado pela tributação com base no lucro presumido ou for tributada com base no lucro arbitrado, os saldos dos valores cuja tributação havia diferido, independentemente da necessidade de controle no livro de que trata o inciso I do caput do art. 8o do Decreto-lei n. 1.598, de 26 de dezembro de 1977”.
85 “[...] a simples mudança de regime de tributação não representa signo de renda disponível [...]” (ANDRADE FILHO, Edmar Oliveria; PEIXOTO, Marcelo Magalhães. IRPJ e CSLL: inconstitucionalidades na tributação do ganho por ajuste ao valor justo em caso de incumprimento de obrigação acessória ou por mudança de regime de tributação. In: Gustavo Vettori et al. (org.). Controvérsias jurídico-contábeis, Barueri/SP: Atlas, 2023, v. 4, p. 178).
86 O diferimento é do pagamento, pois não haveria sentido em falar-se de diferimento da tributação, pois ou temos a incidência da norma ou não a temos e, assim, o que pode ser postergado é o vencimento do tributo, a termo ou condição. Em vocábulos mais técnicos, o diferimento é do critério temporal da consequência da norma de tributação e não do critério temporal da hipótese. Sobre os critérios da norma de tributação, veja-se: COSTA, Valterlei da. Teoria trilógica do tributo: um estudo normativo sobre tributação, competência e lançamento. São Paulo: Noeses, 2024, p. 224-234.
87 Lei n. 12.973/2014: “Art. 16. A pessoa jurídica tributada pelo lucro presumido que, em período de apuração imediatamente posterior, passar a ser tributada pelo lucro real deverá incluir na base de cálculo do imposto apurado pelo lucro presumido os ganhos decorrentes de avaliação com base no valor justo, que façam parte do valor contábil, e na proporção deste, relativos aos ativos constantes em seu patrimônio. § 1º A tributação dos ganhos poderá ser diferida para os períodos de apuração em que a pessoa jurídica for tributada pelo lucro real, desde que observados os procedimentos e requisitos previstos no art. 13. [...]”.
88 Assim, por ofensa a legalidade, é inconstitucional a IN RFB n. 1.700/2017 no ponto em que exige a tributação do ganho sequente ao ajuste a valor justo em caso de alteração do regime de apuração do lucro: “Art. 219. A pessoa jurídica que, até o ano-calendário anterior, houver sido tributada com base no lucro real deverá adicionar às bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, correspondentes ao 1º (primeiro) período de apuração no qual houver optado pela tributação com base no lucro presumido, os saldos dos valores cuja tributação havia diferido, independentemente da necessidade de controle na parte B do e-Lalur e do e-Lacs. Parágrafo único. O disposto no caput aplica-se inclusive aos valores controlados por meio de subcontas referentes: [...] II – à avaliação de ativos ou passivos com base no valor justo de que tratam os arts. 97 a 101” (SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 305).
89 “‘Diz-nos, pois, o que te parece: devemos ou não devemos pagar tributo a César?’. [...]. ‘De quem é esta efígie e esta inscrição?’. Dizem-lhe: ‘De César’. Então ele diz-lhe: ‘Pagai as coisas de César a César; e as coisas de Deus a Deus’”. Mateus 22:17-21. Bíblia: novo testamento – os quatro evangelhos, p. 131.