Algumas Notas sobre a Determinação da Residência no CIRS: a Figura da Residência Fiscal Parcial*

A Few Observations Regarding the Determination of Residence on Personal Income Tax Code: the Figure of Partial Fiscal Residence

Diogo da Silva Novo

Mestrando em Direito Tributário pela Escola de Direito da Universidade do Minho. Licenciado em Direito pela Escola de Direito da Universidade do Minho. Portugal. E-mail: dnovo13@live.com.pt.

Resumo

Motivado pela recente reforma do IRS ocorrida em Portugal, este pequeno artigo tem como desiderato principal avançar com algumas notas acerca da residência fiscal parcial, introduzida no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares1, pela Lei 82-E/2014, de 31 de dezembro. Partindo da relevância do conceito de residência para efeitos de tributação nos planos interno e convencional, sintetizar-se-ão as principais alterações presentes no art. 16º do CIRS, seguindo-se ao final uma análise crítico-compreensiva da figura da residência fiscal parcial.

Palavras-chave: reforma fiscal, IRS, art. 16º, residência fiscal parcial.

Abstract

Following up recent changes introduced by the reform in personal income tax in Portugal, the goal of this article is to put forward some notes regarding partial fiscal residence, stated in the Law no. 82-E/2014, December 31st in the Personal Income Tax Code. Starting off with the concept of residence for tax purposes in all its relevance, a synthesis of the main alterations found in article 16th of the CIRS will be introduced, concluding with a final critical-comprehensive analysis of the figure of partial fiscal residence.

Keywords: tax reform, personal income tax, article 16, partial residence.

Introdução

O quadro legal respeitante à qualificação de residente para efeitos da tributação do rendimento pessoal surge relativamente modificado com a reforma fiscal ocorrida entre nós e com entrada em vigor a 1º de janeiro de 2015.

Em termos gerais poder-se-á afirmar que a reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, aprovada pela Lei 82-E/2014, de 31 de dezembro, surge da necessidade de ajustar o modelo de sistema de tributação pessoal, criado em 1989 e objeto de sucessivas reestruturações ao longo dos últimos 25 anos2, à atual realidade económico-social do país e às soluções técnicas que internacionalmente têm vindo a ser trabalhadas e adotadas.

Mandatada a cumprir, entre outros, o objetivo da promoção da mobilidade social e geográfica, a Comissão de Reforma do IRS avança, designadamente, com a figura da residência fiscal parcial, posteriormente materializada, embora com alguns cambiantes, no art. 16º do CIRS. Enquanto figura inovadora e igualmente complexa, entendemos justificar-se a sua análise ao longo deste artigo.

Num primeiro ponto será feita uma breve exposição sobre as relevantes funções da residência para efeitos de tributação do rendimento pessoal, adiantando-se desde já a essencialidade na determinação do âmbito de sujeição a imposto. Seguir-se-á uma abordagem, de índole igualmente expositiva, das principais alterações introduzidas no art. 16º do CIRS. E, num momento final, far-se-á uma análise crítico-compreensiva da figura da residência fiscal parcial que, atrevemo-nos a intuir, será geradora de muita conflitualidade.

1. Relevância do Conceito de Residência para Efeitos de Tributação do Rendimento

Antes de entrarmos naquele que será o objeto principal da reflexão, impõe-se precisar que, no que respeita à compreensão da residência sob o prisma do Direito Fiscal, esta poderá desempenhar diversas funções relevantes quer no direito interno, quer no direito convencional3.

No direito interno, a residência apresenta-se classicamente como o elemento de conexão subjetivo por excelência, delimitando por um lado a extensão do poder de tributar do Estado, e por outro, em sentido mais estrito, a própria geometria da relação jurídica tributária4. Em termos simples, no primeiro caso – a residência assumindo uma configuração principiológica –, aparecerá associada, regra geral, à ideia de tributação universal ou ilimitada5. O Estado terá o direito de tributar os rendimentos obtidos pelos seus residentes tanto no seu território como também fora deste. No segundo, a residência surge a desempenhar um importante papel modelador da relação jurídica, sendo que, em matéria de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, revela-se mesmo como o critério decisivo e demarcador dos sujeitos passivos – verifica-se a bipartição estrutural entre residentes e não residentes –, colocando-se de parte outros critérios como, por exemplo, o da nacionalidade. Em termos práticos, é a partir da consideração ou não da residência que se afere qual o regime jurídico aplicável em concreto.

No plano convencional, e centrando-nos nas convenções sobre dupla tributação, a residência surge simultaneamente a definir o âmbito pessoal de aplicação e a distinguir a posição dos Estados para efeito da aplicação das normas reguladoras do poder de tributar assim como da eliminação da dupla tributação. Acede à convenção quem é residente, operando-se a aquisição da residência por remissão (condicionada) para o direito interno. O art. 4º da Convenção Modelo da OCDE, enquanto ponto referencial comum aos vários acordos bilaterais6, espelha esta técnica ao remeter para o direito interno dos Estados contratantes, no momento da determinação concreta da residência, tanto das pessoas singulares como coletivas. Contudo, relembramos que o preceito estabelece restrições à natureza dos elementos de conexão adotados pelos Estados intervenientes que, quando não observadas, acarretam a ilegitimidade da tributação. Normativamente surge condicionada quer a estatuição, quer a previsão, no sentido em que nem todos os critérios serão simplesmente aceites para efeitos convencionais7.

Na ausência de convenções de dupla tributação a que se possa recorrer para a resolução de eventuais conflitos de residência, bem como obviamente na ausência de uma situação plurilocalizada, importará ter em atenção os critérios indicados nas disposições respetivas do CIRS e CIRC8 português.

2. A Determinação da Residência à Luz do Atual Art. 16º do CIRS

2.1. Ponto prévio

Não existindo qualquer dúvida quanto ao relevo da residência na formatação do ordenamento jurídico-tributário nacional e internacional, optamos – também fruto da brevidade que nos é imposta no presente trabalho – por deixar à margem todo o enquadramento dogmático relativo ao caráter mais subjetivista ou objetivista da opção político-fiscal no momento da ponderação do conceito de residência9.

A caraterização da residência fiscal no ordenamento jurídico português, nos termos do art. 16º do CIRS exige, antes de mais nada, que se precise expositivamente as principais alterações introduzidas pela Lei 82-E/2014, de 31 de dezembro, que procede a uma reforma da tributação das pessoas singulares, orientada para a família, para a simplificação e para a mobilidade social.

2.2. As alterações introduzidas pela Lei 82-E/2014

Com a entrada em vigor da Lei 82-E/2014, no ordenamento jurídico português, o conceito de residência surge relativamente alterado, tendo-se passado a contemplar a figura da residência fiscal parcial. Genericamente, poder-se-á dizer que agora é possível ser-se residente em parte do ano e não residente na parte restante do mesmo10. A questão exige ponderadas reflexões e pode mostrar-se complexa, motivos que levam à sua autónoma análise em diferente apartado.

Os critérios-base previstos no nº 1 do art. 16º também foram objeto de modificação. Nos termos da alínea “a”, são residentes em território português as pessoas que, no ano a que respeitam os rendimentos, “hajam nele permanecido mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, em qualquer período de 12 meses com início ou fim no ano em causa11 (destaque nosso). Igualmente se alterou o critério da alínea “b” em relação à disponibilidade de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residente habitual. Enquanto até aqui a apreciação era feita em relação ao último dia do ano a que respeitassem os rendimentos, agora passou a reportar-se a qualquer dia do período de 12 meses definido na alínea “a”12.

A técnica legislativa empregue nos nos 3 e 4 da nova redação do artigo revela-se, no mínimo, curiosa. Ora se introduz, na globalidade, na primeira parte de ambos os preceitos, a figura da residência fiscal parcial, determinando-se que o sujeito apenas se tornará residente a partir do primeiro dia do período de permanência em território português e perderá essa qualidade a partir do último dia de permanência no mesmo território, ora se a autolimita, respetivamente na segunda parte dos normativos, ficcionando-se a permanência física do indivíduo. A residência fiscal parcial poderá desta forma ser afastada caso o indivíduo tenha sido considerado residente fiscal no ano anterior, situação que o qualifica como residente desde o primeiro dia no ano seguinte – situação prevista na 2ª parte do nº 3 do art. 16º. Também no ano de saída, sob determinadas condições, poderá ser afastada a residência fiscal parcial e ser considerado residente para todo o ano – situações previstas nos nos 14 e 16 por remissão do art. 16º, nº 413.

Assim – e fixando desde já algumas coordenadas lógicas –, em primeiro lugar, será necessário apurar se o sujeito passivo é residente ou não, para só depois se determinar o período de residência parcial. O sujeito será considerado residente se permanecer em território nacional mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, não durante o ano, mas em qualquer período de 12 meses contados a partir da sua chegada, com início ou fim no mesmo. A contagem dos 183 dias fica suspensa se durante este prazo, todavia, o sujeito se ausentar do país, uma vez que esta leva em consideração a efetiva permanência. Não se completando os 183 dias de permanência em Portugal, novo período de 12 meses será contado do ingresso seguinte àquele em que se iniciou a contagem anterior. É importante ter sempre bem determinado os dias de permanência em território português por forma a poder enquadrar com o período de referência14. Situação distinta será o recorte do período de residência parcial, podendo num mesmo período de tributação verificar-se dois estatutos de residência, ou seja, dois períodos de residência parcial nos quais os rendimentos aí obtidos serão tributados numa base mundial.

Voltando à linha expositiva, para efeitos do disposto no nº 2 do art. 16º, é esclarecido, por correlato ao já previsto na Convenção Modelo da OCDE15, o critério de determinação da contagem dos dias de presença em território nacional, passando a considerar-se como tal, qualquer dia, completo ou parcial, que inclua dormida em território português.

Por outro lado – e positivamente –, assiste-se à revogação do regime de residência fiscal por atração. Enquanto até agora a circunstância de uma das pessoas a quem incumbia a direção do agregado familiar ser tida como residente implicava que o fossem todos os restantes membros desse agregado, agora a residência fiscal é aferida em relação a cada sujeito passivo do agregado (art.º 16, nº 5).

Nos termos do disposto nos nos 6 e 7 do normativo em análise, quanto às pessoas de nacionalidade portuguesa que deslocalizem a sua residência fiscal para um país, território ou região sujeita a um regime fiscal claramente mais favorável constante de portaria do Ministro das finanças, continuam a ser consideradas residentes no ano da mudança e nos quatro anos seguintes, salvo se demostrarem que a mudança se deveu a razões atendíveis. Estabelece-se agora que a qualidade de residente deixa de ser atribuída no ano em que porventura o sujeito em causa passe a residir em país, território ou região distinto da lista.

Nos nos 14 a 16, como veremos infra, parece-nos que foram criadas disposições antiabuso para o regime da residência parcial, ficcionando-se, como já deixamos antever, a presença física do sujeito no território. Em primeiro lugar, estabelece-se que um sujeito passivo é considerado residente durante a totalidade do ano no qual perca a qualidade de residente quando se verifiquem, cumulativamente, as seguintes condições: “a) Permaneça em território português mais de 183 dias, seguidos ou interpolados, nesse ano; e b) Obtenha, no decorrer desse ano e após o último dia de permanência em território português, quaisquer rendimentos que fossem sujeitos e não isentos de IRS, caso o sujeito passivo mantivesse a sua qualidade de residente em território português.” A disposição não será aplicável caso o sujeito passivo demostre que os rendimentos a que se refere a alínea “b” são tributados por um imposto sobre o rendimento idêntico ou substancialmente similar ao IRS aplicado devido ao domicílio ou residência “a) Noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal e que se preveja a cooperação administrativa no domínio da fiscalidade; ou b) Noutro Estado, não abrangido na alínea anterior, em que a taxa de tributação aplicável àqueles rendimentos não seja inferior a 60% daquela que lhes seria aplicável caso o sujeito passivo mantivesse a sua residência em território português”. No último número considera-se que o sujeito passivo é residente em território português durante a totalidade do ano sempre que volte a adquirir a qualidade de residente durante o ano subsequente àquele em que perdeu aquela mesma qualidade.

O regime aplicável a residentes não habituais mantém-se no essencial.

De acordo com as disposições transitórias da Lei de Reforma, o novo regime de determinação da residência é aplicável apenas a situações de alteração de residência que ocorram após a entrada em vigor da já referida Lei.

3. A Residência Fiscal Parcial

3.1. Ponto prévio

Após identificarmos as principais alterações introduzidas, chegou o momento de reduzir a escala analítica e trazer ao discurso um tema mais concreto: a residência fiscal parcial.

Atualmente, fruto da existência de uma realidade cada vez mais desmaterializada e multimodal, associada ao fenómeno da globalização e da liberalização das relações de carácter socioeconómico, assiste-se ao surgimento de um sem-número de factos tributários transfronteiriços, geradores de relações obrigacionais complexas, suscetíveis de dar aso, em determinadas situações, ao fenómeno de dupla tributação. No contexto da União Europeia, este é particularmente visível, onde se denota uma intensa circulação de pessoas, designadamente para exercerem as suas atividades profissionais16.

Como bem se diz no Relatório da Comissão para a Reforma do IRS, “A legislação interna portuguesa não t[inha] uma disposição que incorpor[asse] os comentários da Convenção Modelo da OCDE em matéria de resolução de conflito de residências fiscais. Nos termos destes comentários, sempre que existe um conflito de residências fiscais, a solução deve ser aferida relativamente a diferentes momentos do ano, podendo assim o estatuto de residente, relativamente a determinado sujeito passivo, ser diferente em diversos períodos do mesmo ano. Ou seja, de acordo com tais comentários, a resolução deste conflito de residências fiscais faz-se com recurso ao conceito conhecido como “residência fiscal parcial”.

Vejamos então em que consiste tal conceito.

3.2. A figura propriamente dita

O estudo da “residência fiscal parcial” deve arrancar antes de mais nada de uma cuidada identificação das suas bases materiais em que surge colocada. Ora, neste sentido, afigura-se-nos aconselhável o fornecimento de uma breve noção prévia definitória, para, a partir daí, detetar na normatividade relevante os casos em que o legislador reputou como implicando residência fiscal parcial.

Dir-se-á que a questão da denominada “residência fiscal parcial” surge como uma tentativa para distribuir, no mesmo ano fiscal, por mais do que um Estado, o poder ilimitado de tributar o rendimento pessoal. A funcionar idealmente, este mecanismo daria cabal cumprimento ao princípio da tributação universal. Na situação mais simples, fornecida pelo exemplo dado nos comentários ao art. 4º da CMOCDE (nº 10)17, temos o indivíduo que reside no Estado A de 1º de janeiro a 31 de março, transferindo-se em seguida para o Estado B, onde residirá mais de 183 dias, aqui sendo considerado residente o ano inteiro. Mas “as regras especiais”, estabelecidas nos Estados A e B, permitem que o indivíduo deixe de ser residente no Estado A a 1º de abril, sendo aí residente entre 1º de janeiro e 31 de março, e no Estado B que ele aí comece a ser residente a 1º de abril, sendo residente entre 1º de abril e 31 de dezembro. Com a justaposição destas duas “residências parciais”, resolve-se, distribuindo-a por dois Estados, a “tributação mundial”.

Já a solução clássica apontaria para que, no exemplo dado, apenas o Estado B pudesse exercer a soberania tributária ilimitada, uma vez que só ele, à luz do critério material da permanência no seu território por mais de 183 dias, podia invocar a residência do indivíduo, o que estaria vedado ao Estado A. A este restaria o poder de tributar exclusivamente os rendimentos de fonte nele situado (princípio da limitação territorial18).

Como sucede na grande maioria dos Estados, tivemos, até 31 de dezembro de 2014, consagrada entre nós a solução “clássica”, no art. 16º do Código do IRS19. Assinale-se, aliás, que o conceito de “residente fiscal em Portugal”, apresentado pela comissão como “essencial para determinar o âmbito de sujeição pessoal das pessoas singulares”, não existe. O que a lei consagra é o conceito de residente em território português para efeitos de IRS no art. 16º do respetivo Código e nenhuma lei geral o assumiu como um “conceito geral” sistémico (nem, provavelmente, faria sentido). Também se não confunda a titularidade do número de identificação fiscal com a condição de residente ou não residente em território português. Nos termos do art. 3º do DL 14/2003, “O NIF é obrigatório para as pessoas singulares e coletivas ou entidades legalmente equiparadas que, nos termos da lei, se encontrem sujeitas ao cumprimento de obrigações ou pretendam exercer os seus direitos junto da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)”.

Posto isto, o que se pode dizer é que se a solução agora consagrada resolve um problema, certamente poderá criar muitos mais. Desde logo, porque, como se referiu, a solução mundial e geralmente ainda aceite é a solução clássica20. De onde resulta que a criação da “residência parcial” gerará também conflitos de dupla residência. Se a solução clássica gerava conflitos internacionais de dupla residência, fundamentalmente com a conflitualidade de elementos de conexão territorial permanentes, tais como a dupla residência ou a denominada residência por atração21, a nova solução, só por si, também não os resolve. Isto é, temos um problema de praticabilidade, chamemos-lhe “externa”.

Com efeito, e sobretudo nos casos em que não existe convenção para eliminar a dupla tributação internacional, se antevê que nem o Estado que no ano anterior considerou, à luz do critério da permanência por mais de 183 dias, o indivíduo residente e como tal o tributou numa base pessoal e mundial, face à pretensão de Portugal também o considerar residente nesse ano, ainda que parcial, reveja a sua situação para o tributar segundo um critério territorial e real, nem Portugal a aceitar eliminar a dupla tributação jurídica internacional tendo por base a dedução do imposto pessoal que o indivíduo pagou no Estado onde também foi considerado residente22.

Existindo convenção de dupla tributação com o Estado em causa23, pela fórmula operativa da unicidade da residência, o assunto será desempatado através das tie-break rules nela inserida. Quanto às pessoas singulares, tais regras de desempate, nas convenções celebradas por Portugal, seguem de perto o estipulado no art. 4º, nº 2, da CMOCDE24. Trata-se, contudo, de um processo moroso em termos de resolução, sendo que, infelizmente, na praxis comum, o que sucede é que a maior parte dos sujeitos passivos ignora quer a lei interna do Estado, quer a solução que pode ser dada pelas convenções de dupla tributação, acabando por consoante lhes parece, declarar os rendimentos num sítio e os outros noutro, na grande maioria das vezes, à margem da lei.

Mais complicados são, ou parecem ser, ainda os problemas de “praticabilidade interna”, quer do ponto de vista da aplicação da norma na situação mais simples (nada se dispôs na lei sobre o fracionamento de deduções “anuais”, como, por exemplo, as deduções à coleta, a que os residentes têm direito25), quer nas situações anuais já dadas como estabilizadas mas que, por força de um facto superveniente e certamente inesperado, voltam a ter de ser requalificadas – afastando-se a figura da residência fiscal parcial – e, a gerar, certamente, novos conflitos de dupla residência internacional, com uma provavelmente inevitável dupla tributação jurídica internacional – forma-se uma espécie de circulus in demonstrando. Por outro lado, temos que levar em linha de conta que estamos no âmbito de um imposto com taxas preferencialmente progressivas, pensadas para um rendimento coletável anual, portanto, coloca-se a questão de como aplicar num ano fracionado, em que alguém seria residente numa parte do ano e não residente na outra. Apesar da reforma, tudo continua a ser pensado numa ótica anual!

Pois bem, tendo presentes estas considerações, poder-se-á dizer que, no limite, se assiste a uma violação sistemática do que, na doutrina e na jurisprudência constitucional alemã se chama, o imperativo da coerência, esta ideia que o professor Birk identificou como a grande esperança da justiça tributária para o futuro26.

Para além disso, e como já deixamos antever, não nos parece que esta seja, na sua essência, uma medida de desburocratização, nem uma medida redutora de conflitualidade como afirmam os prosélitos reformistas, quer no plano convencional, quer num plano estritamente interno, tendo apenas em vista a relação entre os sujeitos passivos e a autoridade tributária. Vejamos.

O indivíduo que queira deixar Portugal para se ir fixar noutro território continua a ter de partir sem poder deixar a sua situação fiscal regularizada: não pode apresentar, com autoliquidação, uma declaração de rendimentos relativamente ao período de “residente parcial”. Terá, assim, de deixar em Portugal um representante, ou se não for obrigado, ele próprio não poderá deixar de, no ano seguinte, providenciar para cumprir as suas obrigações declarativas relativamente à situação fiscal do ano transato27. O fator fiscal surge, assim, como um elemento obstaculizante da mobilidade internacional.

Por último, julgamos ainda que o princípio da tributação de base mundial tendo por referência a residência do titular dos rendimentos começa a estar em crise, também quanto às pessoas singulares. Estamos em tempos de reformas permanentes28 e assiste-se hoje, com frequência, à expressão pessoal do sentimento de injustiça pelo facto de o Estado da residência, não sendo o Estado da fonte da obtenção dos rendimentos, pretender levar destes espessa fatia, sem dar contraprestações, em serviços públicos aceitáveis, satisfatórias. Num mundo globalizado e numa economia internacionalizada e à escala mundial, estas ideias propagam-se velozmente, estando também em causa os próprios alicerces do Estado Social.

3.3. Restrições normativamente impostas à “residência fiscal parcial”

Basta um exame perfunctório da normatividade em causa para imediatamente se detetar que o conceito de residência parcial é, pelo legislador, primeiro introduzido em todo o seu esplendor para, depois, lhe serem introduzidas severas restrições que o desfiguram na sua essência: em termos explícitos, atende-se nos arts. 16º, nº 3, nº 14 e nº 16, do CIRS.

Primeira situação – nº 3 do art. 16º

Residência parcial no ano N pelo exato número de dias (mais de 183) que o indivíduo permaneceu em território português. Mas, descontinuando a residência no ano N e retomando a permanência em Portugal no ano N+1 em abril até ao fim de outubro, este mesmo indivíduo é residente desde 1º de janeiro até 31 de outubro.

Segunda situação – nº 14 do art. 16º

Manutenção da (ou eventual alargamento para) residência anual pelo simples facto de o indivíduo, que reunia todas as condições para ser qualificado como residente parcial, obter em território português rendimentos sujeitos a IRS (inaplicação discriminatória em função do Estado da nova residência – nº 15).

Terceira situação – nº 16 do art. 16º

Manutenção da (ou eventual alargamento para) residência anual pelo facto de o indivíduo que foi qualificado como residente parcial no ano anterior, no ano seguinte voltar a ser considerado residente em território português.

Do exposto resulta claro a amputação do âmbito do conceito que se quis introduzir e manter quase intocável a regra clássica. Melhor, parece é que se está perante normas antiabuso, sobretudo o nº 16, uma vez que da sua aplicação vai decorrer uma requalificação de uma situação anterior já estabilizada, e por um facto totalmente imprevisto. Conviria, de resto, que a doutrina fosse olhando para esta norma nesta perspetiva, tendo em vista evitar o automatismo da sua aplicação, pois como antes expressamos, tal automatismo será extremamente gravoso para o sujeito passivo. Não se pode partir do princípio de que o contribuinte anda “a brincar às residências fiscais”. Ele tem de poder provar que não visou obter qualquer benefício ou tratamento fiscal preferencial com a alteração da sua residência fiscal.

A contrario, e da forma como surge configurada a “residência fiscal parcial” (talvez melhor, da forma como esta é afastada normativamente, considerando-se, em termos simples, o sujeito passivo residente para todo o ano), os preceitos ora mencionados, visando tout court o alargamento do quadro fatual que qualifica alguém como residente, enfermariam, no essencial, de um excesso de conformação normativa: enquanto a finalidade da norma é, no essencial, evitar fenómenos erosivos, o modo como se apresenta faria com que a mesma se aplicasse ainda nos casos em que se assistisse a uma “gestão residencial” legítima, atendível. A atuação da norma excederia o necessário para a efetivação do seu fim, violando, por consequência, a ideia de proporcionalidade no que diz respeito ao crivo da necessidade – mostra-se como um vício relevante por via do art. 2º da Constituição da República Portuguesa e consequentes corolários, designadamente o estipulado no seu art. 18º.

Conclusões

Cumpre-nos, agora, em sede de sistematização final, alinhar os seguintes tópicos conclusivos:

– O conceito de residência enquanto trave-mestra do direito fiscal, nos planos interno e convencional, apresenta-se como o fator determinante para definir se e a medida em que um determinado sujeito fica submetido à soberania tributária de um ou mais Estados;

– Das alterações efetuadas pela Lei 82-E/2014 ao CIRS, destaca-se sobretudo a figura da “residência parcial”, sendo agora possível ser-se residente em parte do ano e não residente na parte restante do mesmo;

– A figura é primeiramente introduzida em todo o seu esplendor para depois lhe serem colocadas severas restrições mantendo-se, em boa verdade, quase intocável a regra clássica da residência anual;

– Tais normas que operam ao alargamento para a residência anual visam a proteção de um sistema de residência prévia e anteriormente fixado, devendo ser perspetivadas na sua veste de norma antiabuso, sob pena de um automatismo aplicativo extremamente gravoso para o sujeito passivo;

– Na sua globalidade, a figura da residência fiscal parcial, para além de complexa, levanta inúmeros problemas quer de ordem “externa” quer de ordem “interna”, surgindo dúvidas nomeadamente sobre a sua validade à luz da coerência do sistema fiscal português.

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1* O presente texto corresponde ao apresentado no âmbito da unidade curricular de Impostos sobre o Rendimento, no Mestrado de Direito Tributário da Universidade do Minho, em fevereiro de 2015. Agradecemos ao Dr. Manuel Lopes Faustino o valioso contributo e a amável disponibilidade para troca de opiniões sobre esta temática. As opiniões aqui expressas são, contudo, pessoais e só a nós nos vincula.

Doravante CIRS.

2 Para uma análise retrospetiva da vigência do imposto sobre o rendimento pessoal (IRS) ao longo dos 25 anos, vd., com especial interesse, Manuel Faustino. O IRS 25 anos depois. RFPDF. Verão. Coimbra: Almedina, ano VII, nº 2, julho de 2014, p. 67-111.

3 Entre outros, seguimos de perto Gustavo Lopes Courinha. A residência no direito internacional fiscal: do abuso subjetivo das convenções. Coleção Teses. Coimbra: Almedina, p. 28-30 e ss; Saldanha Sanches. Manual de direito fiscal. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 78 e ss.

4 Cfr., nomeadamente, Alberto Xavier. Direito tributário internacional. 2. ed. actualizada. Coimbra: Almedina, 2009, p. 223-224 e 280-288; Gustavo Lopes Courinha. A residência no direito internacional fiscal: do abuso subjetivo das convenções. Coleção Teses. Coimbra: Almedina; Paula Rosado Pereira. Princípios do direito fiscal internacional – do paradigma clássico ao direito fiscal europeu. Coimbra: Almedina, 2010, p. 98-101; Rui Duarte Morais. Sobre o IRS. Coimbra: Almedina, 2014, p. 11-12; e Rita Calçada Pires. Tributação internacional do rendimento empresarial gerado através do comércio electrónico – desvendar mitos e construir realidades. Coimbra: Almedina, 2011, p. 214-217.

5 Note-se que nem sempre se verifica a reunião entre o princípio da residência e a universalidade de tributação. Ver, a propósito, Luís Eduardo Schoueri. Residência fiscal da pessoa física. Direito Tributário Atual. São Paulo: Dialética e IBDT, v. 28, 2012, p. 152-153; e Paula Rosado Pereira. Princípios do direito fiscal internacional – do paradigma clássico ao direito fiscal europeu. Op. cit., p. 89.

6 As convenções celebradas por Portugal baseiam-se, em geral, no Modelo da OCDE. Importa também ter presente os seus Comentários. Ver Juciléia Lima. O papel dos Comentários da OCDE no processo de interpretação e aplicação dos tratados internacionais para evitar a bitributação. Direito Tributário Atual. São Paulo: Dialética e IBDT, v. 30, 2014, p. 217-231.

7 Cfr., entre outros, Alberto Xavier. Direito tributário internacional. Op. cit., p. 284 e ss.; Rui Duarte Morais. A residência e as convenções de dupla tributação: comentário ao acórdão do STA, de 25 de março, Proc. nº 068/09, 2ª Secção. RFPDF. Verão. Coimbra: Almedina, ano II, nº 2, julho de 2009, p. 220-222 e, ainda, Dupla tributação internacional em IRS: notas de uma leitura em jurisprudência. RFPDF. Primavera. Coimbra: Almedina, ano I, nº 1, abril de 2008, p 114-118; Gustavo Lopes Courinha. Ainda a propósito da tributação dos trabalhadores portugueses na Alemanha – algumas notas. RFPDF. Primavera. Coimbra: Almedina, ano I, nº 1, abril de 2008, p. 292-293; e Klaus Vogel. Double tax treaties and their interpretation. Berkeley Journal of International Law, 1986, p. 51-54.

8 No tocante às sociedades, o Código de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (CIRC), apresenta-nos dois critérios alternativos: o teste do local de direção efetiva e o teste da sede da sociedade. Importa, a este propósito, salientar que no presente estudo só serão objeto de análise disposições contidas no CIRS.

9 Sobre o tema, vide, Alberto Xavier. Direito tributário internacional. Op. cit., p. 283-284; Paula Rosado Pereira. Princípios do direito fiscal internacional – do paradigma clássico ao direito fiscal europeu. Op. cit., p. 100-101.

10 A figura surge entre nós primeiramente equacionada no ano de 2009. Vd., A. Carlos dos Santos e António M. F. Martins (coord.). Competitividade, eficiência e justiça do sistema fiscal ‒ relatório do grupo para o estudo da política fiscal. Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, nº 209, 2009, p. 300-301. No plano convencional, assiste-se a uma política paradoxal: por um lado a ideia surge perfilhada na Convenção para evitar a Dupla Tributação, celebrada entre Portugal e Áustria, em 1971, no art. 4º, ao estabelecer que “Sempre que uma pessoa singular tenha transferido a sua residência de um Estado Contratante para o outro Estado Contratante, o direito do primeiro Estado de tributar essa pessoa com base na residência é limitado aos rendimentos relativos ao período anterior à transferência da residência e o direito do outro Estado Contratante de tributar essa pessoa com base na residência é limitado aos rendimentos respeitantes ao período posterior a essa transferência de residência”, e por outro, preceito idêntico é revogado com a aprovação do protocolo modificativo da Convenção entre Portugal e a Suíça para evitar a Dupla Tributação, em 3 de maio de 2013. Vd., ainda, Michael Lang. Reflexões sobre a política austríaca de tratados para evitar a dupla tributação. Direito Tributário Atual. São Paulo: Dialética e IBDT, 2012, v. 27, p. 105-131.

11 A expressão é inspirada na disposição 15.2 da Convenção Modelo da OCDE, subvertendo-a. Tal como surge configurada no ordenamento jurídico português, sobretudo com as alterações introduzidas pelo Governo, a norma trará inúmeros problemas de implementação. Salvo melhor entendimento, o nosso ano fiscal continua a coincidir, geralmente, para todos os efeitos, com o ano civil, sendo que regras como estas que fazem prevalecer o “período de 12 meses” são meramente instrumentais e o mais que pode suceder, quando aplicadas, é que tenham efeitos em dois anos fiscais (com problemas de aplicação associados, como vamos ver). Cfr. Kees van Raad. Materials on international and EC Tax Law. International Tax Centre Leiden, 2010-2011. v. 2, p. 23.

12 De notar que o último dia do ano fiscal de um residente parcial será sempre e por natureza, dentro do ano civil, aquele em que, no calendário, o mesmo se verificar. Isto é, não haverá, no IRS, por se ter passado a falar num período de 12 meses, um “ano fiscal”, como existe no IRC, diferente do ano civil. Ao criar-se a figura do “residente parcial” acabou por criar-se, implicitamente, um ano fiscal, que embora coincida com o ano civil, não coincide em toda a sua extensão, sem, todavia, nunca sair dele.

13 Ver, neste sentido, ponto 3.3 do presente trabalho.

14 Ver comentário ao art. 15º da CMOCDE (nº 4). Neste sentido, vide, Kees van Raad. Materials on international and EC Tax Law. Op. cit., p. 354.

15 Idem, p. 354-355.

16 Neste sentido, vide, Eduardo Paz Ferreira. Ensinar finanças públicas numa faculdade de direito. Coimbra: Almedina, 2005, p. 130. Quanto ao fenómeno da dupla tributação, vide, entre outros, Alberto Xavier. Direito tributário internacional. Op. cit., p. 31-49 e Manuel Pires. Da dupla tributação jurídica internacional sobre o rendimento. Lisboa: Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1984; e Ramón Falcón y Tella e Elvira Guerra Pulido. Derecho fiscal internacional. Madrid: Marcial Pons, 2010, p. 87-90.

17 Cfr. Kees van Raad. Materials on international and EC Tax Law. Op. cit., p. 118.

18 Neste sentido, vide, Paula Rosado Pereira. Princípios do direito fiscal internacional – do paradigma clássico ao direito fiscal europeu. Op. cit., p. 89-90, quanto às razões para a utilização do termo “princípio da limitação territorial”, no que diz respeito à amplitude ou extensão do poder de tributar.

19 Vd., Lei 20/2012, de 14 de maio.

20 Em sentido diverso, refira-se, por exemplo, o Brasil e a Bélgica, que atualmente contemplam o que se pode designar de residência fiscal parcial. Em termos simples, no caso brasileiro, se o sujeito passivo não adquirir a condição de residente, os rendimentos recebidos no Brasil serão tributados de forma definitiva ou exclusiva na fonte. Caso adquira a condição de residente no país, a partir dessa data, os rendimentos recebidos de fontes situadas no território nacional ou no exterior serão tributados de acordo com as mesmas normas aplicáveis aos residentes no Brasil – cfr. arts. 2º a 6º do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF). Relativamente à Bélgica, em termos breves, é estipulado no § 1º do art. 203º do respetivo Código do imposto sobre rendimento que, no caso de pessoas singulares que apenas reúnam as condições para serem sujeitas a imposto após 1º de janeiro ou que cessem essas condições antes de 31 de dezembro, o período de tributação corresponderá à parte do ano em que tais condições se encontrem reunidas. Ver também ainda o estipulado no art. 204º, que prevê as formas de determinação do rendimento objeto de tributação imputáveis a esse período. Para uma análise mais detalhada, incluindo outros ordenamentos que admitem a figura da residência fiscal parcial, vide, Anabela Silva et al. O novo IRS. Ernst & Young, Almedina, 2014, p. 28-30.

21 V., a respeito, João Félix Pinto Nogueira. A dupla residência fiscal de pessoas singulares – enquadramento da questão nos planos internos, europeu e internacional à luz da recente orientação do Supremo Tribunal Administrativo. RFPDF. Coimbra: Almedina, ano IV, nº 1, maio de 2011, p. 210-247.

22 Isto para não falarmos naqueles casos em que a residência fiscal parcial é afastada, operando-se a manutenção da regra da residência anual. Note-se, contudo, que nestes últimos, fenómenos como o mencionado – em que ocorre a sobreposição de residências, arrogando-se ambos os Estados ao direito de tributar o sujeito em causa numa base universal – poderão até nem ocorrer se perspetivamos a sua resolução a montante. Ora, equacionada corretamente a questão no plano interno, à luz da doutrina da exigência de limites jurídicos à extensão da lei nacional – devendo as normas nacionais que visem sujeitar a tributação de factos ocorridos fora das fronteiras desse Estado respeitar o princípio da razoabilidade –, poder-se-á considerar o elemento de conexão previsto na lei ilegítimo, sendo o dispositivo em crise desaplicado, deixando por conseguinte o sujeito de ser havido como residente em Portugal. Nestas situações, em que o abuso de conexão é ilegítimo, dissipa-se a pretensão de tributabilidade ilimitada nacional, não ocorrendo aliás qualquer conflito positivo de residência. Não constitui nossa pretensão esgotar o assunto, pelo que, sobre este, vide, entre outros, Rui Duarte Morais. Imputação de lucros de sociedades não residentes sujeitas a um regime fiscal privilegiado. PUC, 2005, p. 44 ss.

23 Portugal tem atualmente em vigor 64 convenções assinadas com outros Estados. Sobre a política convencional portuguesa, vide, Maria Margarida Cordeiro de Mesquita. A política convencional portuguesa em matéria de dupla tributação. Estudos em homenagem ao Professor Doutor Soares Martinez. Coimbra: Almedina, 2000. v. II.

24 Sobre os métodos de eliminação da dupla tributação, vide, entre outros, Manuel Pires. Da dupla tributação jurídica internacional sobre o rendimento. Op. cit., p. 338-412; Alberto Xavier. Direito tributário internacional. Op. cit., p. 741-759; Ramón Falcón y Tella e Elvira Guerra Pulido. Derecho fiscal internacional. Op. cit., p. 90-112; e Manuel Pires. Direito fiscal – apontamentos. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2008, p. 194-198.

25 Levantam-se muitas dúvidas no plano da personalização do imposto. No nosso entender deveria ter sido aditada uma norma com vista a uma clarificação do art.78º, relativamente às deduções à coleta. Ao não tê-lo sido, temos muitas dúvidas sobre se a ATA tem legitimidade para conceder proporcionalmente ao período em causa as deduções aí consagradas, o mínimo de existência e, eventualmente, alguns benefícios fiscais. Cremos que quanto às deduções específicas não poderá fazê-lo, a não ser na medida em que se limitem em função do rendimento. Quanto às restantes, que são “anuais” e aproveitáveis por “residentes”, não distinguindo a lei entre parciais e anuais, parece, à luz dos princípios da hermenêutica jurídica, que a ATA não poderá fazer a sua aplicação proporcional, sem ilegalidade. Mas também não parece justo o seu benefício por inteiro a quem é tributado como residente por seis meses! Trata-se, certamente, de matéria a ser objeto de aperfeiçoamento legislativo futuro.

26 Cfr. Dieter Birk. Verfassungsfragen im Steuerrecht. Eine Zwischenbilaz nach den jüngsten Entscheidungen des BHF und des BVerfG. Deutsches Steurrecht, 2009, p. 881, apud Víctor Manuel Sánchez Blázquez. Igualdad, capacidad económica y coherencia en las limitaciones a la deducibilidad de los gastos de desplazamiento entre el domicilio y el centro de trabajo en el derecho alemán. Revista Española de Derecho Financiero, nº 164, outubro/dezembro de 2014, p. 127-174. Ver, também, Sérgio Vasques. Manual de direito fiscal. Reimpressão. Coimbra: Almedina, 2014, p. 301-304.

27 Em matéria de obrigações declarativas, em virtude da criação do regime da residência parcial, sempre que, no mesmo ano, o sujeito passivo tenha, em Portugal, dois estatutos de residência, deve proceder à entrega de uma declaração de rendimentos relativa a cada um deles, sem prejuízo da possibilidade de dispensa, nos termos gerais (arts. 57º, 58º e 60º do CIRS). A alteração do estatuto de residência deve ser comunicada no prazo de 60 dias (art. 19º, nº 5, da LGT).

28 Cfr., Casalta Nabais. Direito fiscal. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2014, p. 445-446.