Lucro Presumido Hospitalar: Possível Aplicação às Modalidades de Telemedicina com Base na Jurisprudência

Presumed Hospital Profit: Possible Application to Telemedicine Modalities Based on Jurisprudence

Renato Guilherme Machado Nunes

Doutor, Mestre e Especializado em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Professor de Direito Tributário da FGV e da USP/Esalq. Advogado em São Paulo. E-mail: rnunes@machadonunes.com.br.

Isaías Luz da Silva

MBA em Gestão Tributária pela USP/Esalq. Pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Advogado em São Paulo. E-mail: isilva@machadonunes.com.br.

Sabrina Nerón Balthazar

Mestra em Direito do Estado pela Universidade do Estado de São Paulo (USP), com formação executiva em Compliance pelo Insper. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e em Ciências Econômicas pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Advogada em Santa Catarina. E-mail: sabrinanbalthazar@gmail.com.

Recebido em: 1º-4-2024 – Aprovado em: 24-7-2024

https://doi.org/10.46801/2595-6280.57.21.2024.2520

Resumo

A pandemia de covid-19 acarretou o aprimoramento dos serviços médicos à distância no Brasil, favorecendo a estruturação da telemedicina para atendimentos e procedimentos cirúrgicos mais complexos. A Resolução CFM n. 2.314/2022 regulamentou novas modalidades de telemedicina para fins de assistência e promoção da saúde, e a publicação da Lei n. 14.510/2022, que regulamenta a telessaúde, consolidou práticas já adotadas. O propósito deste estudo é analisar a jurisprudência judicial e administrativa sobre o chamado Lucro Presumido Hospitalar, para verificar se as modalidades dos serviços de telemedicina podem ser abrangidas pelos percentuais reduzidos de presunção, conforme o art. 15, § 1º, III, “a”, da Lei n. 9.249/1995. Concluiu-se que as modalidades telediagnóstico, telecirurgia e telemonitoramento/televigilância caracterizam-se como serviço hospitalar em sentido amplo, pelo que são elegíveis ao tratamento diferenciado que denominamos lucro presumido hospitalar, desde que cumpridos os requisitos legais. Já a teleconsulta, a teleinterconsulta e a teleconsultoria não estão abrangidas pela redução do percentual de presunção.

Palavras-chave: lucro presumido hospitalar, prestação de serviços de assistência à saúde, telemedicina, telessaúde.

Abstract

The pandemic caused by covid-19 brought an improvement in the use of distance medical services in Brazil. The expansion of the use of applications on mobile devices favored the consolidation of telemedicine for more complex surgical procedures and consultations. With the advent of Resolution n. 2,314/2022, new telemedicine modalities, as a means of practicing medicine, were regulated for the purpose of assistance and health promotion. The recent publication of Law n. 14,510/2022, regulating the provision of telehealth services, consolidated the practices already adopted. The purpose of this article is to analyze the judicial and administrative jurisprudence on presumed hospital profit in order to verify whether the modalities of telemedicine services can be covered by the percentages of article 15, § 1, III, “a”, of Law n. 9,249/1995. After legal and jurisprudential analysis, it was concluded that the types of medical care known as telediagnosis, telesurgery and telemonitoring can be characterized as hospital services in the broad sense, by the very nature of the activities, and are therefore eligible for the special treatment of presumed hospital profits, provided that the legal requirements are met. Teleconsultation, teleinterconsultation and teleconsultancy, on the other hand, have the characteristics of simple medical consultations and are therefore not covered by the reduction in the presumption percentage in the presumed profit.

Keywords: deemed taxable income for hospitals, health services, telemedicine, telehealth.

1. Introdução

Antes da edição da Constituição Federal de 1988, o Brasil não acolhia o direito fundamental de proteção à saúde no seu catálogo de direitos sociais. Esse direito e a forma da sua prestação estão expressamente consagrados nos arts. 6º1e 1962 do atual texto constitucional. No campo tributário, buscando dar efetividade à finalidade social – prevista constitucionalmente – de amplo acesso aos serviços de saúde pela população, o legislador reduziu os percentuais de presunção do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) dos serviços prestados por entidade de saúde no regime do lucro presumido, com o intuito de que fossem minorados os encargos tributários do prestador do serviço, bem como dos usuários, a quem o custo é repassado.

Com o aprimoramento do setor da saúde por meio de novas tecnologias, especialmente as utilizadas na telemedicina – impulsionado no contexto dos enfrentamentos da crise sanitária da covid-19 –, novas questões tributárias têm sido levantadas a respeito do enquadramento dos referidos serviços hospitalares no regime do lucro presumido. Nos últimos anos, houve importantes avanços normativos na área da telemedicina no Brasil. Em maio de 2022, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou a Resolução n. 2.314, de 20 de abril de 2022, atualizando sua orientação em relação ao exercício da medicina por meio de tecnologias digitais e criando modalidades de atendimento à distância. A prática da telessaúde foi regulamentada em todo o país por meio da Lei n. 14.510, de 27 de dezembro de 2022, a qual disciplinou a prestação dos serviços de saúde à distância, nos âmbitos público e privado. Quais são essas modalidades e como fica, então, o enquadramento de cada uma delas no regime do lucro presumido?

O presente artigo propõe-se a analisar o atual contexto das regras especiais do lucro presumido voltadas a serviços de assistência à saúde – que para fins exclusivamente ilustrativos denominaremos “lucro presumido hospitalar” –, as decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o assunto e a possível aplicação daquelas às novas modalidades de prestação de serviço de telemedicina trazidas pela Resolução CFM n. 2.314/2022 e pela Lei n. 14.510/2022.

2. Desenvolvimento

2.1. Lucro presumido hospitalar

A legislação tributária faculta ao contribuinte cuja receita bruta total no ano-calendário anterior tenha sido igual ou inferior a R$ 78 milhões optar pelo regime de tributação com base no lucro presumido3, conquanto não incorra em nenhuma das situações em que a adoção da sistemática do lucro real seja mandatória4. Em suma, enquanto regime de apuração de base de cálculo, a legislação5 determina que se apliquem percentuais de presunção sobre a receita bruta do contribuinte e que, ao valor identificado, sejam somadas as receitas não oriundas das suas atividades típicas (e.g., ganhos de capital, receitas financeiras, etc.)6.

No caso de receitas decorrentes de prestação de serviços, como regra geral, a legislação prevê em 32% (trinta e dois por cento) o percentual de presunção a ser aplicado na verificação do lucro presumido7, tanto para o IRPJ quanto para a CSLL. Há exceções à regra geral, dentre outras hipóteses, caso as receitas sejam oriundas de: serviços hospitalares e auxílio diagnóstico e terapia, patologia clínica, imagenologia, anatomia patológica e citopatologia, medicina nuclear e análises e patologias clínicas –, desde que a prestadora destes serviços seja organizada sob a forma de sociedade empresária e atenda às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Nesse caso, os percentuais para apuração do lucro presumido serão de 8% (oito por cento) para o IRPJ8 e 12% (doze por cento) para a CSLL9.

Não é clara a razão da condição de organização em sociedade empresária para a concessão do tratamento diferenciado aos prestadores de serviços de saúde. Nesse aspecto, é oportuna a crítica feita por Fernando da Silva Chaves, para quem tal exigência “não se coaduna com a finalidade extrafiscal a que se propôs o critério quantitativo em exame, e, portanto, não atende ao princípio da isonomia ao exilar das reduções de bases do IRPJ e CSLL as sociedades simples prestadoras de serviços hospitalares”10. A discussão merece aprofundamento, mas não será objeto do presente estudo neste momento.

Quanto ao requisito de atendimento às normas da vigilância sanitária, abordaremos nos tópicos seguintes, em especial no 2.3.

2.2. Caracterização de serviços hospitalares para fins do lucro presumido

Há muitos anos o tema do enquadramento desse regime diferenciado no lucro presumido – que denominamos de lucro presumido hospitalar – é motivo de questionamentos entre a Receita Federal e os contribuintes. A redação original do art. 15, § 1º, III, “a”, da Lei n. 9.249, de 26 de dezembro de 1995, que trata do assunto em causa, era bem menos detalhada do que a atual. Previa tão somente que estariam excepcionadas do percentual de presunção de 32% as receitas de serviços hospitalares. Nada mais.

Visando regulamentar a previsão em tela, a Receita Federal do Brasil publicou o Ato Declaratório Interpretativo RFB n. 19/200711, restringindo a aplicação do lucro presumido hospitalar a determinados estabelecimentos assistenciais de saúde, criando, outrossim, requisitos que privilegiavam a estrutura do ambiente, não existentes na redação do art. 15, § 1º, III, “a”, da Lei n. 9.249/199512.

A interpretação da Receita Federal quanto ao conceito de serviços hospitalares para efeito da aplicação das regras do lucro presumido deu margem a uma série de questionamentos sobre o tema, o que resultou em manifestações do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Os precedentes da Corte Superior geraram grande impacto e, possivelmente, contribuíram com as motivações para a alteração legislativa que culminou na redação atual do art. 15, § 1º, III, “a”, da Lei n. 9.249/1995.

Consoante decidido pelo STJ no Recurso Especial n. 951.251/PR13, a expressão “serviços hospitalares” deve ser interpretada objetivamente, isto é, levando-se em conta a atividade realizada pelo contribuinte, visto que, ao conceder o tratamento diferenciado, a lei não considerou a característica ou a estrutura do contribuinte em si (critério subjetivo), mas a própria natureza do serviço prestado (promoção/assistência à saúde).

Esse critério foi reiterado no julgamento do Recurso Especial n. 1.116.399/BA, processado sob regime de recurso repetitivo, que culminou na seguinte tese (Tema 217):

“Para fins do pagamento dos tributos com as alíquotas reduzidas, a expressão ‘serviços hospitalares’, constante do artigo 15, § 1º, inciso III, da Lei 9.249/95, deve ser interpretada de forma objetiva (ou seja, sob a perspectiva da atividade realizada pelo contribuinte), devendo ser considerados serviços hospitalares ‘aqueles que se vinculam às atividades desenvolvidas pelos hospitais, voltados diretamente à promoção da saúde’, de sorte que, ‘em regra, mas não necessariamente, são prestados no interior do estabelecimento hospitalar, excluindo-se as simples consultas médicas, atividade que não se identifica com as prestadas no âmbito hospitalar, mas nos consultórios médicos’.” (Destacamos)

Vale anotar, também neste ponto, as ponderações de Fernando da Silva Chaves acerca do alcance da expressão “serviços hospitalares” pela legislação. Chaves afirma que “os tribunais pátrios têm plena competência para estender a redução de bases de cálculo do IRPJ e CSLL para diversas outras espécies de atividades de saúde vinculadas a esse conceito (conotação), valendo-se puramente da semiótica e do giro-linguístico, sem que isso implique infração à legalidade ou ao art. 111 do CTN”14. Chaves entende que a expressão “serviços hospitalares” é gênero, da qual as diversas áreas da medicina são classes e, por isso, “mesmo sob a égide da Lei n. 11.727/2008, as instâncias inferiores tomaram a interpretação teleológica fixada pelo STJ como critério objetivo, para o fim de estender as reduções de bases de cálculo de IRPJ e CSLL do Lucro Presumido para as mais variadas áreas da medicina”15.

Em relação à interpretação objetiva do serviço prestado, o STJ firmou ainda o posicionamento de que, no contexto das regras do lucro presumido, para a atividade ser considerada como “serviço hospitalar”, deve ser enquadrada em alguma das atividades previstas nos itens 1 a 4 da Resolução RDC n. 50, de 21 de fevereiro de 2002, da Anvisa, conforme abaixo:

1. Prestação de atendimento eletivo de promoção e assistência à saúde em regime ambulatorial e de hospital-dia – atenção à saúde incluindo atividades de promoção, prevenção, vigilância à saúde da comunidade e atendimento a pacientes externos de forma programada e continuada;

2. Prestação de atendimento imediato de assistência à saúde – atendimento a pacientes externos em situações de sofrimento, sem risco de vida (urgência) ou com risco de vida (emergência);

3. Prestação de atendimento de assistência à saúde em regime de internação – atendimento a pacientes que necessitam de assistência direta programada por período superior a 24 horas (pacientes internos);

4. Prestação de atendimento de apoio ao diagnóstico e terapia – atendimento a pacientes internos e externos em ações de apoio direto ao reconhecimento e recuperação do estado da saúde (contato direto).

Finalmente, os julgados do STJ apontam que, além do atendimento aos requisitos da Anvisa, inexiste a obrigação de o serviço ser prestado em ambiente com estrutura típica de um hospital. Nesse aspecto, vale apontar o entendimento da Corte Superior no sentido de que estão excluídas do conceito de “serviço hospitalar” as consultas médicas – sejam elas prestadas dentro de um hospital ou fora dele, em consultórios próprios para tal.

Como visto no julgado colacionado acima, o STJ considerou que esse tipo de serviço médico não é equiparável às atividades “prestadas no âmbito hospitalar, mas nos consultórios médicos” e, portanto, segundo esse Tribunal, não trazem ao contribuinte a possibilidade de utilizar-se do lucro presumido hospitalar, em função da desnecessidade de utilização de maquinário ou de qualquer outro aparelho para a efetiva prestação do serviço16. Essa discussão merece maior aprofundamento, mas não será objeto do presente estudo neste momento.

2.3. Atendimento às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)

Como efeito da alteração promovida na redação da Lei n. 9.249/1995, e do entendimento consignado na jurisprudência do STJ, a Receita Federal alterou, em 2015, o art. 30 da Instrução Normativa RFB n. 1.234, de 11 de janeiro de 2012, consignando que:

“[...] são considerados serviços hospitalares aqueles que se vinculam às atividades desenvolvidas pelos hospitais, voltados diretamente à promoção da saúde, prestados pelos estabelecimentos assistenciais de saúde que desenvolvem as atividades previstas nas atribuições 1 a 4 da Resolução RDC n. 50, de 21 de fevereiro de 2002, da Anvisa.”

Em que pese o entendimento da Receita Federal estar, aparentemente, em linha com a jurisprudência firmada pelo STJ, a alteração legislativa promovida junto à Lei n. 9.249/1995, art. 15, § 1º, III, “a”, mais especificamente a previsão de necessidade de o contribuinte constituir-se como sociedade empresária e atender às normas da Anvisa, terminou por motivar as autoridades fiscais a se manifestarem novamente de maneira restritiva em relação à abrangência do lucro presumido hospitalar.

É que a Instrução Normativa RFB n. 1.700, de 14 de março de 2017, que regulamenta a apuração e o recolhimento do IRPJ e da CSLL, determina adicionalmente, em seu art. 33, § 4º, II e III, que os percentuais reduzidos de presunção não se aplicam aos serviços prestados em ambiente de terceiro e à pessoa jurídica prestadora de serviço médico ambulatorial residencial (home care)17.

Muito provavelmente, as previsões acima fundamentam-se na determinação de que o contribuinte, no exercício de suas atividades, deve atender às normas da Anvisa; como se, em decorrência disso, o contribuinte devesse intitular o estabelecimento e possuir o licenciamento sanitário pertinente.

É absolutamente descabido o entendimento na forma acima, dado que a Anvisa, no tocante à assistência à saúde, trata da infraestrutura dos locais onde as atividades são exercidas (RDC Anvisa n. 50/2002) e das boas práticas para funcionamento de serviços de saúde (e.g., RDC Anvisa n. 63, de 25 de novembro de 2011), e não sobre a titularidade do estabelecimento, tampouco a respeito das licenças sanitárias que devem ser detidas – este último, aliás, tema de competência dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios18.

A legislação indica que o prestador de “serviços hospitalares” deve atender às normas da Anvisa e, ao analisarmos a regulamentação desta Agência, depreendemos que o contribuinte deve prestar os “serviços hospitalares” em ambientes cuja infraestrutura atenda às exigências deste normativo e seguindo as boas práticas para funcionamento dos serviços de saúde. Que fique claro, as normas da Anvisa não dispõem absolutamente nada sobre a titularidade de estabelecimentos de saúde.

Isso quer dizer, por exemplo, que o contribuinte que realiza procedimentos cirúrgicos em ambientes e mediante práticas desconformes com a regulamentação da Anvisa não é elegível ao lucro presumido hospitalar. Já o contribuinte que presta este mesmo serviço em ambiente que atenda a tal regulamentação, próprio ou de terceiros, e mediante boas práticas de serviços de saúde, está atuando segundo as normas da Anvisa, para efeitos de incidência do art. 15, § 1º, III, “a”, da Lei n. 9.249/1995.

Fernando Chaves chega a colocar em xeque a legalidade da frase “atenda às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa”, inserida no ordenamento pelo art. 29 da Lei n. 11.727/2008:

“Como pode-se perceber, a frase não indica quais normas da Anvisa devem ser seguidas e, nesse ponto, sofre com insuficiente densidade normativa por promover a delegação de competência legislativa para que órgão do Poder Executivo estabeleça os critérios infralegais de inclusão (ou não) na base de cálculo reduzida de IRPJ e CSLL, sem nenhum limite objetivo, permitindo por vias transversas a modificação do conceito tributário de ‘serviços hospitalares’ definido pelo STJ no REsp n. 1.116.399/BA. [...]

Como pode-se compreender, por vias infralegais, a SRFB – órgão inclusive diferente do disposto na lei – emitiu um veículo secundário enunciando que somente terá acesso às bases de cálculo reduzidas do IRPJ e CSLL as empresas prestadoras de serviços vinculados à saúde, que tenham alvará sanitário da Anvisa para ‘Internação de pacientes adultos e infantis’. Rememore-se, entretanto, que a mens legis do benefício estendido às prestadoras de serviços de saúde, estabelecida pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp n. 1.116.399/BA, dispensa que as prestadoras de ‘serviços hospitalares’ tenham capacidade de internação.”19

Portanto, são absolutamente ilegais as previsões contidas no art. 33, § 4º, II e III, da Instrução Normativa RFB n. 1.700/2017 e outras manifestações da Receita Federal nesta mesma linha20, qual seja, de impossibilidade de sujeição das receitas com serviços hospitalares desempenhados em ambiente de terceiro ou em regime de home care ao que chamamos lucro presumido hospitalar.

2.4. Manifestações da jurisprudência

Há diversas manifestações do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf)21 e de Tribunais Regionais Federais22 em linha com o posicionamento do STJ, qual seja, de que o elemento central para caracterizar o serviço como hospitalar é que este seja desempenhado em ambiente dotado da infraestrutura requerida pela Anvisa e segundo as boas práticas determinadas por esta Agência, e não a titularidade da estrutura em que são desempenhados.

O que importa, na prática, é se o serviço se enquadra num dos itens 1 a 4 da Resolução RDC n. 50/2002 da Anvisa, se é exercido segundo as boas práticas e em ambiente com infraestrutura determinada por essa Agência, independentemente da titularidade da estrutura em que são desempenhados. Além disso, conforme pudemos verificar, em relação à simples consulta, mesmo as realizadas em ambiente dotado de estrutura para a realização de procedimentos ou exames diagnósticos, as manifestações estão alinhadas com o entendimento da Receita Federal, no sentido de que não constituem serviço hospitalar para fins de aplicação do regime diferenciado do lucro presumido.

Até pouco tempo atrás, o STJ vinha se manifestando unicamente sobre um dos requisitos relativos ao prestador de serviços introduzidos no art. 15, § 1º, III, “a”, da Lei n. 9.249/1995, mais especificamente o que diz respeito à obrigatoriedade de o contribuinte ser constituído sob a forma de sociedade empresária, sem entrar em maiores detalhes sobre a necessidade de atendimento às normas da Anvisa.

Contudo, em agosto de 2022 a Primeira Turma do STJ julgou o Recurso Especial n. 1.877.568/RN, a respeito da prestação de serviço por anestesiologistas em ambientes de terceiros, ocasião em que manteve o entendimento firmado no âmbito do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, no sentido de que não seria mais elegível ao lucro presumido hospitalar o contribuinte que não atendesse às normas da Anvisa. O caso concreto tratava dos serviços prestados por anestesiologistas, em que o prestador não está estabelecido em local com estrutura para a realização de procedimentos ou exames diagnósticos, mas aloca equipe de trabalho para a prestação de assistência à saúde em ambiente de terceiro. Vejamos excerto do julgado:

“Processual civil. Agravo interno no recurso especial. IRPJ e CSLL. Redução das bases de cálculo. Benefício fiscal. ‘Serviços hospitalares’. Conceito. Entendimento pacificado pela Primeira Seção. Alteração legislativa. Requisitos quanto à forma da sociedade empresária e quanto às normas da Anvisa. Acórdão cuja conclusão não pode ser alterada sem exame de prova. Inadmissibilidade.

1. Conforme definido pela Primeira Seção, em abril de 2009, no julgamento do REsp 951.251/PR, o art. 15, § 1º, inc. III, alínea ‘a’, da Lei n. 9.249/1995, explicitamente, concede o benefício fiscal de forma objetiva, com foco nos serviços que são prestados, e não no contribuinte que os executa. Por isso, devem-se entender como ‘serviços hospitalares’ aqueles que se vinculam às atividades desenvolvidas pelos hospitais, voltados diretamente à promoção da saúde, excluídos os serviços de consultas médicas, que não se identifica com as prestadas no âmbito hospitalar, mas nos consultórios médicos. A decisão, expressamente, ressalvou o fato de a controvérsia ser solucionada com apoio na Lei n. 9.249/1995, antes da edição da Lei n. 11.727/2008.

2. Na linha do que foi decidido, este Tribunal Superior reconhece a possibilidade de os serviços médicos de anestesiologia, na vigência da Lei n. 9.249/1995, beneficiarem-se das bases de cálculo reduzidas de IRPJ e CSLL. Precedentes.

3. Entretanto, a mesma conclusão não pode ser alcançada naquelas situações ocorridas posteriormente ao início de vigência da Lei n. 11.727/2008, tendo em vista ter vinculado as bases de cálculo reduzidas à ‘forma de sociedade empresária’ e ao ‘atendimento das normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa’. E que, em se tratando de regras para definição de base de cálculo mais favorável, é imperiosa a comprovação do preenchimento dos requisitos impostos pela lei, à luz do art. 111 do CTN. Precedentes.

4. No caso dos autos, o órgão julgador a quo não acolheu a pretensão da sociedade porque seria espécie de sociedade simples e porque não teria comprovado o atendimento às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa. No contexto, o conhecimento do recurso encontra óbice nas Súmulas 7 e 83 do STJ.

[...]

Consta no comprovante de inscrição e de situação cadastral de pessoa jurídica que a parte demandante tem por objetivo ‘Atividades de atendimento em pronto-socorro e unidades hospitalares para atendimento a urgências’ (doc. 058400.491473).

Por sua vez, as informações extraídas do Sistema Dirf – Fontes Pagadoras – Informações apresentadas em Dirf demonstram que a parte autora prestou serviços ao Hospital do Coração de Natal Ltda., ao Natal Hospital Center S/A, à CECM dos Médicos de Natal, à Coopanest – Cooperativa de Médicos Anestesiologista do RN, ao Hospital Naval de Natal, ao Hospital Maternidade Promater Ltda., entre outros. Tais informações comprovam que a parte demandante não presta serviço de natureza hospitalar, mas sim fornece mão de obra especializada em serviços de anestesiologia.

Dessa forma, não é cabível a redução de alíquotas prevista nos arts. 15 a 20 da Lei n. 9.249/95’. Não se vislumbra violação manifesta ao precedente. A Quarta Turma, confirmando a sentença, entendeu que houve simples aquisição, pelos estabelecimentos que prestam serviços hospitalares, da mão de obra dos anestesistas que compõem a sociedade em questão e que esta funciona, na prática, como uma sociedade simples ou cooperada.

[...]

Na linha do que foi decidido, este Tribunal Superior reconhece a possibilidade de os serviços médicos de anestesiologia se beneficiarem das bases de cálculo reduzidas de IRPJ e CSLL. De fato, ‘as empresas prestadoras de serviços de médicos de anestesiologia [...] enquadram-se na concepção de serviços hospitalares inserta no art. 15, § 1º, III, ‘a’, segunda parte, da Lei n. 9.249/1995, estando sujeitas à alíquota de 8% (oito por cento) sobre a receita bruta mensal a título de IRPJ.

Tal atividade só é possível desde que suas instalações sejam realizadas obrigatoriamente junto a um Hospital, ou que equipamentos similares no seu interior existam, tendo em vista envolver procedimentos médicos terapêuticos de alto risco, exigindo recursos emergenciais caso haja alguma intercorrência.” (REsp n. 901.150/SC, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, julgado em 06.03.2007, DJ 22.03.2007).

Entretanto, a mesma conclusão não pode ser alcançada naquelas situações ocorridas posteriormente ao início de vigência da Lei n. 11.727/2008, tendo em vista ter vinculado as bases de cálculo reduzidas à ‘forma de sociedade empresária’ e ao ‘atendimento das normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa’.

E, em se tratando de regras para definição de base de cálculo mais favorável, é imperiosa a comprovação do preenchimento dos requisitos impostos pela lei, à luz do art. 111 do CTN.”

A decisão, proferida por unanimidade no Agravo Interno no Recurso Especial n. 1.877.568/RN, foi veiculada na imprensa como sendo algo negativo para os contribuintes, quase que um retrocesso em relação à tese fixada pelo STJ no Tema 217, transcrito linhas atrás. O Recurso Especial foi interposto pela Cliarn (Clínica de Anestesiologia do Rio Grande do Norte), com o intuito de reconhecer a aplicação do tratamento diferenciado aqui tratado, previsto na Lei n. 9.249/1995 para a “prestação de ‘serviços médicos de anestesiologia’ em pronto-socorro e unidades hospitalares de urgência, durante 24 horas por dia, 07 dias por semana e 365 dias no ano, inclusive, finais de semana, feriados, dias santos, Festas Natalinas e de passagem de ano, sendo sua atividade essencial à população – enquadram-se no conceito de ‘serviços hospitalares’.”

Em resumo, a Cliarn alegou: (i) a impossibilidade de o conceito de “serviços hospitalares” ser confundido com o de “serviços prestados por hospital”; (ii) que condicionar a concessão do tratamento diferenciado à comprovação de que tanto a estrutura da Clínica de Anestesiologia quanto a do Hospital atendem às normas da Anvisa levaria ao absurdo entendimento de que o ato médico-cirúrgico deveria ser prestado em duas estruturas físicas distintas, em que o paciente recebe anestesia na primeira e é posteriormente levado de maca até o hospital para ser submetido ao procedimento cirúrgico – sem acompanhamento do anestesiologista até o término do procedimento; e, por fim, que (iii) exigir o cumprimento dos requisitos da Anvisa seria o mesmo que condicionar o tratamento diferenciado à existência de estrutura hospitalar, o que foi afastado pelo STJ ao julgar o REsp n. 1.116.399/BA.

Nesse julgamento, o STJ manteve o entendimento do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que caracterizou os serviços de anestesiologia como mera cessão de mão de obra especializada, sem arcar com os custos diferenciados que caracterizam a atividade hospitalar. Importante notar que o Tribunal Regional havia entendido que, na prática, a clínica se constituiria como uma sociedade simples, e não empresária, motivo pelo qual negou a concessão do tratamento diferenciado.

Em seu voto, o Ministro relator concluiu pela necessidade de observância dos dois requisitos impostos pela Lei n. 11.727/2008: (i) forma de sociedade empresária; e (ii) atendimento das normas da Anvisa. Assim, visto que o Tribunal Regional entendeu não se tratar de sociedade empresária e de não atendimento às normas da Anvisa, aplicaram-se as Súmulas n. 7 e 83, do STJ, para negar provimento ao recurso de agravo interno do contribuinte e não admitir seguimento ao seu Recurso Especial.

Isso significa dizer que o STJ não concluiu, peremptoriamente, pela necessidade de estrutura hospitalar para a concessão do tratamento diferenciado aqui comentado, mas sim pela impossibilidade de análise do mérito do caso, com base nos requisitos de admissibilidade sumulados pela Corte. Assim, o entendimento manifestado pela Primeira Turma do STJ no julgamento do Recurso Especial n. 1.877.568/RN, em que pese constituir um ponto de atenção, não estabelece uma mudança de posição do Tribunal sobre o tema, haja vista não ter sido analisado o mérito da questão.

Em outra oportunidade, o STJ analisou o Recurso Especial n. 2.000.219/RS, interposto pela Fazenda Pública contra acórdão da Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, também relacionado à prestação de serviços de anestesiologia. Nesse caso, a Fazenda Nacional recorreu do acordão do tribunal de origem por entender que a sociedade recorrida não estaria organizada sob a forma empresarial e, por isso, defendeu fossem afastados os percentuais de redução do lucro presumido hospitalar. O tribunal de origem, após análise dos elementos fáticos contidos nos autos, prestigiou a jurisprudência do STJ e considerou que “a sociedade empresária prestadora de serviços de anestesia tem direito à apuração reduzida da base de cálculo do IRPJ/CSLL, uma vez que as atividades são consideradas como serviços hospitalares”.

Embora o recurso não tenha sido admitido pelo STJ sob o argumento de que a revisão da decisão do Tribunal Regional Federal implicaria na análise do contexto fático-probatório23, o julgamento do caso sinaliza um avanço positivo na consolidação do tema no STJ frente aos demais tribunais do país.

Desse modo, as balizas fixadas pelo STJ no Tema 217 continuam a ser válidas e de observância obrigatória para a adoção do lucro presumido hospitalar.

2.5. A utilização do lucro presumido hospitalar nas modalidades de prestação de serviço por telemedicina

A prestação de serviços de saúde à distância foi regulamentada recentemente no Brasil, com a edição da Lei da Telessaúde (Lei Federal n. 14.510, de 27 de dezembro de 2022). O termo telessaúde contempla a “utilização das tecnologias da informação e da comunicação, que envolve, entre outros, a transmissão segura de dados e informações de saúde, por meio de textos, de sons, de imagens ou outras formas adequadas”, conforme art. 26-B da referida norma. No que tange à prestação de serviços médicos à distância, o Conselho Federal de Medicina editou a Resolução CFM n. 2.314, de 20 de abril de 2022, regulamentando a chamada telemedicina, que consiste no exercício da medicina “por Tecnologias Digitais, de Informação e de Comunicação (TDICs), para fins de assistência, educação, pesquisa, prevenção de doenças e lesões, gestão e promoção de saúde” (art. 1º da Resolução mencionada). Em seus considerandos, a própria Resolução esclarece que “o termo telessaúde é amplo e abrange outros profissionais da saúde, enquanto telemedicina é específico para a medicina”, pelo que abarca “atos e procedimentos realizados ou sob responsabilidade de médicos”.

A Lei da Telessaúde alterou a Lei Orgânica da Saúde e o Estatuto da Pessoa com Deficiência, além de revogar a legislação que regulamentava a telemedicina durante a pandemia da covid-19. Um dos avanços trazidos pela nova legislação foi a possibilidade da prática da telemedicina por todas as profissões da área da saúde regulamentadas por órgão do Poder Executivo Federal –, ao contrário do que dispunha a revogada Lei n. 13.989/2020, que tratava exclusivamente dessa prática em caráter emergencial e somente durante a pandemia da covid-19.

Nesse aspecto, a Lei n. 14.510/2022 permite que profissionais da saúde utilizem tecnologias para atuação remota em todo território brasileiro, tanto em atendimentos privados como no âmbito do Sistema Único de Saúde (“SUS”). Para a telemedicina, a legislação determina o registro das empresas intermediadoras e de seus diretores técnicos no Conselho Regional de Medicina. A nova lei também soluciona a insegurança que havia quanto à necessidade de inscrição secundária quando o profissional da saúde prestava um serviço fora da jurisdição em que estava inscrito, desobrigando-o de tal requisito quando o serviço for prestado por meio da modalidade de telessaúde.

Do ponto de vista do paciente, a lei garante seu direito de recusa ao atendimento remoto, havendo possibilidade de realizar atendimento presencial quando assim desejar. Na legislação revogada, então vigente no contexto da pandemia de covid-19, o médico deveria informar o paciente sobre as limitações no uso da telemedicina, tendo em vista a impossibilidade de realização de exame físico.

A chegada da pandemia de covid-19 demandou o aprimoramento da prestação dos serviços médicos à distância, em razão da necessidade de afastamento presencial e da indisponibilidade de médicos nas mais diversas regiões do território nacional. A expansão da utilização de aplicativos e dispositivos móveis também colaborou com a utilização da telemedicina, não apenas como alternativa para consultas e atendimentos médicos, mas também para abarcar procedimentos cirúrgicos complexos. Nesse sentido, no âmbito infralegal, embora a telemedicina tenha sido inicialmente regulamentada pela Resolução CFM n. 2.227/2018, esta norma foi posteriormente revogada pela Resolução CFM n. 2.228/2019, a qual restabeleceu a Resolução CFM n. 1.643/2002 – uma norma naturalmente defasada, pois evidentemente não considera os avanços tecnológicos dos 17 anos transcorridos no período. Afinal, a resolução de 2002 foi editada sem tecnologias hoje consideradas corriqueiras, “como a internet 4G, o smartphone, o uso de inteligência artificial, a internet das coisas e a potencialização do processamento de dados em larga escala”24.

Atos administrativos anteriores regulamentaram, pontualmente, algumas modalidades de prestação de serviços médicos com a utilização de meios tecnológicos. A Resolução CFM n. 2.107/2014, por exemplo, definiu os serviços de telerradiologia, e a Resolução CFM n. 2.264/2019 tratou da telepatologia. Mais recentemente, a Resolução CFM n. 2.311/2022 regulamentou a cirurgia robótica a distância. No entanto, ante à premência de a sociedade médica brasileira adequar-se à realidade dos novos padrões de atendimento, regulamentando a ampliação do acesso da população à saúde com suas novas formas de prestação do serviço, foi necessária a edição de norma que regulamentasse a prática da telemedicina com maior profundidade.

A Resolução CFM n. 2.314/2022 classificou, no art. 5º, as seguintes modalidades de atendimento médico à distância: (i) teleconsulta, (ii) teleinterconsulta, (iii) telediagnóstico, (iv) telecirurgia, (v) telemonitoramento ou televigilância, (vi) teletriagem e (vii) teleconsultoria. Diante do novo cenário, temos por objetivo verificar se essas modalidades de prestação de atendimento por telemedicina, regulamentadas pelas referidas Resoluções e autorizadas pela Lei n. 14.510/2022, podem enquadrar-se como serviço hospitalar para fruição do lucro presumido hospitalar.

A Receita Federal ainda não se manifestou sobre o tema, por meio de Solução de Consulta. Existe o receio, no setor, de que as autoridades fiscais passem a enquadrar o gênero telemedicina como “simples consulta”, afastando o tratamento diferenciado de seu justo propósito junto ao contribuinte. A depender da natureza da prestação do serviço e do cumprimento aos requisitos especificados na legislação tributária, entretanto, é possível defender a equiparação aos serviços hospitalares e, consequentemente, o gozo do tratamento diferenciado da Lei n. 9.249/1995 para as atividades da telemedicina regulamentadas pela Resolução CFM n. 2.314/2022. Isso, porque compreendemos que a análise deve estar em linha com a jurisprudência do STJ, que definiu os serviços hospitalares como aqueles que se coadunem com alguma das atividades previstas nos itens 1 a 4 da Resolução RDC n. 50/2002, e com as exigências legais do art. 15, § 1º, III, “a”, da Lei n. 9.249/1995, excluídas as consultas médicas, a teor da jurisprudência daquele Tribunal.

2.5.1. Teleconsulta, teleinterconsulta e teleconsultoria

A teleconsulta, definida pelo art. 6º da Resolução CFM n. 2.314/2022, é modalidade de consulta médica não presencial, mediada por Tecnologia Digital, de Informação e de Comunicação (“TDIC”), em que o médico e o paciente estão “localizados em diferentes espaços”25, em ambientes que atendam às condições físicas e técnicas disciplinadas na Resolução. Logo, a teleconsulta nada mais é do que a consulta realizada por profissional da medicina em ambiente virtual.

Cabem aqui alguns esclarecimentos sobre a tributação das consultas médicas, uma vez que a atividade não possui o mesmo tratamento tributário dos “serviços hospitalares”, conforme os critérios estabelecidos pelo STJ.

Como apontamos em linhas anteriores, a expressão serviço hospitalar deve considerar se a atividade realizada pelo contribuinte tem por objetivo a promoção ou assistência à saúde (critério objetivo), e não a estrutura do ambiente, à semelhança de um ambiente hospitalar, ou o sujeito prestador do serviço (critério subjetivo).

Além disso, para o gozo do tratamento diferenciado a atividade deve enquadrar-se em alguma das atividades previstas nos itens 1 a 4 da Resolução RDC n. 50/2002 da Anvisa: o atendimento deve ser prestado em regime ambulatorial ou de hospital-dia, em caráter emergencial, em regime de internação por período superior a 24 horas ou em atendimento de apoio ao diagnóstico e terapia, aos pacientes que necessitam de contato direto para recuperação do estado de saúde.

Dessa interpretação foram excluídas as chamadas “simples consultas médicas”, consideradas as consultas prestadas nos consultórios médicos, nas quais não existe um procedimento de maior complexidade. Trata-se de consulta que resulta no ato médico de diagnosticar, por meio de anamnese, exame físico, exame psíquico, verificação de dados vitais, bem como solicitar exames complementares que auxiliarão no diagnóstico, mas que dispensam qualquer atividade de cunho hospitalar, conforme entendimento do STJ, exposto anteriormente.

Nos precedentes mais antigos do STJ, a adequação do serviço ao conceito de serviço hospitalar era estritamente subjetiva, vinculando-se à atividade prestada em ambiente cujo custo das operações pudesse suportar a internação de pacientes. Por meio desse critério, a Corte Superior interpretava que a legislação concedia o tratamento diferenciado aos hospitais por sua estrutura física e pelos gastos com recursos humanos, materiais e ambiente de internação. Logo, por essa via interpretativa, a redução dos percentuais de presunção das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL devidos pela entidade era motivada pelo peso do custo da operação, ao passo que a diferença entre os serviços hospitalares e as consultas médicas pautava-se, sobretudo, pela relação do custo suportado pela entidade versus o local de prestação do atendimento.

A partir da decisão do STJ no Recurso Especial n. 951.251/PR, em que a Corte Superior modificou a sua interpretação e firmou entendimento em relação à interpretação objetiva do art. 15, §1º, III, “a” da Lei n. 9.249/1995, para a fruição do tratamento diferenciado é preciso a análise da atividade realizada pela pessoa jurídica prestadora do serviço. A construção do conceito volta-se à essencialidade da atividade ligada à garantia do direito à saúde, e não mais à obrigatoriedade de haver uma estrutura hospitalar. Como já informado, a discussão acerca do acerto do entendimento do STJ sobre a exclusão das consultar médicas do lucro presumido hospitalar merece ser aprofundada, mas não será objeto do presente de análise neste momento em razão das limitações de espaço e recorte do estudo.

Em que pese tal mudança de orientação, o STJ reiterou em julgados posteriores26 a inelegibilidade das simples consultas médicas ao lucro presumido hospitalar, mesmo quando realizadas em laboratório ou em ambiente hospitalar não guardam semelhança com o conceito de serviço hospitalar, tendo em vista não serem dotadas de maior complexidade. Por isso, entendemos que a teleconsulta, por se tratar de mera consulta realizada por meio digital, na linha firmada pelo STJ, também não será equiparada ao conceito de serviço hospitalar para efeitos do lucro presumido.

A teleinterconsulta, conforme art. 7º da Resolução CFM n. 2.314/2022, consiste na “troca de informações e opiniões entre médicos, com auxílio de TDICs, com ou sem a presença do paciente, para auxílio diagnóstico ou terapêutico, clínico ou cirúrgico”. Visa complementar a consulta médica, motivo pelo qual a Resolução disciplina que o médico assistente responsável pela teleinterconsulta também está obrigado ao acompanhamento presencial do paciente. No mesmo sentido, entendemos que a teleinterconsulta, por se tratar de serviço que tem por escopo a prestação de esclarecimentos entre os profissionais da medicina, não se enquadra como serviço hospitalar, tendo em vista que não se exige, nesses casos, a presença do paciente para a realização do atendimento, além de a própria atividade assemelhar-se à mera consulta médica ou à consulta entre os profissionais da medicina.

Poderia haver dúvida caso a teleinterconsulta seja realizada para fins de auxílio diagnóstico ou terapêutico, hipótese em que estaria vinculada ao Item 4 da Resolução RDC n. 50/2002 da Anvisa, configurando-se em típico serviço hospitalar para fins de lucro presumido. No entanto, ainda que se tratasse de sociedade empresária e o serviço fosse realizado em ambiente hospitalar, as hipóteses de prestação de atendimento de apoio ao diagnóstico e terapia relacionadas nos subitens do Item 4 da referida Resolução27 não comportam a interação entre médicos para discussão de questões relativas ao diagnóstico ou estado de saúde do paciente, o que a descaracteriza como prestação de serviço hospitalar e, consequentemente, torna inaplicável o tratamento diferenciado do art. 15, § 1º, III, “a”, da Lei n. 9.249/1995. Conquanto o atendimento às normas da Anvisa seja um dos critérios privilegiados pelo legislador para concessão do tratamento em causa, não caberia extensão do conceito de serviço de auxílio diagnóstico e terapêutico do art. 15, § 1º, III, “a”, da Lei 9.249/1995 para as hipóteses não abrangidas pelos subitens da Resolução.

Ainda no âmbito das atividades com natureza de consulta, a Resolução CFM n. 2.314/2022 disciplinou a atividade de teleconsultoria. Conforme seu art. 12, consiste em “ato de consultoria mediado por TDICs entre médicos, gestores e outros profissionais, com a finalidade de prestar esclarecimentos sobre procedimentos administrativos e ações de saúde”. A atividade volta-se ao esclarecimento de dúvidas entre os profissionais da área, com o objetivo de dirimir as questões relacionadas ao processo de trabalho. Por sua natureza, a teleconsultoria também não pode ser caracterizada como serviço hospitalar para efeitos do tratamento diferenciado do lucro presumido de que vimos tratando.

2.5.2. Telecirurgia

Na telecirurgia, definida no art. 9º da Resolução CFM n. 2.314/2022 como a “realização de procedimento cirúrgico a distância, com utilização de equipamento robótico e mediada por tecnologias interativas seguras”, tem-se, de um lado, o médico operador de um equipamento robótico ligado aos instrumentos cirúrgicos (cirurgião-remoto) e, de outro, o paciente e um segundo médico cirurgião que o assiste presencialmente, responsável pela manipulação dos instrumentos.

A execução de cirurgias em regime de rotina ou de emergência é um dos subitens do item 4 da Resolução RDC n. 50/2002 da Anvisa (“Prestação de atendimento de apoio diagnóstico e terapia”) que comportam equiparação ao serviço hospitalar para fins de lucro presumido, se atendidos os demais requisitos da legislação tributária. Inclusive, a própria RDC n. 50/2002 da Anvisa possui um subitem específico dedicado à regulamentação de procedimentos cirúrgicos e endoscópicos e partos cirúrgicos, elencando um rol de etapas para o desenvolvimento de tais atividades. A mera realização do procedimento por meio virtual não descaracteriza a natureza do procedimento.

Nesse contexto, é indubitável que a telecirurgia – incluída a telecirurgia robótica, prevista na Resolução CFM n. 2.311/2022 – consiste em típico procedimento hospitalar, ainda que o serviço seja prestado em ambiente de terceiros, motivo pelo qual a pessoa jurídica que desenvolve essa atividade pode usufruir do tratamento diferenciado do art. 15, § 1º, III, “a”, da Lei n. 9.249/1995.

2.5.3. Telediagnóstico

A modalidade telediagnóstico está assim conceituada no art. 8º da Resolução CFM n. 2.314/2022: “ato médico a distância, geográfica e/ou temporal, com a transmissão de gráficos, imagens e dados para emissão de laudo ou parecer por médico com registro de qualificação de especialista (RQE) na área relacionada [...], em atenção à solicitação do médico assistente”. O serviço de auxílio diagnóstico, como vimos, tem previsão como uma das hipóteses de fruição do tratamento diferenciado do art. 15, § 1º, III, “a”, da Lei 9.249/1995, desde que exercido por sociedade empresária e atendidos os requisitos da Anvisa.

Ao contrário da teleinterconsulta, na qual há interação entre os médicos para discussão de questões relacionadas ao diagnóstico – atribuição meio, portanto – o telediagnóstico consiste na avaliação dos exames médicos à distância com apoio de tecnologias – atribuição fim –, elegível ao lucro presumido hospitalar.

2.5.4. Telemonitoramento/televigilância

A Resolução CFM n. 2.314/2022 define, no art. 10, o serviço de telemonitoramento ou televigilância, conforme segue:

“Art. 10. O TELEMONITORAMENTO ou TELEVIGILÂNCIA médica é o ato realizado sob coordenação, indicação, orientação e supervisão por médico para monitoramento ou vigilância a distância de parâmetros de saúde e/ou doença, por meio de avaliação clínica e/ou aquisição direta de imagens, sinais e dados de equipamentos e/ou dispositivos agregados ou implantáveis nos pacientes em domicílio, em clínica médica especializada em dependência química, em instituição de longa permanência de idosos, em regime de internação clínica ou domiciliar ou no translado de paciente até sua chegada ao estabelecimento de saúde.”

Ambos os serviços permitem o acompanhamento das alterações fisiológicas do paciente. O monitoramento e a assistência aos pacientes são atividades previstas na Resolução RDC n. 50/2002, nas subatividades do item 3, voltadas para internação de pacientes em regime de terapia intensiva28. As demais disposições da Resolução da Anvisa especificadas nos itens 1, 2 e 4 tratam da atividade de observação de pacientes.

Em regra, não existe diferença entre a prestação de ambas as atividades de acompanhamento de pacientes. Embora a Resolução da Anvisa utilize o vocábulo monitoramento apenas no tratamento de internação hospitalar, a observação médica também é considerada prestação de serviço hospitalar.

Nesse ponto, infere-se que a Resolução CFM n. 2.314/2022 utiliza os vocábulos telemonitoramento e televigilância para diferenciar ambos os procedimentos. Considerando que essas atividades têm o escopo de assistência à saúde que não aquela realizada em simples consultas, mas que exigem maior complexidade em face dos procedimentos a serem adotados, o telemonitoramento e a televigilância podem ser caracterizados como serviços hospitalares para fins do lucro presumido.

2.5.5. Teletriagem

A teletriagem “é o ato realizado por um médico, com avaliação dos sintomas do paciente, a distância, para regulação ambulatorial ou hospitalar, com definição e direcionamento do paciente ao tipo adequado de assistência que necessita ou a um especialista”, nos termos do art. 11 da Resolução CFM n. 2.314/2022. Embora a aludida norma discipline que não se trata de uma consulta médica em si, na prática, a atividade acaba sendo realizada nas consultas médicas, como ato de encaminhamento médico.

A Resolução n. 50/2002 da Anvisa trata a triagem do atendimento como atividade relacionada à prestação de atendimento imediato de assistência à saúde (subitem 2.1.1) nos casos em que há risco de vida ao paciente, com urgência de baixa ou média complexidade.

Nesse sentido, a teletriagem não pode ser caracterizada como serviço hospitalar para fins do lucro presumido, quando realizada durante as consultas médicas. A exceção seriam os casos em que o atendimento fosse realizado em regime de urgência, em atendimento imediato de assistência à saúde, por sociedade empresária e em atendimento às normas da Anvisa. Contudo, em termos práticos, essa segregação de atendimentos pode ser inviável.

3. Conclusões

O lucro presumido possui regramento específico para serviços de assistência à saúde, conforme previsão do art. 15, § 1º, III, “a”, da Lei n. 9.249/1995. Os percentuais de apuração do lucro presumido, no caso de serviços em geral, tanto para o IRPJ quanto para a CSLL são de 32%, sendo reduzidos para os percentuais de 8% e 12%, tratando-se de serviços hospitalares em sentido amplo e de medicina diagnóstica.

Ao longo dos anos, foi fixado pela jurisprudência do STJ entendimento de que, em referência à expressão serviços hospitalares, a atividade se caracterizaria como tal não em função da estrutura em que esta é desempenhada. Deve ser verificado, isto sim, se a atividade se coaduna com o quanto a Anvisa regula a respeito, o que atualmente se encontra disposto na sua RDC n. 50/2002.

Com as recentes alterações do Conselho Regional de Medicina na regulamentação da telemedicina no Brasil, por meio da Resolução CFM n. 2.314/2022, e com a edição da Lei Federal n. 14.510/2022, que regulamentou a telessaúde, novas tecnologias estão sendo utilizadas na assistência à saúde, auxiliando profissionais da medicina e pacientes na identificação e no tratamento de enfermidades.

Embora a utilização de tais procedimentos tenha crescido exponencialmente a partir de 2020, não existe manifestação expressa do fisco relacionada, especificamente, aos aspectos tributários de cada uma das atividades abarcadas pela telemedicina. Ainda assim, não se descarta o risco de as autoridades fiscais enquadrarem o gênero telemedicina como “simples consulta”, o que, a depender da espécie tratada, não pode ser admitido. Por tais razões, defendemos que determinadas espécies de serviços de telemedicina estão albergadas pelo tratamento diferenciado do art. 15, § 1º, III, “a”, da Lei n. 9.249/1995.

Dessa maneira, com base nas modalidades de telemedicina trazidas pela Resolução CFM n. 2.314/2022 e com fundamento nas normas regulamentadoras, na legislação tributária e na jurisprudência do STJ, defendemos que as modalidades de atendimento denominadas telecirurgia, telediagnóstico e telemonitoramento ou televigilância podem ser caracterizadas como serviço hospitalar para efeitos do lucro presumido. Por outro lado, espécies de atendimento como a teleconsulta, teleinterconsulta e teleconsultoria, essas sim com características de simples consultas médicas, não estão abrangidas pela redução do percentual de presunção do lucro presumido de que trata o art. 15, § 1º, III, “a”, da Lei n. 9.249/1995.

No tocante à teletriagem, vale observar que a atividade não pode ser caracterizada como serviço hospitalar quando realizada durante as consultas médicas. A exceção à caracterização como serviço hospitalar para fins do lucro presumido seriam os casos em que o atendimento é realizado em regime de urgência.

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1 Constituição Federal: “Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

2 Constituição Federal: “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

3 Ou proporcional ao número de meses do período, quando inferior a 12 (doze) meses, conforme art. 13 da Lei n. 9.718, de 27 de novembro de 1998.

4 Lei n. 9.718/1998, art. 14.

5 Lei n. 9.249, de 26 de dezembro de 1995, arts. 15 e 20; Lei n. 9.430, de 27 dezembro de 1996, art. 25.

6 FERRAGUT, Maria Rita. Presunções no direito tributário. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin do Brasil, 2005, p. 228.

7 Lei n. 9.249/1995, art. 15, § 1º, III, e art. 20, I.

8 Lei n. 9.249/1995, art. 15, § 1º, III, “a”, e art. 20, III.

9 ANDRADE FILHO, Edmar Oliveira. Imposto de Renda das empresas: tributação do lucro presumido (IRPJ e CSLL). São Paulo: MP, 2021, p. 152.

10 CHAVES, Fernando da Silva. Inconstitucionalidades nos critérios quantitativos das regras-matriz de incidência do IRPJ e CSLL no lucro presumido para sociedades prestadoras de serviços relacionados à saúde. Revista Direito Tributário Atual v. 49, ano 39. São Paulo: IBDT, 3º quadrimestre 2021, p. 211-230.

11 HIGUCHI, Hiromi. Imposto de Renda das empresas: interpretação e prática. São Paulo: IR Publicações, 2017, p. 56.

12 Ato Declaratório Interpretativo RFB n. 19, de 07 de dezembro de 2007: “Artigo único. Para efeito de enquadramento no conceito de serviços hospitalares, a que se refere o art. 15, § 1º, inciso III, alínea “a”, da Lei n. 9.249, de 26 de dezembro de 1995, os estabelecimentos assistenciais de saúde devem dispor de estrutura material e de pessoal destinada a atender a internação de pacientes, garantir atendimento básico de diagnóstico e tratamento, com equipe clínica organizada e com prova de admissão e assistência permanente prestada por médicos, possuir serviços de enfermagem e atendimento terapêutico direto ao paciente, durante 24 horas, com disponibilidade de serviços de laboratório e radiologia, serviços de cirurgia e/ou parto, bem como registros médicos organizados para a rápida observação e acompanhamento dos casos. Parágrafo único. São também considerados hospitalares os serviços pré-hospitalares, prestados na área de urgência, realizados por meio de UTI móvel, instaladas em ambulâncias de suporte avançado (Tipo ‘D’) ou em aeronave de suporte médico (Tipo ‘E’), bem como os serviços de emergências médicas, realizados por meio de UTI móvel, instaladas em ambulâncias classificadas nos Tipos ‘A’, ‘B’, ‘C’ e ‘F’ que possuam médicos e equipamentos que possibilitem oferecer ao paciente suporte avançado de vida.” (Destacamos)

13 “Processual civil e tributário. Imposto de Renda. Lucro presumido. Contribuição social sobre o lucro. Base de cálculo. Arts. 15, § 1º, III, ‘A’, e 20 da Lei n. 9.249/95. Serviço hospitalar. Internação. Não obrigatoriedade. Interpretação teleológica da norma. Finalidade extrafiscal da tributação. Posicionamento judicial e administrativo da União. Contradição. Não provimento. 1. O art. 15, § 1º, III, ‘a’, da Lei n. 9.249/95 explicitamente concede o benefício fiscal de forma objetiva, com foco nos serviços que são prestados, e não no contribuinte que os executa. [...] 3. A redução do tributo, nos termos da lei, não teve em conta os custos arcados pelo contribuinte, mas, sim, a natureza do serviço, essencial à população por estar ligado à garantia do direito fundamental à saúde, nos termos do art. 6º da Constituição Federal. [...] 5. Deve-se entender como ‘serviços hospitalares’ aqueles que se vinculam às atividades desenvolvidas pelos hospitais, voltados diretamente à promoção da saúde. Em regra, mas não necessariamente, são prestados no interior do estabelecimento hospitalar, excluindo-se as simples consultas médicas, atividade que não se identifica com as prestadas no âmbito hospitalar, mas nos consultórios médicos. 6. Duas situações convergem para a concessão do benefício: a prestação de serviços hospitalares e que esta seja realizada por instituição que, no desenvolvimento de sua atividade, possua custos diferenciados do simples atendimento médico, sem, contudo, decorrerem estes necessariamente da internação de pacientes. [...] 8. Recurso especial não provido.” (REsp n. 951.251/PR, Rel. Min. Castro Meira, Primeira Seção, julgado em 22.04.2009, disponibilizado em 03.06.2009 – destacamos)

14 CHAVES, Fernando da Silva. Inconstitucionalidades nos critérios quantitativos das regras-matriz de incidência do IRPJ e CSLL no lucro presumido para sociedades prestadoras de serviços relacionados à saúde. Revista Direito Tributário Atual v. 49, ano 39. São Paulo: IBDT, 3º quadrimestre 2021, p. 211-230.

15 CHAVES, Fernando da Silva. Inconstitucionalidades nos critérios quantitativos das regras-matriz de incidência do IRPJ e CSLL no lucro presumido para sociedades prestadoras de serviços relacionados à saúde. Revista Direito Tributário Atual v. 49, ano 39. São Paulo: IBDT, 3º quadrimestre 2021, p. 211-230.

16 Tal conclusão decorre da leitura do inteiro teor do acórdão do Recurso Especial n. 1.116.399/BA, conforme demonstram os seguintes excertos: “[...] deve-se esclarecer que a redução da base de cálculo de IRPJ na hipótese de prestação de serviços hospitalares prevista no artigo 15, § 1º, III, ‘a’, da Lei 9.249/95, efetivamente, não abrange as simples atividades de consulta médica realizada por profissional liberal, ainda que no interior do estabelecimento hospitalar. Por conseguinte, também é certo que o benefício em questão não se aplica aos consultórios médicos situados dentro dos hospitais que só prestem consultas médicas. [...] A Corte a quo consignou que a empresa recorrida presta serviços médicos laboratoriais (fl. 389), atividade que é diretamente ligada à promoção da saúde, que demanda maquinário específico, podendo ser realizada em ambientes hospitalares ou similares, não se assemelhando a simples consultas médicas, motivo pelo qual, de acordo com a argumentação acima exposta, faz jus ao benefício em discussão [...].”

17 No que diz respeito à prestação de serviço home care, embora os atos regulamentares da Receita Federal estejam em descompasso com a atual jurisprudência do STJ, não há dúvidas de que após os julgamentos n. 1.116.399/BA e n. 951.251/PR, os referidos serviços se enquadram como serviços hospitalares. Por meio da Solução de Consulta Cosit n. 247, de 23 de outubro de 2023, a Receita Federal reconheceu que a existência de estrutura própria e a vedação à redução da base do IRPJ e da CSLL às empresas de home care extrapolam a Lei n. 9.249/1995 e a decisão proferida pelo STJ no Recurso Especial n. 1.116.399/BA, passando a adotar a redução para os serviços de assistência e internação domiciliar. Mais recentemente, a Receita Federal consolidou a adoção desse entendimento na Solução de Consulta Cosit n. 231, de 25 de julho de 2024, reforçando novamente o efeito vinculante da decisão do STJ nas manifestações emitidas pelas autoridades fiscais.

18 Art. 6º da RDC Anvisa n. 560, de 30 de agosto de 2021.

19 CHAVES, Fernando da Silva. Inconstitucionalidades nos critérios quantitativos das regras-matriz de incidência do IRPJ e CSLL no lucro presumido para sociedades prestadoras de serviços relacionados à saúde. Revista Direito Tributário Atual v. 49, ano 39. São Paulo: IBDT, 3º quadrimestre 2021, p. 211-230, p. 228.

20 Vide, como exemplo, Solução de Consulta Disit/SRRF07 n. 7.003, de 25 de fevereiro de 2022: “Para fins de aplicação do percentual de presunção de 8% (oito por cento), a ser aplicado sobre a receita bruta auferida pela pessoa jurídica com vistas à determinação da base de cálculo do imposto de renda apurado na forma do lucro presumido, consideram-se serviços hospitalares aqueles que se vinculam às atividades desenvolvidas pelos hospitais, voltados diretamente à promoção da saúde, prestados pelos estabelecimentos assistenciais de saúde que desenvolvem as atividades previstas nas atribuições 1 a 4 da RDC Anvisa n. 50, de 2002. Para essa finalidade, não são considerados serviços hospitalares as atividades que não possuam custos diferenciados das simples consultas médicas, os serviços prestados com utilização de ambiente de terceiro, os serviços médico ambulatoriais com recursos para realização de exames complementares e os serviços médicos prestados em residência, sejam eles coletivos ou particulares (home care). [...]” (Destacamos)

21 Vide, por exemplo, o Acórdão n. 1401-006.085 – Primeira Seção de Julgamento/Quarta Câmara/Primeira Turma Ordinária, Tel. Cons. Lucas Issa Halah, julgado em 07.12.2021, em que ficou consignado que “a expressão ‘serviços hospitalares’ para fins de quantificação do lucro presumido por meio do percentual mitigado de 8%, inferior àquele de 32% dispensado aos serviços em geral, deve ser objetivamente interpretado e alcança todas as atividades tipicamente promovidas em hospitais, mesmo eventualmente prestadas em ambientes externos ou por outras pessoas jurídicas”.

22 Por todos, verificar Apelação n. 0001716-64.2015.4.03.6128, Quarta Turma, Rel. Des. Marcelo Saraiva, julgado em 19.05.2020.

23 Súmula n. 7 do STJ: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja Recurso Especial.”

24 MIGUEL, Fernando Gomes. Consentimento e telemedicina após a Resolução CFM 2.314/22. Revista Consultor Jurídico, 12 de julho de 2022.

25 Resolução CFM n. 2.314/2022:

“Art. 6º A TELECONSULTA é a consulta médica não presencial, mediada por TDICs, com médico e paciente localizados em diferentes espaços.”

26 O entendimento de que as receitas obtidas com simples consultas médicas, mesmo quando realizadas em ambiente hospitalar ou similar, não são elegíveis ao tratamento diferenciado do lucro presumido objeto do presente estudo vem sendo reiterado tanto pela Primeira quanto pela Segunda Turma do STJ. Vide: AgInt no AREsp n. 2.339.828/RS, Primeira Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 26.02.2024, publicado no DJe de 29.02.2024; AgInt no REsp n. 2.071.846/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 18.12.2023, publicado no DJe de 20.12.2023.

27 Os subitens do item 4 da Resolução n. 50, de 21 de fevereiro de 2002, da Anvisa são: patologia clínica, imagenologia, métodos gráficos, anatomia patológica e citopatologia, realização de procedimentos cirúrgicos e endoscópicos, desenvolvimento de atividades de reabilitação em pacientes externos e internos, desenvolvimento de atividades de radioterapia, desenvolvimento de atividades de quimioterapia, desenvolvimento de atividades relacionadas ao leite humano.

28 Subatividade 3.3.1 do Item 3 – Prestação de atendimento de assistência à saúde em regime de internação.