Crise Epistêmica no Direito Tributário Contemporâneo: do Esgotamento do Formalismo Normativista aos Riscos do Solidarismo Fiscal

Epistemic Crisis in Contemporary Tax Law: from the Exhaustion of Normative Formalism to the Risks of Fiscal Solidarity

Arthur Maria Ferreira Neto

Mestre e Doutor em Direito (UFRGS) e em Filosofia (PUCRS). Professor Adjunto de Direito Tributário na UFRGS. Professor Permanente do Programa de Pós-graduação em Direito da UFRGS. Advogado e Vice-Presidente do TARF-RS. E-mail: aferreiraneto@yahoo.com.br.

https://doi.org/10.46801/2595-6280.56.28.2024.2532

Resumo

O presente artigo tem a finalidade de analisar as causas e os efeitos de uma possível crise epistêmica que está afetando o direito tributário brasileiro contemporâneo. Argumenta-se que está em curso nesse campo da ciência do direito uma ruptura no paradigma tradicional do direito tributário, o que vem provocando em uma fase de desordem e insegurança conceitual. O texto argumenta que o formalismo normativista, que historicamente fundamentou a disciplina tributária, atingiu seu ponto de esgotamento diante das mudanças sociais, dos avanços tecnológicos e econômicos, os quais levaram a uma insatisfação das respostas apresentadas por essa tradição teórica nas questões práticas do direito tributário. Feito tal diagnóstico, o artigo propõe uma análise crítica da transição paradigmática em curso, destacando a surgimento de uma nova corrente de pensamento denominada “Solidarismo Fiscal”. Essa nova proposta, ainda em fase de consolidação, modifica profundamente os pressupostos do direito tributário, justificando a tributação em interpretação aberta das cláusulas constitucionais que limitam o poder de tributar, inclusive gerando riscos de relativização das garantias fundamentais do contribuinte.

Palavras-chave: direito tributário, pressupostos teóricos, crise epistêmica, solidarismo fiscal.

Abstract

This article aims to analyze the causes and effects of a potential epistemic crisis affecting contemporary Brazilian tax law. It argues that a rupture in the traditional paradigm of tax law is underway, leading to a phase of conceptual disorder and insecurity within this legal science field. The text contends that normative formalism, which historically grounded tax discipline, has reached a point of exhaustion due to social, technological, and economic changes. These changes have generated dissatisfaction with the responses provided by this theoretical tradition in practical tax law issues. Having made this diagnosis, the article proposes a critical analysis of the ongoing paradigmatic transition, highlighting the emergence of a new line of thought termed “Fiscal Solidarism”. This novel proposal, still in the consolidation phase, profoundly alters the assumptions of tax law, justifying taxation through an open interpretation of constitutional clauses limiting the power to tax, thereby posing risks of relativizing fundamental taxpayer guarantees.

Keywords: tax law, theoretical assumptions, epistemic crisis, fiscal solidarism.

1. Introdução

Imaginem um futuro distópico em que determinado campo do conhecimento é subitamente destruído como consequência de uma catástrofe, na medida em que o público em geral veio a culpar a comunidade científica pela ocorrência de uma série de desastres naturais. Nesse cenário de crise, ocorrem revoltas populares contra bibliotecas, destruição de laboratórios e a queima de livros e de instrumentos de pesquisa. Como golpe final, um grupo político assume o poder e bane totalmente das escolas e universidades o ensino do conhecimento científico, colocando na prisão e executando aqueles que antes eram considerados cientistas, os quais foram acusados e condenados por suas teorias “perversas” e pelas práticas que haviam provocado, na sociedade, tamanho “atraso” e “retrocesso”. Algum tempo após essa fase conturbada, exsurge um novo movimento de reação contra aquela postura que havia atacado as ciências, sendo que esse é formado por intelectuais esclarecidos que assumem a tarefa de reavivar a cultura epistêmica que se perdeu. Assim, os novos iluministas, mesmo que tenham esquecido e perdido grande parte do conhecimento antes acumulado, passam a reorganizar e reestruturar todo esse campo científico, mas o fazem apenas com base em teorias resgatadas pela metade, valendo-se de capítulos soltos de livros e de trechos ilegíveis de artigos acadêmicos, tendo, pois, acesso limitado e parcial às lições que formavam o sistema teórico ordenado no passado. Mesmo assim, a nova classe de intelectuais reincorpora todos esses fragmentos em um novo modelo de prática científica, ressuscitando e recolocando em uso os antigos termos como “física”, “química” e “biologia”. A partir daí, todos os operadores dessa nova ciência passam a agir e argumentar como se estivessem mais uma vez diante de um modelo teórico hígido, coeso e consistente, não se dando conta de que essa nova forma de ordenar o pensamento foi construída em cima de bases fragmentadas, com parte relevante da matriz cognitiva originária totalmente perdida. Agem assim, por exemplo, como se realizassem um experimento químico, tendo apenas conhecimento de alguns dos elementos que compõem a Tabela Periódica. Com isso, sem que quase ninguém perceba, esses indivíduos continuam a utilizar as mesmas expressões da antiga ciência (e.g., “neutrino”, “gravidade”, “peso” etc.), mas essas, agora, não só passam a apresentar significados distintos daqueles que antes prevaleciam, como também passam a oscilar de sentido a depender de quem as estiver utilizando, tendo em vista a maior ou menor proximidade com o padrão científico que, na primeira fase relatada, sofreu os efeitos daquele processo destrutivo. Isso ocorre porque as crenças-base que pautavam o uso das expressões científicas no passado também se perderam, de modo que a invocação desses termos passa a entendida como uma manifestação de algo subjetivo ou como resultado de uma simples escolha do intérprete. Nesse novo contexto, não obstante haja um simulacro de ciência, em que os cientistas continuam a aplicar aqueles conceitos tradicionais, com aparência de sistematicidade e com ares de coerência, a perda da moldura epistêmica que dava suporte e fundamento objetivo à antiga prática científica acaba criando um cenário de desordem e insegurança, em que premissas não são mais compartilhadas, significados mínimos acerca de conceitos fundamentais não são mais consensualizados e nenhum argumento racional definitivo pode ser invocado para encerrar conflitos de compreensão e de interpretação dessa prática.

A descrição desse mundo imaginário, típica de uma obra de ficção científica, é a reprodução quase literal das primeiras páginas do hoje clássico de Alasdair Macintyre, Depois da virtude1, em que o filósofo escocês projeta o cenário hipotético acima detalhado como provocação ao leitor para ilustrar como, atualmente, compreendemos o ambiente de discussão envolvendo questões morais. Segundo ele, estamos vivendo, hoje, um período em que não mais compartilhamos – sequer minimamente – um esquema conceitual básico acerca da moralidade, de modo que há uma absoluta fragmentação nas premissas que fundamentam e direcionam o entendimento acerca de como o ser humano deve agir, o que causa uma completa desordem discursiva na forma como usamos argumentos morais para resolver disputas e divergências em sociedade. Isso, por sua vez, culmina (i) na perda de qualquer base linguística comum acerca da definição do certo e errado, (ii) em um déficit de inteligibilidade e de comunicabilidade entre aqueles que participam dessa esfera de conhecimento e, por fim, (iii) na polarização extrema das visões de mundo, as quais passam a ser radicalmente rivais e acabam tornando qualquer debate acadêmico sobre o bom, o justo e o correto em um empreendimento eterno, ou seja, uma atividade discursiva que não tem chance de ser resolvida com base em elementos racionais.

Neste ponto da presente Introdução, caberia questionar como a descrição desse hipotético estado de desordem imaginado nos parágrafos anteriores teria alguma pertinência e relevância ao direito tributário brasileiro.

Ora, por acaso, estaríamos passando por uma fase na evolução da nossa ciência tributária em que seria possível identificar um profundo rompimento com os fundamentos tradicionais dessa disciplina jurídica, o que estaria ocorrendo por meio de um gradual e silencioso movimento acadêmico de revisão no sentido normativo original daqueles princípios que, antes, exerciam um papel essencial na estruturação do sistema tributário erigido pela Constituição de 1988? Seria algo de extravagante afirmar que estamos passando por uma profunda alteração na própria linguagem jurídica que utilizamos para definir e compreender o conteúdo daquelas garantias fundamentais do contribuinte (como legalidade, segurança jurídica, isonomia, capacidade contributiva etc.), as quais teriam sido consagradas em nosso Texto Constitucional com o claro propósito de não apenas proteger o indivíduo, mas limitar o poder estatal? Seria exagero sustentar que, com frequência, os argumentos jurídicos que são utilizados pelos contribuintes na defesa de seus interesses fundamentam-se em critérios completamente diferentes daqueles que são compreendidos como adequados e razoáveis pelos agentes públicos que buscam preservar os interesses fiscais, de modo que não estamos mais apenas diante de divergências interpretativas passíveis de harmonização, mas sim diante de jogos argumentativos completamente distintos, dentro dos quais, não obstante sejam usadas as mesmas palavras, participamos de uma interação linguística fragmentada e pautada em visões de mundo antagônicas que, em realidade, criam impasses inconciliáveis que somente serão encerrados (mas não resolvidos) por um ato final de poder? Seria, assim, um erro dizer que a própria função jurisdicional, hoje, quando direcionada à apaziguação de conflitos tributários acaba se valendo de premissas básicas oscilantes, contingentes e até aleatórias, as quais, mesmo para o operador do direito mais preparado e experiente, dificilmente poderão ser conhecidas com antecedência, salvo por sorte ou adivinhação, de modo que as decisões judiciais definitivas acabam provocando surpresa e espanto pelo seu aspecto de ineditismo e pelo seu traço inovador da ordem jurídica, tal como se o critério decisório adotado não estivesse fundamentado nem no direito posto nem na tradição consolidada de nossa práxis tributária?

Pois bem, neste artigo, não apenas entendemos que todas essas questões necessitam ser enfrentadas com máxima urgência, mas pressupomos também que todos esses questionamentos assumem aspectos verdadeiros (ou, no mínimo, bastante verossímeis) acerca da nossa teoria e nossa prática do direito tributário. De outro lado, soa inverídica a pressuposição de que esse ramo jurídico segue completamente inalterado nas últimas décadas, de modo que continuaríamos a adotar os mesmos fundamentos, princípios e linguagem utilizados desde outubro de 1988, como se os critérios de resolução de conflitos fossem, materialmente, idênticos àqueles aplicáveis quando da promulgação da atual Constituição Brasileira. Outrossim, também aparenta ser bastante implausível a sugestão de que, mesmo em se aceitando como evidente o fato de o direito tributário brasileiro estar passando por profundas alterações, o conteúdo sendo atribuído às regras e aos princípios constitucionais próprios desse ramo jurídico estaria somente agora revelando o seu real sentido, de modo que, graças a avanços doutrinários mais recentes, estar-se-ia, finalmente, concretizando a verdadeira ordem de valores que teria sido desejada, desde o início, pelo “espírito” da nossa Constituição, o qual, porém, infelizmente, nunca pode antes se manifestar por causa de uma dogmática tributária dominante que – hoje sabemos – mostrou-se retrógrada e ultrapassada.

Diante de tudo isso, pode-se afirmar que, nos últimos anos, o direito tributário brasileiro vem vivenciando curioso e preocupante – mas em certo sentido previsível – fenômeno cognitivo provocador de ruptura e revisão de um dos seus mais importantes pressupostos teóricos, o qual, em grande medida, sempre moldou a mentalidade dos estudiosos e operadores desse ramo jurídico. Ninguém com algum conhecimento acerca dos fundamentos do direito tributário negaria que essa disciplina jurídica sempre priorizou – como pressuposto essencial e inegociável – o respeito rigoroso a determinadas formalidades a serem observadas pelo legislador e pelos demais agentes estatais quando pretendem criar, majorar ou cobrar determinada exigência tributária. Obviamente, não se quer dizer com isso que tal pressuposto não seja levado a sério nos outros campos do direito, mas é inegável que o direito tributário (juntamente com o direito penal) sempre dedicou maior prestígio e importância ao papel que as formas jurídicas devem exercer na configuração dos comandos que autorizam o Estado a usar do seu poder para ingressar na esfera privada dos particulares, impondo-lhes determinado ônus ou exigindo deles determinada prestação.

Neste texto, portanto, pretende-se, de modo breve, resgatar os pressupostos que foram considerados essenciais pela tradição teórica responsável, no final do século passado, pela construção da ciência do direito tributário no Brasil, qual seja aquela que pode ser denominada de formalismo normativista2. Tal tarefa deve ser, aqui, realizada não por nostalgia nem por admiração a tal paradigma científico, mas para que sejam detalhados os motivos que levaram essa tradição ao seu ponto de esgotamento, o que se deu pela identificação, dentro da comunidade científica e por operadores do direito, de alguns defeitos e limites nesse modelo teórico, provocado por reducionismos e falhas descritivas na explicação do fenômeno da tributação, os quais, gradualmente, começaram a demonstrar a sua insuficiência no real enfrentamento de novos problemas práticos que surgiram nas últimas décadas no campo tributário.

No entanto, a proclamação acima de uma possível superação paradigmática não pode ser compreendida como algo incontroverso – há vozes de respeito que negariam a sua ocorrência – nem como indicativo de que uma moldura epistêmica alternativa já esteja plenamente consolidada e estabelecida no seu lugar. Em verdade, é provável que, hoje, estejamos vivendo uma fase de ruptura e transição no direito tributário brasileiro, em que, de um lado, se compartilha a percepção de que o paradigma formador da nossa disciplina jurídica esteja em declínio e no caminho, ao menos em parte, de ser abandonado, mas, de outro, percebe-se a expansão de um senso de disputa entre visões antagônicas, em que cada uma defende aquela que seria a forma mais razoável de se compreender e regular a nossa prática tributária, sendo que, entre essas, não há mais consensos mínimos, mas apenas a exaltação de certa prioridade na importância de determinado mandamento constitucional, o qual projeta uma ordem valorativa que, certamente, não será aceita por aqueles em posição oposta. Esse cenário fragmentado de competição entre propostas teóricas rivais, por razões óbvias, serve, não para conter, mas sim para aumentar os focos de dissenso e de divergência sobre o modo correto de se definir o conteúdo do Sistema Tributário Nacional, criando, assim, um ambiente de dúvidas e incertezas acerca do modo de se interpretar essas normas constitucionais que foram projetadas no final do século passado, mas que necessitarão ser aplicadas a uma realidade brasileira profundamente diferente daquela que existia quando essas foram promulgadas.

Precisamente nesse panorama de fragmentação e disputa que vislumbramos o nascimento de uma nova corrente de pensamento no direito tributário, a qual não mais compreende o direito tributário como estruturado em torno de claras limitações ao poder de tributar, cujo propósito central seria resguardar expectativas legítimas dos contribuintes e de controlar o ímpeto de arrecadação de receitas públicas necessárias para financiar o aparato estatal e as suas políticas públicas.

Em verdade, essa nova postura passa a visualizar o direito tributário não como apenas mais um ramo do direito público, mas como a mais importante ferramenta de mudança social que poderia ter sido inventada pela Constituição de 1988, representando, assim, o principal instrumento jurídico de combate a todo tipo de desigualdade e de injustiça que aflige a humanidade3, servindo, assim, como verdadeira panaceia que solucionará os mais complexos e difíceis problemas sociais, tal como a preservação do meio ambiente, a distribuição de renda mínima, a garantia de pleno emprego, a dedicação de tratamento equânime e fraterno a todos os grupos minoritários, o direcionamento dos indivíduos a uma vida mais saudável, dentre muitos outros objetivos nobres4.

Como se vê, tal expressiva ampliação no escopo do direito tributário não é nada sutil e, certamente, exigirá uma intensa reformatação não apenas nos seus fundamentos básicos, mas especialmente nos meios jurídicos que deverão estar disponíveis aos agentes estatais para executarem uma gama tão expressiva de finalidades. Precisamente por isso, esse ramo jurídico passa a buscar o seu suporte primário, não nos parcos dispositivos do Sistema Tributário Nacional, os quais, por óbvio, são imprestáveis para dar conta de todas essas novas metas, mas em outras seções mais genéricas e alargadas do Texto Constitucional5, as quais autorizariam uma leitura holística e aberta do escopo finalístico que representaria a verdadeira missão dos tributos a serem exigidos pelo Estado6.

Com isso, a ênfase deixa de ser o indivíduo, seus direitos fundamentais e as garantias constitucionais que servem para protegê-lo contra eventuais abusos de poder pelo Estado e por seus agentes públicos. Em realidade, ela passa a ser pautada em torno de um reconhecimento etéreo de que todos os cidadãos estão, antes de mais nada, vinculados a deveres constitucionais de solidariedade7, os quais não servem apenas como justificação moral que permitiria alguém entender por que é racional pagarmos tributos para vivermos em comunidade8, mas seriam, especificamente, o móvel primeiro de legitimação jurídica de toda a atividade estatal que envolva a criação e a cobrança de exigências tributárias, as quais, como se viu, servem agora para a concretização da integralidade dos objetivos consagrados na Constituição e para o progresso social9.

Além disso, tamanha ampliação no escopo finalístico do direito tributário não altera apenas o seu fundamento de legitimação num plano abstrato, mas passa a autorizar a elaboração (seja por edição de novas leis, seja pela releitura das leis em vigor) de uma série de novas obrigações concretas a serem cumpridas pelos contribuintes, sendo que esses deixam de ser compreendidos apenas com base na manifestação de sua capacidade contribuitiva ou com base nos benefícios estatais específicos que foram por eles custeados, mas passam a assumir um compromisso social muito mais demandante e maleável, o qual estaria estruturado em torno de um espírito amplo de cidadania fiscal10. Diante da ampliação no escopo teleológico do direito tributário e da redução na ênfase dada aos limites ao poder de tributar, essas novas obrigações concretas não precisam mais estar previstas de modo expresso e claro no texto do Sistema Tributário Nacional, mas podem ser derivadas, implicitamente, por meio da invocação de um suposto “vetor interpretativo”11 inerente ao “dever fundamental de pagar tributos”, de qualquer dispositivo da Constituição que esteja anunciando a importância de um daqueles objetivos louváveis que passarão a ser promovidos por meio da exigência de tributos.

Sem rejeitar o mérito de um esforço teórico que propõe repensar determinado ramo do direito para que esse tenha ampliado o seu campo de atuação com o intuito de resolver inúmeros problemas sociais que a todos deveriam preocupar, não se pode deixar de perceber que quanto maiores e mais complexas as demandas que ficarão a cargo do direito tributário, também serão, por consequência lógica, mais amplos e mais intensos os instrumentos de poder que necessitarão ser exercitados pelo Estado para a execução das respectivas tarefas necessárias na concretização direta desses relevantes fins projetados pela Constituição. Mais uma vez, mesmo que se entenda que tal proposta teórica seja a mais justa e razoável, é fundamental demonstrar e justificar se (e como) essa opção foi, efetivamente, aquela desejada e estruturada pelo nosso Texto Constitucional, principalmente considerando que a concessão de poderes mais abertos aos entes estatais para intervenção em quase todas as dimensões da esfera individual, combinada com uma releitura do Sistema Constitucional que passa a dar menos ênfase às ferramentas de controle e aos limites rigorosos ao poder de tributar, pode levar, como um efeito colateral indesejado, à criação de um ambiente de tributação dotado de menos segurança jurídica para agentes econômicos e com riscos de ocorrência de uma gradual relativização das garantias fundamentais do contribuinte.

Com efeito, a segunda parte do presente artigo pretende analisar precisamente essa nova tendência teórica – que aqui podemos denominar de “Solidarismo Fiscal” – sendo desenvolvida, desde a década passada, em muitos ambientes acadêmicos no Brasil, formando, assim, um grupo de professores, pesquisadores e profissionais que poderiam ser enquadrados, para fins didáticos, em uma nova “Escola do Dever Fundamental de Pagar Tributos – EDFPT”12. Pois bem, partindo-se da ruptura epistêmica inicialmente descrita, pretende-se avaliar os pressupostos e os riscos dessa nova corrente de pensamento que, mesmo não sendo ainda dominante, vem conquistando o coração de estudantes e de profissionais do direito tributário, principalmente aqueles que atuam no setor público, e vem ganhando espaço e prevalência junto ao Poder Judiciário, especialmente nos Tribunais Superiores.

2. A tradição formalista do direito tributário: seus fundamentos e a sua superação pela escola do solidarismo fiscal

O direito tributário, em sua origem histórica no Brasil13, sempre tratou os aspectos formais da tributação, ao menos no plano teórico, com grande precisão e sistematicidade14. Por isso, desde os bancos da faculdade, os estudantes que recebem as primeiras lições de direito tributário aprendem que essa área jurídica somente pode ser compreendida e praticada se forem seguidas, com máximo rigor, as noções de legalidade estrita, tipicidade fechada, interpretação restritiva, desconsideração das consequências econômicas da tributação etc. Assim, de certo modo, está implantado no DNA de todo tributarista (ao menos no Brasil) um tipo de pensamento naturalmente inclinado ao formalismo e ao normativismo15, pressupondo que o direito tributário somente será dotado de alguma objetividade e controlabilidade se a resolução dos conflitos surgidos nesse campo jurídico depender exclusivamente daquilo que se puder extrair do texto expresso da lei.

Daí a extrema relevância que, no passado, os operadores do direito tributário deram à segurança jurídica (na produção e na interpretação do direito), à legalidade e ao estudo detalhado dos elementos internos da norma tributária (e.g., do fato gerador, da hipótese de incidência, da regra-matriz de incidência tributária etc.). Por essa razão, não chega a ser surpresa que esse campo jurídico sempre veio a ser o terreno fértil para o desenvolvimento de propostas teóricas vinculadas ao positivismo jurídico, as quais, invariavelmente, priorizam um grau maior de controle formal na aplicação do direito ou até dedicam atenção exclusiva à depuração analítica de cada elemento conceitual que seria capaz explicar, de modo pretensamente exaustivo, o fenômeno tributário.

Mesmo que nenhum paradigma teórico seja desenvolvido e fixado por apenas uma pessoa, não seria equivocado apontar um nome como sendo aquele principal responsável pela formulação dessa propedêutica que se mostra tão influente no pensamento jurídico-tributário brasileiro. Sem risco de exagerar, Alfredo Augusto Becker pode ser considerado aquele jurista que veio a costurar tão profundamente no campo tributário os pressupostos do formalismo e do normativismo. O seu Teoria geral do direito tributário16 pode ser lido como um esforço para se constituir uma ciência pura do direito tributário pautada precisamente em torno do ideário do formalismo kantiano e do positivismo kelseniano. Para Becker, na metade do século passado, os profissionais da área tributária estariam sofrendo de uma patologia intelectual, o que justificaria o diagnóstico de estarmos vivendo em um “manicômio jurídico tributário”17. Por isso, a “terapêutica” que poderia modificar essa “atitude mental”18 exigiria uma brusca mudança de postura por parte do aplicador do direito tributário, o qual deveria assumir uma perspectiva puramente “científica” diante do fenômeno jurídico, sendo que “científico” aqui seria definido por meio da compreensão exclusiva dos elementos estruturais da norma tributária produzida conforme o seu procedimento formal de feitura.

Portanto, de acordo com a visão que, em grande medida, fundou a dogmática tributária brasileira, inexistiria qualquer elemento de objetividade ou racionalidade que pudesse ser anterior ao direito positivo vigente19, na medida em que o intérprete da lei tributária deveria dedicar-se, exclusivamente, ao “estudo da estrutura lógica e da atuação dinâmica da regra jurídica”, atividade essa que poderia ser resumida em duas etapas, quais sejam “a) em analisar o fenômeno da criação do instrumento (regra jurídica)...;” e “b) em analisar a consistência do instrumento (regra jurídica) e o fenômeno de sua atuação”20.

De outro lado, esse processo ideal de purificação do direito tributário21 exigiria que fossem sumariamente excluídos do campo de análise do “jurista” todos os aspectos da realidade que não estivessem presentes, formalmente, na lei tributária, impondo, assim, fosse tratado como invisível ou como irrelevante tudo aquilo que Becker considerava “pré-jurídico” e, portanto, ilegítimo de ser invocado ou reconhecido dentro do campo de deliberação científica do profissional do direito tributário. E nessa seara de cognição, encontraríamos os elementos da ciência das finanças, os fundamentos de política fiscal que poderia ter sido adotada pelo legislador, os efeitos sociais e econômicos da tributação etc.22 Tais elementos, para Becker, seriam invariavelmente oscilantes e contingentes, de modo que jamais poderiam ser controlados nem adequadamente conhecidos por nenhum operador do direito. Portanto, de acordo com essa matriz de pensamento que tanta influência exerce ainda hoje em nossa prática tributária, especulações teóricas que se escorem em tais considerações econômicas, políticas e axiológicas levariam, invariavelmente, o aplicador do direito a desenvolver tão somente raciocínios pseudojurídicos, os quais acabariam por gerar uma “conclusão invertebrada e de borracha que se molda e adapta ao caso concreto segundo o critério pessoal (arbítrio) do intérprete do direito positivo (regra jurídica)”23. E essa tentativa de fechamento completo a qualquer tipo de influência externa àquilo que já estaria presente no texto legislado carrega uma bandeira que nos apresenta uma promessa, sem dúvida alguma, valorosa, qual seja: a necessária desconsideração de todos esses aspectos “pseudojurídicos” é o preço que temos que pagar para termos segurança, estabilidade e um mínimo de tratamento igualitário de todos os indivíduos perante a lei. Portanto, para garantirmos alguma normalidade jurídica e alguma previsibilidade nas expectativas daqueles que desejam viver em uma sociedade bem ordenada (i.e., plenamente financiada com recursos públicos suficientes) será necessário descartarmos todos esses elementos das nossas deliberações tributárias, de modo que os contribuintes que tenham pretensões que não estejam já captadas pelo texto do direito positivo não merecerão ser efetivamente ouvidos. Foi precisamente essa pretensão “científica” que justificou a defesa de uma autonomia do direito tributário perante o direito financeiro, o qual, até então, absorvia o primeiro no seu escopo. Com isso, esses dois campos do direito, agora separados, passaram a ser vistos como atividades do Estado que se comunicam apenas de modo acidental, não sendo relevante a explicação de um com base no outro nem sendo necessária a legitimação recíproca das funções de arrecadação fiscal e de custeio das atividades públicas.

Tendo assim sido estruturada a dogmática tributária desde a sua fundação científica, não deveria causar espanto o fato de tal postura teórica ter alcançado, nas últimas décadas, o seu ponto de saturação, sendo hoje amplamente conhecida a crítica acadêmica24 que diagnostica certos exageros epistemológicos nessa corrente de pensamento, os quais são ilustrados pelo reducionismo de se definir o direito tributário a partir de uma perspectiva puramente descritiva e formalizada, fria e distante da realidade, a qual, desprezando aspectos relevantes do nosso texto constitucional, teria despido a atividade de tributação pelo Estado de todo e qualquer elemento considerado extranormativo (aspectos morais, econômicos, financeiros, finalísticos etc.) e teria assumido que essa poderia de ser analisada tão somente a partir do categórico respeito às formas jurídicas.

A crítica à postura tradicional da época acusa de ser extremada e radical a atitude teórica que venera a “forma pela forma” e que defende uma observância incondicional da lei tributária, na medida em que, muitas vezes, o desejo de se respeitar certas formalidades jurídicas como um fim em si acaba provocando (de modo intencional ou não) um bloqueio intelectual na nossa capacidade de visualizar e de responder a questões tributárias substanciais, as quais, enquanto pretensões não captáveis pela mera sistematização de aspectos jurídicos formais, sequer são compreendidas como um problema real a ser enfrentado ou ainda são vistas como um falso dilema.

Diante disso, parte relevante da comunidade científica do direito tributário brasileiro acabou percebendo que esse reducionismo teórico não seria mais capaz de resolver os problemas práticos surgidos em um ambiente econômico cada dia mais complexo, dinâmico e internacionalizado, motivo pelo qual a tradição do formalismo tributário – que exerceu um papel importante nos anos de fundação desse ramo jurídico – deveria ter seus fundamentos profundamente revistos ou até ser abandonada na íntegra e com máxima urgência.

Ao se entender como necessária a ruptura com o paradigma do formalismo normativista que imperou no direito tributário desde a sua fundação científica, acabou-se abrindo espaço para a introdução de outras propostas teóricas rivais, as quais, longe de serem um monólito homogêneo de ideias, organizaram-se em tornos das mais variadas escolas de pensamento (e.g., interpretativismo, pragmatismo, neoconstitucionalismo, jusnaturalismo etc.), cada uma com seus pressupostos extraídos da filosofia, da teoria do direito e do direito constitucional. Ocorre que muitas das premissas adotadas por cada uma dessas tradições concorrentes acabam sendo, entre si, antagônicas e inconciliáveis.

Por isso, tal como ocorre em qualquer movimento reformista de uma tradição25, estamos vivendo, hoje no Brasil, um período histórico de ampla fragmentação de ideias e de teorias acerca de como deve ser concebido, estruturado e regulado o direito tributário. Isso, por sua vez, vem provocando graves focos de divergências e de incoerências na interpretação e aplicação do direito tributário, principalmente por parte dos Tribunais, na medida em que, hoje, diferentes critérios de compreensão do fenômeno tributário e de fundamentação do nosso Sistema Constitucional são, simultaneamente, oferecidos como sendo o modo adequado de resolução desses conflitos jurídicos, mesmo que não se perceba com clareza que muitos desses critérios são, entre si, incompatíveis. Isso, porém, pode ser visto como um reflexo natural da disputa por espaço dessas ideias rivais num ambiente em que não há mais consensos teóricos básicos, o que cria, sabidamente, dificuldades comunicativas e provoca frustrações nos operadores do direito tributário que anseiam por um modelo teórico minimamente coeso e objetivo, o qual consiga garantir que a sua prática profissional volte a ser vista como ancorada na aplicação segura de uma técnica e não meramente como uma atividade desgovernada que segue apenas a manifestação episódica de decisões aleatórias oriundas do mero arbítrio daqueles em posição de poder.

De outro lado, também se sabe (talvez intuitivamente) que esse cenário de discórdia quanto aos pressupostos básicos do direito tributário poderá perdurar até o momento da consolidação do novo paradigma teórico que ainda irá se firmar e que deverá prevalecer após esse período desordenado de transição, o qual, infelizmente, não temos como antecipar quanto tempo demorará para ser superado26.

Pois bem, passemos a analisar, criticamente, a proposta teórica que, aos poucos, vem ganhando um volume relevante de adeptos e vem influenciando a fundamentação de importantes decisões proferidas pelos órgãos superiores do Poder Judiciário, a qual, aqui, denominamos de “Solidarismo Fiscal”.

3. O surgimento do solidarismo fiscal: do ataque total às formas jurídicas e os riscos de relativização de garantias do contribuinte

3.1. Da crítica radical ao formalismo ao menosprezo na função de legitimação das formas jurídicas

Considerando os objetivos centrais deste estudo, merece destaque, dentre as propostas teóricas rivais antes mencionadas, aquela que, provavelmente, assumiu a atitude mais firme e fervorosa contra os pilares formalistas que ergueram o direito tributário clássico. Essa escola de pensamento, mirando – com razão – nos limites e nos defeitos do formalismo normativo dominante no direito tributário brasileiro desde o século passado, empenhou-se em atacar de frente os problemas identificados nessa tradição, a qual deveria ser considerada, de acordo com essa visão, ultrapassada, retrógrada e mantenedora do status quo de alguns setores abastados da sociedade. Por isso, a adoção desse antigo paradigma seria muito prejudicial à “verdadeira” concretização dos mandamentos constitucionais que impõem a efetivação simultânea de inúmeros fins e objetivos públicos, o que, por sua vez, teria levado à criação de um dever fundamental de financiamento de múltiplos direitos sociais que necessitariam ser custeados por meio do pleno exercício de competências tributárias e por uma arrecadação “ótima”27 e não mais apenas, politicamente, aceitável28.

Portanto, esse novo modelo teórico substitutivo assumiu, com prioridade, a tarefa de extirpar qualquer elemento que pudesse lembrar aquilo que havia causado as falhas do paradigma científico anterior, o qual, na sua esterilidade formalista, havia fracassado não apenas no enfrentamento adequado de problemas de ordem fiscal, como também na sua incapacidade de dar conta daqueles conflitos sociais que geram injustiças e situações de desigualdade, presumindo-se, assim, que todos esses estão no escopo e sob responsabilidade do direito tributário.

No entanto, não obstante a nobreza dessas intenções, na verve de se atacar os males do formalismo normativista, acabou-se aviltando e depreciando – de forma consciente ou não – a dimensão meritória e valiosa que o direito sempre conectou com o respeito às formas jurídicas, na medida em que esses instrumentos formais, em regra, representam a via de legitimação dos atos sociais gerados com base em determinados ritos e protocolos, precisamente em razão da sua natureza procedimental e pública, o que, na essência, serve para garantir o reconhecimento coletivo de que esses deverão ser considerados cogentes e dignos de deferência na proteção às expectativas dos indivíduos precisamente porque agiram em observância a essas mesmas formas. Com efeito, não se poderia esquecer que a lei positiva, uma vez promulgada, tem a intenção de trazer ordem e segurança para a sociedade na qual ela foi produzida, exigindo, para tanto, respeito e obediência por parte dos seus destinatários. Uma comunidade humana carente de respeito à legislação ou na qual essa é simplesmente descumprida ou tratada com descaso jamais será capaz de se organizar nem garantir proteção mínima aos seus cidadãos. Sem lei não temos civilização nem Estado de Direito, mas apenas barbárie. Por isso, a lei positiva emana de si autoridade moral que se impõe sobre os desejos e vontades individuais, exigindo, aprioristicamente, que seus termos sejam seguidos pelos membros da sociedade, inclusive pelos próprios agentes públicos, sem lhes atribuir capacidade para decidir, caso a caso, quando os ditames legais são dignos de serem observados e cumpridos e quando esses poderão ser flexibilizados de acordo com interesses parciais ou momentâneos.

Por isso, dentro desse movimento de ataque total aos pressupostos formalistas do direito tributário, torna-se cada dia mais comum a tentativa de justificação e de pseudorracionalização dos motivos que permitiriam, em nome de um “novo direito tributário” – dito mais eficiente, mais humano e mais solidário –, fossem criadas, muitas vezes de modo ad hoc e ex post facto, hipóteses de exceção às formalidades previstas na Constituição, as quais, até então, enquanto regras jurídicas, tinham a função precípua de proteger as expectativas legítimas do contribuinte e de fixar limites ao exercício do poder estatal, mesmo que o respeito a tais formalidades pudesse culminar na assunção coletiva de determinados custos financeiros inesperados.

No entanto, ao se golpear cegamente o formalismo normativista, acabou-se, como dano colateral, deturpando o verdadeiro papel exercido pelas proteções formais que estruturavam o direito tributário do passado, de modo que essas passam a ser compreendidas com certo menosprezo, como sendo privilégio dos já privilegiados ou como sendo meros entraves e obstáculos que atrasam a construção de uma sociedade mais igualitária, solidária e cívica, a qual sempre esteve programada na Constituição de 1988, mas que, até agora, não pode ser plenamente materializada.

Ora, essa tendência pode ser identificada, com frequência, nas interpretações de “vanguarda” que sustentam estar amparada na nossa Constituição (i) a leitura da legalidade tributária como maleável ou flexível, a qual ampliaria o campo de inovação dos órgãos do Poder Executivo quando exercem as suas funções normativas29, (ii) a compreensão da anterioridade tributária como simples recomendação ao legislador que, a depender do contexto político, não necessitaria observar o período fixado no texto constitucional para a criação ou majoração de um tributo30 ou, ainda, (iii) a construção de um suposto princípio da segurança jurídica fiscal-orçamentária que autorizaria fossem resguardadas as expectativas arrecadatórias do ente tributante diante de “meros” deslizes na observância das formalidades fixadas em normas constitucionais ou diante de atitudes arbitrárias das próprias autoridades públicas responsáveis por cumprir esses procedimentos formais31.

Nesse contexto, os revisionistas da legalidade e aqueles que fazem pouco caso do respeito às formas tributárias acabam confundindo os vícios teóricos do formalismo normativista com o propósito de legitimação pública que se deseja produzir por meio da observância de procedimentos previamente estabelecidos nas fontes do direito. Dito de outro modo, aquele que relativiza a importância de se cumprir determinada forma jurídica acaba confundindo a simples manifestação exterior de ritos formais com aqueles objetivos substanciais que se quer proteger quando se entende por necessária a observância de um procedimento jurídico ou de uma prática estabelecida. Assim, o tributarista dos novos tempos interpreta, equivocadamente, o jogo de linguagem por trás do respeito à forma jurídica, como se isso fosse uma simples encenação de atos cerimoniais, cujo único propósito seria a sua própria execução, tal como se estivéssemos diante de um tabu milenar repetido acriticamente por membros de uma sociedade primitiva que ainda não foi submetida ao “movimento civilizatório” que, uma vez implementado, justificará a relativização dessas arcaicas formalidades, desprovidas de qualquer mérito. Por isso, aqueles que menosprezam a importância de serem observados os cuidados formais previstos em uma regra tributária dizem com grande convicção (ou até um ar de indiferença) frases do seguinte estilo: “ora, qual a efetiva relevância de maioria simples ou maioria qualificada na aprovação de uma lei, se formos contrastar esse mero formalismo com o enorme valor que necessitará ser retirado dos cofres públicos como consequência da invalidação desse pequeno lapso de atenção do legislador?” ou “qual a real diferença se uma lei tributária acabou sendo publicada no dia 31 de dezembro ou alguns dias depois, se, afinal, ninguém chega a ler o diário oficial e uma filigrana como essa poderá gerar um impacto bilionário na arrecadação já aguardada pelo ente estatal?” ou ainda, em um contexto mais específico, “qual a razão para se perder tempo intimando para defesa prévia um indivíduo que terá seus bens penhorados em uma execução fiscal com a qual não teve ele qualquer conexão, se já sabemos de antemão que a decretação de fraude à execução irá representar para esse terceiro uma presunção absoluta de conluio com o verdadeiro devedor?”

Por mais que alguém possa defender o mérito do novo direito tributário sendo proposto pelos defensores do Solidarismo Fiscal, o qual, como se viu, promete ser capaz de concretizar com mais intensidade todos os objetivos previstos na Constituição de 1988 e de fazer surgir uma sociedade cooperativa em que todos seremos pessoas melhores32, não se poderia, de pronto, rejeitar a suspeita de que essa nova tendência teórica cria um risco de diminuição no grau protetivo que os contribuintes passarão a receber do Sistema Tributário, agora reconfigurado a partir do conceito de um Dever Fundamental de Pagar Tributos. E essa suspeita, caso seja levada a sério e comprovada como sendo procedente, culminará em um preocupante cenário de relativização das garantias constitucionais dos contribuintes, as quais deveriam ser compreendidas como categóricas e inegociáveis, independentemente dos eventuais progressos sociais que estariam, supostamente, sendo oferecidos como moeda de troca a esse tipo de flexibilização.

Portanto, analisemos, em seguida, de modo mais detalhado, os elementos estruturantes dessa nova tradição teórica, bem como os eventuais riscos de sua plena implementação.

3.2. As influências doutrinárias do Solidarismo Fiscal no direito tributário brasileiro

Assumindo-se o risco de se cometer injustiça ao se deixar de fora algum nome relevante, pode-se dizer que, dentro do contexto jurídico brasileiro, três foram os juristas que, originalmente, inspiraram a formulação da corrente de pensamento aqui denominada de Solidarismo Fiscal, quais sejam: José Casalta Nabais, Ricardo Lobo Torres e Marco Aurélio Greco. Isso significa dizer que todos os autores nacionais citados até aqui neste artigo e que podem ser identificados como filiados a essa escola de pensamento jurídico dão crédito e reconhecem expressamente a influência exercida por essa “Santíssima Trindade” na formulação de um novo direito tributário.

O primeiro – renomado Professor Catedrático da Universidade de Coimbra – é, sem dúvida, a voz estrangeira mais prestigiada no que diz respeito à formação da nova tradição de pensamento que fundamenta o Direito Tributário brasileiro com base na “solidariedade” e no “dever fundamental de pagar tributos”, mesmo que a sua obra clássica33 não seja, propriamente, dedicada à análise específica do Sistema Tributário estruturado pela Constituição de 1988, na medida em que ela é mais bem compreendida como desenvolvendo uma proposta de Teoria da Justiça articulada em torno do dever constitucional de pagar “impostos” a partir da noção, em abstrato, de Estado Fiscal34. Independentemente da importância do pensamento de Nabais na construção dos pilares do Solidarismo Fiscal no Brasil, uma leitura honesta e detalhada do seu projeto teórico, com espaço para expor com transparência as suas eventuais obscuridades e contradições, demandaria um estudo mais aprofundado, o qual não caberia neste texto. De qualquer modo, cabe aqui apenas mencionar que o próprio Professor Nabais, publicamente e em inúmeras ocasiões, já anunciou que as suas ideias não foram bem compreendidas por parte relevante dos leitores brasileiros nem poderiam ser elas, automaticamente, incorporadas pela nossa prática tributária, sem uma prévia filtragem dessas proposições teóricas para confirmar sua compatibilidade com o conteúdo normativo particular da nossa Constituição35.

Já o Professor Lobo Torres pode ser reconhecido como aquele que veio a plantar a semente das ideias solidaristas no campo tributário junto a importantes instituições acadêmicas localizadas no Rio de Janeiro, principalmente junto à Universidade em que exerceu suas atividades docentes (UERJ), e em Minas Gerais, germinando assim uma nova geração de juristas que aprofundaram e difundiram, com muito sucesso, as bases teóricas dessa corrente de pensamento, podendo aqui ser mencionados, sem prejuízo de outros nomes relevantes, os Professores Sergio André Rocha (também da UERJ)36 e Marciano Seabra de Godoi (PUC-Minas)37. Um fator intrigante que merece destaque acerca do efetivo papel exercido por Lobo Torres na fixação das bases da escola do Dever Fundamental de Pagar Tributos – EDFPT é saber se a sua participação poderia ser compreendida como algo consciente ou intencional e se ele iria, caso ainda fosse vivo hoje, aderir a tal postura, principalmente considerando os caminhos interpretativos e aplicativos que tais preceitos teóricos acabaram trilhando no campo da prática tributária, em especial por parte do Poder Judiciário, o qual vem ressignificando, intensamente, o conteúdo das garantias fundamentais do contribuinte. Ora, de um lado, é inegável que Lobo Torres foi pioneiro ao propor uma refundação do Direito Tributário brasileiro, principalmente em período de total dominação positivista38, a qual, segundo ele, deveria voltar a dar atenção às bases éticas da tributação39, reordenando-as em torno do conceito de solidariedade40 e de justiça, especificamente em sentido aristotélico (i.e., distributiva e comutativa)41. Tais aspectos da sua obra, sem dúvida, permitem identificar com clareza a influência do seu pensamento na formação dos pressupostos adotados pela nova tradição do Solidarismo Fiscal. No entanto, não deixa de causar um certo estranhamento a postura de desconfiança que Lobo Torres adota diante da invocação de argumento de “solidariedade social” por parte de representantes do Estado quando pretendem legitimar determinadas exigências tributárias concretas, como vemos na sua forte crítica contra a “distorção sistêmica” provocada pela cobrança de contribuições sociais que ele chama de “exóticas”, o que teria sido viabilizado, segundo ele, por decisões inovadoras do Supremo Tribunal Federal42. Isso, portanto, nos autorizaria a especular se esse “Pai Fundador” do Solidarismo Fiscal no Brasil não teria, em realidade, assumido uma postura um tanto contida no que se refere ao uso amplo de argumentos de solidariedade na justificação concreta de determinada exigência tributária, de modo que ele estaria mais próximo da postura – por nós compartilhada – de que tal conceito, assim como o do “dever fundamental de pagar tributos”, representaria fundamentação de cunho moral que mais explicaria a necessidade ética da tributação na organização da vida em sociedade43 do que propriamente permitiria a estipulação concreta de qualquer obrigação tributária a ser imputada ao contribuinte, com suporte imediato nessa terminologia aberta e indeterminada.

Por fim, merece menção especial o sempre inovador (e provocativo) trabalho acadêmico desenvolvido por Marco Aurélio Greco, o qual continua sendo, hoje, o principal proponente e influenciador dessa corrente de pensamento que ainda se encontra em consolidação no Brasil. Greco, em sua vasta obra, desenvolve – com grande transparência e profundidade – aqueles que podem ser compreendidos como os pilares do Solidarismo Fiscal. Tais elementos podem ser identificados (i) na sua contundente crítica ao formalismo que dominou o Direito Tributário brasileiro44 desde a sua fundação (no período da Ditadura Militar45) até as últimas décadas, (ii) na sua defesa de uma compreensão funcionalista46 da nossa prática tributária, em oposição à visão dogmática que ele denomina de causal-mecanicista47, o que abre espaço a uma metodologia jurídica mais fluída, mutável e “complexa”48, mas, ao mesmo tempo, menos controlável pelos operadores do direito e menos previsível no que se refere aos resultados jurídicos esperados (gerando risco de instauração de uma prática tributária mais suscetível a manipulações e desvios aplicativos por parte daqueles que são detentores do poder49), (iii) no seu esforço de reformular radicalmente os parâmetros de legitimidade do planejamento tributário50, o qual não mais deve ser compreendido apenas com base na afirmação da legalidade, da liberdade e da autonomia negocial dos contribuintes, mas, sim, a partir de deveres solidários e tendo em vista uma necessidade superior de efetivação dos objetivos constitucionais51, e (iv) na polêmica proposta de reconfiguração do sentido normativo da capacidade contributiva, a qual, segundo ele, deveria ser compreendida, não mais apenas pelo seu papel protetivo do indivíduo e limitador ao poder de tributar, mas especialmente pela sua função positiva, ou seja, como instrumento ativo de distribuição e imputação dos encargos tributários a serem arcados por quem manifesta determinada espécie de riqueza52. Todas essas teses inovadoras exerceram um inquestionável papel disruptivo na ciência do direito tributário brasileiro, não só servindo de instigante crítica aos autores mais tradicionais desse campo de conhecimento, mas também como centro de influência teórica na formação das novas gerações de tributaristas, de modo que Greco, sem margem a dúvidas, apresenta-se, hoje, como o pensador que desenvolve com maior intensidade e abertura as ideais do Solidarismo Fiscal no Brasil.

Não sendo objetivo deste trabalho apresentar a genealogia completa dos nomes que participam da formação dessa Escola de pensamento jurídico, vejamos, agora, quais podem ser as teorias constitucionais que inspiram o Solidarismo Fiscal.

3.3. A inspiração na hermenêutica constitucional defendida pela Teoria da “Constituição Viva” e pelo Neoconstitucionalismo

O método de interpretação constitucional defendido pelo Solidarismo Fiscal, bem como o papel que ele atribui ao Poder Judiciário na reconfiguração do texto da Constituição, de modo que os seus dispositivos sejam considerados sempre fluídos e adaptáveis a um contexto econômico evolutivo, tornam quase obrigatória a sua aproximação com a corrente do Constitucionalismo Norte-americano conhecida como a Teoria da “Constituição Viva”53 (“Living Constitution”), também chamada de “Pragmatismo Judicial” (“Judicial Pragmatism”). Essa escola hermenêutica defende que a Constituição estadunidense (no caso, um documento histórico de 1787) seria, não um texto datado no tempo, mas um conjunto de enunciados que manifestariam significados dinâmicos e mutáveis, os quais necessitariam ser adaptados, de modo espontâneo, pelo intérprete a uma sociedade que está sempre em evolução, independentemente de qualquer alteração explícita dos seus elementos textuais por meio daquele procedimento formal adequado para tanto. Tal postura defende, portanto, um intenso antiformalismo no direito, em que a observância de ritos formais são considerados irrelevantes ou um mero obstáculo ao progresso social, com prevalência do pragmatismo na interpretação da Constituição, em que os objetivos gerais anunciados no seu Texto necessitam ser concretizados imediatamente, mesmo que à margem de iniciativas políticas emanadas das Casas Legislativas, com predomínio institucional do Poder Judiciário, não só na resolução dos conflitos propriamente jurídicos, mas também diante da arena dos embates político-partidários, precisamente em razão de um certo grau de desconfiança ou incredulidade acerca da eficiência do Poder Legislativo em dar resposta tempestiva aos anseios que seriam manifestados, de modo difuso e espontâneo, pela sociedade. Por tudo isso, a Constituição deve ser compreendida como a “lei viva do país” que vai se desenvolvendo juntamente com as necessidades do povo, servindo, assim, como uma ferramenta política (dotada de revestimento jurídico) mais maleável a ser utilizada pelos agentes do Estado, em especial pelos membros do Poder Judiciário54. Aliás, tais características aproximam bastante a ideia da “Constituição Viva” aos pressupostos defendidos pelo movimento do “Neoconstitucionalismo”55, o qual, sabidamente, manifesta maior afinidade à cultura jurídica brasileira.

De outro lado, a corrente interpretativa que se opõe radicalmente ao movimento da “Constituição Viva” é conhecida como o “Originalismo”56, segundo o qual a interpretação da Constituição somente pode ser considerada legítima, ou seja, dotada de autoridade vinculante, quando o significado dos seus dispositivos for fixado com base ou numa leitura rigorosa das expressões e termos constantes do seu texto original (“Textualismo”57) ou a com base no resgate da intenção original daqueles representantes eleitos que elaboraram o respectivo documento normativo-constitucional (“Intencionalismo”58). Essa postura exegética defende o apego ao texto ou a busca pela intenção do Constituinte, pois apenas esses elementos exegéticos manifestariam algum suporte objetivo na realidade e teriam a capacidade de limitar e controlar a discricionariedade na tomada de decisão pelos juízes, os quais, sabidamente, não fundamentam a sua autoridade pública em processos eleitorais que garantiriam a eles representatividade democrática direta. Dito de outro modo, o originalista defende que o Juiz simplesmente não possui legitimidade democrática para identificar os anseios de uma sociedade que evolui, de modo a estar autorizado a concretizar tais desejos sociais por meio de suas decisões judiciais, na medida em que a própria Constituição estabelece que essa função modificativa do ordenamento jurídico pertence, exclusivamente, ao Poder Constituinte derivado, o qual teria competência exclusiva para promulgar as emendas constitucionais necessárias para converter a nova vontade do povo em direito positivo. Não haveria, portanto, no texto constitucional, dispositivo prevendo a possibilidade de sua alteração espontânea, ad hoc e ex post facto, ainda mais quando promovida por juízes não eleitos59.

Em contrapartida, os argumentos a favor da Teoria da “Constituição Viva” fundamentam-se no pressuposto de que seria inaceitável compreender o texto constitucional como um documento estanque, estático ou (assim dizem) imutável, de modo que a interpretação evolutiva seria uma exigência, não apenas razoável, mas imposta pela própria natureza do fenômeno jurídico. Além disso, defende-se que a intenção original do Constituinte seria algo inalcançável, representando, assim, um critério exegético um tanto inseguro e impassível de controlabilidade, dando margem a definições arbitrárias do que teria sido a vontade do Constituinte. Por fim, sustenta-se que Originalismo presume, em erro, que o legislador constitucional, quando da redação do texto original da Constituição, teria, conscientemente, já definido como deveriam ser solvidos todos os conflitos sociais do futuro, inclusive aqueles supervenientes e inéditos60, de modo que ao juiz caberia apenas resgatar o sentido dessas escolhas já tomadas no passado, agindo como simples “boca da lei”61.

Pois bem, analisando-se mais a fundo os argumentos defendidos pela Teoria da “Constituição Viva” (e contrapondo-os com as teses opostas sustentadas pelo “Originalismo”), as suas semelhanças com o Solidarismo Fiscal ficam bastante evidentes, principalmente considerando-se os pressupostos comuns que são compartilhados por tais correntes. Com efeito, podemos identificar no Solidarismo Fiscal as seguintes semelhanças:

i) A crença de que todos os dispositivos constitucionais que integram o Sistema Tributário Nacional possuem um sentido aberto e um grau relevante de indeterminação, o que autorizaria uma hermenêutica fluída das regras de competência tributária, adaptativa às mudanças econômicas e sociais, de modo a permitir, via exegese, a ampliação do seu escopo de incidência ao ponto de captar novas realidades econômicas não imaginadas no passado, inclusive projetando efeitos retroativos, tendo em vista que, quando se decide promover tal mudança interpretativa, essa revisão conceitual é, normalmente, considerada uma mera declaração de conteúdo que sempre esteve presente – mas de modo implícito – na respectiva regra de tributação. Para tanto, esse esforço exegético evolutivo dependerá apenas da invocação da ideia geral de um “dever fundamental de pagar tributos” ou se fundamentará em outros valores ou objetivos constitucionais62, localizados em qualquer parte do nosso vasto texto constitucional, tal como a proteção ao meio ambiente, a justiça social, a liberdade sindical, o bem-estar dos jovens, dos idosos ou de alguma outra classe social considerada desprivilegiada. Essa crença, por óbvio, não considera relevante o fato de a Constituição de 1988, especificamente na sua parte dedicada ao Direito Tributário, ter adotado uma estrutura fechada, com detalhamento de todas as cláusulas que delegam aos Entes federativos poder de tributar, tanto ao prever, de modo expresso, as bases econômicas que poderão ser alvo de tributação (propriedade, renda, mercadoria, serviço etc.), quanto ao prever regras que discriminam exaustivamente as hipóteses em que tributos poderão ser criados, inclusive com elenco taxativo das situações residuais e de exceção no uso do poder de tributar63. No entanto, para o defensor do Solidarismo Fiscal tal particularidade do nosso texto constitucional não passa de uma mera coincidência ou de um simples fato acidental da nossa realidade jurídica;

ii) Tal crença de completa abertura semântica e indeterminação de sentido das normas constitucionais tributárias leva o Solidarista a uma crítica ferrenha das teorias conceitualistas ou essencialistas aplicadas ao direito tributário, de acordo com as quais os termos e expressões utilizados no texto constitucional, mesmo que dotados de alguma abertura semântica (o que é inerente a qualquer linguagem natural), sempre projetam um núcleo duro de significação, o que, de um lado, garante uma base objetiva mínima ao direito e, de outro, impede que o intérprete se autocompreenda como sendo o veículo exclusivo de determinação de sentido de todas as normas jurídicas, como se a definição dos termos utilizados pelo legislador estivesse sempre à sua livre disposição, podendo ser alterada ou manipulada conforme seu desejo pessoal ou de acordo com os interesses em jogo64. O Solidarismo Fiscal, adotando uma postura cética em relação à nossa capacidade de usar palavras com um sentido minimamente estável e seguro, sustenta que qualquer linguagem (e ela em toda a sua extensão) é fluída, dinâmica e vaga, de modo que não haveria razão para o direito tributário ser diferente. Precisamente por isso, a sua proposta para darmos conta dessa natural vagueza da linguagem exige a aceitação de que os conflitos tributários são sempre casuísticos, motivo pelo qual não poderão ser resolvidos por meio de respostas padronizadas nem poderão depender, necessariamente, de referências feitas ao conhecimento jurídico produzido com sucesso no passado. Na verdade, afirma-se que os problemas tributários estão sempre envoltos em uma realidade que está em constante mudança e oscilação, de modo que o tributarista deve se entender como um “revolucionário” do direito posto, em prontidão para revisar qualquer conceito tradicional ou derrogar ideias que considera ultrapassadas. Por isso, recomendando-se que seu raciocínio jurídico seja casuístico (e não de universalização), sintético (e não analítico), tipológico (e não semântico) e indutivo (e não dedutivo). Assim, para o Solidarista, acreditar em conceitos jurídicos que possam projetar algum sentido determinado (ou mesmo passível de determinação por atos jurídicos posteriores à sua positivação65) representa uma postura conservadora, um sinal de atitude reacionária, na medida em que isso indicaria um operador do direito que estaria desejando uma realidade imutável e estanque, a qual – de modo idêntico ao defendido pelo movimento da “Constituição Viva” – estaria (supostamente) impedindo a plena concretização dos objetivos constitucionais, o progresso social e a adaptação aos novos tempos;

iii) Essas duas primeiras semelhanças levam também à postura antiformalista já explorada no item 3.1 deste artigo, segundo a qual a obrigatoriedade no cumprimento dos procedimentos formais previstos como via legítima de produção de direito novo ou de alteração do direito posto representaria apenas obstáculos retrógrados à implementação imediata e espontânea da verdadeira pauta axiológica projetada pela Constituição, motivo pelo qual tais formalidades teriam menor importância (ou seriam irrelevantes) diante da nobreza dos fins que se estariam alcançando66. Precisamente por isso o Solidarismo Fiscal, assim como a Teoria da “Constituição Viva”, legitima o uso da Mutação Constitucional na implementação de mudanças textuais adaptativas de uma Carta Política, o que não dependeria do procedimento de reforma previsto na própria Constituição sendo alterada, via interpretação, pelos Poderes constituídos. Um detalhe, porém, mostra-se importante relativamente ao uso da Mutação Constitucional no campo tributário, tal como pretendido pelo Solidarismo Fiscal, uma vez que tal instrumento hermenêutico não estaria, aqui, sendo invocado para intensificar a proteção de garantias individuais nem para criar um novo direito fundamental digno de resguardo (o que, tradicionalmente, seria o espaço próprio de atuação dessa técnica de interpretação constitucional), mas sim haveria o uso do “vetor interpretativo” da solidariedade67 com o propósito de revisar e alterar o sentido anterior dado a dispositivos constitucionais que ou estão atribuindo, diretamente, poder de tributar ao Estado (e.g., por meio de normas de competência tributária) ou que teriam o propósito de fixar limitação formais e materiais a esse mesmo exercício de poder (e.g., isonomia, capacidade contributiva, legalidade, anterioridade etc.)68. Nesses casos, porém, a mutação de sentido atribuída a essas regras constitucionais serviria para consagrar maior margem e flexibilidade para o exercício de poder por parte dos Entes tributantes que, de início, estariam sendo limitados e controlados por essas mesmas regras. Portanto, tem-se aqui o uso um tanto extravagante da técnica da Mutação Constitucional, a qual não está sendo aplicada para dar mais proteções e garantias aos indivíduos/contribuintes (i.e., aqueles que são alvo do poder estatal e que, por isso, são sempre os que correm o risco de excesso e arbitrariedade no uso desse mesmo poder), mas sim para beneficiar o próprio Estado que recebeu do texto constitucional a delegação de certa parcela de poder a ser exercido, o que, em si, pressupõe um campo limitado de aplicação e não um espaço maleável e passível de ampliação, no futuro, por parte daquele, direta ou indiretamente, interessado e que deveria estar submetido a essa limitação.

iv) A aceitação de um pragmatismo fiscal, em que os fins justificam os meios e em que o raciocínio prioritário é o estratégico-instrumental e o da busca pela eficiência a qualquer custo, de modo que todas as questões de relevância jurídica são consideradas ponderáveis e passíveis de negociação com base na métrica dos resultados a serem atingidos e das vantagens coletivas produzidas ou preservadas69. Assim, o pragmatismo que inspira o Solidarismo Fiscal permite que a invocação da necessidade de concretização plena dos objetivos constitucionais70 (a serem financiados por recursos públicos) justifique, potencialmente, o uso de meios de tributação cada vez mais amplificados71 e autoriza uma flexibilização constante dos limites ao poder de tributar, ao argumento de que não existem garantias fundamentais “absolutas” e essas devem ser, conforme cada contexto, ponderadas e relativizadas para atender o verdadeiro projeto desenhado pela Constituição72, o que não teria sido esquematizado apenas com base no rol de competências tributárias e no detalhamento das bases econômicas passíveis de tributação. Por meio dessa retórica pragmática, as garantias fundamentais do contribuinte deixam de ser proteções categóricas inegociáveis diante dos interesses fazendários, não mais exercendo, de modo pleno, as suas funções bloqueadoras das eventuais pretensões arrecadatórias infundadas e exageradas do Estado. Agora, considerando o arcabouço finalístico inesgotável traçado pela Constituição de 198873, passa a ser sempre legítima a invocação de um novo objetivo a ser atendido (ou mesmo um objetivo conhecido a ser aprimorado)74, o que, por consequência lógica, faz surgir uma demanda por mais recursos, sendo que essa, invariavelmente, acabará sendo atendida pela ampliação das bases de tributação ainda não alcançadas ou pela preservação a todo custo das fontes de arrecadação já existentes. Além disso, quando tal pragmatismo é conduzido pelo Poder Judiciário, o controle de constitucionalidade de exigências tributárias passa a exigir o uso de raciocínio estratégico em que as consequências naturais da decretação de inconstitucionalidade75 deverão ser ponderadas com o abalo financeiro-orçamentário nas contas públicas, de modo que um potencial retrocesso na arrecadação será sempre argumento válido para que isso seja sopesado com a “real” gravidade das falhas identificadas, pela Corte, em relação a esse tributo defeituoso. Com isso, as eventuais inconstitucionalidades tributárias deixam de ser vícios graves, com repercussões financeiras sérias, na exata extensão dos danos materiais causados aos contribuintes, e impondo responsabilidade (accountability) ao ente estatal que violou a Constituição, mas, agora, passam a ser compreendidas como meros deslizes do Estado, irregularidades remediáveis e toleráveis que precisam ser escusadas ou até transformadas em ato sem nenhuma repercussão jurídica concreta. E para tornar ainda mais grave a situação, esse juízo pragmático que, em nome da solidariedade76, supõe que não se possa jamais renunciar a recursos públicos, preservando-se tributos inconstitucionais ou impedindo que tais indébitos sejam devolvidos aos reais prejudicados, é normalmente anunciado muito tempo após a ocorrência fatos conflituoso que exigiram tal manifestação do Judiciário, de modo que esse tipo de pronunciamento judicial acaba representando uma ponderação ex post facto, projetando efeitos retroativos e inesperados para os contribuintes afetados por tais decisões.

v) Por fim, como já visto, o Solidarismo Fiscal manifesta intensa confiança em relação ao fato de o Judiciário ter, supostamente, plena capacidade para resolver (inclusive em dimensão política) as disputas entre fisco e contribuinte, sendo esse o Poder mais habilitado para concretizar os anseios da sociedade e para avaliar a efetiva carga tributária a ser suportada pelos contribuintes, seja individualmente, seja em termos setoriais. Isso porque, nesse contexto, a isonomia tributária e a capacidade contribuitiva funcionam não mais como limitação ao poder do Estado, mas sim como instrumentos ativos de mensuração casuística do efetivo ônus tributário a ser assumido por um contribuinte ou por uma classe de contribuintes77. De outro lado, como consequência do antiformalismo já analisado, compartilha-se uma profunda desconfiança acerca da capacidade de o Poder Legislativo promover, em tempo hábil e com a intensidade exigida pela Constituição, as atualizações na legislação tributária que são necessárias à implementação de todas as finalidades a serem concretizadas para tornar o Brasil uma sociedade mais justa, solidária, igualitárias etc.78 Mesmo que assim seja, tal grau de confiança no Judiciário (e descrença em relação ao Legislativo), enquanto órgão de mediação de todo tipo de conflito entre fisco e contribuinte, não chega a responder à crítica que é também direcionada ao movimento da “Constituição Viva” acerca do déficit democrático das decisões tributárias tomadas por juízes não eleitos quando essas envolvem matéria que ou estão adstritas ao campo de regulação da legalidade ou que exigem a fixação de políticas públicas que sempre demandam um alto grau de deliberação pública, própria da esfera do Legislativo, ou um tipo de avaliação técnica que exige participação de diferentes órgãos especializados do Executivo.

4. Conclusão

Será fortíssimo o impulso de alguns leitores deste artigo em rejeitar completamente a descrição da crise paradigmática aqui apresentada, principalmente como sendo algo aplicável ao direito tributário brasileiro. Sem dúvida, é sempre desconfortável reconhecer que vivemos um período de grande fragmentação nas premissas básicas que formam o nosso campo de conhecimento, com ampla desordem nos pressupostos que fundamentam os argumentos jurídicos que podem ou não ser utilizados pelos operadores do direito tributário, permitindo que haja algum consenso acerca daqueles que devem ser considerados adequados e aqueles a serem considerados inadmissíveis. Reconhecer que estamos nesse tipo de ambiente, certamente, provoca uma sensação de impotência e de insegurança que, muitas vezes, leva a um sentimento reativo inconsciente de negação. Aliás, precisamente por isso, chega-se a se defender que o tipo de diagnóstico aqui apresentado não passaria de mero alarmismo79.

No entanto, essa sensação desconfortável precisa ser superada por meio de uma adequada reflexão crítica acerca da formação histórica do nosso direito tributário, resgatando, com honestidade intelectual, as suas causas originais, seus fundamentos teóricos e o modo como esses evoluíram no tempo.

Pretendeu-se, pois, neste artigo, demonstrar que a corrente de pensamento que fundou o direito tributário brasileiro no século passado, qual seja, o formalismo normativista, mesmo que tenha exercido papel relevante, à época, para garantir autonomia científica a esse ramo jurídico, já alcançou seu ponto de esgotamento teórico, manifestando, assim, limites e dificuldades em dar respostas adequadas aos problemas atuais que afligem nossa prática tributária. Por isso, diante desse contexto de crise epistêmica e de transição paradigmática, identificou-se o levante gradual de uma nova escola de pensamento, a qual pretende ser mais moderna e compatível com a plenitude dos objetivos traçados pela Constituição de 1988, pautando-se não mais na limitação ao poder de tributar e nas garantias individuais do contribuinte, mas no valor da solidariedade e na ideia de um compromisso social que vincularia todos os cidadãos a um “dever fundamental de pagar tributos”. A essa nova corrente atribuímos, neste texto, o nome de Solidarismo Fiscal e percebemos que essa tendência vem ganhando cada vez mais espaço na doutrina e na jurisprudência (principalmente dos tribunais superiores).

Com efeito, nesta fase de transição paradigmática, mostra-se, portanto, prudente a reflexão trazida por Greco, um dos principais juristas a desenvolver essa nova linha de pensamento:

“O grande desafio para todos aqueles que lidam com o Direito Tributário é encontrar o ponto de equilíbrio entre valores constitucionalmente consagrados. Não podemos ler a Constituição pela metade, ou seja, só pensando em solidariedade social, pois estaríamos cometendo a mesma distorção cometida por aqueles que leem a Constituição só pensando na liberdade individual; temos de ler o conjunto, porque é pela conjugação dos valores protetivos da liberdade e modificadores da solidariedade que iremos construir uma tributação efetivamente justa.”80

No entanto, mesmo compartilhando do sentimento manifestado por meio dessas primorosas lições, as conclusões alcançadas por meio da leitura minuciosa dos autores que defendem o Solidarismo Fiscal não permitem sustentar que essa escola de pensamento esteja, de fato, consagrando esse ponto de equilíbrio, pois também ela adota uma visão hiperintegrada81, reducionista e distorcida do nosso Sistema Tributário Nacional, criando, inclusive, riscos de relativização de garantias fundamentais do contribuinte.

5. Referências bibliográficas

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1 MACINTYRE, Alasdair. After virtue. 2. ed. Estados Unidos da América: University of Notre Dame, 1984, p. 1-5.

2 FERREIRA NETO, Arthur Maria. Por uma ciência prática do direito tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2016, p. 211 e ss.

3 “O direito tributário, sob o Neoconstitucionalismo, ganha um novo enfoque, bem interligado com a teoria dos Deveres Fundamentais, que coloca o pagamento do tributo como uma obrigação das pessoas, de forma solidária, para viabilizar a realização da Norma Fundamental, nos seus diversos sentidos. O poder deixa de ser repressivo para ter uma função mais promocional e incentivadora. [...] Por isso, tem-se que o dever de pagar tributos pode e deve ser meio para se buscar um mundo melhor, pautando condutas sustentáveis, através da Extrafiscalidade.” (BRAUN, Diogo Marcel Reuter. Contribuições do dever fundamental de pagar tributos para o Neoconstitucionalismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 148-150)

4 “Para que possamos garantir liberdades pública, assegurar direitos sociais, promover a preservação de um ambiente saudável, conservar o patrimônio cultural, universalizar o acesso à informação e viabilizar o pluralismo e a participação, visando à construção de uma sociedade livre justa solidária e sustentável, com vista ao bem viver das gerações presentes e futuras necessitamos do comprometimento de todos. A pretensão a um mundo melhor, com a transposição do ideal para o real, da ideia da dignidade da pessoa humana, pressupõe a assunção de responsabilidades. [...] Dentre tais deveres, sobressai o de pagar tributos.” (PAULSEN, Leandro. Prefácio ao livro de CARDOSO, Alexandre Mendes. O dever fundamental de recolher tributos no Estado Democrático de Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014)

5 Exemplo desse tipo de atitude pode ser identificada em autores que pretendem assumir como ponto de partida constitucional para a delimitação da atividade fiscal do Estado os arts. 1º, 3º, 5º, 6º, 170, 173, 186 ou 193 da CRFB/1988. Nesse sentido, vide CARDOSO, Alexandre Mendes. O dever fundamental de recolher tributos no Estado Democrático de Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014, p. 168 e 185; SANTIAGO, Julio Cesar. Solidariedade – como legitimar a tributação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019, p. 63; BRAUN, Diogo Marcel Reuter. Contribuições do dever fundamental de pagar tributos para o Neoconstitucionalismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 42 e 120; e ROCHA, Sergio André. Fundamentos do direito tributário brasileiro. 2. ed. Belo Horizonte: Letramento, 2023, p. 16; BEDIN, Arthur Pattussi. O dever fundamental de pagar impostos na perspectiva do Sistema Constitucional Tributário brasileiro. Londrina: Thoth, 2023, p. 100.

6 “O dever de recolher tributos está inserido no Estado Democrático de Direito, devendo ser interpretado tendo em vista os valores superiores que informam o texto constitucional. É dizer, esse dever exige uma interpretação pelo modelo de Estado configurado no texto constitucional, que determina que se realize uma série de mandatos e princípios, com utilização dos instrumentos previstos pelo ordenamento, entre eles o sistema tributário.” (CARDOSO, Alexandre Mendes. O dever fundamental de recolher tributos no Estado Democrático de Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014, p. 175)

7 “... o Dever Fundamental de Pagar Tributos serve de fonte financiadora para a concretização das metas do Neoconstitucionalismo, oferecendo meios para que cada pessoa tenha um padrão mínimo de vida. [...] O pleno exercício do Dever Fundamental de Pagar Tributos... permite ao Estado exercer a função redistributiva, arrecadando recursos que possuem melhores condições econômicas e, de outra banda, oferecendo prestações sociais àqueles que se encontram em situação mais vulnerável.” (BRAUN, Diogo Marcel Reuter. Contribuições do dever fundamental de pagar tributos para o Neoconstitucionalismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 149)

8 FERREIRA NETO, A. M. Taxation and punishment as groundings for civilization: two rival views. Diritto e pratica tributaria internazionale vol. XVII, n. 01. Itália: Wolters Kluwer, p. 159-189.

9 “... a questão tributária... não pode ter apenas a preocupação de prever instrumentos de limitação do poder de tributar, mas deve especialmente servir como mecanismo de transformação da Sociedade.” (BRAUN, Diogo Marcel Reuter. Contribuições do dever fundamental de pagar tributos para o Neoconstitucionalismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 50)

10 Entre nós, possivelmente, o melhor Autor a se debruçar sobre a ideia de justificação dos tributos com base na ideia da cidadania fiscal é Sergio André Rocha, Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ): “A justificação não está no poder do Estado, não está nos benefícios individuais que o contribuinte porventura tenha, não está simplesmente no fato de que manifesta capacidade contributiva. A tributação se justifica como um dever de cidadania, absolutamente inseparável do ser cidadão” (Fundamentos do direito tributário brasileiro. 2. ed. Belo Horizonte: Letramento, 2023, p. 32). Assim, destacando a insuficiência da clássica Teoria do Benefício, de natureza contratualista, Rocha aponta para a existência de um interessante paradoxo, segundo o qual “o dever tributário é um dever de cidadania, que tem fundamento na pertença a uma determinada coletividade”, mas que “para o seu destinatário ele muitas vezes é visto como um verdadeiro esbulho” (Fundamentos do direito tributário brasileiro. 2. ed. Belo Horizonte: Letramento, 2023, p. 75). Diante desse impasse de percepções contraditórias tidas pelo “contribuinte médio”, seria necessário aprimorar-se a visão de que o “Sistema Tributário foi construído sobre pilares de ameaça e de punição”, de modo a se assumir o enorme desafio de se corrigir o nosso “desenho institucional para que se consiga, efetivamente, plantar no contribuinte a semente da cidadania fiscal” (Fundamentos do direito tributário brasileiro. 2. ed. Belo Horizonte: Letramento, 2023, p. 79). Tal sugestão, que “requer ainda amadurecimento” (Fundamentos do direito tributário brasileiro. 2. ed. Belo Horizonte: Letramento, 2023, p. 83), em nossa opinião, pode ser lida como valiosa recomendação para uma profunda reeducação moral dos cidadãos acerca das razões pré-jurídicas que justificam o dever de pagar tributos. No entanto, a invocação de um abrangente dever de cidadania fiscal no discurso jurídico, diante de disputas concretas envolvendo a legitimidade ou não de determinada exigência tributária, poderá provocar mais divergências do que consensos, bem como poderá criar mais espaços para introdução de arbitrariedades do que para construção de efetivos instrumentos de controle.

11 “... o dever fundamental de pagar tributos deve ser visto como um vetor interpretativo do qual podem ser inferidos reflexos materiais e instrumentais, durante todo o ciclo de tributação. Significa dizer que a instituição de tributos adequados à capacidade contributiva é condição necessária, mas não suficiente, para, por si só, atender aos princípios da solidariedade, da igualdade e da capacidade contribuitiva...” (VINHOSA, Érico Teixeira. O dever fundamental de pagar tributos: uma abordagem à luz da jurisprudência do STF e STJ. O dever fundamental de pagar tributos: o que realmente significa e como vem influenciando nossa jurisprudência. Belo Horizonte: D’Plácido, 2017, p. 119).

12 Obviamente, não se pretende sustentar que essa Escola de Pensamento seja formada por indivíduos que tenham pensamento homogêneo, que repitam à exatidão todas as mesmas ideias ou que estejam vinculados concretamente a uma instituição ou grupo físico de indivíduos. Em verdade, da mesma forma como se usa o termo “Escola do Positivismo jurídico”, se pretende indicar, aqui, uma determinada tendência teórica de autores e pensadores que, captando uma versão do espírito do seu tempo e partindo de um conjunto de pressupostos que são comuns e compartilhados, desenham uma moldura teórica que pode ser bem compreendida e relativamente bem aceita por todos que participam dessa mesma tradição.

13 Para uma visão completa desse tema, vide TEODOROVICZ, Jeferson. História disciplinar do direito tributário brasileiro. 1. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2017.

14 Sobre os diferentes paradigmas científicos do direito tributário brasileiro, vide FERREIRA NETO, Arthur Maria. Por uma ciência prática do direito tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2016.

15 Sobre o ponto, vide o nosso FERREIRA NETO, Arthur Maria. Por uma ciência prática do direito tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2016, p. 193-285.

16 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 1998.

17 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 1998, p. 06.

18 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 1998, p. 53.

19 “O Direito converte-se em ciência somente depois de elaborado...” (BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 1998, p. 53).

20 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 1998, p. 16-21.

21 “... o crítico deve, antes de tudo, compreender a obra e depois livrá-las dos erros a fim de purificá-la e, com isso, a tarefa de purificação da ciência jurídica.” (BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 1998, p. 20).

22 “O maior equívoco no Direito tributário é a contaminação entre princípios e conceitos jurídicos e conceitos pré-jurídicos (econômicos, financeiros, políticos, sociais, etc.)”. (BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 1998, p. 40).

23 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 1998, p. 40.

24 ÁVILA, Humberto. Função da ciência do direito tributário: do formalismo epistemológico ao estruturalismo argumentativo. Revista Direito Tributário Atual v. 29. São Paulo: IBDT, 2013; Ciência do direito tributário e discussão crítica. Revista Direito Tributário Atual v. 32. São Paulo: IBDT, 2014, p. 159-197.

25 Como já se viu, tal processo pode ser aproximado à descrição apresentada por Macintyre, no seu clássico After virtue, ao se referir à fragmentação das teorias morais na pós-Modernidade (MACINTYRE, Alasdair. After virtue. 2. ed. Estados Unidos da América: University of Notre Dame, 1984).

26 Tal fenômeno científico é bem detalhado por KUHN, Thomas. The structure of scientific revolutions. 2. ed. Estados Unidos da América: University Of Chicago Press, 1970.

27 “... estabelecer um objetivo significa que todos os instrumentos e categorias existentes devem – dentro da reserva do possível – ser utilizados e vistos na direção posta pelo seu artigo 3º. [...] Daí a doutrina apontar para o dever de otimização imposto ao legislador pelas normas constitucionais que consagram valores, direitos fundamentais e objetivos.” (GRECO, Marco Aurélio. Solidariedade social e tributação. In: GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de. Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 175)

28 “A indicação de objetivos não é mera declaração de boas intenções; ela assume o papel de condicionante de mecanismos e instrumentos que vierem a ser criados e utilizados à vista das competências constitucionais.” (GRECO, Marco Aurélio. Solidariedade social e tributação. In: GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de. Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 172)

29 Sobre o tema vide SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ Victor Lyra Guimarães. Legalidade tributária e o Supremo Tribunal Federal. São Paulo: IBDT, 2021; e ROCHA, Sergio André. Da lei à decisão: a segurança jurídica tributária possível na pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.

30 A defesa de tal postura, por exemplo, pode ser identificada naqueles que sustentam a plena constitucionalidade da Lei Complementar n. 190/2022 no ponto em que introduziu regras inéditas de regulação do diferencial de alíquota do ICMS (Difal), entendendo que não seria cogente, nesse caso, o mandamento constitucional da anterioridade tributária. Tal matéria foi recentemente julgada pelo Supremo Tribunal Federal nas ADIs n. 7.066, n. 7.070 e n. 7.078, prevalecendo, por entendimento majoritário da Corte, precisamente, esse tipo de racionalização das garantias fundamentais do contribuinte.

31 Vide o texto de ROCHA, Sergio André. Segurança jurídica como princípio da atividade financeira do Estado. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-out-09/justica-tributaria-seguranca-juridica-atividade-financeira-estado/. Acesso em: 15 nov. 2023: “Há um ato emitido pela autoridade formalmente competente para a sua emissão, o então presidente da República em exercício. Este ato foi revogado e uma nova tributação instituída já em janeiro de 2023. Consequentemente, não haveria dúvidas quanto à necessidade de proteção da expectativa criada nos contribuintes com a edição do Decreto n. 11.322/2022. Nada obstante, não nos parece que a resposta seja tão simples. Com efeito, a partir do momento em que entendemos a segurança jurídica como um princípio da atividade financeira do Estado, que também protege a expectativa de arrecadação, percebemos que situações como esta não podem ser examinadas de uma perspectiva essencial e exclusivamente formal. De fato, considerando a situação das contas públicas, a decisão do então presidente da República, num governo que estava em seu penúltimo dia, pela redução de uma fonte de arrecadação relevante tem que ser considerada de um ponto de partida substantivo, o de suas motivações e justificativas, e não de uma perspectiva apenas formal de existência ou não de competência para a edição do ato administrativo. Nessa toada, um ato claramente atentatório à segurança orçamentária, editado sem qualquer motivação ou justificativa legítima, parece, em si, um não ato, um decreto praticado, ao que tudo indica, com a finalidade última de criar embaraços financeiros para o governo que se iniciaria em janeiro e, consequentemente, para toda a sociedade.”

32 “É certo que o alcance de todo esse estado de coisas, que conduzem à formação de uma Sociedade pautada pelo respeito à dignidade da pessoa humana, somente ocorrerá com a participação de todos os cidadãos. Essa participação se dará mediante condutas adequadas, no dia a dia, com espírito de Solidariedade e cooperação entre pessoas, com o respeito à lei, à individualidade de cada um, com a preservação da natureza, com a dedicação aos estudos, com alimentação mais regrada, com a prática de esportes, etc.” (BRAUN, Diogo Marcel Reuter. Contribuições do dever fundamental de pagar tributos para o Neoconstitucionalismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 115)

33 NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 1998.

34 “Um aspecto importantíssimo da tese de José Casalta Nabais é que a mesma se circunscreve ao dever fundamental de pagar impostos. Dessa maneira, não se trata de um dever fundamental de pagar tributos.” (ROCHA, Sergio André. O dever fundamental de pagar impostos: direito fundamental a uma tributação justa. In: GODOI, Marciano Seabra de; ROCHA, Sergio André. O dever fundamental de pagar impostos: o que realmente significa e como vem influenciando nossa jurisprudência? Belo Horizonte: D’Plácido, 2017, p. 29-30)

35 Sobre desvios de interpretação da obra de Nabais veja-se o seguinte excerto da entrevista do Professor Sergio André Rocha: “Naturalmente que para compreender o pensamento que consta da minha tese, implica não ler apenas o título. E, sobretudo, não ler o título de uma forma preconceituosa a partir de uma concepção do Estado brasileiro como se este fosse um Estado ladrão...” (NABAIS, José Casalta; ROCHA, Sergio André. Entrevista do Professor Sergio André Rocha com o Professor José Casalta Nabais, realizada em setembro de 2017. In: GODOI, Marciano Seabra de; ROCHA, Sergio André. O dever fundamental de pagar impostos: o que realmente significa e como vem influenciando nossa jurisprudência? Belo Horizonte: D’Plácido, 2017, p. 268).

36 Rocha pode ser visto, atualmente, como o Sumo sacerdote do Solidarismo Fiscal no Brasil em razão da sua seminal publicação Fundamentos do direito tributário brasileiro (2. ed. Belo Horizonte: Letramento, 2023), além de inúmeras outras obras que especificam e concretizam os pressupostos dessa Escola de pensamento. Vide, ainda, a obra coletiva por ele coordenada juntamente com Godoi: O dever fundamental de pagar impostos: o que realmente significa e como vem influenciando nossa jurisprudência? Belo Horizonte: D’Plácido, 2017.

37 Merece destaque a seguinte obra de Godoi, organizada com Marco Aurélio Greco, a qual possivelmente representa a primeira publicação nacional a se dedicar de modo expresso e aprofundado sobre o tema da Solidariedade no Direito Tributário brasileiro: Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005.

38 “A filosofia de Kelsen, pela sua profundidade e extraordinária coerência, esgotou o paradigma normativista e deixou sem saída a reflexão sobre a justiça que se desenvolvesse apenas no plano jurídico.” (TORRES, Ricardo Lobo. Ética e justiça tributária. In: SCHOUERI, Luís Eduardo; ZILVETI, Fernando Aurelio (coord.). Direito tributário – estudos em homenagem a Brandão de Machado. São Paulo: Dialética, 1998, p. 175).

39 “As explicações positivistas... fundavam-se em ideias economicistas com o a do sacrifício. Com a virada kantiana procura-se ancorar a capacidade contribuitiva nas ideias da solidariedade ou fraternidade e benefício.” (TORRES, Ricardo Lobo. Ética e justiça tributária. In: SCHOUERI, Luís Eduardo; ZILVETI, Fernando Aurelio (coord.). Direito tributário – estudos em homenagem a Brandão de Machado. São Paulo: Dialética, 1998, p. 186)

40 “A solidariedade entre os cidadãos deve fazer com que a carga tributária recaia sobre os mais ricos, aliviando-se a incidência sobre os mais pobres e dela dispensando os que estão abaixo do nível de sobrevivência.” (TORRES, Ricardo Lobo. Ética e justiça tributária. In: SCHOUERI, Luís Eduardo; ZILVETI, Fernando Aurelio (coord.). Direito tributário – estudos em homenagem a Brandão de Machado. São Paulo: Dialética, 1998, p. 186)

41 “... a justiça tributária é, em parte, distributiva, com os seus princípios específicos (capacidade contributiva, distribuição de rendas)... e, de outro lado, exibe o seu aspecto de justiça comutativa, no que concerne às taxas e às contribuições, com os seus princípios próprios, como o do custo/benefício.” (TORRES, Ricardo Lobo. Ética e justiça tributária. In: SCHOUERI, Luís Eduardo; ZILVETI, Fernando Aurelio (coord.). Direito tributário – estudos em homenagem a Brandão de Machado. São Paulo: Dialética, 1998, p. 185)

42 “O princípio estrutural da solidariedade, substituindo a solidariedade de grupo, desloca o fundamento das contribuições sociais do princípio do custo/benefício, que lhe é adequado, para o da capacidade contributiva, típica dos impostos, justificando as distorções sistêmicas e transformando as contribuições exóticas e as contribuições previdenciárias dos inativos do serviço público em autênticos impostos com destinação especial. [...] Em síntese, o princípio estrutural da solidariedade, criado pela jurisprudência do Supremo Tribunal, serviu para validar as exóticas contribuições sociais...” (TORRES, Ricardo Lobo. Existe um princípio estrutural da solidariedade? In: GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de. Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 203-7)

43 “A solidariedade não traz conteúdos materiais específicos, podendo ser visualizada ao mesmo tempo como valor ético e jurídico, absolutamente abstrato, e como princípio positivo ou não nas Constituições. É sobretudo uma obrigação moral ou um dever jurídico.” (TORRES, Ricardo Lobo. Existe um princípio estrutural da solidariedade? In: GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de. Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 199)

44 Por exemplo, GRECO, Marco Aurélio. Crise do formalismo no direito tributário brasileiro. Revista da PGFN ano 1, n. 1. Brasília, 2011: “O produto final deste conjunto foi o surgimento de uma concepção de direito tributário com inúmeros defensores e que pode ser resumida como o conjunto de normas protetivas do patrimônio individual e limitadoras das investidas do Fisco. [...] Princípios constitucionais tributários – nesse contexto – eram as previsões que vedassem algo ao Fisco... cuja formulação começava com um ‘não’...” (p. 11)

45 “... a partir de 1964, o Brasil viveu o período da Revolução em que estavam em vigor os Atos Institucionais e as discussões de caráter substancial (isonomia, desigualdades sociais, distribuição de renda etc.) não encontravam espaço. [...] Suprimiu-se da Constituição o referencial substancial que servia de fundamento à tributação para torná-la algo autodenominado de racional, mas que, na prática, mostrou-se mera expressão de exercício de poder.” (GRECO, Marco Aurélio. Crise do formalismo no direito tributário brasileiro. Revista da PGFN ano 1, n. 1. Brasília, 2011, p. 13)

46 GRECO, Marco Aurélio. Dinâmica da tributação: uma visão funcional. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

47 Dentre outros trabalhos, vide GRECO, Marco Aurélio. Contribuições (uma figura “sui generis”). São Paulo: Dialética, 2000: “Afirmar que determinada figura tem certa natureza, porque submetida a certo regime, é quase afirmar que as coisas ‘são porque são’, o que dá a este tipo de abordagem uma postura apriorística e uma visão mecanicista (causalista) do mundo.” (p. 70)

48 “... acentua-se a permanente mutação e revisão de conceitos e fórmulas a que tem de estar submetida a Ciência do Direito que não pode se aferrar a padrões sistemáticos, sob pena de se dissociar do seu próprio objeto. [...] O modelo de abordagem problemático parece-nos ser aquele que melhor instrumenta o jurista ao desempenho de sua atividade, pois com ele se apreende a realidade em toda a sua complexidade, permitindo a busca de soluções à altura das dificuldades, mutações e exigências de uma sociedade que, dia a dia, faz solicitações que demandam respostas mais rápidas e abrangentes em função das situações mais complicadas.” (GRECO, Marco Aurélio. Dinâmica da tributação: uma visão funcional. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 54)

49 Esses riscos (obviamente, não desejados pelo Autor) que podem levar a um descontrole na interpretação e aplicação do direito – os quais são consequência natural da rejeição categórica de que existem elementos substanciais objetivos na composição do fenômeno jurídico – podem ser vislumbrados na adesão de GRECO à “lógica fuzzy (fuzzy no sentido de nebuloso, de impreciso), que se apoia na ideia de que as coisas podem ser e não ser alguma coisa ao mesmo tempo; vale dizer, lógicas que negam o princípio aristotélico do terceiro excluído.” (Contribuições (uma figura “sui generis”), p. 39). Ora, independentemente de ser verdadeira ou plausível tentativa de aplicação da lógica fuzzy às relações jurídicas, o que, pessoalmente, entendemos não ser, é inegável que a adoção a sério de um modelo teórico que parte de pressupostos que rejeitam o princípio da não contradição (i.e., “é impossível que uma coisa possa ser e não ser ao mesmo tempo e sob mesma condição”; ou “ninguém, simultaneamente, pode afirmar e negar algo sobre a mesma coisa”; ou ainda “uma proposição não pode ser, simultaneamente, verdadeira e falsa”) irá, invariavelmente, gerar um sistema tributário com baixo grau de segurança jurídica e com parcos instrumentos de controlabilidade racional dos atos estatais que criam e impõem exigências tributárias, na medida em que toda decisão estatal definindo se ocorreu ou não a incidência tributária poderá ser justificada com base nessa mesma fundamentação fuzzy (ou seja, por exemplo, fundamentando um raciocínio jurídico com a seguinte estrutura: “este valor percebido pelo contribuinte pode, ao mesmo tempo e dentro deste contexto fático, ser E não ser Renda, de modo que eu, Decisor, escolho que será Renda neste caso concreto”!).

50 Vide, GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 4. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2019.

51 “... na ponderação de valores constitucionais, o peso do valor ‘arrecadação’ (por estar circunscrito ao âmbito tributário) é menor do que o peso do valor ‘solidariedade social’ (por ser um objetivo fundamental).” (GRECO, Marco Aurélio. Solidariedade social e tributação. In: GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de. Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 177)

52 Por exemplo, GRECO, Marco Aurélio. Solidariedade social e tributação. In: GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de. Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005: “... cabe falar da capacidade contributiva pelo constituinte de 1988... Isto significa – a partir de uma perspectiva do Estado Social – que não podemos ver a tributação apenas como técnica arrecadatória ou de proteção do patrimônio; devemos vê-la também na perspectiva da viabilização da dimensão social do ser humano.” (p. 179) Merece destaque, ainda, a 3ª Fase da Teoria do Planejamento Tributário proposta de GRECO, na qual se acrescenta “um outro ingrediente que é o da capacidade contributiva que... acaba por eliminar o predomínio da liberdade, para temperá-la com a solidariedade social inerente à capacidade contribuitiva” (Planejamento tributário. 4. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 325), uma vez que “num Estado Democrático de Direito à Luz do artigo 3º da CF/88, o fundamento da tributação passa a ser a solidariedade social, ou seja, cobram-se impostos não porque existe capacidade contributiva, mas porque há uma necessidade que emana da solidariedade social” (p. 360-361). Nesse cenário, “a capacidade contributiva passa a ser um critério de rateio da exigência tributária dentre os alcançados pela exigência.” (p. 361)

53 PADOVER, Saul K. A Constituição viva dos Estados Unidos. Ibrasa, 1987.

54 “The ascendant school of constitutional interpretation affirms the existence of what is called The Living Constitution, a body of law that (unlike normal statutes) grows and changes from age to age, in order to meet the needs of a changing society. And it is the judges who determine those needs and ‘find’ that changing law.” (SCALIA, Antonin. A matter of interpretation. Federal Courts and the law. Princeton: Princeton University Press, 1997, p. 38)

55 Nesse sentido, veja-se a precisa descrição do Neoconstitucionalismo desenvolvida por STRECK: “Tem-se visto que, sob a bandeira ‘neoconstitucionalista’, defendem-se, ao mesmo tempo, um Direito Constitucional da efetividade; um Direito assombrado pela ponderação de valores (de princípios, de regras e até mesmo de interesses), uma concretização ad hoc da Constituição e uma pretensa constitucionalização do ordenamento a partir de jargões vazios do conteúdo e que reproduzem o prefixo ‘neo’ em diversas ocasiões, como neoprocessualismo e neopositivismo. Tudo porque, ao fim e ao cabo, acreditou-se ser a jurisdição responsável pela incorporação dos ‘verdadeiros valores’ que definem o Direito justo...” (STRECK, Lenio. Dicionário de hermenêutica: quarenta temas fundamentais da teoria do direito à luz da crítica hermenêutica do direito. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2017, p. 145)

56 Vide RAKOVE, Jack N. (edit.). Interpreting the Constitution. The debate over original intent. Boston: Northeastern University Press, 1990; e HICKOK JÚNIOR, Eugene W. (coord.). The Bill of Rights. Original meaning and current understanding. University Press of Virginia, 1991.

57 SCALIA, Antonin. A matter of interpretation. Federal Courts and the law. Princeton: Princeton University Press, 1997.

58 BORK, Robert H. The original understanding. Contemporary perspectives on Constitutional Interpretation. Colorado: Westview Press, 1993.

59 “as decisões políticas, segundo este argumento, devem ser tomadas por funcionários eleitos pela comunidade como um todo, que possam ser substituídos periodicamente da mesma maneira. [...] Os juízes não são eleitos nem reeleitos, e isso é sensato porque as decisões que tomam ao aplicar a legislação tal como se encontra devem ser imunes ao controle popular. Mas decorre daí que não devem tomar decisões independentes no que diz respeito a modificar ou expandir o repertório legal, pois essas decisões somente devem ser tomadas sob o controle popular.” (DWORKIN, Ronald; BORGES, Luís Carlos (trad.). Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 17)

60 Nesse ponto, vale a crítica de DWORKIN: “... eles (os legisladores) podem não ter pretendido criar nenhuma delas, e o fato de que não redigiram sua lei em palavras que levem claramente a efeito alguma das intenções é um argumento muito forte no sentido de que não o pretendiam.” (DWORKIN, Ronald; BORGES, Luís Carlos (trad.). Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 20).

61 Para crítica a tal visão, vide STRECK, Lenio; FERREIRA NETO, Arthur Maria. Os diferentes níveis metaéticos do positivismo kelseniano. In: COSTA, Valterlei da; VALLE, Maurício Timm do. Estudos sobre a Teoria Pura do Direito: homenagem aos 60 anos da publicação da 2ª edição da obra de Hans Kelsen. São Paulo: Almedina Brasil, 2023, p. 473 e ss.

62 “No plano da interpretação do ordenamento jurídico, a solidariedade social também traz reflexos. O primeiro ponto está ligado à ideia de máxima eficácia possível da Constituição. A Constituição não é apenas instrumento de garantia de direitos e valores individuais; ela é mais do que isto. A Constituição é uma proposta de instauração de um desenho social que, naquilo em que não existir, deve ser buscado.” (GRECO, Marco Aurélio. Solidariedade social e tributação. In: GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de. Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 184)

63 “O Estado não pode justificar a tributação com base direta e exclusiva no princípio da solidariedade social. Isso porque o poder de tributar, na Constituição brasileira, foi delimitado, de um lado, por meio de regras que descrevem os aspectos materiais das hipóteses de incidência e, de outro, por meio da técnica da divisão de competências em ordinárias e residuais.” (ÁVILA, Humberto. Limites à tributação com base na solidariedade social. In: GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de. Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 69)

64 “Entendimento no sentido de que a Constituição não institui nem incorpora conceitos implica tornar inócua a utilização de expressões pelo poder constituinte, pois elas poderiam ter qualquer conteúdo diverso daqueles correntemente usados pela comunidade jurídica. [...] Todas elas têm algum grau de indeterminação, mas todas também possuem um núcleo semântico mínimo, maior ou menor. O que não se pode fazer é afirmar que todas as normas constitucionais são totalmente abertas e demandam a decisão meramente política de concretizá-las de modo ilimitado.” (ÁVILA, Humberto. Limites à tributação com base na solidariedade social. In: GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de. Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 79)

65 Em nossa visão, é possível afirmar que o uso frequente de expressões jurídicas previstas no direito positivo e que tenham sido submetidas à deliberação institucional e à decisão pública acerca do seu sentido semântico, o que pode ter se dado por atos legais posteriores, por atos infralegais ou por decisões judiciais, tem a capacidade de fixar e consolidar, em algum momento no tempo, o seu sentido próprio e determinado, o que jamais indicará, porém, algum traço de imutabilidade de significação, na medida em que o sentido desses termos jurídicos sempre poderá ser alterado, posteriormente, pela via legislativa competente.

66 “O formalismo... foi importante em uma época de insegurança jurídica em regimes ditatoriais, onde a norma era imposta por um centro de autoridade, sem muito espaço para debates. O tempo, contudo, se revela tão veloz que é preciso atualmente voltar-se para os institutos jurídicos tributários, para demonstrar o contexto de mudança social, onde se conclama por novos parâmetros.” (SANTIAGO, Julio Cesar. Solidariedade – como legitimar a tributação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019, p. 01)

67 VINHOSA, Érico Teixeira. O dever fundamental de pagar tributos: uma abordagem à luz da jurisprudência do STF e STJ. O dever fundamental de pagar tributos: o que realmente significa e como vem influenciando nossa jurisprudência. Belo Horizonte: D’Plácido, 2017, p. 119.

68 “... um dos campos nos quais há maior espaço para discussões é na releitura das limitações ao poder de tributar previstas na Constituição (art. 150/152), à luz do dever fundamental, como vetor interpretativo de todo o Sistema Tributário Nacional.” (VINHOSA, Érico Teixeira. O dever fundamental de pagar tributos: uma abordagem à luz da jurisprudência do STF e STJ. O dever fundamental de pagar tributos: o que realmente significa e como vem influenciando nossa jurisprudência. Belo Horizonte: D’Plácido, 2017, p. 122)

70 “A questão tributária tratada como dever ... ao mesmo tempo em que demonstra uma face fiscal do Estado, pode permitir a maximização e concretização dos direitos previstos na Constituição da República.” (BRAUN, Diogo Marcel Reuter. Contribuições do dever fundamental de pagar tributos para o Neoconstitucionalismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 1)

71 “A indicação de objetivos não é mera declaração de boas intenções; ela assume o papel de condicionante de mecanismos e instrumentos que vierem a ser criados e utilizados à vista das competências constitucionais.” (GRECO, Marco Aurélio. Solidariedade social e tributação. In: GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de. Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 172)

72 “Essa visão do direito tributário, entretanto, que acaba por reduzi-lo a um mecanismo de proteção das pessoas contra a força do Estado, não tem sentido na atual Sociedade contemporânea, capitaneada por objetivos superiores, calcadas, especialmente, na dignidade da pessoa humana.” (BRAUN, Diogo Marcel Reuter. Contribuições do dever fundamental de pagar tributos para o Neoconstitucionalismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 35)

73 Sobre o suposto campo ilimitado de concretização da solidariedade, vide: “... a solidariedade social, em seu substrato material, comporta infinitas modalidades de consagração perante a experiência jurídica...” (CONTIPELLI, Ernani. Solidariedade social tributária. Coimbra: Almedina, 2010, p. 150)

74 “... pretende-se que a solidariedade assegure as condições jurídicas necessárias ao pleno desenvolvimento das potencialidades da pessoa humana e de sua liberdade espiritual...” (CONTIPELLI, Ernani. Solidariedade social tributária. Coimbra: Almedina, 2010, p. 153)

75 Em outras palavras, o restabelecimento dos efeitos produzidos pela lei inválida, com a nulidade de todas as exigências tributárias feitas com base nela e a restituição de indébito a todos afetados pelo tributo defeituoso.

76 “... a tributação não precisa ser a melhor possível da perspectiva solidária, mas não pode conter preceitos que contrariem o valor solidariedade. Por si só, isto é suficiente para aparelhar um critério de avaliação da constitucionalidade das leis tributárias sempre que disserem respeito a figuras ou temas que envolvam a solidariedade social.” (GRECO, Marco Aurélio. Solidariedade social e tributação. In: GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de. Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 182)

77 “No Estado Democrático de Direito... o princípio da Capacidade Contributiva sofistica-se, passando a ser um instrumento de concretização desse modelo de Estado... passa a ter como finalidade a redução das desigualdades econômicas e sociais.” (BRAUN, Diogo Marcel Reuter. Contribuições do dever fundamental de pagar tributos para o Neoconstitucionalismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 52)

78 “O direito tributário nacional aprisionou a liberdade na lei. Transformou a liberdade em legalidade e se preocupou com a limitação do poder tributário. Nesse aspecto, a liberdade depende da autoridade, e não de valores comunitários.” (SANTIAGO, Julio Cesar. Solidariedade – como legitimar a tributação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019, p. 35) Em sentido semelhante, Greco se refere ao período clássico do direito tributário brasileiro como sendo aquele em que imperou a “idolatria da lei”, em que vigorava a “visão que prestigia uma liberdade absoluta do contribuinte...”, de modo que restrições “a essa liberdade só poderiam advir de lei expressa que vedasse certo comportamento” (GRECO, Marco Aurélio. Crise do formalismo no direito tributário brasileiro. Revista da PGFN ano 1, n. 1, 2011, p. 14).

79 GODOI, Marciano Seabra de. Tributo e solidariedade social. In: GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de. Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 158.

80 GRECO, Marco Aurélio. Solidariedade social e tributação. In: GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de. Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 189.

81 Tribe e Dorf identificam a falácia da Hiperintegração (Hyper-integration) que corresponde ao defeito hermenêutico em que se promove uma leitura integral de todos os dispositivos da Constituição tomando por base a exaltação suprema de apenas um primeiro-princípio, o que, no caso do Solidarismo Fiscal, obviamente é representado pela interpretação de todas as normas tributárias pelo viés da solidariedade e do dever fundamental de pagar tributos (TRIBE, Laurence H.; DORF, Michael. On reading the Constitution. Cambridge: Harvard University Press, 1991).