Vetores do Sistema Tributário Nacional após a EC n. 132

Vectors of the National Tax System after EC 132

Marco Aurélio Greco

Professor. Doutor em Direito Tributário pela PUC/SP. Parecerista.

Sergio André Rocha

Professor de Direito Financeiro e Tributário da UERJ. Livre-docente em Direito Tributário pela USP. Diretor Vice-Presidente da ABDF. Advogado e parecerista. E-mail: sergio.andre@sarocha.com.br.

https://doi.org/10.46801/2595-6280.56.33.2024.2536

Resumo

Este artigo analisa o novo § 3º do art. 145 da Constituição Federal, incluído pela Emenda Constitucional n. 132/2023, que trouxe uma lista de princípios explícitos do Sistema Tributário Nacional. Nosso objetivo foi analisar cada um desses princípios, comentando como os mesmos devem ser interpretados e os possíveis impactos no Direito Tributário brasileiro decorrentes da sua previsão.

Palavras-chave: reforma tributária, princípios tributários, simplicidade, transparência, justiça tributária, cooperação, defesa do meio ambiente.

Abstract

This article analyzes the new § 3 of Article 145 of the Federal Constitution, included by Constitutional Amendment No. 132/2023, which brought a list of explicit principles of the National Tax System. Our objective was to analyze each of these principles, commenting on how they should be interpreted and the possible impacts on Brazilian Tax Law resulting from their provision.

Keywords: tax reform, tax principles, simplicity, transparency, tax justice, cooperation, environmental protection.

1. Introdução

Os princípios jurídicos têm exercido relevante papel na interpretação e aplicação do ordenamento tributário brasileiro. Apresentam-se, por vezes, como instrumento para afastar exigências ou superar perplexidades e, muitas vezes, são vistos como veiculadores de regras hierarquicamente superiores às normas postas. São assim vistos, não raro, quando não se está contente com a lei vigente.

Interessante é que, apesar desse papel de inegável importância, o texto original da Constituição Federal de 1988 em nenhum momento se preocupou em identificar – nomeando como tais, como o fez no art. 37 em relação à Administração Pública – os princípios do Sistema Tributário Nacional. Não emprega a palavra “princípio” na literalidade dos artigos desta parte do texto constitucional, que vai do art. 145 ao art. 156. Portanto, pode-se concluir que a menção a “princípios do Direito Tributário” é uma construção predominantemente doutrinária/jurisprudencial.

Por mais que a seção I do capítulo da Constituição dedicado ao Sistema Tributário Nacional seja intitulada “Dos Princípios Gerais”, nota-se que não está claro se a palavra “princípios” desta expressão foi utilizada para denotar um tipo específico de norma jurídica, numa acepção vernacular ampla para se referir a “fundamentos”, “pontos de partida estruturantes”.

É nesta seção I que encontramos a formulação da capacidade contributiva, que aqui aparece na intrincada redação do § 1º do art. 145, segundo o qual, “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”. Contudo, parece-nos que o princípio da capacidade contributiva, em toda a sua amplitude e função de parâmetro de balizamento da tributação em concreto, fundada na solidariedade social da tributação, não se enclausura neste texto, sendo a resultante de uma construção interpretativa de diversos dispositivos da Constituição Federal1.

Por outro lado, a seção II do capítulo relativo ao Sistema Tributário Nacional dedica-se às “limitações do poder de tributar” (art. 150). Ali temos algumas regras – usualmente referidas como princípios –, como, por exemplo, as da legalidade, da anterioridade e da irretroatividade, que, integradas, dão concretude ao princípio da segurança jurídica.

Junto com essas regras de segurança, o art. 150 nos traz uma regra de isonomia que materializa o princípio da igualdade e os valores de justiça e solidariedade.

Vê-se, portanto, que os “princípios do Direito Tributário”, sob a Constituição Federal em sua redação original, estavam mais implícitos do que explícitos – no sentido de derivarem de dispositivos constitucionais que não os mencionavam expressamente nem lhes atribuíam o nome de “princípios” – como ocorre, por exemplo, no art. 37 da Lei Maior.

Nessa linha de ideias, não há um dispositivo estabelecendo literalmente que o princípio da segurança jurídica orienta a tributação. A existência deste princípio é inferida de uma série de dispositivos constitucionais que protegem o contribuinte contra a exigência fiscal criada sem o crivo de seus representantes, ou de forma inesperada ou, ainda, que alcance fatos consumados no passado, por exemplo2.

Da mesma forma, não há previsão textual, na redação original da Constituição, de uma série de outros princípios que informam o Direito Tributário, como os princípios da proteção da confiança, da transparência, da cooperação, da responsabilidade, da tolerância, da praticabilidade, do custo-benefício para as taxas, do poluidor pagador etc. Contudo, a falta de uma previsão explícita desses princípios jamais obstou o seu reconhecimento, a sua aplicação concreta e eficácia. Interessante caso de categoria eficaz, apesar de não textualmente explícita. De outra parte, sendo princípios, sempre paira a questão inversa – a sua não aplicação significaria ou não a sua violação?

Todo este quadro desembocou nas árduas discussões sobre o relacionamento dos princípios com a figura das normas programáticas e sua eficácia jurídica, ensejando visões que vão desde reconhecer neles meras sugestões até atribuir-lhes eficácia positiva3.

A construção doutrinária/jurisprudencial dos princípios que orientam o Direito Tributário tem a grande vantagem de conferir maior adaptabilidade e maleabilidade ao texto constitucional. É possível, por exemplo, reconhecer sem maiores dificuldades, princípios como o da proteção da confiança legítima, que, não tendo previsão expressa, somente nas últimas décadas se desenvolveu e consolidou a teoria fiscal nacional4.

Outra vantagem da inexistência de uma listagem de princípios – como tais intitulados – no capítulo do Sistema Tributário Nacional é incentivar uma leitura sistemática da Constituição que considere o texto constitucional em sua unidade e inteireza, sem questionamentos sobre ordem de prioridade e precedência entre princípios e valores constitucionalmente previstos em outras seções.

Por exemplo, quando se faz referência à solidariedade como um vetor axiológico do Sistema Tributário Nacional, com fundamento no inciso I do art. 3º da Constituição Federal5, está-se reconhecendo que o texto constitucional deve ser interpretado em sua inteireza.

Ademais, não se pode perder de vista que a palavra “princípio” é polissêmica e é utilizada pela Constituição em acepções distintas6. As últimas décadas testemunharam a problematização do conceito de princípio na teoria jurídica brasileira, notadamente após o avanço das teorias neoconstitucionalistas. Contudo, não se pode afirmar que o texto constitucional tenha prestigiado este ou aquele conceito de princípio.

Mesmo na doutrina, o significado do termo “princípio” deve ser considerado em sua evolução histórica, devendo-se reconhecer que tem razão Hugo de Brito Machado quando afirma que “não há, de certo, consenso doutrinário em torno da questão de saber o que é um princípio jurídico”7.

Com efeito, é possível assumirmos que no século XXI está disseminada a teoria do jusfilósofo alemão Robert Alexy na definição doutrinária de princípios8, tendo-se como premissa que são normas finalísticas que estabelecem um estado de coisas a ser alcançado, consideradas as limitações jurídicas e fáticas existentes. Essa perspectiva teve a Escola da UERJ como um dos grandes pontos de irradiação, a partir dos trabalhos de Luís Roberto Barroso9 e Ricardo Lobo Torres10.

Contudo, os autores que fundaram o Direito Tributário brasileiro certamente não tinham em conta uma definição alexyana de princípio, sendo os princípios apontados como normas de grande importância dentro do ordenamento jurídico. Uma definição que reflete essa posição é apresentada por Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem princípio é, “por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas”11. E que, portanto, pode servir de critério de aferição da constitucionalidade de qualquer regra, até mesmo constitucional12.

O grande estudo inaugural do Direito Constitucional Tributário brasileiro, o clássico Limitações constitucionais do poder de tributar, de Aliomar Baleeiro, embora não se dedique longamente a definir “princípios”, ressaltando que, conquanto pareçam postulados jurídicos eles têm “índole nitidamente política”, reforça essa noção de princípios como normas de maior relevância em determinado sistema, ou seja, “normas de grau superior à lei”13.

De toda maneira, independentemente das diversas posições doutrinárias14, temos que reconhecer que a Constituição Federal não adotou este ou aquele conceito de princípio.

Nessa linha de ideias, quando se está trabalhando com princípios enquanto categorias construídas doutrinária/jurisprudencialmente, tendo como referência finalidades e interesses protegidos pela Constituição, não raro inferidos a partir de regras, a possibilidade de adoção de um conceito de princípio como norma finalística (de contornos fluidos) é muito mais concreta do que quando a Constituição declara expressamente um princípio.

Por exemplo, quando o art. 46 da Constituição estabelece que “o Senado Federal se compõe de representantes dos Estados e do Distrito Federal, eleitos segundo o princípio majoritário” (destaque nosso), não nos parece que se esteja prevendo uma norma finalística.

O mesmo ocorre no art. 93, quando prevê que “lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios”, estabelecendo que estes seriam, por exemplo, o “ingresso na carreira, cujo cargo inicial será o de juiz substituto, mediante concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as fases, exigindo-se do bacharel em direito, no mínimo, três anos de atividade jurídica e obedecendo-se, nas nomeações, à ordem de classificação” (inciso I) e a “previsão de cursos oficiais de preparação, aperfeiçoamento e promoção de magistrados, constituindo etapa obrigatória do processo de vitaliciamento a participação em curso oficial ou reconhecido por escola nacional de formação e aperfeiçoamento de magistrados” (inciso IV). Novamente não estamos cuidando de princípios como normas finalísticas.

De outra parte, quando consideramos o art. 170 da Constituição, temos uma listagem de princípios mais alinhada com a noção de um catálogo de fins a serem alcançados pela ordem econômica. Em textual:

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I – soberania nacional;

II – propriedade privada;

III – função social da propriedade;

IV – livre concorrência;

V – defesa do consumidor;

VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;

VII – redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII – busca do pleno emprego;

IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.”

Certamente não é nosso objetivo aprofundar este debate sobre o sentido e o alcance do termo princípios e como ele se encontra refletido na Constituição Federal. Nosso propósito é sustentar que, dada a polissemia da palavra princípio, era aconselhável a manutenção do modelo adotado pelo texto constitucional original, ou seja, que permanecesse a possibilidade do reconhecimento de princípios constitucionais tributários a partir de uma interpretação sistemática, teleológica e axiológica da Constituição, em sua unidade e inteireza.

Em outras palavras, parecia-nos desnecessária a inclusão na Constituição de um catálogo de princípios do Sistema Tributário Nacional. Até porque, uma vez que se decide pela inserção de uma tal listagem surgem, naturalmente, as questões: quais são os princípios do Sistema Tributário Nacional? Seriam apenas os enumerados? Qual a sua eficácia diante das regras? Como repercutem na interpretação e aplicação da legislação? Serão critérios da decisão ou do julgamento de casos concretos particulares?

Nada obstante, como se sabe, esta não foi a opção do Congresso Nacional que, durante a tramitação da EC n. 132 incluiu em seu texto o § 3º do art. 145, cuja redação final é a seguinte:

“Art. 145 [...]

§ 3º O Sistema Tributário Nacional deve observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente.”

Além deste dispositivo, o § 1º do art. 156-A da Constituição Federal estabeleceu que o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) – e, consequentemente, a CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) – serão informados pelo princípio da neutralidade. No inciso III do § 6º do mesmo artigo encontraremos também referência aos princípios da livre concorrência e da isonomia, ao estabelecer que lei complementar disporá sobre regime especial de tributação aplicável a “sociedades cooperativas, que será optativo, com vistas a assegurar sua competitividade, observados os princípios da livre concorrência e da isonomia tributária” (destaque nosso).

Vê-se, portanto, que, de um texto que não trazia nenhum princípio tributário nominalmente qualificado como tal, que não continha nenhum dispositivo que incluísse a palavra “princípio”, a EC n. 132 nos legou um capítulo do Sistema Tributário Nacional que agora menciona “princípios” mais de uma vez, sendo que, nesse contexto, o § 3º do art. 145 é certamente mais abrangente do que os demais, dada a sua aplicação a todo Sistema Tributário Nacional.

2. A relação entre princípios explícitos e princípios implícitos: o debate sobre condições de precedência

É possível abordar o art. 145, § 3º, a partir de duas questões preliminares: era necessário um catálogo de princípios do Sistema Tributário Nacional na Constituição? E, sendo necessário, quais seriam os princípios do Sistema Tributário Nacional?

O processo legislativo acelerado e o foco dos debates nos novos tributos criados pela EC n. 132 fizeram com que a discussão sobre o art. 145, § 3º fosse basicamente inexistente. Com isso, essas questões sequer foram objeto de consideração nos fóruns sobre reforma tributária.

Em alguma medida, ambas as perguntas foram superadas com a promulgação da EC n. 132, restando-nos examinar as consequências do disposto no parágrafo em comento.

Ainda hoje, a teoria tributária se encontra dividida entre textos que consideram o Direito Tributário um instrumento de dominação do contribuinte pelo Estado, de modo que a Constituição Federal seria basicamente uma Carta de defesa dos contribuintes contra a tributação; e aqueles que, como nós, acreditam que o dever tributário é um dever da pessoa enquanto cidadã, de modo que, da mesma maneira que se deve proteger o contribuinte contra exigências em desacordo com o ordenamento jurídico, é do interesse da sociedade que se assegure que os deveres tributários sejam adimplidos15.

A abertura típica dos princípios e a falta de clareza sobre o que seria simplicidade, transparência, justiça, cooperação e defesa do meio ambiente – como um princípio tributário – faz com que o novo rol do § 3º do art. 145 possa ser lido por autores de ambas as linhas teóricas como reforços às suas posições. Nesse sentido, não será de se estranhar se tivermos leituras distintas sobre o alcance do princípio da justiça tributária, por exemplo.

De outra parte, princípios relevantíssimos do Sistema Tributário Nacional seguem sendo implícitos. O melhor exemplo é o princípio da segurança jurídica – do contribuinte e do Estado – que é construído e inferido a partir de uma série de dispositivos constitucionais, mas que não possui dicção explícita. O próprio princípio da capacidade contributiva, como mencionamos, tem base na controversa redação do § 1º do mesmo art. 145.

É demasiadamente importante que se perceba que:

1. os princípios indicados no art. 145, § 3º, não são os únicos – nem os mais relevantes – princípios do Sistema Tributário Nacional; e

2. não existe uma ordem de precedência ou de prioridade entre estes princípios – agora explicitados no texto constitucional – e aqueles implícitos na Constituição Federal. Consequentemente, a justiça tributária não é mais relevante do que a segurança jurídica, devendo-se buscar o equilíbrio entre os diversos princípios que orientam o Sistema Tributário Nacional.

Vale observar que esta equivalência entre princípios explícitos e implícitos pode ser inferida mesmo do § 2º do art. 5º da Constituição Federal, segundo o qual “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

3. Os princípios previstos no art. 145, § 3º, da Constituição Federal

Incluída uma lista de princípios tributários na Constituição Federal, o ideal seria que ela contemplasse todos aqueles que – à vista da construção doutrinária/jurisprudencial – fossem os mais relevantes no Sistema Tributário Nacional. Não nos parece que este seja o caso do novo § 3º do art. 145 da Lei Maior.

Por outro lado, seria possível considerar que a listagem prevista neste parágrafo não teria maiores consequências. Afinal, até mesmo o “princípio da defesa do meio ambiente” já estava de alguma maneira integrado ao Direito Tributário Brasileiro, sem a necessidade de previsão constitucional explícita.

Nada obstante, é impossível saber, a esta altura, a extensão e o alcance que serão atribuídos a tais princípios pela doutrina e pelos órgãos de aplicação do Direito. Consequentemente, é possível que, a partir de sua previsão constitucional, tais princípios tenham usos que nos são obscuros neste momento.

Por exemplo, vemos com preocupação a possibilidade de utilização da justiça tributária como espécie de princípio legitimador de certas posições da administração tributária, como se ele, de alguma forma, autorizasse exigências fiscais, atropelando, assim, a segurança jurídica dos sujeitos passivos tributários. Assim, a questão da ideologia como informadora dos critérios de relevância assume maior importância16.

Tendo esses comentários em consideração, buscaremos, nas seções seguintes, delinear os princípios previstos no § 3º do art. 145 da Constituição Federal. Vejamos.

3.1. O princípio da simplicidade

Uma reforma tributária pode ter várias finalidades. Pode buscar tornar o sistema mais simples. Pode ter como fim deixar o sistema mais justo. Pode ter como objetivo aproximar o sistema doméstico de padrões internacionais, entre outros propósitos. No caso das modificações na tributação do consumo implementadas pela EC n. 132 é possível afirmar que nenhum objetivo esteve mais presente do que a pretensão de simplificação.

Por mais que a simplificação tenha sido a protagonista do debate sobre reforma tributária, não se pode perder de vista que complexidade é consequência, não é causa. Portanto, para que se compreenda o princípio da simplificação é relevante entender as causas da complexidade do Sistema Tributário Nacional.

Um primeiro aspecto relevante é que a complexidade decorre de uma percepção individual. Ao afirmarmos que o Sistema Tributário Nacional é complexo, devemos entender para quem ele é complexo. Certamente não o é para a empresa de pequeno porte que paga seus tributos pelo regime do Simples. Da mesma maneira, é possível que para a maioria dos contribuintes que pagam Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido pelo regime do Lucro Presumido, a complexidade não seja a nota mais característica do Sistema Tributário. O mesmo pode ser dito de uma pessoa física com uma única fonte de rendimento.

É importante deixar já aqui uma ressalva. Nada no parágrafo anterior é uma defesa da complexidade, ou uma afirmação de que nosso sistema não é complexo – quase todos os sistemas tributários o são. Apenas registramos que a complexidade não é uma característica ubíqua do Sistema Tributário Nacional. Provavelmente, em uma pesquisa empírica a carga tributária seria uma característica mais repudiada pelos contribuintes do que a complexidade.

Podemos apresentar, sem pretensão exaustiva, seis diferentes grupos de causas da complexidade do Sistema Tributário Nacional, a saber:

Causas decorrentes do desenho do sistema

– Modelo federativo brasileiro

– Contribuições sem um regramento uniforme

Causas decorrentes de induções legislativas

– Criação de regimes benéficos diferenciados

– Indução ao lobby

– Planejamento tributário

Causas decorrentes da maneira como se dá a relação entre Fisco e contribuintes

– Reação à carga tributária, à corrupção e à má administração de recursos públicos

– Estímulo ao antagonismo e à criação de posições divergentes

Causas decorrentes da interpretação da Constituição e da legislação tributária

– O papel do lançamento por homologação

– A indeterminação da linguagem

– O tempo do Poder Judiciário e as flutuações de jurisprudência

Causas decorrentes dos deveres instrumentais impostos aos contribuintes

A complexidade tributária decorrente da complexidade dos fatos econômicos e sociais

Examinemos, brevemente, cada um destes itens.

3.1.1. Causas decorrentes do desenho do sistema

3.1.1.1. O modelo federativo brasileiro

O fato de termos um Sistema Tributário cuja estrutura contempla a atribuição de competências tributárias para as três esferas da Federação gera, inevitavelmente, complexidade. Em grande medida, a simplificação que se pretende com a EC n. 132 está diretamente relacionada a este tema.

De fato, a existência de três esferas de competência tributária faz com que as empresas em geral se relacionem com ao menos dois entes federativos, com legislação própria – tratando de aspectos materiais e formais, inclusive processuais – e corpo fiscalizatório independente. Algumas empresas chegam a se relacionar com os três níveis. Quando a atividade da empresa se espalha por diversos Estados e Municípios no território nacional, os efeitos da complexidade tornam-se ainda mais expressivos.

3.1.1.2. Falta de normas gerais sobre as contribuições

Embora em situações muito específicas e pontuais Estados e Municípios possam instituir contribuições, o único ente federativo que tem uma competência ampla para a instituição deste tipo de tributo é a União Federal. Não raro, contribuições sociais e, notadamente, contribuições de intervenção no domínio econômico são instituídas fora de seu perfil constitucional, como instrumento de arrecadação.

O risco do desvio de finalidade aumenta com a perpetuação da Desvinculação de Receitas da União, atualmente em 30%, que a própria EC n. 132 prorrogou mais uma vez.

Por outro lado, por mais que as contribuições tenham crescido em relevância, trata-se de uma espécie tributária que somente passou a ter o destaque atual após a Constituição Federal de 198817. É só vermos que o Código Tributário Nacional as desconsidera por completo. E, quando as considera (no art. 217, acrescido cerca de 40 dias após sua publicação) é para dizer que a elas não se aplicam regras do próprio Código.

A carência de um estatuto mais claro das normas gerais que disciplinam as contribuições (apesar de o art. 149, caput, da CF/1988 remeter ao seu art. 146, III) certamente aumenta a complexidade do sistema.

3.1.2. Causas decorrentes de induções legislativas

3.1.2.1. Criação de regimes benéficos diferenciados

Um dos princípios que pautam a incidência tributária é o da generalidade. Pessoas numa mesma situação devem pagar os mesmos tributos. Assim, as situações de tratamento diferenciado devem ser excepcionais e ter uma base constitucional clara. Em outras palavras, a concessão de um benefício fiscal deve sempre estar pautada pela realização de um fim constitucional, do contrário, será ilegítima.

Nada poderia estar mais distante da realidade. No contexto atual, o diferente se tornou a regra. Benefícios fiscais, em muitos casos, tornaram-se privilégios fiscais. Portanto, sem sombra de dúvida, a concessão, não raro inconstitucional, de tratamento fiscal diferenciado, é uma das causas da complexidade sistêmica.

3.1.2.2. Indução ao lobby

Naturalmente, num sistema em que benefícios fiscais tornam-se quase que privilégios fiscais, há uma corrida dos contribuintes para tentar influenciar no processo legislativo de forma a obter, também, tratamento tributário diferenciado. Cria-se, assim, um círculo vicioso. Quanto mais benefícios, maior a complexidade e, ao mesmo tempo, maior a busca por benefícios, reforçando a complexidade.

Observe-se que não somos contra os grupos se organizarem para defender pautas tributárias de seu interesse. O importante, neste caso, é que haja transparência e visibilidade; que se assegure a oportunidade de um debate público em que se questione essas pretensões no interesse da sociedade. Ademais, é relevante que haja abertura das instituições para os diversos setores, e não apenas para um grupo restrito de atores que passam a ter uma influência que é negada como regra.

Portanto, a criação de diferenciações tributárias deve estar pautada em um tripé: a existência de uma finalidade constitucional legítima, a partir de propostas motivadas e de um debate transparente com a sociedade, sobre a finalidade constitucional e a respectiva motivação.

A tudo isso se acrescente uma avaliação concreta, efetiva, dos efeitos gerados pelas diferenciações que sirva de norte para a sua manutenção, supressão ou não reinstituição.

3.1.2.3. Planejamento tributário

Numa redução simplificadora, o planejamento tributário tem como ponto de partida uma ação do contribuinte para se enquadrar – de modo legal/legítimo ou ilegal/ilegítimo – em um regime tributário mais benéfico que, em princípio, não lhe seria aplicável ou, ainda, de se desenquadrar de um regime mais gravoso18.

No momento em que temos uma proliferação de subsistemas tributários que levam à menor tributação, o próprio sistema induz o contribuinte a buscar tais tratamentos. É um comportamento intuitivo. Portanto, quanto maior o número de exceções, maior será a indução ao planejamento e às oportunidades para a sua realização. A tendência das autoridades fiscais será questionar tais atos e negócios jurídicos, criando conflitos intermináveis que aumentam a complexidade e a incerteza sobre as consequências tributárias dos atos praticados.

3.1.3. Causas decorrentes da maneira como se dá a relação entre Fisco e contribuintes

Em termos de psicologia tributária, os contribuintes, como regra, não se sentem motivados a contribuir19. Certo ou errado, ou parcialmente certo, ou parcialmente errado, o fato é que a percepção dos contribuintes é a de que os valores que pagam são desviados, mal-empregados ou desperdiçados. O contribuinte que não quiser contribuir não será estranho ao planejamento fiscal, nem mesmo à evasão fiscal, que tende a receber uma baixa rejeição social.

Neste ambiente, a legislação tem de, constantemente, buscar mecanismos de proteção da arrecadação, não raro criando obrigações de controle que aumentam a complexidade. Ademais, este cenário leva ao desenvolvimento de uma relação belicosa entre Fisco e contribuintes, em que a desconfiança é a regra, não a exceção20. Na prática, a desconfiança leva ao questionamento, que leva às autuações fiscais, que levam ao contencioso, que é gerador de instabilidade e insegurança.

Não ignoramos que estamos vivendo um ponto de inflexão deste modelo baseado na desconfiança, havendo diversas iniciativas, da sociedade civil e do Poder Público, cujo foco é o desenvolvimento de ambientes de cooperação. Contudo, embora seja inegável a busca por uma mudança de paradigma de modo a se obter um relacionamento mais adequado, forçoso é convir que ainda temos um caminho significativo a percorrer até sua concretização.

3.1.4. Causas decorrentes da interpretação da Constituição e da legislação tributária

3.1.4.1. O papel do lançamento por homologação

Sabe-se que nosso sistema de administração tributária é baseado no chamado “lançamento por homologação”, pelo qual o contribuinte interpreta a legislação, identifica a obrigação tributária, calcula e paga o tributo. As autoridades tributárias irão, posteriormente, rever a apuração e o recolhimento feito pelo contribuinte21.

Se juntarmos o que foi dito no item 3.1.3 com o comentário acima, veremos que um sistema baseado em comportamentos ativos do contribuinte, quando este não quer contribuir, tende a ser gerador de conflitos e de complexidade. Um relacionamento antagônico e bipolar inviabiliza posições conciliadoras e faz com que ambos os lados vivam num estado permanente de insegurança.

3.1.4.2. A indeterminação da linguagem

Parte da complexidade do Sistema Tributário Nacional advém da atividade interpretativa. A excessiva constitucionalização e o conceitualismo que caracterizam boa parte da teoria tributária nacional geram intermináveis debates sobre a materialidade de cada tributo. Tendo as palavras como matéria-prima, os textos normativos quase sempre têm uma margem de indeterminação geradora de complexidade22.

3.1.4.3. O tempo do Poder Judiciário e a flutuação da jurisprudência

Se considerarmos os comentários anteriores, notaremos que, sem um órgão de aplicação célere e tecnicamente capacitado, dificilmente haverá uma superação da complexidade gerada pela via interpretativa.

Com efeito, as divergências conceituais que proliferam no debate tributário brasileiro poderiam ser mais facilmente superadas com uma decisão técnica e célere do Poder Judiciário. Nesse sentido, a demora e a flutuação da jurisprudência dos Tribunais Superiores os transformam em geradores de insegurança e complexidade, quando deveriam ser estabilizadores e simplificadores da interpretação da legislação23.

3.1.5. Causas decorrentes dos deveres instrumentais impostos aos contribuintes

Diretamente vinculada a tudo quanto foi dito está a proliferação de deveres instrumentais que devem ser adimplidos pelos contribuintes. Com efeito, se o sistema está estruturado sobre o “lançamento por homologação”, as autoridades se vêm forçadas a exigir que os contribuintes assumam obrigações informacionais que lhes permitam exercer sua função de controle. Quanto mais complexa for a operação da empresa, mais complexa será a teia de deveres instrumentais a que estará submetida.

3.1.6. A complexidade decorrente da complexidade da realidade fática

Além de tudo o que foi apontado anteriormente, há que se reconhecer que existe um aspecto da complexidade que é decorrente do fato de as relações sociais, empresariais, políticas etc. terem se tornado mais complexas ao longo do século XXI. A digitalização da economia torna nossa compreensão dos fatos econômicos mais complexa. Não é raro que simplesmente não se saiba como enquadrar fatos novos em legislações antigas. Muitas vezes sequer se sabe como alterar a legislação para contemplá-los. Ou seja, a complexidade do mundo é uma característica da pós-modernidade. Posturas que pretendem uma redução absoluta das complexidades partem de um raciocínio utópico. A complexidade em si não pode ser eliminada, ela pode e deve ser administrada.

3.2. A simplicidade como princípio

O princípio da simplicidade orienta um horizonte em que os deveres jurídicos tributários possam ser adimplidos e fiscalizados do modo mais simples possível. Certamente já era um princípio tributário implícito a orientar tanto o legislador quanto o intérprete/aplicador.

Em larga medida, este princípio parece equivalente ao princípio da praticabilidade, que há muitos anos já havia sido reconhecido por aqui, independentemente de previsão constitucional explícita24.

Do ponto de vista legislativo, algumas das causas de complexidade que apontamos estão no centro da EC n. 132. A extinção de tributos e a unificação de regulações certamente vai na linha de tornar o sistema mais simples e inteligível. Contudo, não se pode deixar de reconhecer que muito da simplificação proposta na versão original da PEC n. 45 foi perdida durante a sua tramitação – basta lembrarmos a quantidade de regimes de incidência do IBS e da CBS.

Uma das características do Sistema Tributário Nacional é a sua hiperconstitucionalização. Apontada por alguns como uma das virtudes do modelo brasileiro, e por outros – como nós – como uma das causas da quantidade brutal de litígios tributários no Brasil, a profusão de dispositivos constitucionais tributários distingue a Constituição Federal brasileira de outros diplomas constitucionais.

De um lado, a EC n. 132 aumenta a aposta na constitucionalização da tributação. O texto da Constituição Federal pós-EC n. 132 é tão exótico nesse particular que chega a incluir um dispositivo estabelecendo que sucos naturais sem adição de açúcares e conservantes se incluem entre os alimentos previstos no inciso VIII do § 1º do art. 9º da EC n. 132 (§ 13, II, deste mesmo art. 9º).

Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que a EC n. 132 multiplicou substancialmente os dispositivos constitucionais tributários, também delegou largamente a disciplina de temas centrais do novo regime de tributação do consumo à disciplina do legislador infraconstitucional.

Essa mistura de um extenso e detalhado regramento constitucional com um amplo campo de atuação do legislador infraconstitucional pode resultar em um significativo contencioso. Para uma emenda que incluiu na Constituição o princípio da simplicidade, é inegável a complexidade interpretativa do novo texto constitucional, a qual tende a ser potencializada conforme a reforma seja efetivamente implementada em nível infraconstitucional.

A despeito deste paradoxo, caso venha a ser efetivamente considerado pelo legislador infraconstitucional, o princípio da simplicidade pode orientar um ambiente em que a legislação tributária seja mais simples, a começar por seu processo de produção.

O processo legislativo das leis tributárias na maioria das vezes não considera a complexidade e os efeitos nocivos de uma lei incompleta e até, às vezes, mal redigida, que use, não intencionalmente, uma linguagem vaga e ambígua. Boa parte das complexidades interpretativas que apontamos acima decorre de textos normativos demasiadamente imperfeitos, feitos de forma apressada, ignorando que não raro para se resolverem problemas de curto prazo criam-se outros que acompanharão Fisco e sujeitos passivos por décadas.

A simplicidade também deve orientar a elaboração de regulações infralegais, notadamente aquelas que estabelecem deveres formais, que devem ser sempre proporcionais e razoáveis, pautados por um formalismo finalístico, instrumental.

Nessas acepções, o princípio da simplicidade é um subprincípio do princípio da segurança jurídica, na medida em que estabelece como fim almejado a criação de medidas que aumentem as possibilidades de previsibilidade e estabilidade das relações jurídicas tributárias.

Como um princípio de segurança, a simplicidade pode colidir com outros princípios relevantes do Sistema Tributário, como o princípio da capacidade contributiva. Afinal, nem toda complexidade é indesejável. Há complexidades que são necessárias para concretizar outros princípios. A tributação com base em ficções e presunções é mais simples do que aquela orientada pelos fatos efetivamente ocorridos. Contudo, nem sempre ela é compatível com o princípio da capacidade contributiva. Se considerarmos, por exemplo, a alteração feita nas regras brasileiras de preços de transferência, teremos um belo exemplo no qual a simplicidade foi trocada pela complexidade para que se atendesse a princípios como o da capacidade contributiva e o da não bitributação.

Dada a relevância e o entusiasmo com que se debateu a simplificação ao longo da tramitação da EC n. 132, é relevantíssimo que se tenha em conta que o princípio da simplicidade não é absoluto e que nem toda complexidade é ruim ou contrária aos objetivos do Sistema Tributário Nacional.

3.3. O princípio da transparência

O princípio da transparência é outro que, segundo vemos, não carecia de previsão expressa na Constituição Federal, sendo há muito reconhecido como um dos pilares, tanto do Direito Tributário – doméstico e internacional – quanto do Direito Financeiro25. Inclusive, da perspectiva da Administração Pública nos parece que o princípio da transparência já se encontrava previsto no art. 37 da Constituição, que faz referência ao princípio da publicidade.

Este princípio, no campo tributário, estabelece como fim um ambiente em que as relações entre o Fisco e os sujeitos passivos de deveres fiscais se deem de forma clara, de modo que informações relevantes sobre fatos, interpretações e posições jurídicas de parte a parte estejam disponíveis e possam ser acessadas, inclusive, no que possível, por cidadãos que não integram a relação jurídico-tributária.

São muitos os campos em que temos reflexos – já consolidados – do princípio da transparência, desde a concessão de acesso a informações bancárias dos sujeitos passivos às autoridades fiscais, até a divulgação da íntegra de soluções de consulta decididas pelas autoridades fiscais, passando pelos sistemas de troca de informações, domésticos e internacionais26.

Dessa forma, um aspecto interessante do princípio da transparência é ele ser uma via de mão dupla: o Estado deve agir de forma clara e acessível da mesma maneira que o sujeito passivo de deveres fiscais deve atuar de forma clara e acessível perante o Estado.

Desse prisma, o princípio da transparência não convive com posições apriorísticas a favor do Estado nem do sujeito passivo. Portanto, qualquer leitura parcial desse princípio nos parece equivocada.

Em outras palavras, cremos insustentável uma visão no sentido de que, sendo a tributação em si limitadora do direito de propriedade, a opacidade poderia ser um direito do sujeito passivo. Esse tipo de argumento apareceu, por exemplo, no debate sobre a constitucionalidade do acesso a informações bancárias diretamente pelas autoridades fiscais.

Nessa mesma linha de ideias, uma visão baseada na antiga noção de supremacia do interesse público sobre o privado que sustentasse a transparência apenas como um dever das pessoas de Direito privado, igualmente é insustentável.

Assim sendo, o princípio da transparência é um dos grandes pilares dos Direito Financeiro e Tributário contemporâneos. Sua inclusão no texto constitucional não deveria alterar em nada seu status de princípio da atividade financeira do Estado. Ele estabelece um horizonte em que o contribuinte atuará de forma aberta e transparente perante o Estado, da mesma maneira que este será aberto e transparente em relação às suas funções, não só de administração e fiscalização dos tributos, como também de destinação dos recursos arrecadados.

Nada obstante, é preciso ter em conta que o princípio da transparência é um princípio que tende a colidir com outros princípios e direitos fundamentais, o que impõe ponderação na decisão e em cada momento da concretização. A transparência pode colidir com direitos caros à sociedade, como aqueles referentes à intimidade e à vida privada, ao sigilo fiscal, à proteção dos segredos empresariais e a outros que tenham a mesma natureza. Logo, a busca por transparência deverá dar-se no contexto de suas limitações fáticas e jurídicas.

Com efeito, nos marcos da ambivalência, é no limite das tensões entre sigilo e transparência, efetividade e proteção a direitos dos sujeitos passivos tributários que o princípio em questão deve ser interpretado. Em outras palavras, o princípio da transparência não é absoluto, devendo ser ponderado com outros princípios e direitos fundamentais.

Diante desses comentários, temos aqui a mesma preocupação que externamos em relação ao princípio da simplicidade. A previsão explícita desse princípio não pode dar à luz uma transformação dos deveres de prestação de informação dos sujeitos passivos.

Considerando a hipercomplexidade contemporânea, a tentação da demanda de máxima transparência, com a previsão de complexos e intrincados deveres instrumentais, não pode ser desconsiderada, mas deve ser contida. Da mesma forma, há limites para a transparência da Administração Pública.

Nessa linha de ideias, o princípio da transparência deve ser interpretado em conjunto com o já estudado princípio da simplicidade, ou seja, a transparência é instrumental e deve ser pautada pelo princípio da razoabilidade.

3.4. O princípio da justiça tributária

Justiça tributária é outro princípio – ou valor – constitucional que já orienta o Sistema Tributário Nacional, parecendo desnecessária a sua previsão expressa27. A grande questão talvez seja definir o alcance do princípio da justiça tributária, já que é possível defender posições opostas sobre seu escopo e extensão.

De fato, por mais que toda classificação binária seja perigosa, como já mencionamos, cremos ser possível sustentar que há duas perspectivas sobre a tributação que atualmente buscam protagonismo no Brasil.

Uma primeira visão, que remonta ao período de fundação do Direito Tributário no país, sustenta que o tributo, ao demandar recursos privados para custear a coisa pública, implica, por natureza, em restrição da propriedade privada. Consequentemente, por ser restritivo do direito fundamental de propriedade, o tributo em si deveria ser contido.

Por outro lado, há uma perspectiva de que o pagamento de tributos, sendo um dever de cidadania, tenha fundo constitucional e seja feito em prol da sociedade como um todo, de modo que o pagamento de tributos seria um dever fundamental. Nesse caso, o tributo, exigido em linha com os limites previstos no ordenamento jurídico, realizaria direitos fundamentais, não os limitaria28.

Numa primeira aproximação, é possível identificar uma abordagem do princípio da justiça tributária que unificaria ambas as visões: a perspectiva de que a tributação somente atenderá ao princípio da justiça se baseada no ordenamento jurídico. Dessa forma, o princípio da justiça tributária somente seria respeitado num cenário em que não se identificassem desvios de poder e excessos de exação. Naturalmente é possível – ou até provável – que haja divergências sobre o que é necessário para que tal exigência seja atendida, já que autores podem divergir sobre os limites impostos pelo ordenamento jurídico sobre a incidência fiscal.

Uma segunda maneira de conceber a justiça tributária que tende a dividir as opiniões da doutrina está relacionada à carga tributária. Provavelmente haverá quem defenda que um sistema tributário justo será um sistema com baixa carga tributária. É muito comum argumentar-se que a carga tributária brasileira é alta. Essa percepção é anabolizada pelos casos de corrupção e má administração dos recursos públicos.

Contudo, a carga tributária não pode ser considerada alta ou baixa em abstrato. O quanto um país deve arrecadar é função das despesas públicas definidas pela sociedade organizada no Parlamento. Logo, não nos parece que o princípio da justiça tributária guarde conexão com o total da carga tributária.

Cremos que a questão central do princípio da justiça tributária é assegurar que a distribuição da carga esteja alinhada com o princípio da capacidade contributiva, considerando um sistema tributário progressivo que faça com que o encargo financeiro dos tributos seja suportado pelas pessoas que têm a maior capacidade econômica. Esta interpretação nos parece ser sustentada pela própria EC n. 132.

Uma das grandes críticas feitas ao Sistema Tributário Nacional sempre foi a sua regressividade, decorrente da enorme dependência dos tributos sobre o consumo. Nesse aspecto, a EC n. 132 é ambivalente. É um “retrocesso progressista”.

É retrocesso porque manteve a centralidade da tributação do consumo no Sistema Tributário Nacional. Ou seja, a tributação no Brasil seguirá em larga medida regressiva. Entretanto, foram inseridos no texto constitucional diversos dispositivos que vão na linha de uma melhor justiça tributária – da perspectiva de distribuição da carga tributária segundo a capacidade contributiva.

Por exemplo, o novo § 4º do art. 145 da Constituição Federal prevê que “as alterações na legislação tributária buscarão atenuar efeitos regressivos”. Mesmo que se trate de uma norma programática, ela redireciona o Sistema Tributário Nacional criando uma espécie de “princípio da não regressividade”.

Ainda neste campo da justiça tributária, a EC n. 132 incluiu uma regra explícita de progressividade do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (art. 155, § 1º, VI), além de superar um grande equívoco jurisprudencial que era a posição do Supremo Tribunal Federal de não incidência do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores em veículos aquáticos e aéreos (art. 155, § 6º, III).

A justiça tributária sob a vertente da incidência segundo a capacidade contributiva também ilumina o tão falado cashback. Segundo o art. 156-A, § 5º, VIII, da Constituição, lei complementar disporá sobre “as hipóteses de devolução do imposto [IBS] a pessoas físicas, inclusive os limites e os beneficiários, com o objetivo de reduzir as desigualdades de renda”. E o § 13 deste mesmo artigo torna obrigatória a devolução “nas operações de fornecimento de energia elétrica e de gás liquefeito de petróleo ao consumidor de baixa renda, podendo a lei complementar determinar que seja calculada e concedida no momento da cobrança da operação”. O cashback também está previsto para a CBS (art. 195, § 18, da Constituição Federal).

Vale a pena destacar que esses dispositivos fizeram explícita menção à utilização do cashback como instrumento para a superação de desigualdades de renda – embora não tenha abrangido outros tipos de desigualdade, como chegou a ser previsto numa das versões da PEC 45, que fez referência à redução de desigualdades de renda, gênero e raça.

Os próprios IBS/CBS foram ajustados para atenuar a sua regressividade em relação às pessoas de menor renda. Por mais que sejam grandes os debates acerca da eficácia de gastos tributários com tais finalidades, boa parte dos itens incluídos no art. 9º da EC n. 132 o foram para evitar a oneração de produtos e serviços essenciais.

Outra notável modificação inserida na Constituição Federal pela EC n. 132 foi o § 11 do seu art. 9º. Com efeito, este art. 9º traz diversos regimes diferenciados de tributação, os quais, segundo o seu § 10, “serão submetidos a avaliação quinquenal de custo-benefício, podendo a lei fixar regime de transição para a alíquota padrão, não observado o disposto no § 2º, garantidos os respectivos ajustes nas alíquotas de referência”.

O § 11 em comento traz dispositivo que seria impensável anos atrás, determinando que “a avaliação de que trata o § 10 deverá examinar o impacto da legislação dos tributos a que se refere o caput deste artigo na promoção da igualdade entre homens e mulheres”.

Considerando que as mulheres, notadamente as mulheres negras29, são a base da pirâmide social, qualquer medida que supere desigualdades de gênero terá impactos sobre a superação de desigualdades sociais de forma ampla e abrangente30.

Por mais que em termos de eficácia não faça diferença, já que os dispositivos previstos no texto da EC n. 132 e aqueles que foram incorporados à Constituição Federal têm o mesmo nível hierárquico e a mesma eficácia, de um ponto de vista simbólico seria importante que essas regras que concretizaram importantes ideais de igualdade de gênero tivessem sido incluídas no próprio texto constitucional.

Por fim, mas não menos importante, o art. 18, I, da EC n. 132 previu que o Poder Executivo deve enviar ao Congresso Nacional, “em até 90 (noventa) dias após a promulgação desta Emenda Constitucional, projeto de lei que reforme a tributação da renda, acompanhado das correspondentes estimativas e estudos de impactos orçamentários e financeiros”.

O parágrafo único deste artigo prevê que “eventual arrecadação adicional da União decorrente da aprovação da medida de que trata o inciso I do caput deste artigo poderá ser considerada como fonte de compensação para redução da tributação incidente sobre a folha de pagamentos e sobre o consumo de bens e serviços”.

Esse parágrafo está alinhado com o previsto no § 4º do art. 145. Trata-se de medida em direção à redução da regressividade do Sistema Tributário Nacional, cogitando-se de uma troca – positiva – de arrecadação, com a mais justa tributação da renda sendo utilizada ao invés da tributação do consumo e da folha de salários.

É perceptível que, dentro de sua ambivalência, a EC n. 132 buscou aumentar a justiça do Sistema Tributário Nacional, incluindo no texto constitucional uma série de dispositivos cuja finalidade é tornar a distribuição da carga tributária mais justa, no sentido de redução da regressividade e de desigualdades, e de aumento da progressividade.

A partir dos comentários acima, cremos que as demais alterações promovidas na Constituição Federal provavelmente falam mais alto sobre a mudança de paradigma do Sistema Tributário Nacional do que a própria referência à justiça tributária no § 3º do art. 145. Afinal justiça sempre foi um princípio do sistema, não sendo necessariamente uma inovação trazida pela EC n. 132. De toda forma, das interpretações possíveis do princípio em questão cremos que ele estabelece um horizonte em que a carga tributária seja distribuída de forma justa, em linha com o princípio da capacidade contributiva e fundamentado na ideia de solidariedade social.

3.5. O princípio da cooperação

O § 3º do art. 145 também incluiu na Constituição o princípio da cooperação31. Mais uma vez, a EC n. 132 apenas reconheceu um princípio que há muito regia o Sistema Tributário Nacional. O princípio da cooperação é típico da sociedade de risco, orientando um ambiente em que indivíduos e instituições ajam de forma coordenada, muitas vezes transigindo, de modo a superar desafios e problemas que se acentuaram na pós-modernidade.

Assim como nos demais casos, não parece que seria necessário estabelecer na Constituição este princípio da cooperação. Contudo, certamente o novo modelo de tributação do consumo vai demandar uma cooperação que jamais se viu na gestão tributária brasileira, especialmente das administrações públicas.

Nada obstante, como princípio do Sistema Tributário Nacional, a cooperação vai além da coordenação do IBS e da CBS. Os últimos anos viram uma notável expansão dos debates e da implementação de mecanismos cooperativos para a prevenção, administração e solução de controvérsias entre o Fisco e os contribuintes. A noção de compliance cooperativo entrou definitivamente no radar e, nesse sentido, o reconhecimento de um princípio da cooperação chega atrasado. Apenas reflete a realidade jurídica que já está consolidada.

De toda maneira, em princípio, mal não há em se integrar o princípio da cooperação explicitamente ao texto constitucional, salvo pelo risco que apontamos acima em relação a outros princípios de uma leitura parcial do que seria o princípio da cooperação.

Com efeito, a cooperação no contexto da relação Fisco-contribuinte foi por longo tempo vista como um dever do contribuinte. É muito comum encontrarmos na literatura referências ao “dever de cooperação” do sujeito passivo para com o Fisco. Esta visão unidimensional e parcial do princípio da cooperação certamente deve ser afastada.

Não que não seja inerente ao princípio em comento a perspectiva de cooperação dos agentes privados com o Poder Público. Certamente o é. As questões que colocamos são, em primeiro lugar, que este princípio se irradia tanto sobre os agentes públicos como sobre os atores privados, da mesma forma que o princípio da transparência.

Ademais, o princípio da cooperação tem que ser ponderado, não só com o princípio da simplicidade como também com o princípio da razoabilidade. Ambos são limitações jurídicas à cooperação, que não podem se transformar em um peso excessivo para os sujeitos passivos tributários.

Assim, no bojo deste princípio está a necessidade de alterar a postura do Fisco de modo que, antes de simplesmente discordar e punir, é preciso orientar o contribuinte sobre a conduta correta, como que num modelo de “advertência prévia” que permita uma adequação à regra pertinente.

Por exemplo, um campo no qual deve-se ter muito cuidado para a cooperação não extrapolar os limites da razoabilidade e da proporcionalidade é o da responsabilidade, notadamente no que se refere à atribuição de funções de retenção. Afinal, cooperação não pode ser sinônimo de “privatização” da função pública de fiscalização e administração da arrecadação tributária, mesmo porque a posição do contribuinte que atua como fonte corresponde a uma longa manus do Fisco e, portanto, exerce uma função que lhe permite certa margem de interpretação dos fatos32.

3.6. O princípio da defesa do meio ambiente

A proteção do meio ambiente é um dos temas mais importantes do século XXI. Ela é uma questão transversal, que perpassa praticamente todas as áreas do conhecimento e da experiência humanos. No campo jurídico, é difícil imaginar qualquer subsistema regulatório que não tenha conexão com a busca por um meio ambiente sustentável.

O século XX trouxe notáveis modificações à dinâmica da vida do homem sobre a Terra. De fato, pela primeira vez em nossa história, o desenvolvimento técnico-científico assim como o modelo socioeconômico prevalecente põem em risco a própria perpetuação da espécie humana.

As transformações iniciadas no século passado e que continuam se processando no atual trouxeram consigo o fenômeno referido como modernização reflexiva33, o qual, nas palavras de Ulrich Beck, representa a “possibilidade de uma (auto)destruição criativa para toda uma era: aquela da sociedade industrial”. Como complementa o sociólogo alemão, “o ‘sujeito’ dessa destruição coletiva não é a revolução, não é a crise, mas a vitória da modernização ocidental”34.

Com a superação dos paradigmas da sociedade industrial por intermédio da modernização reflexiva, emerge o conceito de sociedade de risco, o qual “designa uma fase no desenvolvimento da sociedade moderna, em que os riscos sociais, políticos, econômicos e individuais tendem cada vez mais a escapar das instituições para o controle e a proteção da sociedade industrial”35.

É lógico que os riscos sempre estiveram presentes ao longo da história. Todavia, a sociedade de risco implica algo mais do que o reconhecimento de que os seres humanos se expõem a riscos naturais e sociais que ameaçam a continuidade de sua existência individual. A sociedade de risco traz consigo riscos que transcendem em muito a individualidade das pessoas e até mesmo as comunidades locais, com a globalização dos riscos em escala mundial.

Os riscos presentes na sociedade de risco não são naturais, com o que se quer afirmar que são uma decorrência do desenvolvimento técnico da humanidade e da forma como os seres humanos exercem o papel de espécie predominante na Terra.

Como destaca Anthony Giddens, “um cético poderia perguntar: não há nada de novo aqui? A vida humana não foi sempre marcada pela contingência? O futuro não foi sempre incerto e problemático? A resposta a cada uma dessas perguntas é ‘sim’. Não é que atualmente nossas circunstâncias de vida tenham se tornado menos previsíveis do que costumavam ser; o que mudou foram as origens da imprevisibilidade. Muitas incertezas com que nos defrontamos hoje foram criadas pelo próprio desenvolvimento do conhecimento humano”36.

O tema da sociedade de risco e seus efeitos é riquíssimo e tem diversos pontos de interseção com a ordem jurídica, imbricando-se nos vários “ramos” do Direito, inclusive o Direito Tributário. Como destaca Ricardo Lobo Torres, “a sociedade de risco se caracteriza por algumas notas relevantes: a ambivalência, a insegurança, a procura de novos princípios e o redesenho do relacionamento entre as atribuições das instituições do Estado e da própria sociedade”37.

Para Zygmunt Bauman “a ambivalência, possibilidade de conferir a um objeto ou evento mais de uma categoria, é uma desordem específica da linguagem, uma falha da função nomeadora (segregadora) que a linguagem deve desempenhar. O principal sintoma de desordem é o agudo desconforto que sentimos quando somos incapazes de ler adequadamente a situação e optar entre ações alternativas.”38

Como bem pontuou Ricardo Lobo Torres na passagem antes transcrita, outras características da sociedade de risco são a insegurança, a indeterminação e a incerteza que cobrem as relações humanas e seu meio exterior, as quais trazem consigo a paralisação comportamental do homem diante do que lhe é estranho.

Esses comentários são interessantes para compreendermos o papel do princípio da defesa do meio ambiente no Direito Tributário.

Primeiramente, não podemos deixar de registrar a estranheza com a inclusão deste princípio na Constituição como um princípio tributário. Afinal, já existia um princípio geral de defesa do meio ambiente previsto no art. 225 do texto constitucional, segundo o qual “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”. Este é apenas um dos diversos dispositivos que tratam da matéria na Constituição Federal.

Dessa forma, de uma perspectiva constitucional, a previsão do princípio da defesa do meio ambiente não altera o regime de proteção que já estava cristalizado na Constituição Federal. O que se pode defender é que a sua previsão expressa no § 3º do art. 145 colocará o tema na ordem do dia do Direito Tributário, tendo um efeito pedagógico para que o legislador considere a questão ambiental sempre que for alterar as leis fiscais. Ademais, é possível também que a previsão sirva para sinalizar o compromisso do país com a questão ambiental.

Se o propósito era reforçar a centralidade da proteção do meio ambiente, a EC n. 132 foi além da inclusão do princípio tributário da defesa do meio ambiente. Vários outros dispositivos constitucionais trouxeram regras que aumentam o protagonismo da questão ambiental no Sistema Tributário Nacional, começando pela previsão da nova competência da União Federal para instituir imposto sobre a “produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente” (art. 153, VIII), que vem sendo chamado de Imposto Seletivo.

Um aspecto interessante é que o texto da PEC 45 aprovado pela Câmara dos Deputados fazia referência ao princípio do “equilíbrio e da defesa do meio ambiente”. Nessa formulação linguística, defesa corresponderia apenas à não agressão ao que está (conduta negativa de abstenção), enquanto equilíbrio seria a recomposição ao que estava antes ou à situação mais próxima possível desta (conduta positiva de agir na direção de reequilibrar). A redação final da EC n. 132, ao suprimir a menção a “equilíbrio”, deixa em aberto saber se a supressão foi porque não se queria a recomposição ou porque o reequilíbrio já estaria abrangido pela defesa, vista esta de uma perspectiva dinâmica e mais ampla. Não nos parece que o Constituinte Derivado quisesse reduzir a proteção ao meio ambiente, portanto, a segunda interpretação é mais consentânea inclusive com o fato de a variável ambiental ter sido expressamente incluída no capítulo do Sistema Tributário.

4. Conclusão

Como apontamos, os princípios elencados no art. 145, § 3º, da Constituição Federal não são inovações, uma vez que todos já podiam ser inferidos do texto constitucional anterior. Contudo, nos parece ser possível identificar uma mudança na sua eficácia.

De fato, se o princípio jurídico é uma “previsão positiva que veicula um vetor axiológico informador de determinada legislação específica, apontando certa diretriz a ser seguida pelo legislador na sua elaboração e pelo aplicador (juiz ou particular) na sua interpretação e aplicação concretas”39, estar ele implícito ou explícito no texto constitucional tem consequências em relação à sua eficácia.

Quando temos um princípio implícito, ele decorre da interpretação. Consequentemente a sua interação com o ordenamento jurídico vai se dar também no âmbito da interpretação, havendo maior flexibilidade do intérprete ao considerar ou não certos princípios no processo hermenêutico. A aplicação do princípio acaba limitada pelo próprio contexto no qual sua incidência é considerada, isto é, pelos limites textuais dos atos normativos em relação aos quais é aplicado.

A previsão explícita dos princípios em questão altera este quadro. Em primeiro lugar, não se pode desconsiderar que o § 3º do art. 145 estabelece que o Sistema Tributário Nacional deve observar os princípios ali listados. Consequentemente, em vez de elementos de interpretação que poderiam ser considerados e ponderados em maior ou menor grau, tem-se um comando dirigido a todos os intérpretes da Constituição que obriga a observância dos princípios previstos no § 3º do art. 145.

Ademais, a previsão explícita dos princípios faz com que eles também tenham um sentido próprio de Direito positivo, mesmo que impreciso. Consequentemente, a interpretação passa necessariamente a considerar os princípios juntamente com os textos normativos – constitucionais e infraconstitucionais. Nesse caso, a dicção destes últimos passa a ser um limite mais fraco ao alcance dos princípios.

A questão que estamos apontando é a seguinte: quando temos princípios implícitos eles são deduzidos do ordenamento jurídico. Logo, parte-se da Constituição e demais atos normativos infraconstitucionais para, pela via hermenêutica, deduzir a existência de um princípio cuja aplicação concreta demandará um certo ônus argumentativo do intérprete, a ponto de o art. 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro prever que “nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão”.

Estando o princípio no ordenamento jurídico positivo, ele não é mais deduzido dele, nem emana dele. Ele já está nele. Esta mudança de perspectiva pode ter consequências relevantes na interpretação/aplicação dos princípios incluídos no § 3º do art. 145. Dada a sua imprecisão e natural ambiguidade, é importantíssimo que se estabeleçam, o tanto quanto possível, as suas balizas e alcance.

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TIBURCIO, Mariana Cavalcanti. Os princípios de justiça tributária sob a perspectiva das desigualdades de gênero. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2023.

TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário: valores e princípios constitucionais tributários. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. v. II.

1 Sobre o princípio da capacidade contributiva, ver: GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 4. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 330-331.

2 Para um interessante estudo sobre o caráter imanente dessas regras para a existência e o funcionamento de um ordenamento jurídico, veja-se: FULLER, Lon. The morality of law. New Haven: Yale University Press, 1964, p. 33-94.

3 Ver: GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 4. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 346.

4 Sobre o tema, ver: RIBEIRO, Ricardo Lodi. A segurança jurídica do contribuinte. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2023.

5 Sobre a solidariedade no Direito Tributário, ver: ROCHA, Sergio André. Fundamentos do direito tributário brasileiro. 2. ed. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2023, p. 102-108; GRECO, Marco Aurélio. Solidariedade social e tributação. In: GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de (coord.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005, p. 168-189; SANTIAGO, Julio Cesar. Solidariedade: como legitimar a tributação? Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019; GRECO, Marco Aurélio; GODOI, Marciano Seabra de (coord.). Solidariedade social e tributação. São Paulo: Dialética, 2005.

7 MACHADO, Hugo de Brito. Os princípios jurídicos da tributação na Constituição de 1988. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2019, p. 19.

9 Ver: BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

10 Ver: TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário: valores e princípios constitucionais tributários. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. v. II.

11 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2019, p. 54.

12 Veja-se, por exemplo, a decisão do Supremo Tribunal Federal na Medida Cautelar da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 939-7, na qual a Emenda Constitucional n. 3/1993 foi julgada inconstitucional.

13 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1974, p. 7-8. Sobre o tema, ver: GRECO, Marco Aurélio. [Comentários ao art. 150, I]. In: CANOTILHO, J. J. Gomes et. al. (coord.). Comentários à Constituição do Brasil. 2. ed. São Paulo: Almedina, 2018, p. 1.743-1.744.

14 Para uma revisão das posições doutrinárias sobre o tema, ver: ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 21. ed. São Paulo: JusPodivm, 2022, p. 57-89.

15 Sobre esta dicotomia, ver: ROCHA, Sergio André. Fundamentos do direito tributário brasileiro. 2. ed. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2023, p. 33-37.

16 Sobre o papel da ideologia na tributação, ver: GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 4. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 35-36; ROCHA, Sergio André. Fundamentos do direito tributário brasileiro. 2. ed. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2023, p. 59-68.

17 Sobre o tema das contribuições, ver: GRECO, Marco Aurélio. Contribuições (uma figura “sui generis”). São Paulo: Dialética, 2000.

18 Sobre o planejamento tributário, ver: GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 4. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2019; ROCHA, Sergio André. Planejamento tributário na obra de Marco Aurélio Greco. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2022; ROCHA, Sergio André. Planejamento tributário e liberdade não simulada. 2. ed. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2022.

19 Sobre o tema, ver: SOUZA, Danielle Nascimento Nogueira de. Neurodireito, psicologia e economia comportamental no combate à evasão fiscal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019; MONTEIRO, Pedro Henrique Vieira Greca. Tributário cognitivo comportamental: introdução ao tema. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2021; LINHARES, Danielle Nascimento de Souza; MONTEIRO, Pedro Henrique Vieira Greca (coord.). Tributação, finanças e comportamento humano: diálogos interdisciplinares. Belo Horizonte: Dialética, 2023.

20 Ver: ROCHA, Sergio André. Reconstruindo a confiança na relação Fisco-Contribuinte. Revista Direito Tributário Atual v. 39. São Paulo: IBDT, 2018, p. 487-506.

21 Ver: ROCHA, Sergio André. Processo administrativo fiscal. São Paulo: Almedina, 2018, p. 353-391; GRECO, Marco Aurélio. Dinâmica da tributação: uma visão funcional. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

22 Sobre os conceitos jurídicos, ver: GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 4. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 83-94; ROCHA, Sergio André. Da lei à decisão: a segurança jurídica tributária possível na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017, p. 25-51.

23 Há situações em que identificamos a flutuação de entendimento na jurisprudência do próprio tribunal. Podemos citar como exemplo a mudança de entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o aproveitamento de crédito presumido de IPI no caso de desoneração tributária no meio da cadeia (ver a Súmula Vinculante n. 58). Podemos trazer como um caso de mudança de entendimento pelo Superior Tribunal de Justiça a alteração de posição do Tribunal sobre a contagem de prazo prescricional no caso de tributo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, que ocorreu no julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial n. 435.835/SC.

24 Ver: DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. Belo Horizonte: Fórum, 2021, p. 147-151; COSTA, Regina Helena. Praticabilidade e justiça tributária. São Paulo: Malheiros, 2007.

25 Sobre o princípio da transparência, ver: ARRUDA, Carmen Silvia Lima de. O princípio da transparência. São Paulo: Quartier Latin, 2020; ROCHA, Sergio André. Troca internacional de informações para fins fiscais. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 58-62; TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional, financeiro e tributário: valores e princípios constitucionais tributários. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. v. II, p. 243-263.

26 Ver: ROCHA, Sergio André. Troca internacional de informações para fins fiscais. São Paulo: Quartier Latin, 2015.

27 Sobre o tema da justiça tributária, ver: JOBIM, Eduardo. A justiça tributária na Constituição. São Paulo: JusPodivm, 2023; NUNES, Cleucio Santos. Justiça tributária. Belo Horizonte: Fórum, 2019; GODOI, Marciano Seabra de. Justiça, igualdade e direito tributário. São Paulo: Dialética, 1999.

28 Ver: NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 1998; GODOI, Marciano Seabra de; ROCHA, Sergio André (org.). O dever fundamental de pagar impostos. Belo Horizonte: D’Plácido, 2017; CARDOSO, Alessandro Mendes. O dever fundamental de recolher tributos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014; MARQUES, Leonardo Nunes. Uma teoria constitucional do tributo: direitos e deveres fundamentais. Belo Horizonte: Fórum, 2011; ABRAHAM, Marcus. Curso de direito financeiro brasileiro. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 145-149.

29 Como observa Lana Borges, “as distinções graves entre homens e mulheres foram objeto de estudo e se tornaram mais difundidas pelo trabalho da filósofa francesa Simone de Beauvoir. O homem é o Sujeito, o Absoluto; ela é o Outro. Os sistemas sociais, culturais e normativos, dos quais as mulheres não participavam em sua concretização, mas a eles eram e são submetidas, têm por referência o homem e não a mulher. Como evidencia a autora, ‘Somente a mediação de outrem pode constituir um indivíduo como um Outro’. E ainda mais abismal é a situação da mulher negra que, segundo Grada Kilomba, é o Outro do Outro. São estruturas indiscutivelmente androcentristas e brancas.” (BORGES, Lana. Tributação e gênero: políticas públicas de extrafiscalidade e a luta pela igualdade. Belo Horizonte: Fórum, 2023, p. 92).

30 Sobre o tema, ver: BORGES, Lana. Tributação e gênero: políticas públicas de extrafiscalidade e a luta pela igualdade. Belo Horizonte: Fórum, 2023; TIBURCIO, Mariana Cavalcanti. Os princípios de justiça tributária sob a perspectiva das desigualdades de gênero. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2023; MENEZES, Luiza Machado de O. Tributação e desigualdades de gênero e raça. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2023; SANTOS, Maria Angélica dos. Tributação e raça: fabulações tributárias. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2023; ROCHA, Isabelle. Tributação e gênero: como o Imposto de Renda da pessoa física afeta as desigualdades entre homens e mulheres. Belo Horizonte: Dialética, 2021.

31 Sobre o princípio da cooperação (antes da EC n. 132), ver: GOLDSCHMIDT, Fábio Brun; ANDRADE, Leonardo Aguirra de. Por um princípio da cooperação no direito tributário: contribuições para o acolhimento de um novo princípio fiscal. Belo Horizonte: Letramento, 2023; PAULSEN, Leandro. Capacidade colaborativa: princípio de direito tributário para obrigações acessórias e de terceiros. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014; ROCHA, Sergio André. Troca internacional de informações para fins fiscais. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 62-67.

32 Veja-se, a respeito, PACHECO, Alexandre Sansone. O responsável por substituição como agente público. São Paulo: SGuerra Design, 2019, p. 95-100.

33 Importa mencionar que, como destacado por Eduardo C. B. Bittar, a denominação desse momento histórico não é pacífica, falando-se em modernidade reflexiva, pós-modernidade, super-modernidade, etc. (BITTAR, Eduardo C. B. O direito na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 96 e 97).

34 BECK, Ulrich. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva. In: GIDDENS, Anthony; BECK, Ulrich; LASH, Scott. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. Tradução Magda Lopes. São Paulo: Editora Unesp, 1997, p. 12. Sobre a reflexividade da modernidade ver também: GIDDENS, Anthony. As consequências da Modernidade, 1991, p. 16.

35 Cf. BECK, Ulrich. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva, 1997, p. 15.

36 GIDDENS, Anthony. Risco, confiança e reflexividade. In: GIDDENS, Anthony; BECK, Ulrich; LASH, Scott. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. Tradução Magda Lopes. São Paulo: Editora Unesp, 1997, p. 220. Sobre a distinção entre os riscos presentes na sociedade de risco e aqueles que caracterizam a sociedade industrial ver: BECK, Ulrich. Liberdade ou capitalismo. Tradução Luiz Antônio Oliveira de Araújo. São Paulo: Editora Unesp, 2003, p. 113-116.

37 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional, financeiro e tributário: valores e princípios constitucionais tributários. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. v. II, p. 177.

38 BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Tradução Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999, p. 9.

39 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 4. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2019, p. 226.