Lei Interpretativa e Dedutibilidade de Royalties: Critérios de Identificação e Natureza Interpretativa do Art. 11 da Lei n. 14.689/2023

Interpretative Legislation and the Deductibility of Royalties: Criteria for Identification and the Interpretative Nature of Article 11 of Law n. 14.689/2023

Pedro Adamy

Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Doutor (USP) e Mestre (UFRGS) em Direito. Advogado e Consultor. E-mail: pedro@pedroadamy.com.br.

https://doi.org/10.46801/2595-6280.56.35.2024.2538

Resumo

Este artigo analisa as leis interpretativas no direito tributário brasileiro, com objetivo de elucidar problema envolvendo a dedutibilidade dos royalties, especialmente analisando a natureza do art. 11 da Lei n. 14.689/2023. São discutidos os critérios de identificação de leis interpretativas, que envolvem aspectos formais, estruturais e materiais, e a aplicação retroativa de seus efeitos, que visa não só regular a dedutibilidade dos royalties, mas também fomentar o desenvolvimento tecnológico na agropecuária, incentivando a pesquisa e inovação no setor.

Palavras-chave: leis interpretativas, dedutibilidade de royalties, retroatividade.

Abstract

This article examines interpretative laws in Brazilian tax law, aiming to elucidate issues regarding the deductibility of royalties, especially analyzing the nature of Article 11 of Law n. 14.689/2023. It discusses the criteria for identifying interpretative laws, which involve formal, structural, and material aspects, as well as the retroactive application of its effects, which seeks not only to regulate the deductibility of royalties, but also to promote technological development in agriculture, encouraging research and innovation in the sector.

Keywords: interpretative legislation, deductibility of royalties, retroactivity.

Nur dem Gesetzgeber steht die Macht zu, ein Gesetz auf eine allgemein verbindliche Art zu erklären.

(Somente o legislador tem o poder, de maneira geral e vinculante, de elucidar uma lei.)

Allgemeine bürgerliche Gesetzbuch (Código Civil austríaco de 1º de junho de 1811)

I. Introdução

Leis interpretativas são um tema permanente no direito tributário brasileiro. Parcela da doutrina nega a sua relevância, com alguns que sequer reconhecem a sua possibilidade normativa. Outra parcela as reconhece como instrumentos normativos legítimos, que em nada conflitam com o ordenamento constitucional e tributário.

O presente artigo propõe critérios objetivos para a identificação de leis interpretativas, utilizando o art. 11 da Lei n. 14.689/2023 como teste para tais critérios. Nesse sentido, são propostos critérios de três diferentes naturezas: em primeiro lugar, critérios formais que permitem a identificação da legislação interpretativa; em segundo lugar, critérios estruturais, que auxiliam na identificação ou na negação da natureza interpretativa de determinado dispositivo ou diploma legal. Por fim, em terceiro lugar, critérios materiais, que buscam uma análise concreta do conteúdo do dispositivo para permitir a verificação de sua natureza interpretativa.

Com a finalidade de verificar a adequação e a operacionalização de tais critérios, faz-se o confronto deles com o disposto no art. 11 da Lei n. 14.689/2023, que pretendeu servir como instrumento de interpretação de outros dispositivos relativos à dedutibilidade de royalties no setor de sementes.

Por fim, faz-se uma breve exposição sobre os efeitos do referido dispositivo, e de sua natureza interpretativa, no setor da produção agrícola e da produção de sementes, de forma a concretizar e fomentar as finalidades constitucionais do setor.

II. Leis interpretativas no direito tributário brasileiro

Para os efeitos deste estudo, denominar-se-á de interpretativas as leis cujo conteúdo objetiva esclarecer o sentido ou alcance de dispositivos legais anteriormente editados. Diferentemente das demais normas jurídicas – que criam novas regras ou alteram o ordenamento jurídico – as leis interpretativas não introduzem mudanças substanciais no ordenamento jurídico. Pelo contrário. As normas interpretativas buscam exclusivamente elucidar dúvidas, ambiguidades ou lacunas interpretativas que possam surgir na aplicação das leis preexistentes.

O Supremo Tribunal Federal já reconheceu a constitucionalidade de leis interpretativas no ordenamento brasileiro. Com efeito, o STF decidiu que “é plausível, em face do ordenamento constitucional brasileiro, o reconhecimento da admissibilidade das leis interpretativas, que configuram instrumento juridicamente idôneo de veiculação da denominada interpretação autêntica.”1 Ainda que se possa questionar a natureza e a efetividade da denominada interpretação autêntica, o fato a se manter é que as leis interpretativas foram consideradas constitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. Elas são, portanto, instrumentos legítimos de introdução de regras que orientam, delimitam e informam a interpretação da legislação vigente.

Ao fazer o reconhecimento expresso da viabilidade constitucional de leis interpretativas, o Tribunal igualmente reconheceu o seu caráter retroativo, alcançando fatos pretéritos e surtindo efeitos sobre acontecimentos, desde que não haja gravames aos cidadãos. Assim constou da decisão:

“Na medida em que a retroprojeção normativa da lei não gere e nem produza os gravames referidos, nada impede que o Estado edite e prescreva atos normativos com efeito retroativo.

As leis, em face do caráter prospectivo de que se revestem, devem, ordinariamente, dispor para o futuro. O sistema jurídico-constitucional brasileiro, contudo, não assentou, como postulado absoluto, incondicional e inderrogável, o princípio da irretroatividade.

[...]

O princípio da irretroatividade somente condiciona a atividade jurídica do Estado nas hipóteses expressamente previstas pela Constituição, em ordem a inibir a ação do Poder Público eventualmente configuradora de restrição gravosa (a) ao ‘status libertatis’ da pessoa (CF, art. 5. XL), (b) ao ‘status subjectionais’ do contribuinte em matéria tributária (CF, art. 150, III, ‘a’) e (c) à segurança jurídica no domínio das relações sociais (CF, art. 5º, XXXVI)2.

Da mesma forma, o STF entendeu que as leis interpretativas não podem inovar o ordenamento jurídico. Assim é que, ao julgar a constitucionalidade da Lei Complementar n. 118/2005, o Tribunal afirmou que “lei supostamente interpretativa que, em verdade, inova no mundo jurídico deve ser considerada como lei nova.”3 As leis interpretativas, portanto, não trazem inovações ao direito nem estabelecem novas obrigações ou deveres, mas simplesmente reconhecem normas preexistentes ao esclarecer o significado desejado pelo legislador de uma disposição já existente. Elas são leis criadas exclusivamente para esclarecer o que foi previamente legislado, auxiliando na eliminação de eventuais ambiguidades interpretativas que possam ter surgido no texto original ou indicando e direcionando a interpretação que o legislador considera a mais adequada para aquele dispositivo legal.

Tal espécie legislativa tem como objetivo primordial garantir a certeza e a coerência jurídica na aplicação das leis vigentes. Elas não introduzem novos conceitos jurídicos, mas esclarecem, direcionam e orientam a interpretação da legislação já em vigor, buscando eliminar dúvidas ou incertezas que possam surgir em sua interpretação.

Nas palavras de Guastini “as leis de interpretação autêntica não inovam o direito, não estabelecem novas normas, mas são simplesmente o reconhecimento de normas preexistentes, uma vez que se supõe que se limitem a declarar o (‘verdadeiro’) significado de uma lei preexistente”4. Trata-se, portanto, de norma criada com o intuito exclusivo de esclarecer o que fora previamente legislado, dirimindo eventuais obscuridades interpretativas que pudessem estar presentes no comando original.

Desde já, deve-se deixar claro que não se trata de defender uma a interpretação autêntica dada pelo próprio legislador com uma regra “interpretativa”, o que, se levada ao extremo, poderia levar até a excluir a futura interpretação da norma, precisamente porque a norma, uma vez interpretada pelo próprio legislador, não necessita ser novamente interpretada5. Pelo contrário.

A lei interpretativa é e deve ser objeto de interpretação e controle. Ela, portanto, não está imune ao controle de sua constitucionalidade pelo Poder Judiciário e poderá, igualmente, ser objeto de interpretação pelos operadores jurídicos. Conforme o entendimento do STF, “considerando que a própria lei que se diga interpretativa se sujeita ao controle jurisdicional, seja quanto à sua efetiva natureza, seja quanto à extensão de sua possível aplicação, sua edição não configura violação ao princípio da independência dos Poderes.”6 Isso, no entanto, não afasta o seu caráter de lei que pretende direcionar a interpretação de outro dispositivo legal, determinando, delimitando ou orientando a interpretação a ser conferida ao dispositivo original objeto da nova lei interpretativa.

O que não se admite é o extremo oposto. Os operadores desconsiderarem as disposições da lei interpretativa, alegando que tal figura normativa não possui qualquer relevância no ordenamento jurídico brasileiro. Com efeito, tal desconsideração leva, a um só tempo, à violação da separação dos Poderes, bem como tem o potencial de ferir direitos fundamentais protegidos pela lei interpretativa7.

Compreendidas essas premissas, deve-se manter em mente que leis interpretativas foram admitidas como instrumentos legítimos de orientação e esclarecimento da legislação em vigor. Fixada essa conclusão, pode-se partir para o intrincado problema da identificação da legislação interpretativa.

É o que se passa a analisar.

II.1. Critérios para identificação de leis interpretativas

A identificação das leis interpretativas é tema complexo e que demanda atenção. Com efeito, é necessário que se estabeleçam critérios para o reconhecimento e a identificação de uma lei interpretativa para que se possa averiguar, com alto grau de certeza, de que se trata efetivamente de uma lei que tem como objeto a definição e a delimitação de um ou mais sentidos normativos à legislação a ser interpretada.

II.1.a. Critérios formais

Em primeiro lugar, a identificação da legislação interpretativa se dá pela análise de elementos formais. Primeiro, pode-se identificar uma lei interpretativa pelos elementos textuais da própria legislação. Assim, disposições como “para fins de interpretação”, “a interpretação da Lei”, “lei interpretativa do dispositivo X”, etc. indicariam que se trata de uma lei interpretativa8. A lei interpretativa se declararia, pelo texto aprovado no Parlamento, como sendo uma lei interpretativa.

Esta parece ser a compreensão do legislador do Código Tributário Nacional, ao prever em seu art. 106, inciso I, que haverá retroatividade quando a lei “seja expressamente interpretativa”, indicando que cabe ao legislador determinar expressamente a natureza interpretativa ou não do diploma legal.

Segundo, a identificação de uma lei interpretativa passa pela verificação da identidade entre as autoridades que promulgaram a lei interpretativa e a lei a ser interpretada. Não se trata, como é óbvio, de uma identidade pessoal, mas, sim, de uma identidade entre as instituições e as competências9. Assim, o legislador federal edita e promulga uma lei que pretende esclarecer o conteúdo normativo de outra lei ou dispositivo de lei federal. Da mesma forma, o legislador estadual e o legislador municipal que podem, respectivamente, editar leis interpretativas para orientar a interpretação de suas legislações vigentes. O que não se admite é a edição de legislação por entes diversos, pretendendo orientar e delimitar a interpretação da legislação vigente de outro ente federal.

Terceiro, a identificação requer que se analise se foi utilizado o mesmo instrumento normativo na lei interpretativa daquele diploma legislativo que se pretende interpretar. Assim, apenas a lei ordinária pode ser instrumento adequado para veicular lei interpretativa que pretende orientar a intepretação de outra lei ordinária. Igualmente se pode afirmar da lei complementar. Assim, apenas uma lei complementar poderá ser considerada lei interpretativa caso se pretenda orientar a aplicação de outra lei complementar. O que não se admite é a utilização de diploma legislativo de natureza distinta como instrumento legítimo para veicular lei interpretativa.

Tais critérios de natureza meramente formal trazem complexidades e riscos. Com efeito, a natureza de uma lei não é definida, única e exclusivamente, pelas palavras utilizadas pelos legislador. Ainda que as finalidades por ele pretendida sejam relevantes, não se pode admitir que o legislador, de antemão, determine a natureza da legislação que está promulgando, apenas pelas palavras que utiliza. Como afirma Savigny,

“O reconhecimento dos fundamentos da lei pode ser mais ou menos certo. É mais certo quando o fundamento é declarado na própria lei. Mas, mesmo nesse caso, o fundamento permanece separado do conteúdo da lei que determina o direito e não pode ser considerado parte integrante dela.”10

Assim, além da análise formal dos elementos acima elencados, uma análise da estrutura e do conteúdo da lei e de seus dispositivos é necessária para a verificação da natureza interpretativa da lei. É o que se passa a fazer.

II.1.b. Critérios estruturais

Em segundo lugar, a identificação da legislação interpretativa passa pela análise de elementos estruturais da legislação que pretende auxiliar e orientar na interpretação da legislação vigente.

Dessa forma, a identificação de uma lei interpretativa não mais parte de elementos textuais, mas de elementos estruturais. Tais elementos estruturais têm relação com o fato de que leis interpretativas não estipulam estritamente regras (que regulam algum caso específico), mas sim metanormas (ou normas de segundo grau), que não têm por objeto o significado das disposições interpretadas11.

Primeiro, a identificação de uma lei interpretativa não depende de que ela contenha a solução para um caso específico, mas que ela se combine com a lei a ser interpretada, com a qual se une, em um texto sobreposto e indissociável, para a solução do caso12.

Há uma relação de imbricamento, de sobreposição e de relação necessária entre os conteúdos das duas leis. Assim, a nova lei não entra em conflito com a norma interpretada. Ao contrário. Ambos os dispositivos se mesclam e se confundem, uma vez que seus conteúdos em nada diferem. Tem-se que a previsão original, agora, deve ser interpretada conforme os mandamentos estipulados pelo legislador atual, como se formassem uma “vontade única”13 do legislador, na qual ocorre uma “solda” entre as duas leis, para usar a imagem de Guastini14.

Segundo, a lei a ser interpretada possui autonomia, no sentido que a reconstrução do sentido e do alcance normativos realizada pela lei interpretativa poderia ser realizada pelo texto da legislação original. Em outras palavras, a lei interpretativa não é necessária para, usando o texto da própria legislação original, poder-se chegar ao resultado pretendido pela legislação interpretativa.

Terceiro, ao contrário do critério anterior, a lei interpretativa não tem qualquer papel no ordenamento jurídico sem a referência que tem com a lei a ser interpretada. Em outras palavras, ou seja, não há autonomia da lei interpretativa, que só tem qualquer relevância normativa quando em conexão direta com a lei a ser interpretada. A lei interpretativa, portanto, não possui vida própria, sendo que a sua eficácia e aplicabilidade dependem de outro dispositivo legal.

Por este último critério, a autonomia normativa reside tão somente com a lei a ser interpretada, enquanto a lei interpretativa, se considerada isoladamente, não possui qualquer relevância jurídica. Em termos singelos, a sua relevância no ordenamento jurídico depende exclusivamente da lei a ser interpretada.

II.1.c. Critérios materiais

Em terceiro lugar, a identificação da legislação interpretativa passa pela análise de elementos materiais da legislação que pretende auxiliar e orientar na interpretação da legislação original.

Primeiro, a identificação da lei interpretativa passa pela verificação que a lei seja um instrumento de definição e delimitação interpretativa de um dispositivo já existente, que não o substitui ou altera, mas apenas indica os caminhos interpretativos preferidos do legislador atual. Em outras palavras, a lei interpretativa constitui um instrumento de definição e delimitação interpretativa, que determina um sentido específico, que já poderia ter sido reconstruído a partir da legislação original. Ela possui uma função específica, que se esgota na determinação, delimitação e orientação interpretativa de um dispositivo já existente.

Segundo, a identificação da lei interpretativa pressupõe que não haja inovação no ordenamento com base na lei interpretativa. Com efeito, ainda que se possa entender que a definição e a delimitação dos sentidos normativos para o intérprete constituem inovação, não se pode negar que a lei interpretativa, quando isoladamente considerada, não inova, mas apenas orienta a interpretação de uma lei já existente.

Assim é que o Supremo Tribunal Federal entendeu que o art. 3º da Lei Complementar n. 118/2006 não poderia ser considerado como lei interpretativa pois inovava no ordenamento, alterando prazos de prescrição tributária. Com efeito, o Tribunal afirmou que “lei supostamente interpretativa que, em verdade, inova no mundo jurídico deve ser considerada como lei nova.”15 No mesmo sentido, afirma Guastini que “as leis de interpretação autêntica não inovam o direito (pelo menos assim se supõe): elas apenas determinam o significado de uma lei preexistente, portanto, não estabelecem novas regras, mas são apenas um reconhecimento de regras preexistentes.”16

Terceiro, a identificação da lei interpretativa pressupõe que ela amplie direitos, e não os restrinja. Como a legislação interpretativa não inova no ordenamento jurídico, ela não pode prever obrigações antes inexistentes, tampouco instituir deveres, independentemente de sua natureza, para os cidadãos. Seus efeitos podem ser neutros ou positivos, mas a sua introdução não pode significar o surgimento de deveres e obrigações antes inexistentes. Essa a firme lição de Ruy Barbosa Nogueira,

“não pode, gravosamente, retrooperar no campo dos elementos constitutivos do fato gerador que é de direito material, mas poderá como medida de política tributária e dentro da autolimitação dispor sobre aspectos de equidade, remissão, anistia, enfim suavizações, jamais de agravações retroativas em relação às obrigações tributárias principais”17.

Ao fazer o reconhecimento expresso da viabilidade constitucional de leis interpretativas, o Supremo Tribunal Federal igualmente reconheceu o seu caráter retroativo, alcançando fatos pretéritos e surtindo efeitos sobre acontecimentos, desde que não haja gravames aos cidadãos. Assim constou da decisão:

“Na medida em que a retroprojeção normativa da lei não gere e nem produza os gravames referidos, nada impede que o Estado edite e prescreva atos normativos com efeito retroativo.”18

Verificados os critérios que permitem a identificação da legislação interpretativa, é necessário que se analise a importante questão de sua retroatividade, conforme previsto no art. 106, inciso I, do Código Tributário Nacional.

II.2. Retroatividade das leis interpretativas

Como decorrência de sua função meramente orientadora e limitadora da interpretação da lei, o art. 106, inciso I, do CTN admite a retroatividade das normas de natureza interpretativa. Como afirma Baleeiro, “lei que interpreta outra há de ser retroativa por definição, no sentido que lhe espanca as obscuridades e ambiguidades.”19 Ou Guastini, ao afirmar que leis interpretativas “são comumente consideradas retroativas: presume-se que a lei interpretada já tinha o significado que o legislador agora atribui a ela.”20 Não se trata de verdadeira retroatividade, mas é a lei antiga que tem revelada seu real conteúdo, e que dessa forma passa a exercer, em sua esfera de validade no tempo, toda a eficácia de que teria sido capaz se tivesse sido exatamente entendida desde o início. Em termos singelos: a lei interpretativa não inova, apenas reconhece o significado normativo preexistente21. Na lição de Coté,

“O caráter retroativo da lei interpretativa ou declarativa se assenta inteiramente na concepção clássica, segundo a qual cada texto possui um único significado verdadeiro, existindo independentemente da interpretação, e a função desta última é revelá-lo. Dado que a lei interpretativa pretende simplesmente elucidar o verdadeiro significado de um texto, é normal que a sua aplicação retroaja ao dia em que o texto interpretado adquiriu vigência.”22

No entanto, a retroatividade das normas interpretativas é apenas aparente, pois elas se restringem a esclarecer a legislação preexistente, tornando-a mais clara e de mais fácil aplicação23. As leis interpretativas surgem como uma espécie normativa capaz de dissipar eventuais incertezas ou ambiguidades que, porventura, poderiam prejudicar a correta aplicação da norma preexistente. Elas possuem a finalidade de harmonizar a compreensão e a aplicação das normas em vigor, promovendo clareza e segurança jurídica.

Não se trata de uma aplicação retroativa da lei interpretativa, mas, sim, de uma intepretação da legislação original com base nos elementos trazidos ao ordenamento pela legislação interpretativa.

É justamente por sua natureza orientadora da interpretação da legislação já existente que o ordenamento jurídico brasileiro expressamente autoriza sua aplicação retroativa. Os efeitos da lei interpretativa retroagem ao dia em que o texto interpretado adquiriu sua validade legal. Isso porque a lei interpretativa pretende tão somente revelar o verdadeiro sentido da norma. Assim, natural é que sua aplicação retroaja ao dia em que o texto interpretado adquiriu força legal, isto é, a data de sua publicação24.

III. Natureza interpretativa do art. 11 da Lei n. 14.689/2023

Passados os itens anteriores, é necessário que se verifique se o art. 11 da Lei n. 14.689/2023 possui efetivamente natureza interpretativa. Adiante-se desde já que a resposta é afirmativa.

Com efeito, referido dispositivo legal apresenta todas as características e obedece aos critérios que permitem determinar que se trata de uma disposição de cunho eminentemente interpretativo. Vejamos.

Em 20 de setembro de 2023, foi publicada a Lei n. 14.689/2023, que, dentre outros pontos, pretendeu encerrar as discussões existentes quanto à viabilidade jurídica de dedução integral dos royalties, dispensada a exigência de registro dos contratos referentes a essas operações nos órgãos de fiscalização ou nas agências reguladoras para esse fim específico. Assim está redigido o dispositivo legal:

“Art. 11. O art. 13 da Lei n. 9.249, de 26 de dezembro de 1995, passa a vigorar acrescido do seguinte § 3º:

‘Art. 13. [...]

§ 3º Para fins de interpretação, na forma do inciso I do caput do art. 106 da Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), e de apuração do lucro tributável da pessoa jurídica que atua na multiplicação de sementes, os limites de dedutibilidade previstos no art. 74 da Lei n. 3.470, de 28 de novembro de 1958, e no art. 12 da Lei n. 4.131, de 3 de setembro de 1962, não se aplicam aos casos de pagamentos ou de repasses efetuados a pessoa jurídica não ligada, nos termos do § 3º do art. 60 do Decreto-lei n. 1.598, de 26 de dezembro de 1977, domiciliada no País, pela exploração ou pelo uso de tecnologia de transgenia ou de licença de cultivares por terceiros, dispensada a exigência de registro dos contratos referentes a essas operações nos órgãos de fiscalização ou nas agências reguladoras para esse fim específico.” (NR)

Com base no texto acima transcrito, é necessário que se faça o cotejo com os critérios antes expostos para verificar se, de fato, o art. 11 da Lei n. 14.689/2023 possui natureza interpretativa.

Em primeiro lugar, o art. 11 da Lei n. 14.689/2023 obedece aos critérios formais. De um lado, o legislador houve por bem não deixar quaisquer dúvidas quanto às finalidades buscadas pelo dispositivo, introduzindo a expressão “para fins de interpretação” na abertura do dispositivo. De outro lado, o referido art. 11 foi promulgado pela mesma autoridade – o Congresso Nacional – utilizando-se do mesmo instrumento legislativo – a lei ordinária – que a legislação a ser interpretada.

Em segundo lugar, o art. 11 da Lei n. 14.689/2023 observa os critérios estruturais. Primeiro, o art. 11 da Lei n. 14.689/2023 representa verdadeira metanorma, uma vez que traz dispositivo que pretende orientar e delimitar a interpretação e a aplicação de outra norma. Assim, o dispositivo tem como finalidade primordial a interpretação de outro dispositivo, estipulando a forma como o legislador atual entende que o dispositivo original deva ser interpretado.

Terceiro, os dispositivos a serem interpretados permanecem intactos em sua autonomia, não sofrendo qualquer alteração. Assim é que os limites de dedutibilidade previstos no art. 74 da Lei n. 3.470, de 28 de novembro de 1958, e no art. 12 da Lei n. 4.131, de 3 de setembro de 1962, mantêm a sua autonomia, apenas sofrendo os efeitos previstos no referido art. 11 nos casos em que a sua aplicação indica a interpretação a ser conferida.

Quarto, as disposições do art. 11 da Lei n. 14.689/2023 não têm qualquer relevância normativa se analisadas individualmente. Sua importância apenas se reconhece quando se verifica que elas dizem respeito a outras leis e outros dispositivos, sem os quais não possuem vida própria. O art. 11 da Lei n. 14.689/2023 é integralmente dependente dos dispositivos aos quais faz referência.

Assim, há uma relação de imbricamento, de sobreposição entre os conteúdos das duas leis. Assim, a nova lei não entra em conflito com a norma interpretada. Ao contrário. Ambos os dispositivos se mesclam e se confundem, uma vez que seus conteúdos em nada diferem. Tem-se que a previsão original, agora, deve ser interpretada conforme os mandamentos estipulados pelo legislador atual. Ainda que se pudesse chegar à mesma interpretação sem o disposto no art. 11 da Lei n. 14.689/2023, este último vem eliminar quaisquer dúvidas possíveis que pudessem surgir.

Por fim, em quinto lugar, o art. 11 da Lei n. 14.689/2023 se adequa integralmente aos critérios materiais propostos. Primeiro, é decorrência da leitura do dispositivos a conclusão de que que ele tem função específica de orientar e delimitar a interpretação de outros dispositivos. Ele não pretende inovar ou criar novas relações jurídicas, mas tão somente apresentar aquela que é considerada, pelo legislador atual, a intepretação mais adequada para os dispositivos já existentes.

Segundo, não há qualquer inovação por parte da lei interpretativa, uma vez que a reconstrução do sentido e do alcance normativos realizadas pela lei interpretativa poderia ser realizada pelo texto da legislação original. Assim, a lei interpretativa não inova no ordenamento jurídico, mas apenas orienta a interpretação de dispositivos originais. Com efeito, art. 11 da Lei n. 14.689/2023 é um instrumento de definição e delimitação interpretativa, que determina um sentido específico, que já poderia ter sido reconstruído a partir da legislação original. A definição e a delimitação operadas pelo dispositivo interpretativo, ainda que possam ser objeto de interpretação elas próprias, vinculam o aplicador.

Para finalizar, terceiro, a lei interpretativa não restringe direitos ou cria novas obrigações. Pelo contrário. Como visto, as leis interpretativas não inovam no ordenamento, não estabelecem novas normas, não criam obrigações ou estabelecem deveres antes inexistentes, mas são “simplesmente o reconhecimento de normas preexistentes, uma vez que se supõe que se limitem a declarar o (‘verdadeiro’) significado de uma lei preexistente”25. Trata-se, portanto, de norma criada com o intuito exclusivo de esclarecer ou delimitar o que fora previamente legislado, dirimindo eventuais obscuridades interpretativas que pudessem estar presentes no comando original. Exatamente como o § 3º do art. 13 da Lei n. 9.249/1995, acrescentado pelo art. 11 da Lei n. 14.689/2023, que em nada inova, apenas esclarece a interpretação a ser dada à legislação sobre a dedutibilidade de royalties.

No caso, o art. 11 da Lei n. 14.689/2023, ao acrescentar o § 3º ao art. 13 da Lei n. 9.249/1995, foi redigido com o exclusivo objetivo de orientar a intepretação relativa à dedutibilidade prevista nos arts. 74 da Lei n. 3.470/1958 e 12 da Lei n. 4.131/1962. Em sua redação, o legislador estabeleceu – de forma expressa – o caráter interpretativo da norma criada, ressaltando seu objetivo de elucidar a aplicação das previsões interpretadas.

É importante mencionar, neste ponto, que a Medida Provisória n. 1.152/2022, convertida na Lei n. 14.596/2023, revogou os limites de dedutibilidade previstos no art. 74 da Lei n. 3.470, de 28 de novembro de 1958, e no art. 12 da Lei n. 4.131, de 3 de setembro de 1962. Isto é, o legislador optou por revogar a previsão que limitava a dedutibilidade dos royalties que fundamentou o auto de infração objeto deste Recurso.

Valendo-se da mesma intenção, o art. 11 da Lei n. 14.689/2023, ao acrescentar o § 3º ao art. 13 da Lei n. 9.249/1995, encerrou qualquer dúvida sobre a interpretação a ser dada quanto à possibilidade de dedução dos royalties pagos a pessoa jurídica não ligada, nos termos do § 3º do art. 60 do Decreto-lei n. 1.598, de 26 de dezembro de 1977, domiciliada no País antes da publicação da Medida Provisória n. 1.152/2022, convertida na Lei n. 14.596/2023.

A conclusão é obrigatória: o art. 11 da Lei n. 14.689/2023 tem natureza interpretativa – e necessariamente retroativa – pois esclarece a forma de interpretação de dispositivo já revogado, mas que ainda tem aplicação aos fatos ocorridos durante sua vigência. Se for negado o caráter interpretativo ao referido dispositivo legal, ele não terá qualquer função ou conteúdo normativo, uma vez que se trata de dispositivo revogado. A sua função é ser retroativo e alcançar fatos geradores pretéritos.

Necessário tecer dois comentários adicionais acerca do contexto da edição do art. 11 da Lei n. 14.689/2023.

De um lado o § 3º ao art. 13 da Lei n. 9.249/1995, inserido pelo art. 11 da Lei n. 14.689/2023, estabelece que fica “dispensada a exigência de registro dos contratos referentes a essas operações nos órgãos de fiscalização ou nas agências reguladoras para esse fim específico”. Isto é, a averbação do contrato de licenciamento junto ao INPI não é requisito para dedução da despesa paga a esse título.

Ante a previsão do art. 13, § 3º, da Lei n. 9.249/1995, inserido pelo art. 11 da Lei n. 14.689/2023, o legislador determinou e delimitou a interpretação a ser conferida ao dispositivo ao prever dedutibilidade dos royalties pagos a partes não relacionadas e domiciliadas no Brasil, dispensada a exigência de registro dos contratos referentes a essas operações nos órgãos de fiscalização ou nas agências reguladoras para esse fim específico.

Em outras palavras: são dedutíveis da base de cálculo do Imposto sobre a Renda os royalties pagos pela exploração ou pelo uso de tecnologia de transgenia ou de licença de cultivares por terceiros, ainda que os contratos de licenciamento não estejam registrados no INPI. Não há mais espaço para dúvidas.

Nos termos do art. 106, inciso I, do Código Tributário Nacional, o dispositivo em questão visa, unicamente, orientar a intepretação e realçar o alcance do conteúdo normativo da legislação já existente, devendo, portanto, ser aplicado a fatos pretéritos. Em termos singelos: em decorrência de sua natureza interpretativa, o art. 13, § 3º, da Lei n. 9.249/1995, incluído pelo art. 11 da Lei n. 14.689, de 2023, possui efeitos retroativos, alcançando os fatos geradores objeto do presente recurso.

O art. 11 da Lei n. 14.689/2023, portanto, estabelece a viabilidade da dedução integral dos royalties pagos à parte não relacionada e domiciliada no país, pela exploração ou uso de tecnologia de transgenia ou licença de cultivares por terceiros e a desnecessidade, para fins de dedução, do registro ou da averbação dos contratos perante os órgãos estatais.

Diante de tudo isso, é forçoso chegar a três conclusões: em primeiro lugar, que se trata de um dispositivo com natureza meramente interpretativa. Em segundo lugar, que os limites de dedutibilidade dos royalties pagos pela exploração ou pelo uso de tecnologia de transgenia ou de licença de cultivares por terceiros não se aplicam aos casos de pagamentos ou de repasses efetuados à pessoa jurídica não ligada e domiciliada no país. Em terceiro lugar, que fica dispensada a exigência de registro dos contratos referentes a essas operações nos órgãos de fiscalização ou nas agências reguladoras para esse fim específico.

De outro lado, a retroatividade termina por reconhecer, indiretamente, que as despesas com royalties no setor agrícola, especialmente no setor de produção e replicação de sementes, devem ser consideradas como despesas necessárias e, portanto, dedutíveis integralmente, promovendo o fomento da atividade agrícola e auxiliando no desenvolvimento tecnológico do setor. É o que se passa a analisar.

IV. Dever de fomento da agropecuária e política agrícola visando ao desenvolvimento tecnológico

A Constituição da República determina o dever estatal de proteção e de promoção da agropecuária. Esse dever decorre da leitura conjunta de diferentes dispositivos constitucionais que tratam do tema. Em primeiro lugar, o art. 23, inciso VIII, que determina a competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios de promover o fomento da produção agropecuária e a organização do abastecimento alimentar, nos seguintes termos:

“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

[...]

VIII – fomentar a produção agropecuária e organizar o abastecimento alimentar;

A leitura do dispositivo acima transcrito traz duas consequências imediatas. De um lado, coloca a organização do abastecimento alimentar dentre as finalidades constitucionais preferenciais, uma vez que o atribui a todos os entes da Federação. A competência comum traduz uma responsabilidade compartilhada entre os entes políticos, que devem atuar de forma cooperada ou, por vezes, coordenada na realização dos encargos que lhe foram atribuídos constitucionalmente.

Nesse sentido, é preciso considerar que a competência comum tanto admite potencial ação de todos os níveis federativos em suas respectivas atribuições quanto exige – um verdadeiro poder-dever26 – a sua participação conjunta no desempenho das competências. Em outras palavras, reconhece-se a corresponsabilidade entre todos os entes federativos, que emerge da própria Constituição Federal, bem como se fala na necessidade de um regime de colaboração entre eles para a consecução desses fins. De outro lado, determina que a produção agropecuária é elemento indissociável do abastecimento alimentar: não há abastecimento alimentar – um direito social fundamental, conforme o art. 6º – sem o fomento da produção agropecuária, dever de todos os entes federados. A relevância da matéria também fica patente pela previsão constitucional da criação de varas especializadas para dirimir conflitos fundiários no âmbito dos Tribunais de Justiça (art. 126).

Em segundo lugar, o art. 187, incisos I e III, dispõe sobre a política agrícola brasileira nos seguintes termos:

“Art. 187. A política agrícola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transportes, levando em conta, especialmente:

I – os instrumentos creditícios e fiscais;

III – o incentivo à pesquisa e à tecnologia;”

A leitura do dispositivo transcrito não deixa espaço para quaisquer dúvidas: a promoção da política agrícola é finalidade constitucional primordial e deverá ser realizada, entre outros, por instrumentos creditórios e fiscais e pelo incentivo à pesquisa e à tecnologia. Essa importante finalidade foi objeto de reconhecimento pelo Superior Tribunal de Justiça, ao editar a Súmula n. 298, e consta de recentes julgados, como o exemplo abaixo:

“Isso porque a posição assumida pelo STJ, como se sabe, é no sentido da compulsoriedade do alongamento da dívida rural, tendo em vista o caráter protetivo e de incentivo da política agrícola, definida em nível constitucional (art. 187, I); [...] Destarte, a política agrícola, ao contrário de outras setoriais, por sua tamanha importância está institucionalizada no próprio texto constitucional. A atividade campesina possui proteção especial do Estado, para garantia de ordem pública, paz social e bem-estar do povo, rendendo política pública específica voltada ao desenvolvimento e fomento do sistema de crédito.”27

O reconhecimento jurisprudencial é acompanhado do reconhecimento doutrinário. A promoção da política agrícola será realizada também por meio de instrumentos fiscais. Com efeito, o Direito Tributário pode ser um importante instrumento para o atingimento de finalidades constitucionalmente legítimas. Como já tivemos a oportunidade de manifestar:

“O direito tributário atua de maneira instrumental, induzindo comportamentos de modo a alcançar determinadas finalidades constitucionais ou legais. Não se trata de novidade no ordenamento constitucional brasileiro a possibilidade de instrumentalizar os tributos com vistas aos fins estatais. A própria Constituição traz previsões expressas de tais hipóteses, que serão adiante analisadas. [...] Cria-se, através da ordem jurídica, uma rede de incentivos e desincentivos com vistas à realização dos objetivos estatais, sem que seja necessária a estipulação imperativa da conduta a ser tomada pelo cidadão. [...] O tributo, dessa forma, não é um fim em si mesmo – tal qual o direito tributário – passando a ser mais um dos elementos ou instrumentos da atuação estatal para a concretização das finalidades constitucionais.”28

As finalidades constitucionais de proteção e de fomento à atividade rural devem ser realizadas por todos os entes federados, por meio de diferentes instrumentos. Dentre eles, encontram-se os instrumentos fiscais e o incentivo ao desenvolvimento e à tecnologia.

Não é preciso fazer maiores digressões para concluir que a imposição de carga tributária excessiva no tocante a royalties é absolutamente incompatível com o modo de planejamento e com execução da política agrícola definidos pela Constituição. A restrição à dedutibilidade da despesa com royalties pagos às empresas de germoplasma e às empresas de biotecnologia acarreta tributação excessiva do setor de multiplicação de sementes, o qual é totalmente dependente da tecnologia e de cultivares de fornecedores detentores de germoplasma e de biotecnologia.

A interpretação que pretende restringir a aplicação retroativa das disposições do art. 11 da Lei n. 14.689/2023, restringindo a dedutibilidade dos valores pagos a título de royalties, alcança diretamente o agronegócio brasileiro, atingindo de forma negativa o abastecimento alimentar, o setor agrícola e desincentivando a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico, na contramão dos mandamentos constitucionais.

V. Conclusão

No direito tributário brasileiro, as leis interpretativas desempenham um papel fundamental na busca pela compreensão e aplicação correta das normas tributárias. Elas são essenciais para a correta interpretação das leis, principalmente quando se trata da identificação de critérios formais, estruturais e materiais que as caracterizam como tal.

Os critérios para identificação de leis interpretativas no direito tributário brasileiro são variados e exigem uma análise cuidadosa. Entre eles, destacam-se os critérios formais, que dizem respeito à forma como a norma é apresentada, os critérios estruturais, que se referem à posição da norma dentro do ordenamento jurídico, e os critérios materiais, que envolvem o conteúdo da norma e sua relação com outras normas do sistema jurídico.

No que tange à natureza interpretativa do art. 11 da Lei n. 14.689/2023, é preciso analisar a sua adequação aos critérios de identificação da legislação interpretativa. Nesse sentido, é possível perceber que o referido dispositivo legal busca oferecer elementos para a interpretação da legislação existente sobre a dedutibilidade dos royalties.

Dessa forma, é possível concluir que a interpretação das leis tributárias, especialmente no que se refere à dedutibilidade dos royalties, requer uma análise cuidadosa dos critérios de identificação das leis interpretativas e da natureza interpretativa do art. 11 da Lei n. 14.689/2023, levando em consideração não apenas os aspectos formais, estruturais e materiais, mas também os objetivos e finalidades da norma dentro do contexto jurídico e social em que se insere.

Por fim, as finalidades constitucionais de proteção e de fomento à atividade rural devem ser realizadas por todos os entes federados, por meio de diferentes instrumentos. Dentre eles, encontram-se os instrumentos fiscais e o incentivo ao desenvolvimento e à tecnologia. Por essa razão, o art. 11 da Lei n. 14.689/2023, como legítima lei interpretativa, representa um importante elemento na concretização das finalidades constitucionais.

VI. Referências

ADAMY, Pedro. Instrumentalização do direito tributário. In: ÁVILA, Humberto. Fundamentos do direito tributário. São Paulo: Marcial Pons, 2012.

ÁVILA, Humberto. Constituição, liberdade e interpretação. São Paulo: Malheiros, 2019.

BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11. ed. Atualizado por Misabel Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 2002.

BOBBIO, Norberto. Dalla struttura alla funzione. Nuovi studi di teoria del diritto. Roma: Laterza, 2007.

COTÉ, P.A. Fonction législative et fonction interprétative: conceptions théoriques de leurs rapports. In: AMSELEK, Paul. Interprétation et droit. Bruxelas: Bruylant, 1995.

GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milão: Giuffrè, 2011.

GUASTINI, Riccardo. L’interpretazione dei documenti normativi. Milão: Giuffrè, 2004.

LEVI, Giulio. L’interpretazione dela legge: i principi generali dell’ordinamento giuridico. Milão: Giuffrè, 2006.

NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 1999.

SAVIGNY, Friedrich Carl von. System des heutigen Römischen Rechts. Berlim: Veit & Co., 1840. v. 1.

SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.

1 STF, Tribunal Pleno, ADI n. 605/MC, Rel. Min. Celso de Mello, publ. 05.03.1993.

2 STF, Tribunal Pleno, ADI n. 605/MC, Rel. Min. Celso de Mello, publ. 05.03.1993.

3 STF, Tribunal Pleno, RE n. 566.621, Rel. Min. Ellen Gracie, julg. 04.08.2011.

4 GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milão: Giuffrè, 2011, p. 81 (tradução livre).

5 LEVI, Giulio. L’interpretazione dela legge: i principi generali dell’ordinamento giuridico. Milão: Giuffrè, 2006, p. 11.

6 STF, Tribunal Pleno, RE n. 566.621, Rel. Min. Ellen Gracie, julg. 04.08.2011, excerto do voto da Ministra Relatora Ellen Gracie.

7 Em outro contexto, mas com conclusão semelhante: ÁVILA, Humberto. Constituição, liberdade e interpretação. São Paulo: Malheiros, 2019, p. 26.

8 GUASTINI, Riccardo. L’interpretazione dei documenti normativi. Milão: Giuffrè, 2004, p. 89.

9 GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milão: Giuffrè, 2011, p. 83.

10 SAVIGNY, Friedrich Carl von. System des heutigen Römischen Rechts. Berlim: Veit & Co., 1840. v. 1, p. 218.

11 GUASTINI, Riccardo. L’interpretazione dei documenti normativi. Milão: Giuffrè, 2004, p. 90. Chiassoni denomina de interpretação metatextual aquela que tem por finalidade a qualificação das normas, aí incluídos os dispositivos de interpretação autêntica. Cf. CHIASSONI, Pierluigi. Tecnica dell’interpretazione giuridica. Bolonha: Il Mulino, 2007, p. 63.

12 GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milão: Giuffrè, 2011, p. 87; GUASTINI, Riccardo. L’interpretazione dei documenti normativi. Milão: Giuffrè, 2004, p. 89.

13 LEVI, Giulio. L’interpretazione dela legge: i principi generali dell’ordinamento giuridico. Milão: Giuffrè, 2006, p. 12.

14 GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milão: Giuffrè, 2011, p. 82.

15 STF, Tribunal Pleno, RE n. 566.621, Rel. Min. Ellen Gracie, julg. 04.08.2011.

16 GUASTINI, Riccardo. L’interpretazione dei documenti normativi. Milão: Giuffrè, 2004, p. 88.

17 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 85.

18 STF, Tribunal Pleno, ADI 605/MC, Rel. Min. Celso de Mello, publ. 05.03.1993.

19 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11. ed. Atualizado por Misabel Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 670.

20 GUASTINI, Riccardo. L’interpretazione dei documenti normativi. Milão: Giuffrè, 2004, p. 88-89.

21 GUASTINI, Riccardo. L’interpretazione dei documenti normativi. Milão: Giuffrè, 2004, p. 88.

22 COTÉ, P. A. Fonction législative et fonction interprétative: conceptions théoriques de leurs rapports. In: AMSELEK, Paul. Interprétation et droit. Bruxelas: Bruylant, 1995, p. 193-194. O próprio autor nega essa concepção, veja-se: “De acordo com a teoria clássica, a atividade de interpretação é desprovida de qualquer dimensão criativa: o significado está no texto e o trabalho do intérprete é simplesmente elucidar o significado já determinado pelo autor. Sob essa perspectiva, quando dois juristas discordam sobre o significado de um texto legislativo, sua disputa diz respeito ao significado que o texto já tem, não ao significado que deve ser atribuído a ele. Essa visão, que nega ao intérprete qualquer contribuição para a produção de significado e reduz seu papel ao de ‘a boca que fala as palavras da lei’, não resiste a uma análise séria. [...] De acordo com a teoria clássica, a atividade de interpretação é desprovida de qualquer dimensão criativa: o significado está no texto e o trabalho do intérprete é simplesmente elucidar o significado já determinado pelo autor. Sob essa perspectiva, quando dois juristas discordam sobre o significado de um texto legislativo, sua disputa diz respeito ao significado que o texto já tem, não ao significado que deve ser atribuído a ele. Essa visão, que nega ao intérprete qualquer contribuição para a produção de significado e reduz seu papel ao de ‘a boca que fala as palavras da lei’, não resiste a uma análise séria. [...] E, no entanto, na teoria oficial, o papel do intérprete na elaboração do significado é totalmente obscurecido. A ‘ficção declarativa’, portanto, leva à ‘repressão da interpretação’, ou seja, à negação do elemento pessoal e subjetivo na interpretação.

23 “Se interpreta o conteúdo e o alcance de lei anterior há de ser necessariamente retroativa, pois sua função é precisamente esclarecer obscuridades e ambiguidades de lei pretérita.” Cf. NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 84.

24 GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milão: Giuffrè, 2011, p. 82.

25 GUASTINI, Riccardo. Interpretare e argomentare. Milão: Giuffrè, 2011, p. 81 (tradução livre).

26 “A Constituição Federal de 1988 inovou ao erigir um sistema de proteção ao meio ambiente, que deve ser lido em sintonia com a competência de fomento à produção agrícola e ao respeito à fauna e flora, por força do art. 23, incisos VI, VII e VIII da Carta Política. Não é por outro motivo que o art. 23 trata de competência material comum, ou, que ‘diz respeito à prestação dos serviços referentes àquelas matérias, à tomada de providências para a sua realização’ (José Afonso da Silva, Direito Ambiental Constitucional, 8ª ed., São Paulo: Malheiros, 2010, p. 77)”. STJ, RMS n. 38.479/RS, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, julg. 01.04.2014. Sobre o poder-dever, veja-se: STJ, REsp n. 1.132.682/RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, julg. 13.12.2016; STJ, AgInt no REsp n. 1.532.643/SC, Rel. Min. Assusete Magalhães, Segunda Turma, julg. 10.10.2017.

27 TutPrv no REsp n. 1.764.601, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julg. 21.11.2019.

28 ADAMY, Pedro. Instrumentalização do direito tributário. In: ÁVILA, Humberto. Fundamentos do direito tributário. São Paulo: Marcial Pons, 2012, p. 303 e ss.; no mesmo sentido, BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 2002, p. 63; BOBBIO, Norberto. Dalla struttura alla funzione. Nuovi studi di teoria del diritto. Roma: Laterza, 2007, p. 16.