Regimes Portugueses de Golden Visa e de Residentes não Habituais: Resolução do Conflito de Dupla Residência no Brasil e em Portugal para Fins de Delimitação da Competência para a Exigência do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física

Portuguese Golden Visa and Non-habitual Residents Regime: Resolution for the Conflict of Double Residence in Brazil and Portugal in Order to Determine the Jurisdiction to Tax Personal Income

Naíla Radtke Hinz dos Santos1

Especialista em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Bacharel pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Advogada em São Paulo. E-mail: nai@bratax.com.br.

Resumo

O presente artigo analisa as implicações decorrentes da mudança de residência para Portugal por brasileiros optantes pelos regimes portugueses do Golden Visa e de Residentes não Habituais, em especial as decorrentes da possibilidade de caracterização da dupla residência para fins fiscais, examinando as hipóteses em que haveria o risco de sua verificação e as cautelas cabíveis para afastá-la. Examinam-se as características do Regime de Residentes não Habituais português, a fim de identificar o risco de seu enquadramento como regime fiscal privilegiado, haja vista o fato de a Lei brasileira 12.249/2010 dispor em seu art. 27 que somente é reconhecida a transferência da residência fiscal a país com regime fiscal privilegiado a partir da data que o contribuinte comprove ser residente de fato no país ou dependência ou que ofereça a integralidade dos rendimentos do trabalho e do capital à tributação efetiva. Por fim, são apontados os efeitos do Tratado para evitar a Bitributação celebrado pelo Brasil e por Portugal, em especial dos critérios convencionais para a identificação da residência fiscal.

Palavras-chave: Golden Visa português, Regime de Residentes não Habituais português, dupla residência, regime fiscal privilegiado, tributação de pessoa física.

Abstract

This article analyzes the implications of Brazilians change of residence to Portugal by opting for Golden Visa and Non-habitual Residents Portuguese regimes, especially those owing to the possibility of characterization of a dual residence for tax purposes, pointing out the cases in which a dual residence would be verified and the appropriate precautions to avoid it. It examines the characteristics of Non-habitual Residents Portuguese regime in order to identify the risk of its framing as a privileged tax regime. In fact, Brazilian Law No 12,249/2010 provides in its article 27 that a change of residence to a jurisdiction that establishes a privileged tax regime will be recognized from the time that the taxpayer proves to be resident in effect in the country or if it is proved that the jurisdiction taxes the integrality of a person’s work and capital income. Finally, it indicates the effects of the Treaty for the avoidance of double taxation entered into by Brazil and Portugal, in particular the conventional criteria for the identification of tax residence.

Keywords: Portuguese Golden Visa Regime, Portuguese Non-habitual Residents Regime, double residence, privileged tax regime, personal income taxation.

1. Introdução

O regime de Golden Visa português, regulamentado pela Lei portuguesa 29/2012, Despacho MNE/MAI 11820-A/2012 e Despacho MNE/MAI 1661-A/2013, tem por objetivo a concessão de autorização de residência temporária2 a nacional3 de Estado não membro da União Europeia que cumpra com ao menos um dos requisitos de investimento em território português4.

O Regime de Golden Visa, de caráter exclusivamente imigratório, não exige que o investidor opte pela residência fiscal em Portugal, mas apenas que ele permaneça, no primeiro ano da autorização, em território português pelo prazo de sete dias, consecutivos ou não, e, nos demais períodos de dois anos, por 14 dias, consecutivos ou não, comprovando-se a manutenção de alojamento para si e, eventualmente, para sua família.

Contudo, usualmente, a opção do investidor pelo Golden Visa vem acompanhada do interesse em transferir domicílio para o território português e, em especial, pela obtenção da cidadania portuguesa5 ao final de sete anos. Assim, é comum que, após a concessão desta autorização especial de residência temporária para investimento, o investidor também opte pelo Regime de Residentes não Habituais6, viabilizando o gozo de benefícios fiscais quanto ao Imposto sobre Rendimento de Pessoas Singulares (“IRS”) português, nascendo a problemática da possibilidade de caracterização da dupla residência para fins fiscais.

Não bastasse isso, o Regime de Residentes Habituais introduzido pelo Decreto-lei português 249/2009 atrai, ainda, discussões quanto ao seu enquadramento como “regime fiscal privilegiado” pelas autoridades fiscais brasileiras, o que, se materializado, culminaria no risco de reconhecimento da transferência do domicílio para Portugal somente a partir do momento em que o indivíduo comprove ser residente de fato neste país ou que se sujeite ao imposto sobre a totalidade dos rendimentos do trabalho e do capital7, conforme disposto no art. 27 da Lei brasileira 12.249/2010.

Ademais, em sendo comum o investimento em imóveis para a obtenção de Golden Visa, no caso de se tratar de um alojamento que faça supor a intenção de mantê-lo e ocupá-lo como residência habitual, existe a possibilidade de as autoridades fiscais portuguesas identificarem a presença de uma das hipóteses de caracterização da residência em território português, nos termos de sua legislação interna, mesmo na hipótese em que o indivíduo não tenha optado pelo Regime de Residentes não Habituais.

Diante do risco de caracterização da dupla residência e do crescente número de investidores brasileiros8 que vêm pleiteando a concessão do Golden Visa e enquadramento no Regime de Residentes não Habituais em Portugal, é cabível examinar: (a) os requisitos para a caracterização da residência no Brasil e em Portugal; (b) se os benefícios previstos no Regime de Residentes não Habituais seriam compatíveis com o conceito de “regime fiscal privilegiado” para fins de aplicação do art. 27 da Lei brasileira 12.249/2010; e (c) quais seriam as possíveis soluções para o conflito da dupla residência, especialmente diante das disposições do Tratado para evitar a Bitributação celebrado entre Brasil e Portugal.

2. Requisitos para Caracterização da Residência no Brasil e em Portugal

Os diversos ordenamentos jurídicos, na definição da residência para fins fiscais, adotam, em maior ou menor grau, elementos objetivos ou subjetivos. Se, por um lado, os objetivos demandam uma simples presença física, estabelecendo a duração necessária para a caracterização da residência, os subjetivos não se limitam a requisitos de permanência física (corpus), exigindo a demonstração da intenção do indivíduo de ser residente em um dado território (animus), de forma que a residência se forma a partir da conjunção de ambos.

Como salienta Alberto Xavier9, para a definição da residência, as autoridades fiscais lançam mão de uma série de critérios e presunções que trazem os substratos necessários para tanto:

“Esta conjugação é objecto de uma apreciação (teste de residência) por parte das autoridades fiscais, que se socorrem de diversos critérios e presunções, cumulativas ou alternativas, que as habilitem a decidir. Assim, por exemplo, a distinção entre um residente e uma pessoa em trânsito (transient), depende da conexão entre o seu comportamento e as suas intenções, reveladas em actos, tais como estabelecer um negócio, deslocar bens pessoais e família, participar na vida social e religiosa local ou matricular os filhos nas escolas locais.”

Tanto a legislação brasileira quanto a portuguesa estabelecem critérios objetivos e subjetivos para a caracterização da residência, sendo os objetivos os relativos à definição de um lapso temporal presuntivo de tal condição ou à manutenção de vínculo empregatício e os subjetivos os concernentes à manutenção de habitação que se suponha ser uma residência habitual ou o retorno ao território com ânimo definitivo.

Deveras, de acordo com a legislação fiscal brasileira10, considera-se residente no Brasil a pessoa física: (a) que resida no Brasil em caráter permanente; (b) que ingresse no Brasil: (i) com visto permanente; ou (ii) com visto temporário: caso complete 184 dias, consecutivos ou não, de permanência no Brasil, dentro de um período de até 12 meses, ou obtenha visto permanente ou vínculo empregatício antes do decurso do prazo de 184 dias; (c) brasileira que adquiriu a condição de não residente no Brasil e retorne ao País com ânimo definitivo; e (d) que se ausente do Brasil em caráter temporário, ou se retire em caráter permanente do território nacional sem entregar a Comunicação de Saída Definitiva do País, durante os primeiros 12 meses consecutivos de ausência.

Por outro lado, o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares português determina ser residente em Portugal a pessoa física que, em 31 de dezembro: (a) tenha permanecido em território português por mais de 183 dias durante o ano, consecutivos ou não; (b) tenha alojamento em Portugal que faça supor a intenção de mantê-lo e ocupá-lo como residência habitual; (c) seja tripulante de navio ou aeronave ao serviço de entidades portuguesas; ou (d) desempenhe funções públicas a serviço de Portugal.

Uma leitura rápida das hipóteses supraelencadas já revela o grau do risco da caracterização da dupla residência fiscal, mesmo no contexto de troca de domicílio que caracteriza a aplicação conjunta dos regimes de Golden Visa e de Residentes não Habituais, em que resta inegável a opção do indivíduo pela residência em Portugal.

Mais especificamente, da leitura das disposições legais brasileiras e portuguesas, é possível identificar o risco do duplo domicílio fiscal quando: (a) o indivíduo não procede à entrega da Comunicação de Saída Definitiva do Brasil, embora apenas durante os 12 meses consecutivos à ausência; (b) até a data da entrega da Comunicação de Saída Definitiva do País11; ou (c) quando retorne ao Brasil com ânimo definitivo com a manutenção de elementos que levem o Estado português a considerar o indivíduo como um residente em seu território.

Por outro lado, no que se refere ao Regime de Residentes não Habituais, conforme mencionado anteriormente, na hipótese de enquadramento como regime fiscal privilegiado, surge, ainda, o risco de as autoridades fiscais brasileiras, conforme disposto no art. 27 da Lei 12.249/2010, somente reconhecerem a transferência do domicílio para Portugal a partir do momento: (a) em que o indivíduo comprove ser residente de fato em Portugal; ou (b) sujeite-se ao imposto português sobre a totalidade dos rendimentos do trabalho e do capital bem como promova seu efetivo pagamento12.

Logo, é imprescindível que o indivíduo esteja devidamente munido de conjunto probatório que revele a sua condição de residente em apenas uma jurisdição.

Enquanto a prova da residência em território português por mais de 183 dias é, por exemplo, facilmente obtida por meio da competente certidão de residência fiscal13 emitida pela autoridade tributária e aduaneira portuguesa, a questão da residência habitual comporta um alto nível de subjetivismo.

António Calisto Pato14, ao analisar o conceito de residência nas convenções para evitar a dupla tributação celebradas com base no Modelo da OCDE, salienta que a sua concepção com base na habitação habitual ou permanente exige que se verifique que o indivíduo tenha tomado as “medidas necessárias no sentido de ter a habitação à sua disposição em qualquer momento, de forma permanente e não ocasional”.

No mesmo sentido salienta Alberto Xavier15, segundo o qual a lei portuguesa não exige qualquer comprovação de propriedade de imóvel, sendo suficiente qualquer título de disposição, como o usufruto, o aluguel ou o comodato, desde que a moradia se destine à residência habitual e não a uma habitação secundária, de férias ou similar: “a intenção de manter e ocupar a habitação como residência habitual não é objecto de prova directa, antes resulta de condições objectivas que a façam supor”.

Como se vê, a definição de residência habitual transita pela identificação de elementos fáticos que façam supor que o indivíduo apresente evidente vínculo econômico e social com o país de residência. A jurisprudência16 portuguesa sinaliza neste sentido, ao entender pela imputação do status de residente a indivíduos que apresentem, em Portugal, por exemplo: imóveis especialmente afetados à habitação; veículos; participações societárias; rendimentos do trabalho; título de eleitor; número de contribuinte; títulos de clubes; dentre outros, destacando-se, especialmente, a opção pelo domicílio fiscal na jurisdição lusitana e a ausência de declaração de sua mudança às autoridades fiscais em hipótese de transferência a outro país.

A Receita Federal do Brasil, por sua vez, já expressou o entendimento na Solução de Consulta Cosit (Vinculante) 299/201417 no sentido de que a residência permanente é entendida como o local em que o indivíduo apresente uma permanência estável e duradoura, não se exigindo que ela se dê de forma ininterrupta. No caso concreto da Consulta, tratava-se de nacional brasileiro que exercia a direção de empresa no Paraguai, onde detinha moradia e vínculos patrimoniais, mantendo, contudo, no Brasil, sua família. De acordo com a Receita Federal do Brasil, o contribuinte, quando se ausentava do território brasileiro, não o fazia com ânimo definitivo, razão pela qual haveria de ser considerado residente fiscal no Brasil, adquirindo a condição de não residente apenas com o decurso do prazo de 12 meses de ausência.

Contudo, cabe salientar que, durante o período de ausência, seja na hipótese de falta de entrega de declaração de saída, seja quando haja o cumprimento desta formalidade, a Receita Federal do Brasil, conforme Parecer Normativo 03/1995 (item 4.2.2)18 e Solução de Consulta Disit (SRRF08) 262/200919, considera que o retorno ao Brasil a título de férias ou qualquer outro motivo que não represente um ânimo de permanência definitiva não implicará o reinício da contagem do prazo de 12 meses tampouco a reaquisição da condição de residente fiscal no Brasil.

Portanto, no caso de brasileiro que vise alterar a sua residência fiscal a Portugal, para que sejam minimizados os riscos de dupla residência, é importante que o indivíduo, minimamente: (a) cumpra as formalidades de saída perante as autoridades brasileiras, em especial a entrega da Declaração de Saída; (b) lance mão do benefício do reagrupamento familiar previsto na legislação que regulamenta a concessão do Golden Visa, a fim de que se mantenha seus vínculos familiares mais próximos em Portugal; (c) constitua um alojamento habitual em Portugal; (d) mantenha vínculos econômicos e sociais com o Estado português; (e) retorne ao Brasil apenas a título de férias ou para curtas estâncias, sem ânimo definitivo de permanência; e (f) obtenha certificado de residência em Portugal, na hipótese de questionamento pelas autoridades fiscais brasileiras.

3. Particularidades do Regime de Residentes não Habituais e os Efeitos do Art. 27 da Lei 12.249/2010

O Regime de Residentes não Habituais foi instituído em Portugal pelo Decreto-lei 249/2009, que introduziu alterações no Código do Imposto sobre Rendimento de Pessoas Singulares, autorizando ao indivíduo que não for considerado residente nos cinco anos precedentes ao pedido optar pelo regime a fim de usufruir, pelo prazo de dez anos, dos seguintes benefícios:

– Alíquota especial de 20% de IRS para os rendimentos líquidos de fonte portuguesa de trabalho dependente e trabalho independente auferidos em atividades de elevado valor agregado20, com caráter científico, artístico ou técnico;

– Isenção de IRS para o indivíduo que aufira, de fonte estrangeira, rendimentos de trabalho dependente, trabalho independente em atividade de alto valor agregado21, rendimentos de capitais, rendimentos prediais e rendimentos decorrentes de mais-valias e pensões;

– Alíquota especial de 20% para o indivíduo que aufira, de fonte estrangeira, rendimentos de trabalho dependente e independente de alto valor agregado que não sejam enquadráveis na regra de isenção.

Como mencionado anteriormente, a Lei brasileira 12.249/2010 dispôs em seu art. 27 que somente é reconhecida a transferência da residência fiscal a país ou dependência com tributação favorecida ou regime fiscal privilegiado a partir da data que o contribuinte comprove ser residente de fato no país ou dependência ou que ofereça a integralidade dos rendimentos do trabalho e do capital à tributação efetiva.

O art. 27 da Lei 12.249/2010 faz referência expressa ao disposto nos arts. 24 e 24-A da Lei 9.430/1996, sendo que, neste último, dispôs-se que se considera regime fiscal privilegiado aquele que apresentar uma ou mais das seguintes características:

a) não tribute a renda ou a tribute à alíquota máxima inferior a 17%22;

b) conceda vantagem de natureza fiscal a pessoa física ou jurídica não residente:

i) sem exigência de realização de atividade econômica substantiva no país ou dependência;

ii) condicionada ao não exercício de atividade econômica substantiva no país ou dependência;

c) não tribute, ou o faça em alíquota máxima inferior a 17%, os rendimentos auferidos fora de seu território;

d) não permita o acesso a informações relativas à composição societária, titularidade de bens ou direitos ou às operações econômicas realizadas.

Atualmente, consideram-se como regimes fiscais privilegiados23 os listados no art. 2º da Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil 1.037/201024. Entretanto, para fins analíticos, cabe verificar se o Regime de Residentes Habituais português seria enquadrável em alguma das hipóteses apontadas pelo art. 24-A da Lei 9.430/1996 para a sua caracterização como regime fiscal privilegiado.

A primeira hipótese deve ser descartada, considerando que, sob o Regime de Residentes não Habituais, os rendimentos auferidos de fonte portuguesa a título de trabalho dependente ou independente em atividades de alto valor agregado estarão sujeitos à alíquota de 20% de IRS, enquanto os demais rendimentos auferidos em Portugal estarão enquadrados no regime geral, que apresenta alíquotas progressivas até o teto de 56,5%.

A segunda qualificadora também deve ser afastada, haja vista que, para que se permita a opção pelo Regime de Residentes não Habituais, há a exigência de que o indivíduo seja residente fiscal em Portugal.

Também não é aplicável a quarta hipótese, já que Portugal, inclusive, é signatário de Convenção para evitar a Bitributação com o Brasil, a qual prevê a troca de informações para instrumento de combate à evasão fiscal.

Por outro lado, a terceira qualificadora merece uma análise mais detida.

O Regime de Residentes não Habituais prevê a isenção do IRS para o indivíduo que aufira, de fonte estrangeira, rendimentos de trabalho dependente, trabalho independente em atividade de alto valor agregado, rendimentos de capitais, rendimentos prediais e rendimentos decorrentes de mais-valias e pensões. Entretanto, tal benefício é concedido sob o manto do “método da isenção” para a eliminação da dupla tributação jurídica internacional, estabelecendo-se uma série de condições, quais sejam:

a) Rendimentos do trabalho dependente: o indivíduo deve ser tributado no Estado da Fonte, de acordo com a convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com este Estado, ou, no caso de inexistir a convenção, o rendimento não seja considerado obtido em território português e seja tributado no Estado da Fonte;

b) Rendimentos do trabalho independente auferidos em atividade de alto valor agregado, de capitais, prediais e derivados de mais-valias: o indivíduo deve ser tributado no Estado da Fonte, de acordo com a convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com este Estado ou o indivíduo possa ser tributado no Estado da Fonte de acordo com a Convenção Modelo da OCDE nos casos em que Portugal não tenha celebrado tratado para evitar a bitributação e desde que não se trate de paraíso fiscal25 bem como não sejam os rendimentos considerados auferidos em território português;

c) Pensões: o indivíduo deve ser tributado no Estado da Fonte, de acordo com a convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal com este Estado ou desde que os rendimentos não sejam considerados auferidos em território português.

Como é possível verificar, o Regime de Residentes não Habituais não confere uma simples isenção incondicionada a essa classe de rendimentos auferidos de fonte estrangeira, já que ela apenas será reconhecida na medida em que se trate de um método para eliminar a dupla tributação jurídica da renda. Em não sendo cumpridos os requisitos previstos na legislação, haverá a incidência do IRS de acordo com o regime geral aplicável aos residentes em Portugal, com exceção dos rendimentos do trabalho dependente e independente de alto valor agregado, que estão sujeitos à alíquota especial de 20%. Há, portanto, a preservação da base tributária do Estado da Fonte, não havendo que se falar em regime fiscal privilegiado e, portanto, em encrudescimento das regras para o reconhecimento, pelas autoridades fiscais brasileiras, da residência fiscal do indivíduo em Portugal.

4. Possíveis Soluções para o Conflito da Dupla Residência com Fundamento nos Convênios para evitar a Bitributação Celebrados pelo Brasil

Em termos de dupla residência, são de suma relevância as regras previstas nas Convenções para evitar a Bitributação celebradas pelo Brasil, em cujo art. 4º, § 2º, consta a normativa para a identificação da residência fiscal para fins de aplicação das cláusulas convencionais, quais sejam:

a) o indivíduo é considerado residente no Estado em que tenha habitação permanente à sua disposição, entendida, de acordo com os Comentários à Convenção Modelo da OCDE26, como o local em que o indivíduo possua moradia permanente e não em que tenha à sua disposição uma pousada para curtas estâncias;

b) na hipótese de apresentar habitação permanente em ambos os Estados, será residente naquele em que tenha mais estreitas as suas relações pessoais e econômicas (centro de interesses vitais)27;

c) em não detendo habitação permanente em nenhum dos Estados ou em não sendo identificável o centro de interesses vitais, será residente naquele Estado em que permaneça habitualmente;

d) se permanecer habitualmente em ambos os Estados ou se não permanecer habitualmente em nenhum deles, será considerado residente no Estado de que for nacional;

e) se for nacional de ambos os Estados ou não for nacional de nenhum deles, as autoridades competentes dos Estados Contratantes resolverão o caso de comum acordo.

No que se refere à aplicabilidade das disposições convencionais relativas à residência pelas autoridades portuguesas, há ampla discussão. Se, por um lado, a Administração Tributária tende a adotar um conceito bastante amplo quanto ao centro de interesses vitais para deslocar a residência para Portugal, a jurisprudência exige a apresentação de provas robustas de que o indivíduo possua vínculos efetivos com o território lusitano para a sua caracterização como residente fiscal.

Na Informação Vinculativa 720/2010, a Administração Tributária entendeu que um alemão que auferia rendimentos de trabalho dependente em Portugal seria considerado residente, salientando que “se o centro de interesses vitais do trabalhador se situar na Alemanha, será considerado residente na Alemanha, devendo fazer prova perante a entidade patronal da sua residência nesse país através da apresentação de um certificado de residência fiscal emitido pela Administração Fiscal alemã”, a fim de que ele seja cadastrado como “contribuinte não residente”.

Por outro lado, o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 24 de fevereiro de 2011, Processo 0876/10, afastou a caracterização da residência em Portugal pelo fato de um indivíduo deter imóvel em território português ocupado por curto período nas férias28. Considerou-se que o contribuinte seria residente na Alemanha não somente por exercer atividade econômica em seu território, mas também por restar demonstrado que apresentava conexão física com o Estado alemão por prazo superior a 183 dias, pressupondo uma ligação econômica até mesmo ao nível do consumo e um grau de integração social que demonstrava participação na vida da comunidade e o disfrute dos bens proporcionados pela Alemanha, de forma a ali constar o seu centro de interesses vitais.

Como é possível verificar, tanto no caso das disposições internas quanto das convencionais, a definição da residência fiscal depende do exame de questões fáticas e do levantamento de amplo conjunto probatório que comprove que o indivíduo detém um vínculo efetivo com o território de um dos países, com a relevante diferença de que, para fins de aplicação do Convênio para evitar a Bitributação celebrado pelo Brasil e por Portugal, necessariamente apenas um destes países será considerado o Estado de Residência do indivíduo, nem que isto dependa de um acordo entre ambos os países.

Ademais, interessante questão que poderá surgir na hipótese da dupla residência no Brasil e em Portugal é a concernente ao recebimento de rendimentos de um terceiro país que detenha tratado com Brasil e com Portugal29, uma vez que haverá a discussão sobre qual regra convencional deverá ser aplicada.

Nessa hipótese, a identificação do tratado aplicável é anterior ao exame das regras de repartição de competências. Deveras, o art. 1º das convenções firmadas pelo Brasil e por Portugal estabelecem que “esta Convenção aplica-se às pessoas residentes de um ou de ambos os Estados Contratantes”. Logo, o primeiro passo para a aplicação de um tratado para evitar a bitributação é a identificação da residência do contribuinte.

Conforme menciona Alberto Xavier30, as convenções para evitar a bitributação também apresentam como função a definição de qual das residências prevalecerá para fins tributários, consoante o princípio da unicidade da residência, daí é que, mesmo numa relação com um terceiro país que tenha tratados para evitar a bitributação celebrados com Brasil e com Portugal, para que se possa definir qual tratado é aplicável, necessariamente, haverá um primeiro exercício de aplicação da convenção firmada pelo Brasil e por Portugal.

Por outro lado, em relação a rendimentos auferidos de terceiros países que não tenham celebrado tratados para evitar a bitributação com ambos os países, da mesma maneira, o indivíduo lançará mão da convenção firmada entre o Brasil e Portugal, já que tais rendimentos, para fins de aplicação deste acordo, serão qualificados ou como “outros rendimentos”, consoante prescreve seu art. 22, ou receberão os tratamentos específicos dos artigos relativos a profissões dependentes, profissões independentes ou pensões, sendo, assim, imprescindível a identificação do Estado da Residência que será o competente para tributá-los31.

Portanto, independentemente do cenário, especificamente para a tributação dos rendimentos auferidos pelo indivíduo que seja considerando residente no Brasil e em Portugal segundo suas legislações internas, o tratado para evitar a bitributação celebrado entre estes dois países será fundamental para a difinição da jurisdição de residência do contribuinte.

5. Conclusões

Consoante analisado, no contexto de troca de domicílio que caracteriza a aplicação conjunta dos regimes de Golden Visa e de Residentes não Habituais, em que resta inegável a opção do indivíduo pela residência em Portugal, para que sejam minimizados os riscos de dupla residência, é importante que o indivíduo: (a) cumpra as formalidades de saída perante as autoridades brasileiras, em especial a entrega da Declaração de Saída; (b) lance mão do benefício do reagrupamento familiar previsto na legislação que regulamenta a concessão do Golden Visa, a fim de que se mantenha seus vínculos familiares mais próximos em Portugal; (c) constitua um alojamento habitual em Portugal; (d) mantenha vínculos econômicos e sociais com o Estado português; (e) retorne ao Brasil apenas a título de férias ou para curtas estâncias, sem ânimo definitivo de permanência; e (f) obtenha certificado de residência em Portugal, na hipótese de questionamento pelas autoridades fiscais brasileiras.

O cumprimento de tais formalidades torna-se ainda mais relevante na hipótese de opção pelo Regime de Residentes não Habituais, ante o risco de as autoridades fiscais brasileiras o subsumirem ao conceito de “regime fiscal privilegiado”, embora seja plenamente defensável o seu não enquadramento em nenhum dos requisitos previstos no art. 24-A da Lei 9.430/1996, posto não tributar a renda a alíquota inferior a 17% e não conferir uma simples isenção a rendimentos auferidos de fonte estrangeira, já que ela apenas será reconhecida na medida em que se trate de um método para eliminar a dupla tributação jurídica da renda, havendo a preservação da base tributária do Estado da Fonte.

Por fim, é importante salientar que o tratado para evitar a bitributação celebrado pelo Brasil e por Portugal é um relevante instrumento para a definição da residência, até mesmo para a hipótese de o indivíduo auferir rendimentos em um terceiro país que tenha ou não uma convenção celebrada com ambos os países, haja vista que, em Direito Tributário Internacional, vigora o princípio da unicidade da residência.

Referências Bibliográficas

PATO, António Calisto. A residência fiscal das pessoas singulares à luz das convenções para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o património baseadas no modelo OCDE. In: CAMPOS, Diogo Leite (org.). Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra: estudos em homenagem ao Prof. Doutor Manuel Henrique Mesquista. Studia Iuridica nº 96. Coimbra: Coimbra Editora, 2009, v. II.

SANGHAVI, Dhruv. Tax treaty entitlement issues concerning dual residents. (23/04/2015). Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=2598115> ou <http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2598115>. Acesso em: 1º jul. 2016.

XAVIER, Alberto. Direito tributário internacional. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2011.

–; ESTRADA, Roberto Duque; EMERY, Renata. Países com tributação favorecida e regimes fiscais privilegiados. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, nº 168, 2009.

1 A autora agradece aos escritórios Uría Menéndez – Proença de Carvalho, em Lisboa, especialmente aos sócios Filipe Romão e Marta Pontes, e Brazuna, Ruschmann e Soriano Sociedade de Advogados, em São Paulo, especialmente ao sócio Cristiano Frederico Ruschmann, pela viabilização da realização da pesquisa ao longo do mês de maio de 2015 em programa de intercâmbio profissional. Ademais, a autora agradece a Susana Estevão Gonçalves, de Uría Menéndez – Proença de Carvalho, pela revisão técnica deste trabalho.

2 A autorização possui validade de um ano, prorrogável por dois períodos de dois anos mediante a comprovação da manutenção do investimento, após o que se permite a concessão da residência permanente e, após um ano desta, a requisição da cidadania portuguesa, cumpridos os requisitos relativos a antecedentes criminais e ao conhecimento da língua portuguesa.

3 Pelo regime do reagrupamento familiar, autoriza-se também a concessão da residência temporária aos seguintes membros: (i) cônjuge, (ii) filhos menores ou incapazes a cargo do casal ou de um dos cônjuges, (iii) menores adotados pelo requerente quando não seja casado, (iv) filhos maiores, a cargo do casal ou de um dos cônjuges, que sejam solteiros e se encontrem a estudar num estabelecimento de ensino em Portugal, (v) ascendentes em linha reta e em primeiro grau do titular ou do seu cônjuge, desde que se encontrem a seu cargo, (vi) irmãos menores, desde que se encontrem sob tutela do titular. Em caso de união estável, poderá também haver o reagrupamento familiar quer do companheiro quer dos filhos solteiros menores ou incapazes do parceiro.

4 Quais sejam: (a) investimento de ao menos B 1.000.000,00 em dinheiro ou em participação societária de pessoa jurídica portuguesa; (b) criação de ao menos dez postos de trabalho; (c) aquisição de imóveis que totalizem o montante mínimo de B 500.000,00; (d) aquisição de bens imóveis construídos há pelo menos 30 anos ou localizados em área de reabilitação urbana, com valor igual ou superior a B 350.000,00, incluindo as obras; (e) investimento de ao menos B 350.000,00 em atividades de investigação desenvolvidas por instituições públicas ou privadas de investigação científica integradas no sistema científico e tecnológico nacional; (f) transferência de ao menos B 250.000,00 para aplicação em investimento ou apoio à produção artística, recuperação ou manutenção do patrimônio cultural nacional; ou (g) transferência de ao menos B 500.000,00 destinados à aquisição de unidades de participação em fundos de investimento ou de capital de risco vocacionados para a capitalização de pequenas e médias empresas.

5 A respeito da aquisição da cidadania portuguesa, cabe salientar que, numa leitura rígida do disposto no art. 12, § 4º, da Constituição Federal e do art. 22 da Lei 818/1949, seria possível concluir que haveria o risco de o brasileiro naturalizado português com fundamento na normativa do Golden Visa perder a nacionalidade brasileira. Contudo, este risco é extremamente baixo, não somente em decorrência da existência do Tratado de Amizade, Cooperação e Consulta firmado entre Brasil e Portugal (aprovado pelo Decreto 3.924/2001) e do disposto no art. 12, II e § 1º, da Constituição Federal, que conferem igualdade de direitos e deveres entre brasileiros e portugueses, como também do posicionamento do Ministério das Relações Exteriores do Brasil (<http://www.portalconsular.mre.gov.br/outros-servicos/nacionalidade-brasileira>. Acesso em: 5 jan. 2016), segundo o qual apenas há perda da nacionalidade brasileira na hipótese de apresentação de requerimento expresso e por escrito neste sentido.

6 O Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares foi alterado pelo Decreto-lei 249/2009, introduzindo este Regime Especial, por meio do qual são concedidas isenções e alíquotas reduzidas do Imposto ao indivíduo que, em tendo domicílio fiscal em Portugal, não tenha tido rendimentos tributados como residente nos cinco anos anteriores à opção.

7 Com prova do efetivo pagamento.

8 De acordo com os dados estatísticos do governo português, de 8 de outubro de 2012 até 31 de dezembro de 2015, dentre as principais nacionalidades, foram concedidos 2.202 vistos a chineses, 105 a brasileiros, 97 a russos, 75 a sul-africanos e 44 a libaneses. Cf. <http://www.sef.pt/documentos/56/Mapa_ARI_PT_dezembro2015.pdf>. Acesso em: 5 jan. 2016.

9 Cf. Direito tributário internacional. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2011, p. 283.

10 Conforme Decreto 3.000/1999 e Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil 208/2002.

11 Saliente-se que, consoante art. 855 do Decreto 3.000/1999 e Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil 208/2002, há a obrigatoriedade de recolhimento do Imposto sobre a Renda até então devido, em cota única, até a data prevista para a entrega da Declaração de Saída Definitiva do Brasil.

12 Como será detalhado a seguir, o beneficiário do Regime de Residentes não Habituais não sujeita todos os seus rendimentos à tributação em Portugal. Assim, restaria ao indivíduo comprovar ser “residente de fato”, ou seja, provar ter efetivamente permanecido em Portugal por mais de 183 dias, consecutivos ou não, no período de até 12 meses, ou que ali se localiza a residência habitual de sua família e a maior parte de seu patrimônio.

13 Cabe ressaltar os requisitos para a emissão do certificado de acordo com o Ofício Circulado 13/1995, de 17 de maio de 1995, da Direção Geral dos Impostos: “1. Tratando-se de pessoas singulares: (a) A certificação só será possível quando, relativamente ao ano anterior, o requerente fizer prova de ter apresentado a declaração de rendimentos anual modelo nº 1 ou nº 2, prevista no artigo 57º do CIRS, consoante a sua situação. (b) Quando o sujeito passivo não tiver apresentado no ano anterior declaração de rendimentos, deverá apurar-se o motivo da não apresentação, apenas se procedendo à certificação quando não houver indícios de fuga ou evasão fiscal, devendo estas situação ser analisadas casuisticamente (v.g. quando o requerente tiver estabelecido residência em Portugal no ano em curso e tenha já permanecido por um período igual ou superior a 183 dias, ou, quando não auferiu no ano anterior rendimentos que obriguem à apresentação da declaração de rendimentos).”

14 Cf. A residência fiscal das pessoas singulares à luz das convenções para evitar a dupla tributação sobre o rendimento e o património baseadas no modelo OCDE. In: CAMPOS, Diogo Leite (org.). Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra: estudos em homenagem ao Prof. Doutor Manuel Henrique Mesquista. Studia Iuridica nº 96. Coimbra: Coimbra Editora, 2009, v. II, p. 421-422.

15 Cf. Direito tributário internacional. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2011, p. 286.

16 Cf. Tribunal Central Administrativo Sul, Acórdão de 5 de fevereiro de 2015, Processo 08331/15: “considerando que o sujeito passivo no ano de 2008 detinha vários imóveis em Portugal, veículos automóveis aqui registados, cartão de eleitor, cartão de cidadão e que foi nomeado para exercer o cargo de Cônsul Honorário da República do Togo, será de concluir que, para efeitos fiscais, era residente em Portugal nesse ano, e nessa medida obrigado a apresentar a declaração de rendimentos relativa a 2008”.

A contrario sensu, também é o que se verifica na decisão do Tribunal Central Administrativo Norte, Secção de Contencioso Tributário, acórdão de 2 de junho de 2005, Processo 00119/04, em que se entendeu pela ausência de prova de residência de cidadão alemão em território português, por restar demonstrado que sua moradia havia sido fornecida por sua empregadora alemã, além de não haver prova testemunhal de que o indivíduo tenha permanecido em Portugal por mais de 183 dias, tampouco cópia de pedido de número de contribuinte português: “Ora, da prova testemunhal, que consta a fls. 103 a 105, há apenas uma testemunha, Maria Manuela Areal Vieira, que se refere a um período concreto de permanência em Portugal, por parte do impugnante, referindo que o mesmo ‘podia permanecer aqui 1 mês e 2 meses na Alemanha como podia acontecer o contrário’. Assim, como bem decidiu a Mmª Juiz a quo, não se provou que o impugnante tivesse permanecido mais de 183 dias em Portugal no ano de 1991.

Quanto ao requisito da intenção de residência manifestada pelos que, embora tendo permanecido menos tempo, disponham em Portugal, em 31 de Dezembro, de habitação em condições que façam supor a intenção de a manter e ocupar como residencial habitual, diremos: as 1ª e 3ª testemunhas referem que o impugnante quando estava em Portugal vivia numa casa fornecida pela empresa ‘Gabor Portugal’, uma referindo que sozinho e outra que por vezes a mulher vinha com ele ficando em Portugal algum tempo; quanto a o impugnante ter número fiscal atribuído e desse facto retirar ilações só o poderíamos fazer se aos autos fosse junta, por parte da Administração Tributária, a declaração do pedido de número de contribuinte. Como bem refere o impugnante nas suas contra-alegações, ‘não fica provado que o Recorrido tenha efectuado tal pedido antes do facto tributário aqui em crise; que o Recorrido declarou-se como tendo residência fiscal em Portugal; que o endereço Praceta Egas Moniz constituía a sua residência fiscal em 1991, ou que tal endereço não era a residência do seu Representante Fiscal’.”

Ademais, o Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 8 de julho de 2009, Processo 0382/09, entendeu que cidadão português seria residente fiscal na Alemanha, apesar de sua esposa e filhos residirem em Portugal, uma vez que seu centro de interesses vitais estaria em território alemão, onde era empregado e apresentava moradia habitual, afirmando-se que a residência deve ser aferida de acordo com critérios individuais, independentemente de outros membros de sua família residirem em Portugal: “Imposto sobre o rendimento das pessoas singulares. Residência. Convenção sobre dupla tributação. Sendo um cidadão português sujeito na Alemanha a imposto sobre o rendimento de trabalho dependente por ter aí a sua residência e sendo esse o seu único rendimento, deve considerar-se residente na Alemanha para efeitos de aplicação da Convenção sobre Dupla Tributação, independentemente de os outros membros do seu agregado familiar residirem em Portugal.” Em relação ao mesmo contribuinte e no mesmo sentido: Supremo Tribunal Administrativo, acórdão de 12 de janeiro de 2011, Processo 0882/10.

17 “O conceito de ‘residência em caráter permanente’ da pessoa física pressupõe sua permanência estável e duradoura em determinado local, em razão de seu lar, família, logística ou atividades. O elemento subjetivo a ser considerado é a estabilidade observável da intenção da pessoa física de permanecer de forma continuada em determinado local, não sendo exigível que a permanência ocorra, necessariamente, de forma ininterrupta.

Com efeito, a intermitência não desfaz o conceito de permanência, de forma que é possível que a mesma pessoa física tenha várias residências ou residências alternadas e a intenção de permanecer submetido às citadas circunstâncias. É dizer, as circunstâncias variadas que ensejaram a constituição de duas residências alternadas e a intenção de permanecer submetido às citadas circunstâncias (mundo fático inalterado) são critérios aptos a caracterizar, em tese, duas residências em caráter permanente.

(...)

No caso concreto, o interessado informa que ‘desloca-se constantemente entre os países’ e que ‘divide sua permanência entre (i) a sua família residente no Brasil; e (ii) o exercício contínuo de atividade profissional no Paraguai’ (fl. 5), o que indica no limite dos fatos apresentados que o consulente, quando sai do país, não o faz com ânimo definitivo, de forma que a aquisição da condição de não residência dar-se-ia somente se o interessado permanecesse mais de 12 (doze) meses consecutivos ausentes do Brasil, contados da data da saída do país.”

18 “4.2.2. Não caracteriza retorno a viagem de férias ou outros motivos, por não ter caráter estável de permanência no território nacional.”

19 “Assunto: Imposto sobre a Renda Retido na Fonte IRRF Conceito de Residente. Considera-se residente no Brasil, a pessoa física que se ausenta do País em caráter temporário ou se retira em caráter permanente sem entregar a Declaração de Saída Definitiva, até o dia em que completar doze meses consecutivos de ausência. O retorno da pessoa física ao Brasil, apenas para gozo de férias, não interrompe a contagem do prazo dos doze meses que caracterizaria a condição de não residente no país. Dispositivos Legais: Art. 16, § 3º, do Decreto nº 3.000, de 26.03.1999 (republicado em 17.06.1999); arts. 2º, 3º da Instrução Normativa SRF nº 208, de 27.09.2002; e subitem 4.2.2 do Parecer Normativo nº 3, de 1º de setembro de 1995.”

20 Cf. Portaria 12/2010 do Ministro de Estado e das Finanças: “1 Arquitectos, engenheiros e técnicos similares: 101 – Arquitectos; 102 – Engenheiros; 103 – Geólogos. 2 – Artistas plásticos, actores e músicos: 201 – Artistas de teatro, bailado, cinema, rádio e televisão; 202 – Cantores; 203 – Escultores; 204 – Músicos; 205 – Pintores. 3 – Auditores: 301 – Auditores; 302 – Consultores fiscais. 4 – Médicos e dentistas: 401 – Dentistas; 402 – Médicos analistas; 403 – Médicos cirurgiões; 404 – Médicos de bordo em navios; 405 – Médicos de clínica geral; 406 – Médicos dentistas; 407 – Médicos estomatologistas; 408 – Médicos fisiatras; 409 – Médicos gastroenterologistas; 410 – Médicos oftalmologistas; 411 – Médicos ortopedistas; 412 – Médicos otorrinolaringologistas; 413 – Médicos pediatras; 404 – Médicos radiologistas; 405 – Médicos de outras especialidades. 5 – Professores: 501 – Professores universitários. 6 – Psicólogos: 601 – Psicólogos. 7 – Profissões liberais, técnicos e assimilados: 701 – Arqueólogos; 702 – Biólogos e especialistas em ciências da vida; 703 – Programadores informáticos; 704 – Consultoria e programação informática e actividades relacionadas com as tecnologias da informação e informática; 705 – Actividades de programação informática; 706 – Actividades de consultoria em informática; 707 – Gestão e exploração de equipamento informático; 708 – Actividades dos serviços de informação; 709 – Actividades de processamento de dados, domiciliação de informação e actividades relacionadas; portais Web; 710 – Actividades de processamento de dados, domiciliação de informação e actividades relacionadas; 711 – Outras actividades dos serviços de informação; 712 – Actividades de agências de notícias; 713 – Outras actividades dos serviços de informação; 714 – Actividades de investigação científica e de desenvolvimento; 715 – Investigação e desenvolvimento das ciências físicas e naturais; 716 – Investigação e desenvolvimento em biotecnologia; 717 – Designers. 8 – Investidores, administradores e gestores: 801 – Investidores, administradores e gestores de empresas promotoras de investimento produtivo, desde que afectos a projectos elegíveis e com contratos de concessão de benefícios fiscais celebrados ao abrigo do Código Fiscal do Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei nº 249/2009, de 23 de Setembro; 802 – Quadros superiores de empresas.”

21 Além das atividades previstas na Portaria do Ministro de Estado e das Finanças 12/2010, também são enquadradas como tais as provenientes da propriedade intelectual ou industrial, ou, ainda, da prestação de informações a respeito de uma experiência adquirida no setor industrial, comercial ou científico.

22 Conforme Portaria do Ministério da Fazenda 488/2014.

23 Cabe trazer à colação o entendimento exposto por Alberto Xavier, Roberto Duque Estrada e Renata Emery: “não deixará ainda de se fazer menção ao fato de considerarmos o novo art. 24-A não autoaplicável enquanto a Administração fiscal não elaborar uma lista taxativa de quais os regimes em vigor noutros países que reputa estarem abrangidos no conceito de ‘regime fiscal privilegiado’, tal como o fez em relação ao conceito de ‘país com tributação favorecida’. Ofenderia, na verdade, os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da proteção de confiança colocar sobre os ombros do contribuinte o fardo da prova de leis estrangeiras, estendendo a estas a presunção de pleno conhecimento que os ordenamentos jurídicos estabelecem em relação às leis nacionais.” (Cf. Países com tributação favorecida e regimes fiscais privilegiados. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, n. 168, 2009, p. 17)

24 “Art. 2º São regimes fiscais privilegiados:

II – com referência à legislação do Uruguai, o regime aplicável às pessoas jurídicas constituídas sob a forma de ‘Sociedades Financeiras de Inversão (Safis)’ até 31 de dezembro de 2010;

III – com referência à legislação da Dinamarca, o regime aplicável às pessoas jurídicas constituídas sob a forma de holding company que não exerçam atividade econômica substantiva; (Redação dada pela Instrução Normativa RFB nº 1.045, de 23 de junho de 2010)

IV – com referência à legislação do Reino dos Países Baixos, o regime aplicável às pessoas jurídicas constituídas sob a forma de holding company que não exerçam atividade econômica substantiva; (Redação dada pela Instrução Normativa RFB nº 1.045, de 23 de junho de 2010)

V – com referência à legislação da Islândia, o regime aplicável às pessoas jurídicas constituídas sob a forma de International Trading Company (ITC);

VII – com referência à legislação dos Estados Unidos da América, o regime aplicável às pessoas jurídicas constituídas sob a forma de Limited Liability Company (LLC) estaduais, cuja participação seja composta de não residentes, não sujeitas ao imposto de renda federal;

VIII – com referência à legislação da Espanha, o regime aplicável às pessoas jurídicas constituídas sob a forma de Entidad de Tenencia de Valores Extranjeros (E.T.V.Es.) [suspenso pelo ADE nº 22/2010];

IX – com referência à legislação de Malta, o regime aplicável às pessoas jurídicas constituídas sob a forma de International Trading Company (ITC) e de International Holding Company (IHC).

X – com referência à Suíça, os regimes aplicáveis às pessoas jurídicas constituídas sob a forma de holding company, domiciliary company, auxiliary company, mixed company e administrative company cujo tratamento tributário resulte em incidência de Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), de forma combinada, inferior a 20% (vinte por cento), segundo a legislação federal, cantonal e municipal, assim como o regime aplicável a outras formas legais de constituição de pessoas jurídicas, mediante rulings emitidos por autoridades tributárias, que resulte em incidência de IRPJ, de forma combinada, inferior a 20% (vinte por cento), segundo a legislação federal, cantonal e municipal. (Incluído pela Instrução Normativa RFB nº 1.474, de 18 de junho de 2014) (Vide art. 2º da Instrução Normativa RFB nº 1.474, de 18 de junho de 2014)”

25 Cf. Portaria do Ministro de Estado e das Finanças 292/2011: “Artigo 1º: 1) Andorra; 2) Anguilha; 3) Antígua e Barbuda; 4) Antilhas Holandesas; 5) Aruba; 6) Ascensão; 7) Bahamas; 8) Bahrain; 9) Barbados; 10) Belize; 11) Ilhas Bermudas; 12) Bolívia; 13) Brunei; 14) Ilhas do Canal (Alderney, Guernesey, Jersey, Great Stark, Herm, Little Sark, Brechou, Jethou e Lihou); 15) Ilhas Cayman; 16) Ilhas Cocos o Keeling; 17) (Revogado); 18) Ilhas Cook; 19) Costa Rica; 20) Djibouti; 21) Dominica; 22) Emiratos Árabes Unidos; 23) Ilhas Falkland ou Malvinas; 24) Ilhas Fiji; 25) Gâmbia; 26) Grenada; 27) Gibraltar; 28) Ilha de Guam; 29) Guiana; 30) Honduras; 31) Hong Kong; 32) Jamaica; 33) Jordânia; 34) Ilhas de Queshm; 35) Ilha de Kiribati; 36) Koweit; 37) Labuán; 38) Líbano; 39) Libéria; 40) Liechtenstein; 41) (Revogado); 42) Ilhas Maldivas; 43) Ilha de Man; 44) Ilhas Marianas do Norte; 45) Ilhas Marshall; 46) Maurícias; 47) Mónaco; 48) Monserrate; 49) Nauru; 50) Ilhas Natal; 51) Ilha de Niue; 52) Ilha Norfolk; 53) Sultanato de Oman; 54) Ilhas do Pacífico não compreendidas nos restantes números; 55) Ilhas Palau; 56) Panamá; 57) Ilha de Pitcairn; 58) Polinésia Francesa; 59) Porto Rico; 60) Quatar; 61) Ilhas Salomão; 62) Samoa Americana; 63) Samoa Ocidental; 64) Ilha de Santa Helena; 65) Santa Lúcia; 66) São Cristóvão e Nevis; 67) São Marino; 68) Ilha de São Pedro e Miguelon; 69) São Vicente e Grenadinas; 70) Seychelles; 71) Suazilândia; 72) Ilhas Svalbard (arquipélago Spitsbergen e ilha Bjornoya); 73) Ilha de Tokelau; 74) Tonga; 75) Trinidad e Tobago; 76) Ilha Tristão da Cunha; 77) Ilhas Turks e Caicos; 78) Ilha Tuvalu; 79) Uruguai; 80) República de Vanuatu; 81) Ilhas Virgens Britânicas; 82) Ilhas Virgens dos Estados Unidos da América; 83) República Árabe do Yémen.”

26 “13. As regards the concept of home, it should be observed that any form of home may be taken into account (house or apartment belonging to or rented by the individual, rented furnished room). But the permanence of the home is essential; this means that the individual has arranged to have the dwelling available to him at all times continuously, and not occasionally for the purpose of a stay which, owing to the reasons for it, is necessarily of short duration (travel for pleasure, business travel, educational travel, attending a course at a school, etc.).”

27 Os Comentários à Convenção Modelo da OCDE evidenciam o que se entenderia por centro de interesses vitais: “15. Se o indivíduo possui uma habitação permanente em ambos os Estados Contratantes, é necessário analisar os fatos para verificar a qual dos dois Estados mais se aproximam as suas relações pessoais e econômicas, assim entendidas as relativas às suas relações familiares e sociais, suas ocupações, suas atividades políticas, culturais, dentre outras, o local em que celebra seus negócios e administra sua propriedade, etc. Estas circunstâncias devem ser examinadas conjuntamente, contudo, devem receber especial atenção os atos pessoais do indivíduo. Se uma pessoa que possui uma habitação em um Estado e estabelece uma segunda morada no outro Estado, mantendo a primeira, o fato de ele manter sua família e bens no primeiro Estado em que sempre viveu e trabalhou, pode, conjuntamente com outros elementos, demonstrar que ele mantém o seu centro de interesses vitais no primeiro Estado.” (Tradução livre)

28 Segundo o acórdão: “Como explica Manuel Faustino em ‘Os Residentes no Imposto sobre o Rendimento Pessoal (IRS) Português’ (CTF, nº 424, p. 124), o referido critério legal ‘exige a reunião do ‘corpus’ e do ‘animus’. (...) um ‘corpus’, constituído por um local de residência, associado a um ‘animus’, que consiste na ‘intenção’ de a manter e ocupar como residência habitual (...)’, pelo que, prossegue o citado autor (op. cit., p. 125) ‘(...) ao integrar-se na previsão a manutenção e ocupação dessa casa como residência habitual desde logo se excluem da condição de residentes os que dispõem em Portugal de uma simples habitação secundária (desde que nela não permaneçam mais de 183 dias por ano) ou de férias, bem como aqueles que, nomeadamente os emigrantes, dispondo aqui de uma habitação que poderão vir a ocupar como sua residência habitual quando, em definitivo, regressarem a Portugal, apenas a ocupam por ocasião das suas férias ou em deslocações pontuais e fortuitas. Não parece, pois, lícito considerar que um emigrante é residente em território português pelo simples facto de ele, em 31 de Dezembro de cada ano, dispor em Portugal de uma casa de habitação, retirando daí, e da sua condição de emigrante – a intenção ‘de a vir a ocupar’ como sua residência habitual. A intenção que a lei exige não é uma intenção para o futuro, é, desde logo, uma intenção imediatista, para o presente (...)’.”

29 Os seguintes países detêm tratados celebrados com ambos os Estados: África do Sul, Áustria, Bélgica, Canadá, Chile, China, Coreia, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Hungria, Índia, Israel, Itália, Japão, Luxemburgo, México, Noruega, Países Baixos, Peru, República Eslovaca, República Tcheca, Suécia, Turquia, Ucrânia e Venezuela. Cf. <http://www.receita.fazenda.gov.br/Legislacao/AcordosInternacionais/AcordosDuplaTrib.htm> e <http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/convencoes_evitar_dupla_tributacao/convencoes_tabelas_doclib/>. Acesso em: 22 maio 2015.

30 Cf. Direito tributário internacional. 2. ed. Coimbra: Almedina, 2011, p. 292-293.

31 O uso da rede de tratados com terceiros Estados celebrados pelo “Estado perdedor” após a aplicação da tiebreaker rule é uma questão controversa. Os comentários à Convenção Modelo da OCDE, desde 2008, dispõem, no comentário 8.2 ao art. 4º, que o contribuinte apenas poderia lançar mão da rede de tratados celebrados pelo “Estado vencedor”. Contudo, tal entendimento é expresso nos comentários relativos à segunda parte do § 1º do art. 4º da Convenção Modelo, a qual não é reproduzida no Tratado firmado pelo Brasil com Portugal. Dhruv Sanghavi analisou a questão e considera que a primeira parte do § 1º do art. 4º da Convenção Modelo não seria suficiente para afastar a rede de tratados firmados pelo “Estado perdedor” (cf. Tax treaty entitlement issues concerning dual residents. (23/04/2015). Disponível em: <http://ssrn.com/abstract=2598115> ou <http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2598115>. Acesso em: 1º jul. 2016).