O Imposto sobre a Renda sobre os Rendimentos decorrentes de Aplicações em Títulos Públicos Federais Realizadas por não Residentes: Análise sobre a Extrafiscalidade e o Princípio da Igualdade Tributária
Income Tax over Revenue Obtained from Application on Federal Debt Paper by Nonresident Investors: an Analysis of Behavior-induction Taxation and Tax Equality Principle
Bruno Cesar Fettermann Nogueira dos Santos
Pós-graduando no Curso de Especialização em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Advogado em São Paulo. E-mail: brunocfns@gmail.com.
Resumo
O presente trabalho pretende analisar o tratamento tributário dispensado aos rendimentos decorrentes de aplicações financeiras realizadas por investidores não residentes em títulos da dívida pública federal, especialmente no que se refere aos efeitos indutores da norma que disciplina esse regime e seus eventuais impactos sobre o princípio da igualdade tributária.
Palavras-chave: Direito Tributário, Imposto sobre a Renda, investidor não residente, títulos da dívida pública, efeitos indutores de normas tributárias, princípio da igualdade tributária.
Abstract
This paper analyzes the behavior-induction character of the tax regime applied for foreign investors that receive income from Brazilian government papers and its possible impacts on tax equity principle.
Keywords: Tax Law, Income Tax, foreign investor, government papers, behavior-induction taxation, tax equity principle.
1. Introdução e Delimitação do Objeto de Estudo
O endividamento público compreende fenômeno macroeconômico diretamente relacionado às políticas fiscal e monetária adotadas por um país. Neste sentido, a literatura econômica aponta ao menos quatro objetivos que justificam a existência da dívida pública:
“(i) financiar o déficit público; (ii) propiciar instrumentos adequados à realização da política monetária (no caso específico da dívida interna); (iii) criar referencial de longo prazo para financiamento do setor privado, uma vez que as emissões públicas, dados seu alto volume e menor risco de crédito, servem como referência para a precificação de dívida privada; (iv) propiciar a alocação de recursos entre gerações, na medida em que (a depender do prazo dos instrumentos de financiamento) à geração futura caberá o pagamento das despesas realizadas no presente com recursos oriundos do endividamento.”1
Numa breve consideração histórica a respeito da dívida pública federal brasileira, comenta-se que, a partir de 2003, diante dos avanços institucionais na organização dos títulos públicos e da postura do Estado brasileiro de manter a responsabilidade fiscal e as políticas monetária e cambial iniciadas no final da década de 1990, foi possível observar mudanças na gestão da dívida pública2.
Assim, para estimular o alongamento e a prefixação da dívida, editou-se a Medida Provisória 281, posteriormente convertida na Lei 11.312, de 27 de junho de 2006, que, entre outras disposições, previu a aplicação de alíquota zero de Imposto sobre a Renda aos rendimentos decorrentes de títulos públicos adquiridos por investidores não residentes.
Este regramento foi estabelecido para estimular a aquisição de títulos públicos3 por investidores não residentes, que, de acordo com os especialistas e as autoridades4 do Tesouro Nacional, têm, geralmente, preferência por aplicações financeiras de período mais extenso, o que condiz com a diretriz institucional de alongar o perfil da dívida federal.
Diante deste cenário, o presente estudo analisará a norma tributária relativa ao Imposto sobre a Renda aplicável aos investidores não residentes – em contraponto aos residentes – que aplicam em títulos da dívida pública federal. Com isso, será possível delimitar o regime jurídico aplicável a essa norma, o que implica identificar: (i) a finalidade indutora dessa norma; (ii) a eventual finalidade constitucional que legitima tais efeitos; e (iii) o estudo do princípio da igualdade tributária bem como do postulado da proporcionalidade como possíveis parâmetros de limitação dos efeitos indutores dessa norma.
Note-se, de antemão, que não compete a este estudo realizar qualquer avaliação de cunho político ou econômico5 sobre a (ir)relevância do capital estrangeiro para a gestão da dívida pública. O objeto deste trabalho prende-se tão somente à investigação dos efeitos indutores da norma de benefício tributário aos não residentes em contrapartida à imposição constitucional de isonomia tributária.
2. Os Regimes Tributários de Imposto sobre a Renda sobre Rendimentos decorrentes de Investimentos em Títulos Públicos Federais
2.1. Regime do investidor residente e a equiparação do não residente nas aplicações de renda fixa
Como os títulos de dívida pública representam aplicações de renda fixa6, os rendimentos decorrentes desses títulos devem ser tributados pelo Imposto sobre a Renda Retido na Fonte (“IRRF”) sob alíquotas regressivas que variam de 22,5% a 15%, conforme o período da aplicação7.
Mais especificamente, tem-se que as aplicações em renda fixa cujo resgate ou alienação ocorram (i) em até 180 dias estarão sujeitas à alíquota de 22,5%; (ii) de 181 a 360 dias, sujeitam-se à alíquota de 20%; (iii) de 360 a 720 dias sofrem a incidência de IRRF a 17,5%; (iv) em mais de 720 dias submetem-se à tributação de IRRF a 15%8.
Os rendimentos derivados de aplicações de renda fixa auferidos por pessoas físicas residentes no Brasil, por pessoa jurídica optante pelo SIMPLES ou mesmo por pessoa jurídica isenta são tributados exclusivamente9 na fonte e, por isso, de forma definitiva10.
Por outro lado, os rendimentos de renda fixa auferidos por pessoas jurídicas com sede no Brasil e sujeitas ao regime do Lucro Real estão sujeitos ao IRRF enquanto antecipação do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (“IRPJ”), no que devem, em contraponto às despesas incorridas pela empresa, integrar a base de cálculo dos tributos incidentes sobre o lucro11.
Já as pessoas jurídicas com sede no Brasil e optantes pelo regime de tributação do Lucro Presumido terão seus rendimentos decorrentes de aplicações em renda fixa considerados como receitas financeiras e, como tais, serão adicionados à base de cálculo presumida. Assim como ocorre com as pessoas jurídicas sujeitas ao Lucro Real, o IRRF regressivo incidente sobre os rendimentos da aplicação será considerado antecipação do imposto devido.
Por sua vez, os investidores não residentes que aplicam em operações de renda fixa no Brasil, por determinação do art. 78, inciso I, da Lei 8.981/1989, sujeitam-se ao mesmo regime aplicável ao investidor residente.
Apenas a título de esclarecimento – pois este não é o escopo deste trabalho – cumpre mencionar que a lei prevê, no entanto, regime específico de tributação sobre rendimentos de aplicação de renda fixa para o não residente que invista no mercado financeiro e de capitais brasileiro e cumpra certos requisitos. Tal regime será aplicado desde que o não residente invista no mercado financeiro e de capitais conforme as regras editadas pelo Conselho Monetário Nacional (“CMN”) – atualmente a Resolução CMN 4.373/2014 – e contanto que não seja residente em país cuja tributação sobre a renda seja inferior a 20%. De acordo com este regime, os rendimentos auferidos por este tipo de investidor de renda fixa sujeitam-se a IRRF a 15%.
Ocorre que, com a edição da Medida Provisória 281/2006, estabeleceu-se regime tributário específico para o investidor não residente que adquira títulos da dívida pública federal. A nova regra excepcionou o regime geral que seria aplicável ao não residente que faz investimentos em aplicações de renda fixa no mercado financeiro e de capitais brasileiro.
2.2. Regime de alíquota zero conferido pela Medida Provisória 281, de 2006 (convertida na Lei 11.312/2006)
A partir da conversão da Medida Provisória 281/2006, a Lei 11.312/2006, em seu art. 1º, reduziu a zero a alíquota do IRRF incidente sobre “os rendimentos produzidos por títulos públicos adquiridos a partir de 16 de fevereiro de 2006, quando pagos, creditados, entregues ou remetidos a beneficiário residente ou domiciliado no exterior, exceto em país que não tribute a renda ou que a tributa à alíquota máxima inferior a 20%”.
A lei ainda restringe a aplicação de tal regime tributário mais benéfico “às operações realizadas de acordo com as normas e condições estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional”, que atualmente estão compreendidas na Resolução CMN 4.313/2014. Ainda, esse diploma legal estende o tratamento especial de IRRF aos rendimentos decorrentes de “cotas de fundos de investimentos exclusivos para investidores não residentes que possuam no mínimo 98% de títulos públicos” e impede a sua aplicação às operações com títulos adquiridos com compromisso de revenda assumido pelo comprador.
Diante deste cenário normativo, constatam-se, como já antecipado na introdução deste trabalho: (i) tratamento legal desigual entre investidor residente e não residente na percepção de rendimentos decorrentes de títulos públicos federais; e (ii) aparente indução de comportamento do investidor não residente para adquirir títulos de dívida pública federal. Essas hipóteses devem ser investigadas ao longo do presente estudo.
3. Função Indutora da Norma Tributária
3.1. Norma tributária indutora como instrumento de intervenção estatal sobre o domínio econômico
Antes mesmo de adentrarmos a noção de norma tributária indutora, cumpre realizar uma breve digressão que permita elucidar que a tributação pode ser utilizada pelo Estado como instrumento de intervenção estatal sobre o domínio econômico.
Como é cediço, ao assumir o papel de uma Constituição dirigente, a Constituição de 198812 deixa, no campo econômico, tão somente de preservar o direito de propriedade e a liberdade de contratar – enquanto pressupostos jurídicos do capitalismo – como uma Constituição puramente liberal estatuiria e passa a contemplar um conjunto de normas de uma “Ordem Econômica”13 programática. Por este conjunto de normas, a Constituição de 1988 atribuiu ao Estado, não só a condição de “guardião” da propriedade privada e da liberdade contratual, mas lhe impôs uma série de deveres de feição social a serem implementados por meio da execução de políticas públicas14.
Assim, a intervenção estatal passa a se justificar não só pelo aspecto negativo, pelo qual se propõe à correção das falhas de mercado, mas também pelo aspecto positivo, ao promover certas metas e direitos sociais15.
A partir deste contexto, ensina o Professor Eros Roberto Grau que essa “nova” Ordem Econômica compreende “não apenas, fundamentalmente, normas de ordem pública, mas, também, e em profusão enorme, normas que instrumentam a intervenção do Estado na economia – normas de intervenção” (destaques no original)16.
Tendo reconhecido, portanto, que a Ordem Econômica da Constituição de 1988 designa o Estado como um agente de intervenção17 na economia, Grau propõe que se analisem as formas de intervenção estatal sob uma visão dicotômica que segregue a “intervenção no domínio econômico” e a “intervenção sobre o domínio econômico” (destaques no original)18.
Pela primeira, entende-se toda atividade desempenhada pelo Estado enquanto agente (sujeito) econômico, como player do próprio mercado. Sob essa forma de intervenção estatal, pode o Estado intervir por absorção ou por participação. No primeiro caso, o Estado atua, em regime de monopólio, assumindo integralmente, portanto, todos os meios de produção e de troca de determinado setor econômico. Já quando intervém no domínio econômico por participação, atua o Estado em regime de competição, de concorrência com as empresas privadas que também ocupam determinado setor da economia.
Note-se que, por outro lado, ao intervir sobre o domínio econômico, o Estado não ocupa posição de player, de agente econômico, mas assume o papel de regulador de determinada atividade econômica.
Nesse caso, intervirá o Estado por direção ou por indução. Sobre tais diferenças, ensina mais uma vez Eros Grau:
“Quando o faz por direção, o Estado exerce pressão sobre a economia, estabelecendo mecanismos e normas de comportamento compulsório para os sujeitos da atividade econômica em sentido estrito.
Quando o faz, por indução, o Estado manipula os instrumentos de intervenção em consonância e conformidade das leis que regem o funcionamento dos mercados.”19
Como bem explica Luís Eduardo Schoueri, apesar das eventuais dificuldades de se distinguir casos de intervenção sobre o domínio econômico por direção ou por indução, a variável determinante para diferenciá-los será o “grau de liberdade do administrado”20.
Assim, as normas que instrumentalizam a intervenção por direção são imperativas, dotadas de plena cogência, enquanto que as normas de intervenção por indução não apresentam a mesma carga de imperatividade. É dizer, a despeito de carregarem um comando prescritivo (deôntico), as normas de intervenção por indução são dispositivas. “Nelas, a sanção, tradicionalmente manifestado como comando, é substituída pelo expediente convite.” (Destaques no original)21
Feita essa breve digressão sobre a intervenção estatal sobre o domínio econômico, é de se reconhecer que o tributo pode ser manipulado como forma de indução de comportamento dos agentes econômicos.
Afinal, como bem ensina Pedro Adamy, a utilização de normas tributárias de forma extrafiscal tem o objetivo de provocar certos comportamentos em resposta à própria norma. Desta forma, atribuem-se “ameaça” ao contribuinte que não atender à finalidade estatal encampada na norma indutora e “prêmio”, “reconhecimento” ao que assim a promova22.
Ou seja, como a norma tributária invariavelmente apresentará efeitos indutores – em maior ou menor grau – e, portanto, gerará estímulos e desestímulos sobre os seus destinatários, ela pode ser utilizada como instrumento de intervenção sobre o domínio econômico por indução.
Sendo assim, cumpre verificar quais os possíveis critérios pelos quais se pode distinguir uma norma tributária de finalidade essencialmente arrecadatória e a de finalidade preponderantemente extrafiscal, ou mais especificamente, indutora23. A partir dessa distinção – que, antecipe-se, de certo não redundará em categorias estanques, uma vez que toda norma tributária possui efeitos arrecadatórios, mas também pode apresentar efeitos indutores24 – caberá investigar qual o regime jurídico aplicável às normas tributárias indutoras.
3.2. Identificação de normas tributárias indutoras
Sobre a identificação das normas tributárias indutoras, o Professor Schoueri, em estudo profundo sobre o tema, demonstrou que diversos autores aceitam a diferenciação entre normas tributárias arrecadatórias e as indutoras com base no critério finalístico. Assim, “revelando-se o desejo deliberado de influir na ordem econômica e social, ter-se-ia norma tributária indutora”25.
Considerando-se, no entanto, que buscar a finalidade de determinada norma tributária por meio de uma análise subjetiva revelar-se-ia insuficiente, Schoueri mostra que parte da doutrina defende a análise da finalidade por elementos objetivos ou mesmo pela combinação destes elementos com os subjetivos.
Valendo-se dos elementos objetivos, o intérprete da norma deveria buscar sinais que revelassem a intenção do legislador de atribuir à norma finalidade arrecadatória ou indutora. Neste sentido, Prof. Luís Eduardo Schoueri, ao se referir aos sinais objetivos elencados por Dora Schmidt, arrolou-os da seguinte forma:
“Para a autora, a finalidade indutora por vezes transparece por meio de sinais objetivos, assim arrolados: i) quando o próprio texto da lei declara finalidade indutora, caso em que esta finalidade se reputa formulada juridicamente; ii) contexto político, quando a medida tributária não vem isolada, mas embutida num conjunto (pacote) com outras medidas contemporâneas e com igual finalidade; iii) quando o Estado não precisa de recursos adicionais, ou renuncia a receitas tributárias; iv) pelo objeto tributado, i.e., quando o imposto incide preferencialmente sobre alguns objetos, em detrimento de outros que estariam igualmente à disposição do legislador; v) pela base de cálculo; ou vi) pela alíquota.”26
Outra corrente doutrinária, a que se filia Peter Selmer, por exemplo, reconhece a insuficiência dos critérios objetivos para a identificação da finalidade de determinada norma tributária. Essa vertente entende que é possível recorrer, por exemplo, “à exposição de motivos e às atas parlamentares, além de outros elementos, como a análise do contexto em que se deu a iniciativa legal, ou o programa de governo do partido ou partidos que sustentam a base governamental (...)”27.
Crítico ao critério finalístico, o Professor Luís Eduardo Schoueri, por sua vez, revela a insuficiência deste critério na identificação de normas tributárias indutoras e, sob um enfoque pragmático28, o Professor propõe a investigação sobre o elemento teleológico da norma para identificar seus efeitos indutores. A título elucidativo, vale esta breve transcrição:
“Identificam-se, assim, as normas indutoras a partir de sua função. A referência a tais normas, enquanto corte abstrato, apenas servirá para realçar uma função (ou uma das várias funções) que a norma tributária desempenha. Vê-se, pois, definido o objeto do presente estudo: por normas tributárias indutoras se entende um aspecto das normas tributárias, identificando a partir de uma de suas funções, a indutora.”29
Embora concordemos com o posicionamento de Schoueri de que as normas tributárias possuem funções que não se excluem e que, assim, se podem identificar efeitos fiscais e extrafiscais de uma mesma norma, perquirir-se-á a função indutora da norma veiculada pelo art. 1º da Lei 11.312/2006 a partir de sua finalidade30.
Neste sentido, caberá analisar os elementos objetivos e subjetivos que exteriorizam a finalidade indutora pretendida pelo legislador – nos moldes do que sugere Peter Selmer – para confirmar a função extrafiscal desta norma.
Justifica-se, neste estudo, a identificação da função indutora da norma tributária pela sua finalidade, justamente porque se pretende aplicar não só o controle de eficácia da norma (no plano dos efeitos, portanto), como o controle de finalidade (no plano da validade), ligado à legitimidade do fim extrafiscal, efetuando-se o que Martha Leão chamou de “duplo controle sobre as normas tributárias extrafiscais”31.
3.3. Regime jurídico aplicável às normas tributárias indutoras
Tendo-se verificado que as normas tributárias indutoras compreendem verdadeiro instrumento de intervenção estatal sobre o domínio econômico, que não abandonam seus efeitos de natureza tributária, questiona-se se essas normas possuem algum tratamento jurídico diferenciado ou se, assim como qualquer norma que cria e impõe a cobrança de tributos ao contribuinte, submete-se aos princípios e às regras da Ordem Tributária.
Mais uma vez, deve-se fazer referência à obra fundamental de Luís Eduardo Schoueri sobre as normas tributárias indutoras, oportunidade em que o professor muito didaticamente dividiu os ramos doutrinários que já se posicionaram sobre a questão exposta acima.
De um lado, autores como Geraldo Ataliba, Sacha Calmon Navarro Coêlho e Gerd Willi Rothmann sustentam que “as normas tributárias indutoras continuam submetidas às amarras do Direito Tributário, afastando a possibilidade de qualquer tratamento jurídico diferenciado”32. Para esta corrente, a finalidade indutora que reveste determinadas normas tributárias não seria elemento suficiente para afastar as imposições da Ordem Tributária – inclusive no que toca às limitações ao poder de tributar – sobre tais normas.
Por outro lado, autores como Karl Friauf e Klaus Tipke defendem que as normas tributárias indutoras não pertencem ao Direito Tributário, mas sim ao Direito de Indução Econômica (Wirtschaftslenkungsrecht), ao Direito Econômico ou ao Direito Administrativo Econômico33. Por via de consequência, pode-se inferir que essa linha doutrinária consente que a finalidade indutora de determinada norma tributária poderia afastá-la do regramento próprio da Ordem Tributária.
Diante desse cenário, o Professor Luís Eduardo Schoueri adota uma posição conciliadora – da qual perfilamos neste estudo – que pressupõe que as normas tributárias indutoras representam mandamento prescritivo que define hipóteses de incidência que darão azo a fatos geradores de obrigação tributária ao mesmo tempo em que compreendem instrumento de finalidade socioeconômica de intervenção estatal sobre o domínio econômico.
Em razão desse caráter híbrido atribuído às normas tributárias indutoras, Schoueri propõe que a aplicação dos princípios tributários a essas normas assuma um novo viés:
“Significa dizer que as normas tributárias indutoras, posto que destacadas para efeito da pesquisa, não deixam de conformar a hipótese de incidência de tributos e, como tal, sujeitam-se ao regime jurídico próprio destes. Ao mesmo tempo, tais normas constituem forma de intervenção do Estado sobre o Domínio Econômico.
Daí a importância de investigar de que maneira as limitações constitucionais ao poder de tributar podem assumir novo viés, quando a elas se agregam forças dos princípios desenvolvidos na Ordem Econômica. A proposta que se faz é, pois, a de examinar a atuação daquelas limitações sobre as normas tributárias indutoras.”34
A partir dessas premissas teóricas, este trabalho pretende identificar que fundamentos de Ordem Econômica legitimam o benefício fiscal concedido pelo art. 1º da Lei 11.312/2006, para, em seguida, verificar a conformação desta norma com a Ordem Tributária, especificamente com o princípio da igualdade tributária – que, dentre os princípios tributários, é o mais relevante para o presente caso, compondo o objeto deste estudo.
4. Fundamento de Ordem Econômica
4.1. Justificativa político-econômica para o benefício do art. 1º da Lei 11.312/1996
Em conformidade com as premissas acima expostas, passar-se-á a investigar a função indutora da norma veiculada pelo art. 1º da Lei 11.312/1996 com base nos indícios objetivos e subjetivos revelados pelo legislador. Para tanto, valer-se-á essencialmente da análise da Exposição de Motivos da Medida Provisória 281/2006, que aponta as principais justificativas de cunho político e econômico para a concessão do estímulo tributário ao não residente que aplique seus recursos em títulos da dívida pública federal.
Antes de tudo, o então Ministro da Fazenda aponta, na Exposição de Motivos analisada, que a redução a zero da alíquota de Imposto sobre a Renda sobre os rendimentos, decorrentes de títulos públicos federais, auferidos por investidores não residentes “tornará o tratamento tributário brasileiro dessa classe de investidores equiparável ao praticado pelas principais economias mundiais”35.
Aduz-se, ademais, que o aumento da participação de investidores não residentes na composição de detentores de títulos públicos federais poderá resultar em benefícios à “administração da dívida pública federal” e na “economia de despesa de juros”. “Isto porque, a maior participação do investidor estrangeiro pode ajudar a diminuir a percepção de risco associada à dívida e, destarte, o prêmio pago pelo Tesouro Nacional na emissão de títulos públicos.”36
Há, aqui, portanto, um argumento de que a ampliação da base investidora dos títulos públicos poderá atribuir credibilidade aos títulos brasileiros, reduzindo a percepção de risco de calote pelo mercado. Tanto é assim, que se chega a alegar que “em outros países, a ampliação do mercado de títulos de longo prazo na esteira da maior participação de investidores não residentes veio a funcionar como elemento indutor da maior participação nesse mercado do investidor residente”37.
Ainda quanto à administração da dívida pública federal, afirma-se na Exposição de Motivos que a maior participação de investidores não residentes pode melhorar a qualidade do endividamento brasileiro. Alega-se, neste sentido, que “há importantes segmentos de investidores estrangeiros que têm preferência por investimentos em títulos de longo prazo, principalmente prefixados ou indexados a índice de preços”38.
Assim, a maior presença do não residente no mercado de títulos públicos federais contribuiria, para: (i) o alongamento da dívida pública; e (ii) a diminuição dos custos de rolagem da dívida pública federal em razão da ampliação da participação de títulos pré-fixados.
Elenca-se, outrossim, uma justificativa de ordem desenvolvimentista, pela qual se afirma que a “melhora do perfil da dívida pública tem o potencial de induzir implicações positivas para diversas áreas, inclusive para o setor produtivo”. Essa melhora qualitativa do endividamento público tenderia a arrefecer a volatilidade financeira e a ampliar os efeitos da política monetária, o que favoreceria todo o mercado de renda fixa por meio da queda de custos, aumento dos prazos e ampliação das possibilidades de captação de recursos pelas empresas privadas.
Menciona-se, por fim, que a melhora do perfil da dívida pública federal fortalecerá, no médio prazo, o mercado de capitais, no que é de se “esperar que as famílias ampliem seu acesso ao crédito, em especial ao de médio e longo prazo – como é o caso do financiamento imobiliário – proporcionando um incremento no nível de bem-estar da sociedade”39.
4.2. A possível finalidade de Ordem Econômica almejada
A partir de todas as justificativas econômicas aduzidas na Exposição de Motivos, passa-se a analisar se estas estão encampadas por algum princípio de Ordem Econômica que legitime a escolha política de desonerar as aplicações estrangeiras em títulos públicos federais.
Pelo que se apreendeu da análise da Exposição de Motivos, os motivos que justificariam o benefício fiscal ao não residente que aplica em títulos públicos federais estão atrelados essencialmente a duas razões, quais sejam (i) a melhora do perfil da dívida pública federal e de seu mercado; e (ii) a ampliação, a médio e longo prazo, do mercado de capitais brasileiro, favorecendo o financiamento das empresas e a concessão de crédito no geral, o que geraria avanços no setor produtivo e incremento do bem-estar social.
Veja-se que esta segunda razão é de cunho desenvolvimentista e pode ser entendida como uma verdadeira externalidade positiva desencadeada pela melhora do perfil da dívida. Ocorre que a mera alegação de que se estimulará o desenvolvimento do setor produtivo e do mercado de capitais não é justificativa jurídica suficiente.
Sendo assim, caso haja comprovação econômica – o que, frise-se, não é contemplado pelo escopo deste trabalho – mesmo que em abstrato de que (i) o estímulo para aplicação do investidor não residente em títulos públicos federais trará uma melhora no perfil da dívida; e (ii) essa melhora gerará externalidades positivas, provocando avanços ao setor produtivo, é possível inferir que essas razões econômicas estão encampadas pela Ordem Econômica da Constituição de 1988.
Mais especificamente, entendemos que as razões desenvolvimentistas podem ser atreladas ao princípio da soberania econômica nacional, enquanto princípio de Ordem Econômica, previsto pelo art. 170, inciso I, da Constituição Federal.
Para tanto, ter-se-ia de assumir o conceito de princípio da soberania nacional40 adotado por Eros Roberto Grau, que assim ensina:
“A Constituição cogita, aí, da soberania econômica, o que faz após ter afirmado, excessivamente – pois sem ela não há Estado – a soberania política, no art. 1º, como fundamento da República Federativa do Brasil, e, no art. 4º, I, a independência nacional, como princípio a reger suas relações internacionais.
A afirmação da soberania nacional econômica não supõe o isolamento econômico, mas antes, pelo contrário, a modernização da economia – e da sociedade – e a ruptura de nossa situação de dependência em relação às sociedades desenvolvidas.
(...)
Afirmar a soberania econômica nacional como instrumento para a realização do fim de assegurar a todos existência digna e como objetivo particular a ser alcançado é definir programa de políticas públicas voltadas – repito – não ao isolamento econômico, mas a viabilizar a participação da sociedade brasileira, em condições de igualdade, no mercado internacional.”41
De igual toada são as considerações do Professor Luís Eduardo Schoueri, que, assim, como Eros Roberto Grau, considera que a soberania econômica é decorrência mesmo da soberania nacional do país e que revela a autonomia que o país deve ter para “decidir sobre a melhor forma de alocação de seus fatores de produção”42. O Professor Luís Eduardo Schoueri, enfim, concorda que soberania econômica não implica isolamento do país, mas sim “busca constante de redução de dependência do estrangeiro”43.
José Afonso da Silva, por sua vez, traça interessante paralelo entre o princípio da soberania econômica nacional e a adoção pela Constituição Federal do “capitalismo nacional autônomo”. Assim, relaciona tal princípio à busca pelo “desenvolvimento autocentrado, nacional e popular”, que não se confunde com “isolamento ou autarquização econômica”44.
Tomando como premissas que o conceito de soberania econômica nacional perfaz-se a partir do implemento da autonomia do mercado nacional, é possível inferir que medidas desenvolvimentistas podem ser encampadas pelo princípio da soberania econômica nacional.
Sendo assim, assumindo-se, para os fins deste estudo45, que os efeitos econômicos elencados na Exposição de Motivos, de fato, contribuem para o desenvolvimento do mercado nacional, entende-se que o estímulo conferido pela norma tributária veiculada pelo art. 1º da Lei 11.312/2006 promove o princípio da soberania econômica nacional.
Em vista do exposto, é de se concluir que a norma tributária indutora analisada adéqua-se à Ordem Econômica da Constituição de 1988. Como, entretanto, essa norma gera uma situação anti-isonômica entre investidores residentes e não residentes, passa-se a analisar os contornos do princípio da igualdade tributária, para, em seguida, avaliar a conformação dessa norma com o Direito Tributário.
5. Princípio da Igualdade Tributária
Parece unânime entre os justributaristas a ideia de que a igualdade tributária não é sinônima de identidade tributária. “A igualdade, diferentemente da identidade, é relativa”46, no que se exige a adoção de critério de comparação47. O que se quer dizer que é a igualdade compreende, como diria Humberto Ávila, “uma relação entre dois ou mais sujeitos em razão de um critério que atende a uma finalidade”48.
Assim, é possível afirmar que o princípio da igualdade se concretiza a partir da seleção de um critério de comparação49. Em consonância com as lições de Schoueri50, Joachim Lang e Klaus Tipke, ensinam, por sua vez, que se deve adotar um critério de diferenciação relacionado à finalidade da norma analisada51.
Ainda com base nessas premissas é que Humberto Ávila muito bem destrincha a igualdade como uma relação comparativa entre sujeitos a partir de uma medida de comparação, que é identificada, no caso concreto, por elementos indicativos de comparação e é embasada numa finalidade de comparação52.
Mais adiante, Ávila pontua que a questão central da relação de igualdade é precisamente a escolha de uma medida de comparação que seja relevante. Antes de tudo, a medida de comparação deve embasar-se numa diferenciação real, factual existente entre os sujeitos. Caso contrário, a medida de comparação decorrerá de motivos meramente subjetivos e será, portanto, arbitrária.
Por outro lado, ao afirmar que a medida de comparação deva ser relevante, o Professor Humberto Ávila pretende esclarecer que a medida de comparação deve ser “pertinente à finalidade que justifica sua utilização”. É dizer:
“(...) considera-se pertinente aquela medida de comparação avaliada por elementos cuja existência esteja relacionada com a promoção da finalidade que justifica sua escolha. Uma medida é pertinente quando ela se vale de elementos que, presentes, provocam efeitos que contribuem para a promoção da finalidade; uma medida é impertinente quando sua existência nada diz quanto à promoção da finalidade normativa.”53
Por outro lado, Humberto Ávila sustenta que, selecionada a medida de comparação, deve o legislador escolher um elemento indicativo de medida de comparação que apresente relação conjugada com a medida de comparação eleita. Ou seja, é preciso selecionar alguma propriedade dos sujeitos que mais concretamente revele relação com a medida de comparação, com o critério de comparação eleito para estabelecer a relação de igualdade54.
Numa conclusão parcial, enfim, o jurista aponta que, para que se realize a igualdade, é necessário que se constate que: (i) a medida de comparação decorra de alguma propriedade realmente existente; (ii) haja relação de pertinência entre a medida de comparação e a finalidade que lhe serve de justificativa; e (iii) haja relação fundada e conjugada entre a medida de comparação e seu elemento indicativo.
A questão fundamental, no entanto, que orienta a escolha da medida de comparação, ou seja, do critério de diferenciação, é justamente a finalidade que justifica tal comparação. Se a medida de comparação deve guardar relação de pertinência com dada finalidade, esta deve necessariamente representar uma finalidade constitucionalmente válida. Veja-se:
“Sobre isso, convém enfatizar que o aplicador da igualdade, ou quem pretenda sê-lo, deve, em primeiro lugar, demonstrar o suporte constitucional de validade da finalidade escolhida. Não é qualquer finalidade que pode ser objeto de promoção, mas uma finalidade cuja persecução seja constitucionalmente prescrita.”55
Neste sentido, é possível entender que as diversas finalidades tributárias contempladas pela Constituição de 1988 podem ser identificadas em duas espécies: (i) nas normas de finalidade fiscal; e (ii) nas normas de finalidade extrafiscal – embora, como já expusemos em momento anterior, nem sempre as normas sejam puramente fiscais e extrafiscais e possam atender a ambas as funções.
Assim, as normas de função primordialmente fiscal “visam primariamente a arrecadar receitas para o Estado e, em virtude disso, repartem os encargos com base em medidas de comparação por elementos presentes nos próprios contribuintes”56. Neste caso, a medida de comparação utilizada pelo legislador deve ser a capacidade contributiva apresentada por cada um dos contribuintes. Essa não só é uma medida de comparação que guarda pertinência com a finalidade constitucional de arrecadar recursos ao Estado, como é mesmo medida de comparação imposta pela Constituição Federal.
As normas de função extrafiscal, por outro lado, “consideradas como aquelas que visam a atingir algum fim público autônomo (...) distribuem as obrigações mediante o emprego de medidas de comparação estimadas por elementos existentes fora do universo pessoal do contribuinte”57 e que guardem relação de pertinência com a finalidade especificamente perseguida por tal norma de efeito indutor. Assim, por exemplo, se a norma extrafiscal busca fomentar a proteção ao meio ambiente, a medida de comparação atenderá a esse fim externo58 e diferenciará os contribuintes com base, talvez, no seu potencial poluidor e não mais exclusivamente na sua capacidade contributiva.
Não se pretende com isso afirmar que as normas de finalidade extrafiscal possam repartir a carga tributária entre contribuintes sem atentar para a sua respectiva capacidade contributiva. O que se quer dizer é que, nesses casos, a capacidade contributiva funcionará como parâmetro que demarca os limites impostos pela vedação ao confisco e o respeito ao mínimo existencial59, sem impedir a utilização de outra medida de comparação. Esta – frise-se – deverá atender à finalidade extrafiscal almejada, que, por sua vez, deve ser constitucionalmente válida.
Identificada, portanto, uma norma de finalidade extrafiscal válida e de medida de comparação pertinente, ter-se-á invariavelmente o afastamento, como ensina Humberto Ávila, do ideal de igualdade particular, de tal sorte que esse afastamento impõe que a tributação gerada por tal norma extrafiscal se submeta ao controle de proporcionalidade60 – como será demonstrado no capítulo a seguir.
Por todo o exposto, é possível concluir que toda norma de finalidade extrafiscal oporá o princípio da igualdade a outro princípio – que deve consubstanciar uma finalidade constitucionalmente válida. Desta forma, os efeitos indutores dessa norma estarão sujeitos ao controle de extrafiscalidade pelo princípio da igualdade tributária, ponderado com princípio constitucional que legitime a medida extrafiscal.
6. Relativização do Princípio da Igualdade Tributária e Ponderação de Princípios
Com base nas premissas teóricas adotadas com relação ao conceito de igualdade tributária (destrinchada pelos elementos identificados por Humberto Ávila), passamos, no presente momento, a analisar concretamente se o princípio da igualdade tributária foi observado na edição do enunciado prescritivo do art. 1º da Lei 11.312/200661 e a investigar o controle de extrafiscalidade a que norma decorrente desse dispositivo deve submeter-se.
Para tanto, cumpre, num primeiro momento, pontuar que os sujeitos envolvidos na relação que se analisa no presente momento são precisamente os investidores não residente e residente que aplicam seus recursos em títulos da dívida pública federal.
Disso, já se pode inferir, num passo adiante, que a principal medida de comparação utilizada nessa relação é a residência do investidor, de tal sorte que se prevê tratamento fiscal diferenciado para o investidor residente no Brasil ou no exterior.
É bem verdade que, paralelamente, a Lei 11.312/2006 prevê outras medidas de comparação secundárias que se colocam entre os próprios não residentes (e não entre o investidor não residente e o residente), para aplicação da alíquota zero de IRRF, quais sejam: (i) o investidor não residente não deve ter domicílio ou residência em país que não tribute a renda ou a tribute sob alíquota máxima de 20%; (ii) o não residente deve adquirir títulos públicos federais em consonância com as regras estipuladas pela Resolução CMN 4.313/2014; e (iii) os títulos públicos adquiridos não podem ter compromisso de revenda.
Como se pode observar, esses critérios diferenciam os investidores não residentes entre si, no que não pertencem à relação entre não residente e residente. Por esta razão, essas medidas não serão exploradas neste trabalho, mas apenas mencionadas por uma questão de rigor científico.
Identificada a principal medida de comparação tomada no presente caso, cumpre analisar se tal medida guarda relação de pertinência com a finalidade da norma. Tomando-se, enfim, como pressuposto que a norma em comento tem como finalidade atrair o capital estrangeiro para o mercado de títulos públicos federais – como se depreendeu da análise da Exposição de Motivos 17/2006 – parece que não caberia outra medida de comparação senão a da residência do investidor. Não parece haver critério mais pertinente para diferenciar o investidor residente do não residente que não a própria residência fiscal destes.
Já no que toca à análise do elemento indicativo de medida de comparação, é preciso mencionar que, embora ele não esteja evidente no enunciado normativo, ele acaba compondo a norma por uma interpretação sistemática deste dispositivo com os dispositivos que disciplinam a residência fiscal no Brasil. É dizer: se a medida de comparação se encontra no fato de o investidor possuir ou não residência no exterior, então o elemento indicativo desta medida está exatamente nos requisitos legais62 de definição de domicílio fiscal no Brasil. Como os requisitos da lei indicam precisamente quem é e quem não é residente no Brasil para fins fiscais, não havendo questionamentos quanto a esses requisitos, parece demonstrada a relação fundada e conjugada desse elemento indicativo com a própria medida de comparação.
Como bem aponta Humberto Ávila, no entanto, para análise da igualdade tributária, não basta identificar a pertinência da medida de comparação para com a finalidade almejada, nem a relação fundada e conjugada entre o elemento indicativo de medida de comparação e tal medida. É preciso, portanto, buscar o subsídio que atribui validade, perante nosso sistema constitucional, à finalidade almejada pela norma.
À parte os fundamentos econômicos e políticos para o estímulo ao capital estrangeiro que – como já se asseverou – não fazem parte deste trabalho, é possível apontar uma finalidade de Ordem Econômica para tais medidas de estímulo. Como amplamente demonstrado acima, medidas desenvolvimentistas podem ser encampadas pelo princípio da soberania econômica nacional e, nesta toada, pode-se admitir que o estímulo ao capital estrangeiro atenda a tal princípio.
Repise-se, porém, que, para tanto, ter-se-á de admitir que o estímulo ao capital estrangeiro compreende uma medida que, ao menos em tese, fomentará o desenvolvimento do mercado nacional, o que, evidentemente, pode comportar os mais diversos questionamentos econômicos e políticos. Essa presunção, portanto, é aceita, sem maior aprofundamento, por este estudo apenas para que se proceda à ponderação entre essa finalidade constitucional de Ordem Econômica e a isonomia tributária63.
A se seguir, portanto, essa presunção, a norma que confere o estímulo tributário para que o não residente adquira títulos públicos federais apresenta finalidade constitucional.
A questão que remanesce, entretanto, é se essa finalidade constitucional compreende, em si, fundamento suficiente para relativizar a isonomia tributária. Afinal, é evidente que o tratamento tributário conferido ao não residente pelo art. 1º da Lei 11.312/2006 gera uma situação anti-isonômica com relação ao investidor residente que aplica seus recursos nos mesmos títulos públicos.
Neste mesmo sentido, Elidie Bifano, em exaustivo estudo sobre o Imposto sobre a Renda no mercado financeiro, apontou a necessidade de se averiguar se a tributação mais branda do não residente, neste caso, possui respaldo constitucional64.
Ainda, João Victor Guedes Santos fez questionamento mais amplo ao tratar do regime tributário mais benéfico previsto ao investidor não residente que aplica seus recursos no mercado de capitais brasileiro em relação a investidor residente. Sobre o assunto admitiu que parece haver, a princípio, quebra da isonomia tributária que, no entanto, pode não ser inconstitucional, caso se admita que a relativização da igualdade tributária decorre da aplicação de outro princípio constitucional65.
Diante desse choque entre o princípio da soberania econômica nacional e o da igualdade tributária, é de se observar o dever de proporcionalidade aplicável para os casos de colisão de princípios66 e como forma de controle da extrafiscalidade. Neste sentido, Ávila ensina:
“As observações precedentes permitem verificar os reflexos da finalidade extrafiscal escolhida para a justificação do tratamento desigual: para afastar a presunção de igualdade, não é suficiente justificar; é preciso confirmar que a medida do distanciamento da igualdade é proporcional; e, para evidenciá-lo, é preciso comprovar que a medida produz efeitos que contribuem para a realização gradual da finalidade extrafiscal (exame da adequação), que a medida é a menos restritiva aos direitos envolvidos, dentre aquelas que poderiam ter sido utilizadas para atingir a finalidade extrafiscal (exame da necessidade), não são desproporcionais aos seus efeitos negativos, estimados pelo grau de importância e de promoção da finalidade igualitária (exame de proporcionalidade em sentido estrito). Não sendo assim, defraudada está a realização da igualdade.”67
Martha Leão faz interessante consideração a este respeito e admite, ainda, que o controle da extrafiscalidade, por meio da ponderação de princípios, deve ser aplicado mesmo nos casos em que se está diante de uma norma tributária indutora benéfica, ou seja, aquela “vinculada a concessão de um determinado benefício fiscal”, como acontece no caso do art. 1º da Lei 11.312/2006. Isso porque, também nesses casos pode haver restrição de direitos fundamentais dos contribuintes, especialmente, daqueles que não são contemplados pelo benefício68.
Sem maiores comentários a respeito da natureza do expediente da ponderação de princípios, assumi-lo-emos como postulado da ponderação dos princípios conforme a visão de Humberto Ávila69. Assim, passar-se-á a analisar se o tratamento fiscal mais benéfico conferido ao não residente pelo art. 1º da Lei 11.312/2006 guarda relação de: (i) adequação com o princípio da soberania econômica nacional; (ii) necessidade; e (iii) proporcionalidade em sentido estrito com o princípio da igualdade tributária.
Em exame de adequação, é de se aceitar, por todo exposto, que o benefício fiscal concedido é adequado. Afinal, parece fomentar o princípio da soberania econômica nacional, na medida em que se presume que a atração do capital estrangeiro ao mercado de títulos públicos federais gerará externalidades positivas no desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro e, por conseguinte, contribuirá para o fortalecimento do mercado interno e promoção do bem-estar social.
Por outro lado, há de se ressalvar que, caso se demonstre que essa medida não estimula a atração do capital estrangeiro, ou mesmo que a maior participação do capital estrangeiro no mercado de títulos públicos federais não traz as ditas externalidades positivas e não contribui para o desenvolvimento da autonomia da economia nacional, então, os efeitos indutores da norma tributário em exame não estarão respaldados por finalidade constitucional e, assim, não serão adequados.
Admitindo-se superado o exame da adequação, passa-se ao exame da necessidade, pelo qual há de se averiguar se o benefício fiscal concedido ao investidor não residente é a medida que estimula a atração do capital externo ao mercado de dívida pública gerando a menor lesão possível ao princípio da igualdade tributária.
Para tanto, é necessário analisar concretamente se essa medida é a melhor possível, considerando o choque dos princípios da soberania econômica nacional e da igualdade tributária, ou se outra poderia ser concebida; trata-se da busca por medida ótima na confrontação desses dois princípios.
Veja-se, neste sentido, que não existe qualquer medida de comparação que diferencie os investidores não residentes quanto ao tipo de investimento em título público realizado. É dizer, aplica-se o IRRF à alíquota de 0% irrestritamente ao não residente que invista em títulos de curto ou longo prazo ou mesmo ao não residente que aplica em títulos pré ou pós-fixados. E essa diferença é relevante?
Se a política a ser adotada – conforme confessado na própria Exposição de Motivos – é a de trabalhar no alongamento da dívida, estimulando a aquisição de títulos de longo prazo, e na melhora de sua qualidade, incentivando os títulos pré-fixados, parece que essa diferença é, sim, relevante.
Pela política atual, todo e qualquer investimento estrangeiro em título público federal está sendo estimulado – a custo de tratamento anti-isonômico com relação ao investidor residente. Com isso, o não residente que investe em títulos de curto prazo e em títulos pós-fixados – que podem gerar, inclusive, efeito inflacionário e de desestímulo ao mercado de crédito70 – tem tratamento fiscal mais benéfico do que o investidor residente, por exemplo, que aplica em títulos pré-fixados e de longo prazo que, portanto, atendem às diretrizes de melhora do perfil da dívida pública.
O que se pretende com esse exemplo é demonstrar que o benefício fiscal concedido pelo art. 1º da Lei 11.312/2006 não foi desenhado da forma mais eficiente e justa possível. Outras medidas poderiam igualmente fomentar o investimento estrangeiro no mercado de títulos públicos sem ser tão lesivo ao princípio da igualdade.
É de se imaginar, por exemplo, a hipótese em que a alíquota zero de IRRF fosse conferida ao não residente que investisse em títulos pré-fixados e de longo prazo. Seria, ainda, possível prever a incidência de IRRF a alíquotas regressivas menores ao investidor não residente que, poderiam variar, por exemplo, de 15% a 0% a depender do tempo para resgate da aplicação. Com este tratamento, os não residentes teriam certamente um estímulo tributário a investir em títulos públicos federais, no que, além disso, a norma incentivaria mais acentuadamente as aplicações de longo prazo.
Enfim, a menos que se imagine que o regime de IRRF à alíquota zero fosse expandido ao investidor residente – o que faria cessar a lesão ao princípio da igualdade tributária – é razoável afirmar que o tratamento fiscal, como atualmente conferido pelo art. 1º da Lei 11.312/2006, não atende ao exame da necessidade do postulado da ponderação de princípios.
Havendo, enfim, uma relação de subsidiariedade entre o exame da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, permitimo-nos não percorrer este exame, uma vez que se entende que a medida do art. 1º da Lei 11.312/2006 sequer atendeu ao exame da necessidade.
6.1. Controle de efeitos indutores pelo cumprimento da finalidade e controle de eficácia
Apesar do protagonismo do postulado da proporcionalidade e do princípio da igualdade tributária como critérios de controle às medidas tributárias caracterizadas pela extrafiscalidade, Martha Leão chama a atenção também para o critério vinculado ao cumprimento da finalidade.
Por este critério, intenta-se controlar as medidas extrafiscais temporárias, arquitetadas para atender a um fim específico e igualmente temporário. Nestes casos, quando a finalidade almejada for alcançada, a norma tributária indutora não mais terá justificativa. “Assim, se o objetivo é o atendimento de um fim, a norma tributária indutora não pode perdurar no tempo de forma eterna, devendo ser temporária, até o cumprimento deste.”71
Esse critério de controle impõe que, a todo tempo, se verifique se a finalidade que embasa uma determinada medida extrafiscal ainda se sustenta ou se já foi devidamente alcançada. É assim que, mais uma vez, Leão ensina que “nesses casos, o cumprimento da finalidade que se visava a atingir e a transitoriedade da norma indutora precisam ser constantemente analisados”72.
Com base, portanto, nesse critério de controle de extrafiscalidade, é possível se questionar a legitimidade do estímulo fiscal conferido pelo art. 1º da Lei 11.312/2006, indagando-se se persiste, ainda hoje, a mesma deficiência de capital estrangeiro no mercado de títulos públicos federais de 2006 ou se as condições já mudaram.
Assim, se a finalidade já tiver sido cumprida, não mais se sustenta o benefício concedido aos não residentes para aplicarem no mercado de títulos públicos federais.
Aliás, associado ao controle de eficácia73 da medida extrafiscal, caberia investigar se, ainda atualmente, o benefício surte algum efeito. Isto é, cumpre analisar se ainda hoje o IRRF à alíquota zero compreende um estímulo ao investidor não residente a aplicar em títulos públicos federais ou se outras questões (como a eventual percepção de maior risco nesse tipo de investimento, por exemplo, ou mesmo a atratividade de outras aplicações) dissuadem o investidor não domiciliado e, portanto, o estímulo fiscal não apresenta mais a mesma eficácia.
Pelo controle da eficácia, o tratamento mais benéfico do não residente perde legitimidade a partir do momento em que ela deixa de ser uma variável relevante na tomada de decisões de investimento a ser realizado pelo não domiciliado e deixa, portanto, de apresentar os efeitos indutores pretendidos quando de sua elaboração.
Em razão disso, é preciso constantemente analisar se o benefício concedido pelo art. 1º da Lei 11.312/2006: (i) ainda surte efeito (indutor) na tomada de decisão do investidor não residente; e, em última medida, (ii) a finalidade que dava respaldo a esse estímulo fiscal já não se realizou.
7. Conclusão
Como se pôde observar ao longo deste estudo, em virtude do novo modelo de “Ordem Econômica”, inserido na Constituição de 1988, tipicamente dirigente, o Estado passou a intervir sobre o domínio econômico sob as mais diversas formas. Entre elas, destacamos a intervenção por meio da tributação como instrumento indutor de comportamento dos agentes econômicos.
Neste sentido, como as normas tributárias indutoras representam tanto um instrumento de intervenção sobre o domínio econômico quanto norma jurídica que prescreve hipótese de incidência de tributo, submetem-se aos ditames das Ordens Econômica e Tributária.
No caso específico do benefício fiscal concedido pelo art. 1º da Lei 11.312/2006, constatou-se a intenção do legislador de estimular a maior participação do capital estrangeiro no mercado de títulos públicos federais. A se assumir a presunção de que o aumento de investimento externo nesse mercado estimulará mercado de capitais brasileiro e contribuirá para o avanço do setor produtivo da economia brasileira de uma forma geral, é possível entender que o benefício fiscal concedido pela Lei 11.312/2006 possui respaldo no princípio da soberania econômica nacional.
Por outro lado, ao se investigar a conformação desse benefício fiscal com o princípio da igualdade tributária, percorreu-se a sua finalidade, bem como a medida de comparação e os elementos indicativos de medida de comparação utilizados por tal norma tributária indutora. Ainda, em contraponto ao princípio da igualdade tributária, constatou-se, por meio do postulado da ponderação dos princípios, que essa medida extrafiscal, embora seja adequada à promoção do princípio da soberania econômica nacional, não vence o exame da necessidade.
O comando extraído do art. 1º da Lei 11.312/2006 revela medida que não é a que melhor atende às finalidades da própria norma – uma vez que poderia prever mecanismos específicos para estimular o investimento em títulos públicos federais prefixados e de longo prazo – e, por sua vez, não é a que menos agride a isonomia tributária.
No mais, o controle da eficácia e o cumprimento de finalidade, enquanto critérios de controle de medidas extrafiscais, evidenciam também a ilegitimidade da concessão do tratamento de alíquota zero de IRRF ao investidor não residente que aufere rendimentos decorrentes de títulos públicos federais.
Diante de todo exposto, conclui-se que: (i) ou bem o legislador expurga o tratamento desigual entre não residentes e residentes e expande a estes últimos o tratamento mais benéfico de IRRF; (ii) ou revoga o benefício do não residente; (iii) ou, ainda, remodela o benefício para torná-lo medida extrafiscal que, submetida à ponderação do princípio da soberania econômica nacional com o princípio da igualdade tributária, vença os exames da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Caso contrário, a norma manterá injustificada relativização do princípio da igualdade tributária e padecerá de inconstitucionalidade.
8. Referências Bibliográficas
ADAMY, Pedro. Instrumentalização do direito tributário. In: ÁVILA, Humberto (org.). Fundamentos do direito tributário. Madrid: Marcial Pons, 2012.
AMARAL, Rafael Quevedo; OREIRO, José Luis. A relação entre o mercado de dívida pública e a política monetária no Brasil. Revista de Economia Contemporânea. Rio de Janeiro: Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, v. 12, n. 3, set.-dez. 2008.
ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
–. Teoria da igualdade tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2015.
–. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
BENTO, Paulo Marcelo de Oliveira et al. Manual de tributação no mercado financeiro. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
BIFANO, Elidie Palma. O mercado financeiro e o Imposto sobre a Renda. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2011.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra: Editora Coimbra, 1994.
CARRAZZA, Roque Antonio. O perfil constitucional do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza: Imposto sobre a Renda (perfil constitucional e temas específicos). São Paulo: Malheiros, 2005.
FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
FORTUNA, Eduardo. Mercado financeiro: produtos e serviços. 17. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2008.
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (interpretação e crítica). 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2015.
LEÃO, Martha Toribio. Contributo para o estudo da extrafiscalidade: a importância da finalidade na identificação das normas tributárias extrafiscais. Revista Direito Tributário Atual. São Paulo: Dialética e IBDT, v. 34, 2015.
–. Controle da extrafiscalidade. Série DoutrinaTributária, v. XVI. São Paulo: Quartier Latin, 2015.
MARINESI, Fabio Alves, BARROS, Franciny de. Investimentos em renda fixa: tributação. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de; CANADO, Vanessa Rahal (coords.). Tributação dos mercados financeiro e de capitais e dos investimentos estrangeiros. Série GV Law. São Paulo: Saraiva, 2011.
MEIRA, Thais de Barros. Principais aspectos fiscais relacionados ao investimento estrangeiro no Brasil. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de; CANADO, Vanessa Rahal (coords.). Tributação dos mercados financeiro e de capitais e dos investimentos estrangeiros. Série GV Law. São Paulo: Saraiva, 2011.
MOSQUERA, Roberto Quiroga. O regime jurídico-tributário das participações societárias – ganho de capital, juros sobre capital próprio e dividendos. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga (coord.). O direito tributário e o mercado financeiro e de capitais. São Paulo: Dialética, 2009.
–. Tributação no mercado financeiro e de capitais. 2. ed. São Paulo: Dialética, 1999.
NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. 3. ed. São Paulo: RT, 2001.
PORCHAT, Décio. Mercados financeiro e de capitais: investimentos em renda fixa. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de; CANADO, Vanessa Rahal (coords.). Tributação dos Mercados financeiro e de capitais e dos investimentos estrangeiros. Série GV Law. São Paulo: Saraiva, 2011.
SANTOS, João Victor Guedes. Teoria da tributação e tributação da renda nos mercados financeiro e de capitais. Série Doutrina Tributária, v. VIII. São Paulo: Quartier Latin, 2013.
SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
–. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
SELMER, Peter. Steuerinterventionismus und Verfassungsrecht. Frankfurt am Main: Athenäum Verlag, 1972.
SICSÚ, João (org.). Arrecadação: de onde vem? E gastos públicos: para onde vão? São Paulo: Boitempo, 2007.
SILVA, Anderson Caputo; CARVALHO, Lena Oliveira; MEDEIROS, Otavio Ladeira de (orgs.). Dívida pública: a experiência brasileira. Brasília: Secretaria do Tesouro Nacional, Banco Mundial, 2009. Disponível em: <http://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/243489/Livro+da+D%C3%ADvida+P%
C3%BAblica+A+Experi%C3%AAncia+Brasileira/286e0616-6931-4e37-9174-b5cdce84a10f>.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
TIPKE, Klaus. Die Steuerrechtsordnung. Köln: Otto Schmidt, 1993. v. 1.
–. Princípio de igualdade e ideia de sistema no direito tributário. In: MACHADO, Brandão (coord.). Direito tributário: estudos em homenagem ao professor Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, 1984.
–; LANG, Joachim. Steuerrecht. 21. ed. Köln: Verlag Dr. Otto Schmidt, 2013.
Legislação
BRASIL. Decreto 3.000, de 26 de março de 1999. Regulamento do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza.
BRASIL. Exposição de Motivos 17/2006. Ministério da Fazenda relativa à Medida Provisória 281/2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Exm/EM-17-MF.htm>.
BRASIL. Receita Federal do Brasil. Imposto sobre a renda – pessoa física: perguntas e respostas. Brasília, 2016. Disponível em:
<http://idg.receita.fazenda.gov.br/interface/cidadao/irpf/2016/perguntao/irpf2016perguntao.pdf>.
BRASIL. Lei 11.312, de 27 de junho de 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11312.htm>.
1 SILVA, Anderson Caputo; CARVALHO, Lena Oliveira; MEDEIROS, Otavio Ladeira de (orgs.). Dívida pública: a experiência brasileira. Brasília: Secretaria do Tesouro Nacional, Banco Mundial, 2009, p. 17 e p. 58. Disponível em: <http://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/243489/Livro+da+D%C3%ADvida+P%C3%BAblica+A+Experi%C3%AAncia+Brasileira/286e0616-6931-4e37-9174-b5cdce84a10f>.
FORTUNA, Eduardo. Mercado financeiro: produtos e serviços. 17. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2008, p. 70.
2 SILVA, Anderson Caputo; CARVALHO, Lena Oliveira; MEDEIROS, Otavio Ladeira de (orgs.). Dívida pública: a experiência brasileira. Brasília: Secretaria do Tesouro Nacional, Banco Mundial, 2009, p. 68. Disponível em: <http://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/243489/Livro+da+D%C3%ADvida+P%C3%BAblica+A+Experi%C3%AAncia+Brasileira/286e0616-6931-4e37-9174-b5cdce84a10f>.
3 “Atualmente, os títulos públicos federais em negociação são os seguintes: (i) Letras do Tesouro Nacional (LTN); (ii) Letras Financeiras do Tesouro (LFT); e (iii) Notas do Tesouro Nacional (NTN), séries B, C e F. A diferença entre os títulos públicos federais está vinculada: (i) à forma de remuneração dos mesmos, se prefixada ou pós-fixada, bem como (ii) ao fluxo de pagamentos de juros e principal.” (PORCHAT, Décio. Mercados financeiro e de capitais: investimentos em renda fixa. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de; CANADO, Vanessa Rahal (coords.). Tributação dos mercados financeiro e de capitais e dos investimentos estrangeiros. Série GV Law. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 26-54, p. 42-43)
4 SILVA, Anderson Caputo; CARVALHO, Lena Oliveira; MEDEIROS, Otavio Ladeira de (orgs.). Dívida pública: a experiência brasileira. Brasília: Secretaria do Tesouro Nacional, Banco Mundial, 2009. Disponível em: <http://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/243489/Livro+da+D%C3%ADvida+P%C3%BAblica+A+Experi%C3%AAncia+Brasileira/286e0616-6931-4e37-9174-b5cdce84a10f>.
5 Neste sentido: SICSÚ, João (org.). Arrecadação: de onde vem? E gastos públicos: para onde vão? São Paulo: Boitempo, 2007.
6 A resposta 652 das “Perguntas e Respostas” do site da Receita Federal relativa ao preenchimento da Declaração de Imposto sobre a Renda da Pessoa Física, exercício 2016, expressamente inclui os títulos públicos federais no rol das aplicações de renda fixa. Veja-se: “Compõe-se de ativos de renda fixa aqueles cuja remuneração ou retorno de capital pode ser dimensionado no momento da aplicação. Os títulos de renda fixa são públicos ou privados, conforme a condição da entidade ou empresa que os emite. Como títulos de renda fixa públicos citam-se as Notas do Tesouro Nacional (NTN), os Bônus do Banco Central (BCB), os Títulos da Dívida Agrária (TDA), bem como os títulos estaduais e municipais. (...)” (BRASIL. Receita Federal do Brasil. Imposto sobre a renda – pessoa física: perguntas e respostas. Brasília, 2016. Disponível em: <http://idg.receita.fazenda.gov.br/interface/cidadao/irpf/2016/perguntao/irpf2016perguntao.pdf>)
Ainda sobre o assunto, Quiroga traz didática definição do que se considera renda fixa e ensina: “Assim, uma determinada operação será considerada de ‘renda fixa’ quando da sua realização houver estipulação de remuneração de juros, não a tornando sujeita, portanto, a variações de natureza aleatória. Nas aplicações de renda fixa, há necessidade de se estipular a remuneração quando da contratação da operação. Nessa oportunidade, as partes contratantes já fixam o valor, em percentuais, da renda a ser auferida, não havendo qualquer hipótese de existência de um evento sujeito à álea ou à imprevisibilidade.” (Cf. MOSQUERA, Roberto Quiroga. Tributação no mercado financeiro e de capitais. 2. ed. São Paulo: Dialética, 1999, p. 185) Em outra oportunidade, o Professor Roberto Quiroga expôs nova lição sobre os rendimentos decorrentes de aplicações de renda fixa. Confira-se: “os juros decorrentes de aplicações de renda fixa (...) não estão sujeitos a nenhuma dessas incertezas, isto é: (a) são certos, no sentido de que não são dependentes de nenhum outro evento, além do que foi contratado, para a existência da renda; e (b) são estipulados em quantia fixa ou percentual fixo sobre um determinado capital aplicado. Portanto, os juros não estão atrelados a nenhuma espécie de vetor de variabilidade ou imprevisibilidade, como estão os dividendos.” (Cf. MOSQUERA, Roberto Quiroga. O regime jurídico-tributário das participações societárias – ganho de capital, juros sobre capital próprio e dividendos. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga (coord.). O direito tributário e o mercado financeiro e de capitais. São Paulo: Dialética, 2009, p. 415-431 (429-430))
7 BENTO, Paulo Marcelo de Oliveira et al. Manual de tributação no mercado financeiro. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 77.
8 “A instituição de alíquotas regressivas do IRRF, em que quanto maior o tempo em que os recursos permanecem aplicados, menor a alíquota aplicável, resultou do objetivo de incentivar as aplicações financeiras de longo prazo.” (MARINESI, Fabio Alves; BARROS, Franciny de. Investimentos em renda fixa: tributação. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de; CANADO, Vanessa Rahal (coords.). Tributação dos mercados financeiro e de capitais e dos investimentos estrangeiros. Série GV Law. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 83-104, p. 95)
9 Interessante crítica à tributação exclusivamente na fonte – e, portanto, definitiva – sobre os rendimentos decorrentes de aplicações de renda fixa é feita por Elidie Palma Bifano. Cf. BIFANO, Elidie Palma. O mercado financeiro e o Imposto sobre a Renda. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 234-235. Assim também se pronunciou Carrazza que, ao tratar do princípio da universalidade aplicável ao Imposto sobre a Renda, fez breve comentário sobre o a retenção definitiva na fonte: “Inconstitucional, a nosso sentir, o sistema de fonte definitivo, em que o recolhimento do IR faz-se de uma única vez, sem a possibilidade de posteriores compensações com prejuízos, despesas necessárias, deduções legalmente autorizadas etc.” (Cf. CARRAZZA, Roque Antonio. O perfil constitucional do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza: Imposto sobre a Renda (perfil constitucional e temas específicos). São Paulo: Malheiros, 2005, p. 64, nota 94)
10 BRASIL. Decreto 3.000, de 26 de março de 1999. Regulamento do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, art. 770, § 2º, II e art. 773, II.
11 BRASIL. Decreto 3.000, de 26 de março de 1999. Regulamento do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, art. 770, §§ 2º e 3º e art. 773, I.
12 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra: Editora Coimbra, 1994, p. 474 e GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (interpretação e crítica). 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 171.
13 Sobre o conceito de “Ordem Econômica” Eros grau revela que: “Em outra ocasião, a descrevi como conjunto de princípios jurídicos de conformação do processo econômico, desde uma visão macrojurídica, conformação que se opera mediante o condicionamento da atividade econômica a determinados fins políticos dos Estados. Tais princípios – prossegui – gravitam em torno de um núcleo, que podemos identificar nos regimes jurídicos da propriedade e do contrato.” (GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (interpretação e crítica). 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 68)
14 Relacionado a este novo papel do Estado, Fabio Nusdeo retrata a mudança de perfil de Constituição: “No entanto, a superação desta visão plácida e otimista, própria do espírito liberal, levou também à superação quase geral da ideia de constituição garantia. As Leis Magnas agora são vistas mais como constituições programa, por explícita ou implicitamente assinarem alguns objetivos ou metas para as comunidades às quais se dirigem ou então preverem que tais metas venham a ser periodicamente estabelecidas, através, por exemplo, de planos tendentes a materializar aspirações tais como o bem-estar, o desenvolvimento, a justiça social, a existência digna, o atendimento às necessidades básicas e assim por diante. Subjacente a elas, existe a consciência de as garantias e liberdades oferecidas no período clássico-liberal, caracterizadoras do Estado de Direito, carecerem de sentido e de viabilidade em sociedades nas quais não se tivesse conseguido assegurar padrões mínimos de existência e de atendimento das necessidades elementares aos seus membros.” (Cf. NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. 3. ed. São Paulo: RT, 2001, p. 202)
15 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 72.
16 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (interpretação e crítica). 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 73.
17 Eros Grau comenta sobre o uso das palavras “intervenção” em contraponto à de “atuação” estatais. De acordo com o jurista, esta tem significado mais amplo, pois “intervenção conota atuação estatal no campo da atividade econômica em sentido estrito; atuação estatal, ação do Estado no campo da atividade econômica em sentido amplo”. Assim “intervenção” seria utilizada para designar a atuação do Estado em campo próprio do setor privado, em que ocorre a atividade econômica em sentido estrito (GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (interpretação e crítica). 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 142-143).
18 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (interpretação e crítica). 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 143.
19 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (interpretação e crítica). 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 143-144.
20 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 46.
21 21 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (interpretação e crítica). 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 145.
22 ADAMY, Pedro. Instrumentalização do direito tributário. In: ÁVILA, Humberto (org.). Fundamentos do direito tributário. Madrid: Marcial Pons, 2012, p. 301-330, p. 307.
23 Schoueri revela que o termo “extrafiscalidade” pode referir-se a gênero com o a espécie, no que pode incluir não só as normas indutoras, mas todas as normas criadas sem razão fiscal e arrecadatória. “Tomando a extrafiscalidade, deve-se notar que o termo pode referir-se a um gênero ou a uma espécie. O gênero ‘extrafiscalidade’ inclui todos os casos não vinculados nem à distribuição equitativa da carga tributária, nem à simplificação do sistema tributário.” (SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 32)
24 LEÃO, Martha Toribio. Controle da extrafiscalidade. Série Doutrina Tributária, v. XVI. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 47.
25 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 17.
26 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 18.
27 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 20. Ainda sobre o assunto, Peter Selmer ensina: “A existência de uma tendência de indução objetiva não basta para poder responder conclusivamente pelo caráter intervencionista da norma tributária. Como fundamento de reconhecimento de captura, em caso isolado, de finalidades perseguidas interessam, sobretudo, as Exposições de Motivos, as atas parlamentares. Significativos também são o contexto e as circunstâncias em que se deu a iniciativa de lei tributária.” Tradução livre do original: “Das Vorhandensein einer ‘objektiven Lenkunstendez’ genügt für sich allein allerdings nicht, um die Frage nach dem interventionistischen Charakter einer Besteuerungsnorm abschließend beantworten zu können. (...) Als Erkenntnisgrundlagen für die Erfassung der im Einzelfall verfolgten Zwecke kommen vor allem in Betracht die (…) amtlichen Begründungen der Gesetzesvorlagen (…), die parlamentarischen Sitzungsprotokolle (...). Von Bedeutung sind auch Zeitpunkt und Umstände der Steuergesetzgebungsinitiative.” (SELMER, Peter. Steuerinterventionismus und Verfassungsrecht. Frankfurt am Main: Athenäum Verlag, 1972, p. 66 e 68)
28 O professor Tercio Sampaio Ferraz Jr. fala então em “funções eficaciais das normas jurídicas”: “A eficácia, no sentido técnico, tem a ver com a aplicabilidade das normas como uma aptidão mais ou menos extensa para produzir efeitos. Como esta aptidão admite graus, podemos dizer que a norma é mais ou menos eficaz. Para aferir o grau de eficácia, no sentido técnica, é preciso verificar quais as funções da eficácia no plano da realização normativa. Essas funções podem ser chamadas funções eficaciais.” (Destaques no original). Cf. FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 168.
29 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 30.
30 Neste sentido, vejam-se as considerações de Martha Leão: “Reconhecemos, portanto, as normas tributárias extrafiscais como aquelas cuja função precípua seja a utilização do tributo como mecanismo de intervenção sobre o domínio econômico, social ou político, cabendo-lhes servir de instrumento para a concretização das finalidades públicas preconizadas pela Constituição Federal de 1988.” (LEÃO, Martha Toribio. Contributo para o estudo da extrafiscalidade: a importância da finalidade na identificação das normas tributárias extrafiscais. Revista Direito Tributário Atual. São Paulo: Dialética e IBDT, v. 34, 2015, p. 303-325 (308-309))
31 LEÃO, Martha Toribio. Contributo para o estudo da extrafiscalidade: a importância da finalidade na identificação das normas tributárias extrafiscais. Revista Direito Tributário Atual. São Paulo: Dialética e IBDT, v. 34, 2015, p. 303-325 (314).
32 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 225.
33 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 228-229.
34 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 231.
35 BRASIL. Exposição de Motivos 17/2006. Ministério da Fazenda relativa à Medida Provisória 281/2006.
36 Ibidem.
37 Ibidem.
38 Ibidem.
39 Ibidem.
40 Note-se que não se está adotando, aleatoriamente, um conceito de princípio de soberania econômica nacional, mas a partir de argumentos sistemáticos, que pretendem contextualizá-lo dentro da lógica jurídica, sistemática da própria Constituição Federal de 1988. Humberto Ávila, ao tratar da importância da teoria da argumentação para a interpretação dos conceitos, ensina: “Os conceitos não estão prontos no dispositivo objeto de interpretação. Eles são, na verdade, coerentemente reconstruídos pelo intérprete com base em argumentos linguísticos, sistemáticos, genéticos, históricos e meramente práticos. Como a Constituição estabelece o sobreprincípio do Estado de Direito como sendo fundamental, o intérprete, dentre as várias decisões de interpretação que se lhe apresentam, deve atribuir, em nome dos subprincípios da separação dos poderes, da segurança jurídica e da legalidade, prevalência dos argumentos linguísticos e sistemáticos, pois eles se baseiam na primazia do que é objetivável no ordenamento jurídico frente àquilo que deixou de sê-lo. (...) Sendo assim, vê-se que os subprincípios do sobreprincípio do Estado de Direito desempenham um papel importante para a própria interpretação e aplicação do Direito. (...). Isso significa que os argumentos linguísticos e sistemáticos têm precedência ‘relativa’ sobre todos os outros argumentos.” (Cf. ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 213 e 215) Valendo-se, enfim, de argumentos sistemáticos, é possível afirmar que a interpretação ora proposta para o princípio da soberania econômica nacional é a que mais se adéqua aos princípios fundamentais elencados no art. 1º, inciso I, e no art. 4º, inciso I, da Constituição Federal, de tal sorte que o conceito proposto conforma-se aos valores que inspiram a República de uma forma geral.
41 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (interpretação e crítica). 17. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 225-227.
42 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 90.
43 Ibidem.
44 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 33. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 792-793.
45 Os alegados efeitos econômicos do estímulo à ampliação do capital estrangeiro no mercado de títulos de dívida pública federal compreendem suposições tomadas por este estudo, que, para investigar os fundamentos jurídicos desse tipo de estímulo, admite que tais efeitos sejam reais sem investigar considerações econômicas.
46 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 317 e TIPKE, Klaus. Die Steuerrechtsordnung. Köln: Otto Schmidt, 1993. v. I, p. 339-340.
47 TIPKE, Klaus. Princípio de igualdade e ideia de sistema no direito tributário. In: MACHADO, Brandão (coord.). Direito tributário: estudos em homenagem ao professor Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 515-527, p. 520. Tipke fala na adoção de um “princípio” para que se opere a comparação: “Sem um princípio, a comparação não é possível; falta um critério e, portanto, um fundamento para aplicação do mandamento da igualdade. Só se pode julgar se o mandamento da igualdade foi atendido ou ferido com base em um princípio relevante.” Tradução livre do original: “Ohne ein Prinzip ist Vergleichung nicht möglich, fehlt der Anwendung des Gleichheits-satzes der Mastab und damit die Grundlage. Ob der Gleichheitssatz beachtet oder verletzt worden ist, kann nur aufgrund des einschlägigen, relevanten Prinzips beurteilt werden.” (TIPKE, Klaus. Die Steuerrechtsordnung. Köln: Otto Schmidt, 1993. v. I, p. 345)
48 ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 43.
49 “Somente se pode aplicar, portanto, o princípio da igualdade, quando se identifica uma ou mais medidas de comparação.” (SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 274)
50 Schoueri ensina: “Assim como o Princípio da Igualdade encontra-se desatendido quando situações iguais (segundo) um critério são tratadas de modo diferente, do mesmo modo pode-se considerar ferido o Princípio da Igualdade quando não se consegue identificar um critério para o tratamento diferenciado. Neste caso, dir-se-á que houve arbítrio e, portanto, igualmente foi ferido o Princípio da Igualdade.” (Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 342-343)
51 “Como nenhuma pessoa em relação a outra, nenhuma situação em relação a outra é totalmente igual (idêntica), é necessária, para a verificação de um tratamento desigual relevante, a identificação de circunstâncias que sejam essencialmente relacionadas à respectiva finalidade da norma.” Tradução livre do trecho original: “Da kein Mensch dem anderen, keine Situation der anderen vollkommen gleicht (identisch ist), bedarf es zur Feststellung einer relevanten Ungleichbehandlung der Identifikation, der Umstände, die in Bezug auf die jeweiligen Normzweck wesentlich sind.” (Cf. TIPKE, Klaus; LANG, Joachim. Steuerrecht. 21. ed. Köln: Verlag Dr. Otto Schmidt, 2013, p. 91)
52 ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 45.
53 ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 50.
54 “Como a relação entre a medida de comparação e o seu elemento indicativo deve ser de correlação estatiscamente fundada, no sentido de que a (maior ou menor) presença do elemento indicativo deve se correlacionar com a (maior ou menor) existência da medida de comparação – e a correlação deve aumentar, quando aumentar a intensidade do elemento indicativo –, podem existir dois ou mais elementos indicativos de medida de comparação: a existência de um determinado elemento indicativo contribui para a existência da medida de comparação, ao passo que a presença de outro elemento indicativo contribui ainda mais, em termos relevantes e substanciais, para a existência da medida de comparação. Nesse caso, deve ser escolhido o último por ser o mais significativo.” (ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 55)
55 ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 72.
56 ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 67.
57 Ibidem.
58 Ibidem.
59 “(...) em que pese as normas tributárias indutoras se afastem da capacidade contributiva enquanto critério geral, não nos parece possível defender a inexistência de qualquer relação entre extrafiscalidade e capacidade contributiva. Isso porque, mesmo que se justifique a utilização de outro critério para diferenciar os contribuintes, a capacidade contributiva, não poderá ser simplesmente afastada pelo legislador, em nenhum dos dois aspectos. Primeiro, porque ela ainda deverá ser usada como critério para determinar o que é ou não manifestação de riqueza possível de ser atingida pela tributação, simplesmente porque onde não há manifestação de riqueza, não há poder de tributar. E, segundo, porque ela ainda deverá ser usada como critério para determinar em que medida a cobrança poderá ser feita, sem afetar o mínimo existencial necessário para a sobrevivência digna, nem se tornar confiscatória.”
Em outro trecho, Martha Leão conclui: “Além disso, a aplicação da capacidade contributiva servirá para controlar se a norma tributária incide, de fato, sobre uma manifestação de riqueza compatível com a incidência daquela carga tributária, e sem afetar o mínimo existencial e provocar o confisco da propriedade privada. Como referido, a mitigação na aplicação da capacidade contributiva como regra geral de discriminação dos contribuintes só se justifica perante a existência de uma eficácia indutora, que legitime a necessidade de intervenção na ordem vigente e trabalhe, de forma eficaz, para extinguir o cenário de desigualdade que reclama a intervenção política.” (LEÃO, Martha Toribio. Controle da extrafiscalidade. Série DoutrinaTributária, v. XVI. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 113 e 135)
60 “Quando, porém, os tributos se destinarem a atingir uma finalidade extrafiscal, porque instituídos com o fim prevalente de atingir fins econômicos ou sociais, a medida de comparação não será a capacidade contributiva. Ela deverá corresponder a um elemento ou propriedade que mantenha relação de pertinência, fundada e conjugada, com a finalidade eleita. (...)
Fala-se em fim externo. Como tal, o fim externo é aquele perceptível fora do âmbito jurídico.
A instituição de um tributo com finalidade extrafiscal, no entanto, fará com que o ente estatal se afaste, em maior ou menor medida, do ideal de igualdade particular preliminarmente instituído. Esse afastamento faz com que a tributação se submeta a outro tipo de controle: o controle da proporcionalidade.” (ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 167)
61 BIFANO, Elidie Palma. O mercado financeiro e o Imposto sobre a Renda. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 239-240.
62 Apenas a título de esclarecimento, pois este não é o escopo deste trabalho, tem-se que “o conceito de domicílio tributário é encontrado no art. 127, inc. I, do Código Tributário Nacional, o qual estabelece que, na falta de eleição pelo contribuinte ou responsável, de domicílio tributário, será considerado como tal a residência habitual das pessoas naturais, ou, sendo esta incerta ou desconhecida, o centro habitual de sua atividade” (cf. MEIRA, Thais de Barros. Principais aspectos fiscais relacionados ao investimento estrangeiro no Brasil. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de; CANADO, Vanessa Rahal (coords.). Tributação dos mercados financeiro e de capitais e dos investimentos estrangeiros. Série GV Law. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 345-377, p. 347-348). Ainda sobre as regras de domicílio de pessoa física, o art. 12 da Lei 9.718/1998 estabelece alguns casos em que a pessoa física será tratada como residente no Brasil e o art. 27 da Lei 12.249/2010 determina que “a transferência do domicílio fiscal da pessoa física residente e domiciliada no Brasil para país ou dependência com tributação favorecida ou regime especial privilegiado (...) somente terá efeitos reconhecidos a partir da data em que o contribuinte comprove: I – ser residente de fato naquele país ou dependência; ou II – sujeitar-se a imposto sobre a totalidade dos rendimentos de trabalho e capital, bem como o efetivo pagamento desse imposto”. Em relação à pessoa jurídica, o art. 212 do Decreto 3.000/1999 (RIR/1999) define que, para efeitos de Imposto sobre a Renda, o seu domicílio fiscal será o do lugar da situação do seu estabelecimento (quando existir um único) ou, caso haja uma pluralidade de estabelecimentos, será o lugar onde estiverem centralizadas as operações da empresa ou mesmo a sua sede dentro do País.
63 Vide nota de rodapé 43.
64 “A tributação mais branda do não residente não é novidade no País, contudo é essencial sejam avaliados os fundamentos que a determinam, pois, se calcada apenas em razões de má gestão dos recursos públicos, o que usualmente ocorre quando a dívida pública é muito elevada, como a brasileira, certamente resultará inconstitucional, afora o tratamento não isonômico, entre domiciliados e não domiciliados, discutível do ponto de vista constitucional.” (Cf. BIFANO, Elidie Palma. O mercado financeiro e o Imposto sobre a Renda. 2. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 239-240)
65 “Os benefícios gerados por mercados financeiro e de capitais pujantes são imensos, e em decorrência disso os Estados almejam cada vez mais buscar não apenas a mobilização de poupança interna, mas também a atração da poupança externa que tenha o condão de fomentar o desenvolvimento nacional. Para se alcançar tal desiderato, o instrumento tributário possui papel de relevo na atração de capital externo, devendo os investidores não residentes sentirem-se estimulados pela expectativa de retorno líquido de seus investimentos, ainda mais em face da alta mobilidade de capitais financeiros. (...) Alerta deve ser feito no sentido de que os incentivos fiscais ao investimento externo não podem ser indiscriminados, possuindo limites. Esses limites são ditados justamente pela proporcionalidade, que além de exigir a verificação de se a baixa ou inexistente tributação sobre a renda auferida por não residentes nos mercados financeiro e de capitais é adequada para atingir o objetivo extrafiscal de mobilização de poupança visando ao desenvolvimento nacional, impõe que se comprove que tal medida é a que melhor propicia a concretização dessa meta estatal e que os benefícios resultantes para a coletividade, tais como crescimento econômico sustentado, com emprego e renda, são superiores aos malefícios propiciados por uma medida que rompe com a igualdade tributária e com a tributação conforme a capacidade contributiva.” (Cf. SANTOS, João Victor Guedes. Teoria da tributação e tributação da renda nos mercados financeiro e de capitais. Série Doutrina Tributária, v. VIII. São Paulo: Quartier Latin, 2013, p. 291-292)
66 “O dever de proporcionalidade aplica-se a casos de colisão de princípios. Quando há uma colisão entre princípios, é preciso decidir qual princípio, em concreto, obtém prevalência. No plano abstrato, não há uma hierarquia imóvel, porque sempre pode surgir uma desconhecida situação que altere a hierarquia. A solução do conflito só pode ser obtida mediante uma ponderação, por meio da qual um princípio, em determinada situação, obtém prevalência.” (ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 93-94)
67 ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 168.
68 “Neste ponto, é preciso ainda destacar que mesmo quando estamos diante de uma norma tributária indutora benéfica, ou seja, vinculada a concessão de um determinado benefício fiscal, pode haver restrição de direitos fundamentais dos contribuintes – mais especificamente daqueles que não recebem o mesmo tratamento benéfico. (...) Mesmo este tipo de norma tributária indutora, portanto, depende de uma ponderação entre os direitos envolvidos, na medida em que não poderá ser analisada de forma isolada, sem a consideração dos efeitos produzidos para o sistema tributário de forma geral.
Assim, a nova finalidade e o novo critério da norma tributária indutora estão sujeitos ao exame da proporcionalidade, a fim de que se verifique se a medida adotada é, de fato, proporcional e não excessiva. (...)
É necessária, neste caso, a ponderação de valores e bens jurídicos, através da aplicação do postulado da proporcionalidade.” (LEÃO, Martha Toribio. Controle da extrafiscalidade. Série Doutrina Tributária, v. XVI. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 137-138)
69 “Os postulados normativos aplicativos são normas imediatamente metódicas que instituem os critérios de aplicação de outras normas situadas no plano do objeto de aplicação. Assim, qualificam-se como normas sobre a aplicação de outras normas, isto é, como metanormas. Daí se dizer que se qualificam como normas de segundo grau. Nesse sentido, sempre que se está diante de um postulado normativo, há uma diretriz metódica que se dirige ao intérprete relativamente à interpretação de outras normas. Por trás dos postulados, há sempre outras normas que estão sendo aplicadas. Não se identificam, porém, com as outras normas que também influenciam outras, como é o caso dos sobreprincípios do Estado de Direito ou da segurança jurídica. Os sobreprincípios situam-se no nível das normas objeto de aplicação. Atuam sobre outras, mas no âmbito semântico e axiológico e não no âmbito metódico, como ocorre com os postulados. Isso significa a diferença entre as sobrenormas (normas semântica e axiologicamente sobrejacentes, situadas no nível do objeto de aplicação) e metanormas (normas metodicamente sobrejacentes, situadas no metanível aplicativo).” (ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 122)
70 Há estudos econômicos que demonstram a relação entre o mercado de títulos públicos e a política monetária e alegam, inclusive, como a presença de títulos pós-fixados pode contribuir para o efeito inflacionário e como os títulos de curto prazo podem ser prejudiciais ao mercado de capitais e ao mercado de crédito brasileiros. Veja-se: “Dessa forma, a riqueza financeira tende a se concentrar em aplicações de curto prazo referenciadas na taxa do overnight. Além disso, a grande participação das LFTs na dívida pública dificulta a ampliação do mercado de crédito a taxas mais acessíveis – já que a Selic opera como um custo de oportunidade. Dessa forma, as letras financeiras do tesouro retiram eficácia da política monetária também sobre esse mecanismo de transmissão, além de poderem estimular um comportamento perverso no mercado de crédito. (...) A lógica do curto prazo tanto desestimula o crédito na economia, já que a Selic opera como um custo de oportunidade, quanto impede um maior crescimento do mercado de capitais no país. Esses fatos, sem dúvida, também operam como fatores limitadores da capacidade de crescimento da economia brasileira, pois as empresas passam a ter de pagar um custo de oportunidade muito alto no financiamento de seus projetos.” (Cf. AMARAL, Rafael Quevedo; OREIRO, José Luis. A relação entre o mercado de dívida pública e a política monetária no Brasil. Revista de Economia Contemporânea. Rio de Janeiro: Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, v. 12, n. 3, set.-dez. 2008, p. 491-517, p. 501 e 513)
71 LEÃO, Martha Toribio. Controle da extrafiscalidade. Série DoutrinaTributária, v. XVI. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 150.
72 Ibidem.
73 Sobre o controle de eficácia das medidas extrafiscais: “Por essa razão, o controle de eficácia também se mostra fundamental como forma de legitimar a utilização das normas tributárias indutoras, na medida em que, conforme já analisado, não há norma indutora sem efeito indutor.” (Cf. LEÃO, Martha Toribio. Controle da extrafiscalidade. Série DoutrinaTributária, v. XVI. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 135)