Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e Tributação na Constituição Brasileira

Sustainable Development Goals and Taxation in the Brazilian Constitution

Fernando Scaff

Professor Titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo. Advogado. E-mail: scaff@silveiraathias.com.br.

Lise Tupiassu

Doutora em Direito Público pela Université Toulouse 1 – Capitole. Mestre em Direito Tributário pela Université Paris I – Panthéon-Sorbonne. Mestre em Instituições jurídico-políticas pela Universidade Federal do Pará. Mestre em Direito Público pela Université de Toulouse I – Capitole. Professora e pesquisadora da Universidade Federal do Pará (UFPA) e do Centro Universitário do Estado do Pará (Cesupa). Procuradora Federal. E-mail: lisetupiassu@gmail.com.

https://doi.org/10.46801/2595-6280.57.28.2024.2609

Resumo

O texto trata dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e suas implicações tributárias e ambiental, vinculando-os à reforma constitucional ocorrida no Brasil na tributação do consumo.

Palavras-chave: meio ambiente, tributação, objetivos do desenvolvimento sustentável, Emenda Constitucional n. 132.

Abstract

The text deals with the Sustainable Development Objectives and their tax and environmental implications, linking them to the constitutional reform that took place in Brazil in the consumption taxation.

Keywords: environment, taxation, sustainable development objectives, Constitutional Amendment 132.

Introdução

Durante vários séculos o sistema econômico e político liberal e utilitarista permaneceu distante das preocupações com a biosfera. O foco estava na expansão industrial, com a afirmação do liberalismo individualista, mas as relações socioeconômicas foram mudando, como consequência do próprio desenvolvimento econômico capitalista, implicando em alterações na estrutura legal e nas relações com o meio ambiente.

Ficara evidente que o iminente esgotamento dos recursos naturais e ativos ambientais por parte de vários países causaria riscos aos habitantes da terra e aos interesses das gerações futuras.

Cunha-se, então a ideia de um “desenvolvimento sustentável”, pautado na garantia das necessidades das gerações presentes, sem prejuízo das necessidades das gerações futuras.

Essa ideia de desenvolvimento sustentável, inscrita no Relatório Brundtland, em que pese pautada em uma mitigação do uso indiscriminado dos recursos naturais, apresentou um olhar sobre a infinitude das necessidades humanas incompatíveis com os limites planetários e iniquidades socioeconômicas.

Aquecimento global, efeito estufa, crise climática, escassez de água tornaram-se termos cada vez mais frequentes no quotidiano, manchetes jornalísticas e discussões internacionais, ao se tratar de questões envolvendo a vida da espécie humana na terra. Porém, a falta de acesso à água potável e ao saneamento básico, as doenças causadas por condições ambientais nefastas e as condições de miséria em que vivem boa parte da população eram assuntos mencionados com menos frequência nas preocupações ambientais.

Todavia, a pobreza encontra-se intrinsecamente relacionada à degradação ambiental, sendo evidente que pessoas vivendo em condições socioeconômicas desfavoráveis sofrem de forma mais gravosa com os problemas ambientais e, em um ciclo deletério, também possuem menos condições de contribuir para a mitigação dos problemas climáticos.

Diante desse cenário, tornou-se necessário um alargamento da ideia de desenvolvimento sustentável, acoplando-se uma visão sistêmica da sustentabilidade, razão pela qual surge a Agenda 2030 com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), como evolução dos Objetivos do Milênio, estabelecidos em 2020 pelas Nações Unidas.

Os ODS propõem uma visão comum para a humanidade, contemplando 17 objetivos, que incorporam metas e indicadores visando à criação de condições para uma vida digna duradoura aos habitantes do planeta.

Nesse cenário, acirra-se também a necessidade de reestruturação dos mecanismos tradicionalmente utilizados para lidar com as questões socioambientais, ultrapassando-se a visão limitada às estratégias regulamentares de comando-e-controle, para incorporar, cada vez mais, instrumentos econômicos e tributários.

De fato, Reformas Fiscais Verdes e o estabelecimento de tributos ambientais vinham sendo operados em vários países, com características e efeitos específicos. Porém, considerando a visão sistêmica conferida à sustentabilidade, em especial relacionada aos ODS, uma nova visão do fenômeno tributário também se impõe, indo além dos tributos verdes.

Este ensaio pretende abordar alguns aspectos dessa questão, discutindo a relação entre a Tributação e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, e apresentando algumas das inovações ambientais introduzidas na Constituição Brasileira por meio da Emenda Constitucional n. 132, de 20 de dezembro de 2023.

1. A sustentabilidade sistêmica a partir dos ODS

A noção de desenvolvimento sustentável adentrou na esfera política internacional na década de 1970, a partir do Relatório Os limites do crescimento1, o qual serviu para evidenciar que o crescimento econômico desenfreado poderia levar ao colapso planetário. Diante disso, em 1972, foi realizada em Estocolmo a Primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, na qual o conceito de desenvolvimento sustentável foi empregado, sugerindo que se buscasse um crescimento econômico sem danos ao meio ambiente.

Nesse cenário, o Relatório Nosso futuro comum, apresentado em 1987 pela primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, trouxe a definição do desenvolvimento sustentável pautada no viés intergeracional, preconizando que o desenvolvimento econômico devesse ocorrer de modo a assegurar uma disponibilidade contínua de capital natural e amenidades ecológicas, sem prejudicar as necessidades das gerações futuras.

Ao longo do tempo, foi sendo enfraquecido o uso exclusivo do Produto Interno Bruto como critério de desenvolvimento para identificação do crescimento econômico. Celso Furtado, tratando desta temática em 1974, utilizou a expressão “mito do desenvolvimento econômico”, ao verificar que a elevação de indicadores econômicos não repercutia necessariamente de forma positiva na melhoria da qualidade de vida dos indivíduos em sociedade.

Verificando-se que os resultados do crescimento econômico medido pelo PIB não implicavam, de forma automática, em benefícios relacionados à melhoria da qualidade de vida da população, o crescimento da economia passa a ser entendido como apenas um elemento, dentre vários outros, relacionados ao processo de desenvolvimento.

A reavaliação do processo desenvolvimentista demandou a estruturação de políticas pautadas em valores que iriam além da dinâmica econômica.

Nesse cenário, destacam-se as ideias de Amartya Sen, que introduz a noção de desenvolvimento como um processo de expansão de liberdades, pautando a criação do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), o qual passou a ser utilizado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento para a mensuração do avanço dos países, expandindo a visão que se restringia à medida do crescimento da economia.

Na mesma toada de Sen, Ignacy Sachs preconiza como objetivo do desenvolvimento a promoção do bem-estar e a realização das potencialidades humanas2, representando a efetivação dos direitos humanos, em várias vertentes, rumo à libertação do indivíduo3. Nessa esteira, o desenvolvimento exigiria o estabelecimento de uma sintonia fina entre as diferentes dimensões da sustentabilidade, incluindo os aspectos social, econômico, ecológico e cultural4.

A ampliação da concepção de desenvolvimento sustentável foi sendo refletida nos palcos internacionais de discussão e tomada de decisões, tendo sido estabelecidos em 2000, pela Cúpula das Nações Unidas, 8 Objetivos para Desenvolvimento do Milênio (ODM), que incorporavam fatores relacionados à pobreza, educação e saúde, ao lado da sustentabilidade ambiental e do estabelecimento de parcerias para o desenvolvimento dos diversos países.

Em 2015, a partir dos progressos e lições apreendidas com a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e sintetizando uma discussão plural multinacional envolvendo governos e cidadãos, foi cunhada uma Agenda alargada e ambiciosa para o ano de 2030, contemplando 17 Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Trata-se de um verdadeiro plano de ação global, adotado por 193 Estados-membros da ONU, abrangendo as dimensões ambiental, econômica e social do desenvolvimento sustentável de forma integrada e inter-relacionada.

Os 17 Objetivos se traduziram em 169 metas a serem alcançadas até 2030, abarcando aspectos diversos que vão desde a erradicação da pobreza, com garantia de segurança alimentar a todos os indivíduos do planeta, passando pela promoção de educação, igualdade de gênero, segurança energética, infraestrutura, produção sustentável, combate à crise climática, até à garantia da paz e estabelecimento de parcerias, dentre vários outros, representando um compromisso com a dignidade humana a nível planetário, pensando em critérios para um futuro genuinamente sustentável.

Neste cenário ganha especial importância o papel dos instrumentos tributários, os quais representam a principal fonte de receitas para a implementação dos direitos fundamentais e, por conseguinte, imprescindíveis para a garantia dessa sustentabilidade sistêmica traduzida por meio dos ODS.

O papel da tributação no contexto do desenvolvimento sustentável ocorre, inicialmente, a partir do estabelecimento de estratégias de tributação ambiental, em complemento aos instrumentos de comando-e-controle tradicionalmente utilizados, mas não pode parar por aí.

2. A difusão da tributação ambiental

Acoplado ao surgimento da noção de desenvolvimento sustentável, o uso de tributos verdes (green taxes) difundiu-se, a partir dos anos 1990, a partir de uma exigência da própria eficiência econômica, pautada na necessidade de internalização das externalidades ambientais e da insuficiência do mercado para lidar com essas falhas.

Tecnicamente, as externalidades ocorrem quando um agente econômico exerce uma influência positiva ou negativa sobre outro, sem que os efeitos sejam compensados pelo mercado, fazendo com que o benefício ou o prejuízo que um agente econômico traz ao outro não sejam contabilizados no custo da produção. Portanto, a pessoa que recebe o benefício não paga nada por ele, e a pessoa que causa prejuízo não paga nada pelo eventual dano causado a um terceiro. Isso indica que custos e benefícios circulam fora do mercado, sem que um preço lhes seja incutido.

Alfred Marshall usou o termo pela primeira vez em seu trabalho Principles of economics5. No entanto, Pigou6 foi o primeiro a explorar o tema dentro do viés tributário, em sua teoria sobre a economia do bem-estar, preconizando a possibilidade de o Estado promover a internalização das externalidades ambientais por meio da instituição de tributos, os quais culminariam por impor um custo às emissões poluentes.

Verifica-se, então, que dessa necessidade de regulação das falhas de mercado nasce uma nova perspectiva de legitimação para a intervenção estatal7, na medida em que os poderes públicos intervêm, por meio da esfera tributária, para otimizar a distribuição dos custos ambientais e também para limitar a emissão de externalidades ambientais.

Nesse cenário, vários países passaram a incorporar tributos ambientais em seus sistemas. Todavia, há uma grande dificuldade em se definir o que efetivamente consiste em um tributo ambiental e, em especial, seus efeitos.

Em geral, se considera que um tributo ecológico é aquele que foi expressamente criado pelo legislador com o objetivo de proteger o meio ambiente, sendo que a intenção de induzir o comportamento do contribuinte deve necessariamente estar presente na definição do tributo no momento de sua criação.

Entretanto, parece claro que o simples fato de nomear um tributo como “ambiental” no momento de sua criação não acrescenta absolutamente nada à sua verdadeira realidade. Chamar um imposto de “ambiental” não significa que ele realmente servirá à causa da proteção do meio ambiente.

Portanto, quando o legislador cria um tributo com finalidade ambiental, deve ter em mente que essa finalidade só será válida se na prática ela ocorrer. Em outras palavras, o legislador deve garantir que o tributo realmente sirva para proteger o meio ambiente, seja porque a receita obtida é destinada à causa ambiental, seja porque o tributo incide diretamente sobre uma atividade que é prejudicial ao meio ambiente.

É importante notar que a afetação da receita do tributo é um elemento externo à sua estrutura sob o ponto de vista do direito tributário, além de não se coadunar com o princípio geral da não afetação da receita de impostos (e sofrendo com estratégias como a desvinculação de receitas orçamentárias, adotada no Brasil).

Assim, é fundamental que a finalidade ambiental de um tributo ecológico seja expressa pelos elementos de sua regra-matriz de incidência e, em especial, pelos critérios material e quantitativo.

Isso significa, portanto, que um fator poluente – ou o uso de um recurso natural – deve ser levado em conta na base tributária, de modo a enviar um sinal ao poluidor que ele pagará pelo custo da poluição causada ao meio ambiente ao fazer escolhas de produção ou consumo.

Nesse sentido, muitas vezes, sequer é necessário criar um tributo totalmente novo, pois a simples variação do critério quantitativo proporcionalmente ao nível de externalidade ambiental de cada produto ou serviço já possibilita a internalização satisfatória, dando caráter ambiental a um tributo. A contrario sensu, de nada serve a imposição indiscriminada sobre determinada categoria de produtos poluentes, sem distinguir o potencial de poluição gerado por cada elemento que se enquadre em seu escopo.

Dentro dessa perspectiva, vêm se difundindo as Reformas Fiscais Verdes, adotadas em vários países europeus, ou a criação de green taxes (ou tributos sobre carbono e demais poluentes).

Ao se analisar esses tributos dentro do contexto da sustentabilidade sistêmica, e em especial daquela preconizada a partir dos 17 Objetivos que compõem a Agenda 2030, verifica-se que as imposições voltadas à internalização de externalidades ambientais negativas concernem a apenas um ou poucos aspectos dos ODS. Em geral, o ODS 13, relacionado à luta contra as mudanças climáticas, é o objetivo para o qual as green taxes visam contribuir. O comum aumento da regressividade inerente a uma tributação estruturada em green taxes pode, ainda, por vezes, prejudicar o atendimento a outros ODS.

A potencialidade da tributação no alcance dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, portanto, deve ser discutida em sua grande complexidade, que vai muito além do uso ou da criação de impostos verdes, não devendo restringir-se ao alcance do ODS 13.

É necessário ampliar a visão estruturante sobre o papel dos tributos dentro desse cenário que urge a tomada de medidas para que os diversos países do mundo alcancem as metas com as quais se comprometeram em 2015.

3. A visão ampliativa da tributação para alcance dos ODS

A adoção da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável trouxe um compromisso de todos os países com um conjunto de objetivos e metas universais, integradas e transformacionais, codificados nos ODS, cuja tradução em ação representa um grande desafio.

A tributação é um importante mecanismo de estímulo ao desenvolvimento sustentável, que pode aumentar a eficiência da utilização de recursos naturais, impulsionar a inovação e possibilitar a transformação para o alcance do bem comum. Uma política fiscal que promova a criação de adequados incentivos na economia, acoplada a um uso otimizado dos recursos, são fatores-chave para o alcance dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.

Uma parceria entre o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a Organização das Nações Unidas (ONU) e o Banco Mundial (WBG) identificou que a tributação é um fator significativo em, pelo menos, 10 dos 17 ODS, estruturando uma plataforma específica para tratar a inter-relação entre esses elementos.

A conexão entre os tributos e os ODS estabelecida pela plataforma tem por fundamento diversos grandes elementos.

O primeiro deles é a importância dos recursos gerados pelos tributos, os quais são essenciais para financiar as atividades públicas que servem à implementação dos ODS. Decerto, todos os ODS encontram-se contemplados por este elemento, na medida em que recursos públicos são imprescindíveis para a implementação de quaisquer políticas públicas. Há uma relação especial deste aspecto com o disposto no ODS 17, que trata da construção de parcerias e meios de implementação para o atendimento às metas dos ODS.

Um segundo aspecto diz respeito à equidade e ao crescimento econômico, os quais são intrinsecamente afetados pela estrutura tributária. Este elemento encontra-se diretamente correlacionado ao ODS 1, que toca à erradicação da pobreza, bem como ao ODS 8, que traz metas de crescimento econômico com trabalho decente, bem como ODS 10, relativo ao objetivo de redução das desigualdades, e igualmente ao ODS 5, relacionado à igualdade de gênero.

Além disso, os tributos influenciam o comportamento e as escolhas das pessoas, com implicações para os resultados em saúde, educação, consumo sustentável, energia limpa e luta contra as mudanças climáticas, abordados pelos ODS 3, 4, 12, 7 e 13.

Além disso, uma tributação justa e equitativa promove a confiança do contribuinte no governo e fortalece os contratos sociais que sustentam o desenvolvimento, relacionando-se ao ODS 16, voltado à promoção da Justiça, da paz e de instituições sólidas e eficazes.

É interessante notar que o aumento do esforço fiscal interno aos países vem sendo destacado pelas instituições internacionais como um elemento-chave nesse cenário. De fato, a falta de capacidade imponível vem sendo vista como um sintoma, mas também como uma das causas da dificuldade de desenvolvimento. Nesse sentido, instituições internacionais (IMF and World Bank (2016)) indicam como prioridade a mobilização de fundos nacionais, por meio da otimização dos sistemas tributários e da capacidade impositiva, para que se possa alcançar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Porém, os benefícios do aumento da arrecadação dependem, por óbvio, da forma como se dá a alocação dos recursos públicos. Ou seja, a obtenção de recursos ou o aumento da tributação por si só, é insuficiente, de modo que sua influência na implementação dos ODS depende de como os recursos são gerenciados e utilizados.

Assim, ao se voltar a atenção para a otimização dos sistemas de obtenção de recursos internos aos países, a necessária implementação dos ODS demanda que um eventual aumento da carga tributária venha realmente acompanhado de uma efetiva melhoria da alocação em gastos sociais.

O alcance do desenvolvimento sustentável sistêmico deixa evidente, portanto, que o fenômeno tributário deve ser estruturado de forma conjunta com o fenômeno financeiro, correlacionando-se com a forma como os recursos são aplicados, bem como com o uso das renúncias fiscais (tax expenditures) e dos fundos financeiros que vinculam a receita a uma determinada despesa específica, voltada ao atendimento dos ODS.

No que concerne à tributação em si, nos parece essencial um maior desenvolvimento acerca da estruturação do sistema e seu aspecto indutivo e internalizador.

Note-se que o aspecto indutivo da tributação é de extrema importância quando se busca uma agricultura sustentável (ODS 2), bem como para o desenvolvimento de produção e consumo responsáveis (ODS 12) e incentivo à produção de energia limpa (ODS 7). Serve ainda, dentro de políticas de estruturação urbana, sendo fundamental para o atendimento do ODS 11. Sendo os incentivos fiscais instrumentos de grande valia para o desenvolvimento, ainda, da inovação industrial (ODS 9).

Ao lado disso, a tributação como elemento de internalização de externalidades é um instrumento indispensável na luta contra as mudanças climáticas (ODS 13), por meio da tributação ambiental (conforme mencionado). Porém, a tributação diferencial de externalidades negativas indubitavelmente serve ao atendimento do ODS 3, enquanto elemento das políticas de saúde, fazendo-se recair uma imposição mais gravosa sobre o álcool, o tabaco, mas também sobre bebidas açucaradas e alimentos ultraprocessados.

Isso perpassa, ainda, pela estruturação de uma imposição justa sobre as indústrias extrativas de recursos naturais, muito comuns em países em déficit de desenvolvimento. Tal imposição deve considerar as externalidades negativas, mas igualmente as externalidades positivas de tais atividades, mas também sua efemeridade, fomentando-se um sistema que preze pela sustentabilidade intergeracional.

Ressalte-se, enfim, o papel primordial do uso da tributação dentro de uma perspectiva sensível ao gênero, meta-chave para o atendimento ao ODS 5. Isso porque, a pseudoneutralidade do sistema tributário esconde um viés que acirra a desigualdade entre os gêneros, decorrente tanto da regressividade exacerbada quanto da falta de diferenciação na forma de imposição, que muitas vezes culmina por tributar de forma mais gravosa produtos consumidos majoritária ou exclusivamente por mulheres (como é o caso da tributação sobre produtos de higiene menstrual).

Neste ponto se chega à interseção entre a base (ou forma) de incidência que influencia o comportamento dos contribuintes e a estruturação do sistema (e da administração) tributário em si.

Sem a busca pela construção de uma estratégia de imposição pautada na progressividade, torna-se quase impossível alcançar a erradicação da pobreza (ODS 1) e a redução das desigualdades (ODS 10).

Além do que, o atendimento aos ODS 16 e 17 torna imprescindível a construção de uma administração tributária sólida, transparente e eficiente, capaz de combater de forma justa e eficaz a evasão fiscal, e que utilize de forma séria os gastos tributários, enquanto elementos essenciais para a coesão social.

Enfim, a manutenção de sistemas tributários complexos e falta de preocupação com o aumento da capacidade e eficiência das administrações fiscais sem dúvida aumentam os riscos de evasão tributária e o fluxo de capitais ilícitos que implicam em perda de recursos valiosos e o desperdício de um dos instrumentais mais poderosos para o alcance da sustentabilidade sistêmica por meio dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável.

4. O meio ambiente na reforma tributária do consumo no Brasil (EC n. 132)

4.1. O meio ambiente como princípio do sistema tributário

Desde a aprovação da Constituição de 1988 o Brasil já conta com um capítulo específico para tratar do meio ambiente, afirmando que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (Capítulo IV, inserido no Título VII, art. 225).

A despeito disso, não havia disposições constitucionais tributárias específicas regulando a matéria.

Em 2001, foi inserido pela Emenda Constitucional n. 33 que os recursos arrecadados pela CIDE – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, quando incidente sobre a atividade petrolífera, teria uma parte de seus recursos destinados ao financiamento de projetos ambientais relacionados com a indústria do petróleo e do gás (art. 177, § 4º, II, “b”), o que está em linha com o ODS 13 (mudanças climáticas) e o 07 (energia limpa).

Apenas em 2023, por meio da ampla reforma tributária do consumo aprovada durante o terceiro mandato do Presidente Lula, por meio da EC – Emenda Constitucional n. 132, é que a preocupação ambiental adentrou no sistema tributário constitucional – embora muitas normas existissem no âmbito infraconstitucional.

Já existia como princípio da ordem econômica a obrigatoriedade de defesa do meio ambiente, tendo a EC n. 132 acrescido que esta ocorrerá “mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação” (art. 170, inciso VI, da CF).

Foi também disposto pela EC n. 132, como uma novidade, que, sempre que possível, a concessão de incentivos regionais pela União considerará critérios de sustentabilidade ambiental e redução das emissões de carbono (art. 43, § 4º), o que se constitui em uma medida de proteção ambiental. O uso da expressão “sempre que possível” no texto da norma denota a relação de tensão existente entre os ODS 08 (trabalho decente e crescimento econômico), o 10 (redução das desigualdades) e o 01 (erradicação da pobreza), em cotejo com diversos outros, como o 13 (mudanças climáticas), pois, de um lado, existem notórias dificuldades para o desenvolvimento de algumas regiões brasileiras, como se verifica no Nordeste, o que pode acarretar a hipótese de os aspectos econômicos virem a ser determinantes, e, por outro lado, destaca a questão ambiental, impedindo práticas econômicas predatórias. Tal relação de tensão reflete a dificuldade existente em se agir para cumprir de forma englobada todos os ODS, o que acaba gerando soluções de compromisso nas normas aprovadas, reduzindo sua efetividade.

O destaque veio por meio da inserção pela EC n. 132 do § 3º ao art. 145, prescrevendo o que Sistema Tributário Nacional deverá observar o princípio da defesa do meio ambiente, o que inibirá diversas normas fiscais que incentivam a poluição, mesmo que de forma indutiva, trazendo impactos econômicos no curto prazo, com benefícios à toda a população em médio e longo prazos, e atendendo a diversos ODS estabelecidos, como o 13 (mudanças climáticas) o 14 (vida na água), o 15 (vida terrestre), além do 07 (energia limpa). Aqui não se usou a expressão “sempre que possível”, aplicando-se o princípio em sua plenitude para todos os entes federados, seja na imposição tributária, seja nas renúncias fiscais. Trata-se de uma inovação benfazeja, pois destaca as preocupações ambientais em conjunto com os interesses meramente econômicos, mesmo se tratando de uma receita dirigida aos cofres estatais.

O § 3º do art. 145 também consagra os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária e da cooperação, o que se coaduna com o ODS 17 (parcerias e meios de implementação) e com o 16 (justiça e instituições eficazes). Simplicidade é um desiderato que sempre deve ser perseguido, em especial no que se refere ao que é pago pela sociedade para a prestação de serviços públicos. Transparência é sempre bem-vinda, pois permite que se veja com maior clareza o que está sendo cobrado, bem como no que está sendo utilizado o recurso arrecadado.

Muito mais complexa é a proposta de implementar o princípio da justiça tributária, vinculada diretamente ao ODS 16 (justiça e instituições eficazes), em especial no que se refere à tributação do consumo, que tende a ser igual para todos os consumidores, podendo variar em termos de seletividade, e não de progressividade. Tal preceito deve ser lido em conjunto com o § 4º do mesmo art. 145, também introduzido pela EC n. 132, que determina que as alterações na legislação tributária devam buscar atenuar os efeitos regressivos, o que é usual na tributação do consumo.

A análise do princípio da justiça tributária requereria, em face de sua complexidade, um vasto estudo específico que não cabe no presente texto, mas destaca-se que o debate deve perpassar sobre o que é individual (quanto cada qual paga) e o geral (quanto foi arrecadado, e seu uso em prol da sociedade), o que nos leva a discutir a matéria sob as óticas macro e microjurídica8. A justiça tributária deve ser analisada sob o prisma individual ou geral? É neste ponto que se potencializa a complexidade do tema, que pode alcançar aspectos intergeracionais, fortemente conectados à matéria ambiental e financeira.

É positiva a inserção deste princípio no Sistema Tributário Nacional, rogando-se que não se torne letra morta, com efeitos meramente retóricos, como sói acontecer com os princípios que estabelecem com vaguidade a proteção dos contribuintes.

4.2. O IS – Imposto Seletivo como um tributo ambiental

Foi também aprovada pela EC n. 132 a criação de um Imposto Seletivo – IS sobre a “produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, nos termos de lei complementar”, de competência da União (art. 153, VIII), o que se assemelha a um green tax.

À primeira vista parece algo bastante positivo, pois sua incidência corresponderá àquilo que na doutrina se identifica como imposto sobre externalidades, também conhecida pelo nome de excise tax ou tributo sobre o pecado – embora a denominação não esteja completamente adequada à descrição normativa proposta. Este tipo de tributo é conhecido como imposto pigouviano, em homenagem ao economista britânico Arthur C. Pigou, que expôs seus fundamentos teóricos na primeira metade do século XX. A ideia de Pigou se baseia na seletividade, tributando mais fortemente atividades que gerem externalidades negativas, tais como poluição ou malefícios à saúde, e privilegiando externalidades positivas, como as que se referem a bens e serviços de primeira necessidade para a população. Na origem discutia-se fortemente sua incidência sobre a renda e apenas lateralmente sobre o consumo, tendo havido intenso debate teórico acerca de sua mensuração. No Brasil, conforme redigido, atingirá apenas as externalidades negativas, e poderá incidir sobre diversas etapas do ciclo econômico.

Consta ainda que o IS: (1) não incidirá sobre as exportações (exceto sobre as de petróleo e de minério); (2) nem incidirá sobre as operações com energia elétrica e com telecomunicações; (3) incidirá uma única vez sobre o bem ou serviço; (4) não integrará sua própria base de cálculo, embora integre a de outros tributos especificados (ICMS, ISS, IBS e CBS); (5) poderá ter o mesmo fato gerador e base de cálculo de outros tributos; (6) terá suas alíquotas fixadas em lei ordinária, podendo ser específicas, por unidade de medida adotada, ou ad valorem; (7) e na extração de petróleo ou de minério, o imposto será cobrado pela extração independentemente da destinação (o que permite a tributação na exportação), caso em que a alíquota máxima corresponderá a 1% (um por cento) do valor de mercado do produto.

Ainda falta ser editada a lei complementar que regulará essa inovação constitucional, mas registra-se desde logo ser extremamente negativo que o IS integre a base de cálculo de outros tributos, ou seja, será um tributo que incide sobre outros, o que já ocasionou muita discussão judicial.

Além disso, o IS ainda “poderá ter o mesmo fato gerador e base de cálculo de outros tributos”, o que abre um leque para superposições tributárias inadequadas e indevidas.

Embora conste que “incidirá uma única vez sobre o bem ou serviço”, não ficou claro se no processo produtivo a incidência sobre um ou alguns insumos afastará a tributação sobre o produto final. Observa-se que a expressão “prejudicial à saúde ou ao meio ambiente” é amplíssima, permitindo sua incidência tanto sobre a cadeia econômica quanto sobre o produto que dela resultar. Trata-se de um aspecto que pode gerar incontáveis judicializações. Exemplo: a industrialização da cana pode resultar em etanol ou em açúcar. Caso venha a ser considerado o açúcar como um produto prejudicial à saúde, apenas ele será objeto do IS ou toda a cadeia produtiva? Será considerado prejudicial à saúde o produto “açúcar” ou os produtos que resultarem em bebidas açucaradas, como os refrigerantes? Ou incidirá sobre toda a cadeia econômica de industrialização dessas bebidas? Ou, ainda, incidirá sobre a cadeia de produção do açúcar e também sobre a dos refrigerantes? Esses aspectos deverão ser regulados na lei complementar.

A tributação sobre as exportações de minério e de petróleo se constituem em outro aspecto negativo desse imposto, pois, como regra universal, não devem ser exportados tributos, apenas bens e serviços – isso trará impacto na balança comercial brasileira, sem nenhum reflexo vantajoso para o meio ambiente, exceto aumento de arrecadação.

Nas operações internas, a incidência do IS sobre derivados de petróleo, combustíveis e minerais acarretará o aumento do preço desses bens atualmente essenciais. Observe-se o impacto desses produtos nas cadeias produtivas em geral, e aos consumidores. Não se trata da mesma dúvida acima exposta, usando o exemplo dos refrigerantes, pois mais ampla. A incidência sobre minerais em geral é relevante, pois basta olhar ao redor e ver que nosso quotidiano está repleto deles, desde os chips do computador e dos celulares, até a areia, o cimento e os tijolos das construções que nos abrigam. Tudo isso será impactado, independentemente de se tributar ou não o produto ou o específico processo produtivo. O mesmo se pode dizer sobre os produtos derivados de petróleo, que alcançam inclusive os plásticos.

Independentemente do debate acima exposto, por si só extremamente preocupante, existe outro, específico sobre petróleo, que alcança os combustíveis fósseis. Há quem defenda que é imprescindível estabelecer a incidência do IS sobre esses produtos, pois perniciosos ao meio ambiente, devendo o Brasil aderir às boas práticas internacionais. Não se pode contestar esse argumento, sob pena de se negar a ciência, mas, no âmbito tributário brasileiro, o que fazer com a CIDE-Petróleo, que já cumpre essa função, inclusive destinando os recursos arrecadados para gastos de preservação ambiental? Não foi previsto pela EC n. 132 a hipótese de que, incidindo a CIDE, não incidiria o IS, ou vice-versa. Haverá dupla incidência, com a mesma finalidade. Registre-se que o setor já paga na extração a CFEM – Compensação Financeira para a Exploração Mineral para a União, embora não se configure como um tributo, mas como um custo financeiro (preço público) em decorrência dessa atividade.

Seguramente haverá aumento de preço que implicará diretamente nos custos e na inflação. Cabe lembrar que o IS terá em sua base de cálculo o IBS e a CBS, repetindo a perversa dinâmica de tributo sobre tributo, já vastamente contestada, além de ser cumulativo, isto é, não abater o valor que foi pago referente às operações anteriores.

Espera-se que a lei complementar afaste os problemas acima apontados, e regule o IS de forma adequada aos ODS, e não com finalidade simplesmente arrecadatória.

4.3. Tributação sobre o patrimônio e meio ambiente

A despeito de a EC n. 132 ter sido centrada na questão da tributação do consumo, também foram alterados alguns aspectos da tributação sobre a propriedade, introduzindo alguma vertente ambiental. Para o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA foi estabelecido que terá alíquotas mínimas fixadas pelo Senado Federal, podendo variar em função do tipo, do valor, da utilização e do impacto ambiental do veículo (art. 155, § 6º), o que coloca sob a alça de mira os veículos poluentes, que sofrerão maior carga tributária em razão desse imposto. O ODS 07 (energia limpa) e o 13 (mudanças climáticas) estão no centro dessa modificação.

O Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doações – ITCMD terá suas alíquotas máximas fixadas pelo Senado Federal (atualmente em 8%, conforme a Resolução n. 9/1992) e não incidirá sobre as doações destinadas, no âmbito do Poder Executivo da União, a projetos socioambientais ou destinados a mitigar os efeitos das mudanças climáticas e às instituições federais de ensino (art. 155, § 1º, V). Trata-se de alteração bastante positiva, incentivando a realização de doações ao terceiro setor, que antes eram tributadas e geraram muita discussão durante a pandemia da covid-19.

Já o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU, desde a redação original da Constituição de 1988 previa a possibilidade de incidir de forma progressiva no tempo, visando implementar a função social da propriedade (art. 182, § 4º, II, da CF), o que se coaduna com o ODS 11 (cidades e comunidades sustentáveis). A norma estabelece ser facultado ao município exigir do proprietário de solo urbano não utilizado, não edificado, ou que esteja sendo subutilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena de o tributo ser majorado ano a ano, na forma da lei que aprovou o plano diretor municipal.

4.4. Outras disposições ecológicas na EC n. 132

Existe um sistema que não é propriamente tributário, pois não se refere à imposição frente aos contribuintes, mas financeiro, uma vez que se trata do rateio de verbas que já ingressaram nos cofres públicos, cuja destinação é dirigida a questões ambientais. Um desses instrumentos financeiros é o que se denominou de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e alguns serviços – ICMS, de ICMS-Ecológico, pelo qual parte do que é arrecadado pelos estados deve ser compartilhado com os municípios que atentem para questões ambientais. Com a EC n. 132, o ICMS será paulatinamente extinto, e introduzido um IVA dual, por meio do qual os estados e municípios passarão a cobrar o Imposto sobre Bens e Serviços – IBS. Durante a tramitação do Projeto de Emenda Constitucional havia dúvidas sobre a destinação dos recursos do IBS para o meio ambiente, nos moldes antes preconizados para o ICMS-Ecológico, mas foram mantidas as vinculações, como se verifica no art. 158, § 2º, III, que destina 5% do que for transferido pelos estados aos municípios com base em indicadores de preservação ambiental, de acordo com o que dispuser lei estadual.

Outro instrumento financeiro pode ser visto na instituição do Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (art. 159-A da CF), com o objetivo de reduzir as desigualdades regionais e sociais, determinando a aplicação de recursos prioritários para projetos que prevejam ações de sustentabilidade ambiental e redução das emissões de carbono, o que está alinhado com os ODS 07 (energia limpa) e 13 (mudanças climáticas), dentre outros.

A igualdade de gênero, que se constitui no ODS 5, também foi objeto da EC n. 132, ao estabelecer que os diversos regimes diferenciados de tributação serão submetidos a avaliação quinquenal de custo-benefício, devendo examinar o impacto da legislação tributária na promoção da igualdade entre homens e mulheres (art. 9º, §§ 9º e 10, da EC n. 132). Registre-se que foi estabelecido um regime diferenciado para a tributação de produtos vinculados aos cuidados básicos à saúde menstrual e aos produtos de higiene pessoal e limpeza majoritariamente consumidos por famílias de baixa renda, reduzindo a alíquota básica do IBS em 60% (art. 9º, § 1º, VI e IX, da EC n. 132), este último mais vinculado ao ODS 01 (erradicação da pobreza), mas ambos vinculados ao ODS 3 (saúde e bem-estar).

Também foi introduzido pela EC n. 132 o art. 225, VIII, determinando ao Poder Público manter regime fiscal favorecido para os biocombustíveis e para o hidrogênio de baixa emissão de carbono, na forma de lei complementar, a fim de assegurar-lhes tributação inferior à incidente sobre os combustíveis fósseis, capaz de garantir diferencial competitivo em relação a estes. Tal preceito possui uma lógica concorrencial em prol dos combustíveis com baixa emissão de carbono, em comparação com os combustíveis fósseis, o que é positivo em termos ambientais, e atende aos ODS 07 (energia limpa) e 13 (mudanças climáticas).

Conclusões

Ao se dar conta do problema ambiental observou-se uma ampla mudança na sociedade mundial, tendo como marco o Relatório Brundtland. A partir de então, diversas ações passaram a ser determinadas globalmente como soft law, pois dispensa a internacionalização dessas regras por meio de convenções ou tratados internacionais, visando combater problemas que são comuns à toda a humanidade. Surgem daí os 17 ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, os quais apresentam ações para que possam ser alcançados os 08 ODM – Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

O meio ambiente nos envolve, incluindo-nos como agentes passíveis de nele gerarmos impactos relevantes, por meio de ações e omissões.

Os sistemas tributário e financeiro, que envolvem diretamente os estados nacionais, devem ser engajados nesse esforço global, pois, sem recursos públicos nacionais, jamais serão alcançados esses objetivos universais. Eis a razão pela qual os estudos de direito tributário e de direito financeiro devem se voltar à consecução desses esforços, visando obter recursos e induzir comportamentos mais consentâneos com o desenvolvimento sustentável, que é um dos objetos centrais do direito ambiental.

No Brasil, a reforma tributária do consumo, aprovada em 20 de dezembro de 2023 por meio da EC n. 132, constitucionalizou diversos preceitos que se coadunam com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável – ODS, conforme exposto, inclusive inserindo o meio ambiente como um dos princípios que devem nortear todo o sistema tributário nacional.

Foi um importante passo, que, espera-se, venha a ser ampliado nas leis complementares em gestação.

Bibliografia

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TUPIASSU, Lise Vieira da Costa. Tributação ambiental: a utilização de instrumentos econômicos e fiscais na implementação do direito ao meio ambiente. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

1 MEADOWS, Donella H. et alii. Limites do crescimento. São Paulo: Perspectiva, 1972.

2 Ignacy Sachs leciona que “A segunda e talvez mais importante reconceituação foi fortemente influenciada pelos trabalhos de A. K. Sen (1999). O desenvolvimento pode ser redefinido em termos de universalização e do exercício efetivo de todos os direitos humanos: políticos, civis e cívicos; econômicos, sociais e culturais; bem como direitos coletivos ao desenvolvimento, ao ambiente etc.” (SACHS, Ignacy. Desenvolvimento: includente, sustentável, sustentado. Rio de Janeiro: Garamond, 2004, p. 37 – destaque nosso).

3 “O desenvolvimento é, portanto, um processo, o qual pode ser descrito como libertação. Não só em termos metafóricos, pois o desenvolvimento passa pela libertação da fome, da miséria da ociosidade forçada dos desempregados. Libertação também porque, etimologicamente, a palavra desenvolver significa tirar a casca do grão, dar a possibilidade de crescer, remover os obstáculos ao desenvolvimento. O processo da remoção dos obstáculos e da ampliação e efetivação dos direitos humanos passa por várias fases: aspirações, reivindicações, lutas, reconhecimento do direito.” (SACHS, Ignacy. Desenvolvimento e direitos humanos. Conferência na Universidade Federal de Alagoas; saudações de Rodrigo Ramalho Filho e Vinícius Nobre Lage. Maceió: Prodema, 2000, p. 32).

4 “O objetivo da sustentabilidade social é melhorar os níveis de distribuição de renda, com a finalidade de diminuir a exclusão social e a distância (econômica) que separa as classes sociais. A sustentabilidade econômica diz respeito a aumentos na eficiência do sistema, seja na alocação de recursos ou na sua gestão. A sustentabilidade ecológica concerne à preservação do meio ambiente, sem, contudo, comprometer a oferta dos recursos naturais necessários à sobrevivência do ser humano. A sustentabilidade espacial refere-se ao tratamento equilibrado da ocupação rural e urbana, assim como de uma melhor distribuição territorial das atividades econômicas e assentamentos humanos. Já a sustentabilidade cultural diz respeito à alteração nos modos de pensar e agir da sociedade de maneira a despertar uma consciência ambiental que provoque redução no consumo de produtos causadores de impactos ambientais.” (SACHS, Ignacy. Rumo à ecossocioeconomia – teoria e prática do desenvolvimento. Paulo Freire Vieira (org.). São Paulo: Cortez, 2007 – destaque nosso).

5 MARSHALL, Alfred. Princípios de economia. São Paulo: Nova Cultural, 1996.

6 PIGOU, Arthur Cecil. The economics of welfare. 4. ed. London: Macmillan, 1932.

7 ROSANVALLON, Pierre. Histoire du suffrage universel en France. Paris: Éditions Gallimard, 1992, p. 60.