O Argumento Orçamentário nas Decisões de Modulação de Efeitos em Matéria Tributária do Supremo Tribunal Federal

The Budgetary Argument in Effect Modulation Decisions in Tax Matter of the Federal Supreme Court

Bruno A. François Guimarães

Mestre em Direito Tributário pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Master in Law (LL.M.) em Direito Corporativo pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais – IBMEC. Especialista em Gestão Tributária e Planejamento Tributário Estratégico pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS e em Ciências Contábeis pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Associado do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT. Associado do Instituto de Estudos Tributários – IET. Advogado em Porto Alegre/RS. E-mail: bruno.guimaraes@rmmgadvogados.com.br.

Recebido em: 13-9-2024 – Aprovado em: 3-12-2024

https://doi.org/10.46801/2595-6280.58.4.2024.2613

Resumo

O presente trabalho analisa o impacto que as informações orçamentárias têm sobre a jurisprudência do STF em decisões sobre modulação de efeitos em matéria tributária. Demonstra-se os motivos pelos quais se entende que somente informações efetivamente constantes do ARF da LDO é que podem embasar o chamado argumento orçamentário, sob pena de ausência de referibilidade, transparência, contraditório e normatividade do regime jurídico orçamentário, bem como tais critérios técnicos acabam por não serem observados pela jurisprudência do STF.

Palavras-chave: orçamento público, modulação de efeitos, Anexo de Riscos Fiscais, Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Abstract

This work analyzes the impact that budgetary information has on the STF’s jurisprudence in decisions on modulating effects in tax matters. It demonstrates the reasons why it is understood that only information effectively contained in the LDO’s ARF can support the so-called budgetary argument, under penalty of lack of referability, transparency, contradiction and normativity of the budgetary legal regime, as well as such technical criteria end as they are not observed by the STF jurisprudence.

Keywords: public budget, effect modulation, Tax Risk Annex, Budget Guidelines Law.

I. Introdução

É fato notório que a jurisprudência do STF, relativamente à modulação de efeitos em matéria tributária, tem se tornado pródiga na aceitação de alegações de impacto orçamentário como fundamentação suficiente para caracterização dos elementos de segurança jurídica ou, mais notoriamente, excepcional interesse social. Um breve excurso sobre o tema, na jurisprudência da Suprema Corte, evidencia que o argumento orçamentário foi ganhando enorme peso e preponderância quanto ao ponto.

Este posicionamento de grande acolhida do argumento orçamentário se consolida nos últimos anos, especialmente no período pós-pandêmico da covid-19. Bem ilustra essa guinada de jurisprudência o julgamento do RE n. 851.108,1 no qual se discutiu a respeito da constitucionalidade da instituição, pelos Estados da Federação, do ITCMD sobre doações ou recebimento de imóveis localizados no exterior (Tema n. 825) e aquele que talvez seja o principal caso no histórico jurisprudencial a respeito do argumento orçamentário na modulação de efeitos em matéria tributária pelo STF consiste no RE n. 574.7062, no qual se discutiu a respeito da constitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins (Tema n. 69). O tema sofreu modulação de efeitos por conta do seu alegado impacto orçamentário nas contas públicas, sendo costumeiramente referido como a “tese do século”, em alusão, justamente, aos valores envolvidos na discussão.

Na linha do que passou a ser o entendimento do STF no que diz respeito à modulação de efeitos em matéria tributária à luz do argumento orçamentário, merece destaque especial o voto originariamente apresentado pelo Ministro Dias Toffoli no RE n. 714.139 porque, em sua redação, não somente há referência ao argumento orçamentário, como há o destaque de que o STF, efetivamente, passou a adotar a prática da modulação quando suas decisões “provoquem relevantes repercussões nas contas públicas”, ainda que sequer tenha havido no voto referência a valores, à fonte de sua obtenção ou qualquer fundamentação no sentido de vincular o alegado impacto orçamentário à manutenção de serviços públicos3.

Acontece, todavia, que a forma com que o argumento orçamentário é tratado pelo STF, quando da sua aceitação prima facie para fins de modulação de efeitos de decisões em matéria tributária, não parece ser tecnicamente correta, eis que não há critério na forma de sua adoção pela jurisprudência (onde constam as informações que embasam o impacto orçamentário?), não há análise crítica do seu efetivo impacto na prestação de serviços públicos (quais prestações ficariam impactadas e por quais motivos não poderiam ser supridas por outras fontes de custeio público?) e tampouco há uma efetiva análise do efeito reverso da modulação (quais os impactos que a não repetição de indébito tem sobre a economia por prejuízo aos contribuintes?).

Diante de tal cenário, o presente artigo visa sustentar que o argumento orçamentário, ainda que hipoteticamente possível de ser adotado como fundamentação para fins de modulação de efeitos em matéria tributária, carece de alguns contornos técnicos. Em primeiro lugar, o alegado impacto orçamentário precisa constar no Anexo de Riscos Fiscais (ARF) da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), pois este é o espaço no Orçamento Público em que tais informações devem constar, sob pena de subterfúgio ao regime jurídico orçamentário e falta de transparência e auditabilidade; em segundo lugar, que ainda que o alegado impacto orçamentário conste do ARF da LDO, necessário que haja uma evidenciação da metodologia do respectivo cálculo, submetido ao contraditório processual; em terceiro lugar, que haja uma descrição de quais despesas orçamentárias seriam prejudicadas pelo dever de repetição de indébito, bem como por quais motivos não poderiam ser supridas (ainda que parcialmente) por outras formas de custeio.

Para tanto, o presente trabalho visa, a partir de uma exposição da técnica da modulação de efeitos e sobre o regime jurídico do Orçamento Público, demonstrar os motivos pelos quais se entende que somente informações efetivamente constantes do ARF da LDO é que podem embasar o argumento orçamentário, bem como, a partir de tais premissas, realizar uma análise de julgados do STF em que tenha havido a modulação de efeitos com base no argumento orçamentário, para se verificar se a fundamentação adota o que se entende serem seus parâmetros jurídicos necessários de legitimidade.

II. A modulação dos efeitos temporais de decisões que declaram inconstitucionalidades: fundamentos e operacionalização face à segurança jurídica e o excepcional interesse social

O instituto da modulação de efeitos permite que o STF, ao declarar a inconstitucionalidade de determinada lei ou ato normativo, condicione temporalmente os efeitos de sua decisão. Noutros termos, permite que o STF faça uma espécie de “corte temporal” nos efeitos de suas decisões, que passam a ter efeitos somente a partir dos marcos estabelecidos pela própria Corte Suprema na sua decisão.

Apesar de se tratar de técnica que já vinha sendo praticada pelo STF em suas decisões desde há muito tempo, foi inaugurada legislativamente no ordenamento pátrio por meio do art. 27 da Lei n. 9.868/1999. Buscando inspiração no que consta da Constituição Portuguesa e na Lei Orgânica da Corte Constitucional Alemã4, o dispositivo conta com a seguinte redação:

“Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.”

A grande problemática que a modulação de efeitos traz, sob uma perspectiva do controle de constitucionalidade e supremacia da Constituição, é o fato de se permitir que uma norma inconstitucional surta efeitos jurídicos, pois, conceitualmente, a conformidade das normas legais à Constituição é uma condição de possibilidade de sua existência. Ou seja, uma norma jurídica inconstitucional é uma contradição nos seus próprios termos, pois, para ser norma jurídica, é preciso cumprir com a condição de ser constitucional para que possa existir.

O pano de fundo dessa discussão diz respeito à teoria da nulidade ou da anulabilidade das normas inconstitucionais, as quais preceituam, respectivamente, que uma norma inconstitucional é inexistente desde seu nascedouro ou que ela somente deixa de ser válida quando da declaração da sua inconstitucionalidade, eis que até que a norma seja efetivamente excluída do ordenamento ela seguiu produzindo seus efeitos. Logo, para a teoria da anulabilidade, seria uma espécie de “miopia” pretender ignorar o fato de que mesmo normas declaradas inconstitucionais produziram seus efeitos no tempo, não se podendo dizer que elas “nunca existiram” desde sua promulgação.

O vício de nulidade representa a não correspondência de uma norma jurídica a suas condições de existência, de forma que norma nula não é simplesmente uma norma inválida, mas sim uma norma inexistente5. Logo, o vício de nulidade é tanto inconvalidável quanto irreparável, sendo a norma nula desprovida de juridicidade ab initio, não devendo produzir efeitos válidos mesmo antes de qualquer decisão judicial a esse respeito6. A rigor, segundo essa teoria, a decisão judicial que reconhece a inconstitucionalidade de uma norma não a está constituindo como nula desde aquele momento, mas está declarando um estado de coisas prévio7; a decisão não constitui o vício de nulidade por inconstitucionalidade, mas o declara retroativamente (com efeitos ex tunc)8.

Em contrapartida à teoria da nulidade absoluta das normas declaradas inconstitucionais, a teoria da anulabilidade propõe que mesmo uma norma inconstitucional não pode ser tida, simplesmente, como inexistente, eis que todas normas produzem efeitos desde sua promulgação. Logo, sustentar uma nulidade absoluta ab initio seria incongruente e contraditório, como que a se tentar negar um fato do mundo.

O grande expoente dessa teoria foi Hans Kelsen, para quem não seria possível se falar em nulidade absoluta, pois todo ato normativo deve gozar de presunção de validade para produzir efeitos concretos, sob pena de se inviabilizar a própria aplicação do sistema jurídico9. Com efeito, toda norma é presumida válida desde o seu nascedouro, produzindo seus efeitos até que uma decisão judicial disponha em sentido diverso, o que evidencia a principal diferença dentre as teorias ora analisadas: a nulidade plena seria constatável ab initio, ao passo que a anulabilidade, conforme Kelsen, só é constituída por decisão do órgão competente para tal análise, somente existindo, portanto, em razão dela10.

Significa dizer que a anulabilidade corresponde à possibilidade de um órgão competente eliminar uma norma jurídica do ordenamento por vício de inconstitucionalidade, mas sem se deixar de reconhecer a validade da norma assim declarada até o momento em que prolatada a decisão, eis que se trata de lei perfectibilizada e que surtiu seus efeitos. Portanto, diferentemente do que se dá na teoria da nulidade, aqui a decisão de inconstitucionalidade não declara uma situação já previamente existente, mas efetivamente constitui a inconstitucionalidade com efeitos prospectivos (efeitos ex nunc)11.

Como se percebe, o debate é relevante e tem implicações práticas de elevado impacto na operacionalização do controle de constitucionalidade desempenhado pelo STF e no exercício de sua jurisdição constitucional. Embora se reconheça lógica e razoabilidade nas duas teorias, tem-se que no Brasil preponderou a teoria da nulidade da norma inconstitucional, ainda que se identifiquem pontuais manifestações doutrinárias12 e jurisprudenciais13 a defender a teoria da anulabilidade.

Com efeito, a teoria da nulidade parte de um pressuposto teórico muito consistente e sólido, pois resguarda o caráter de absoluta superioridade hierárquica do texto constitucional. Conforme sustenta Jorge Miranda, sendo a Constituição o fundamento de validade de todo ordenamento jurídico, ela deve prevalecer incondicionalmente desde que é promulgada, e não apenas a partir dos momentos nos quais as desconformidades forem reconhecidas pelo órgão fiscalizador. Ademais, a mera eficácia futura da declaração pode acarretar diferença de tratamento entre casos e pessoas sob o império do mesmo paradigma constitucional14.

A grande questão é que embora tal racional seja lógico e razoável, fato é que, na prática, as consequências de uma indiscriminada retroação ab initio de toda e qualquer declaração de inconstitucionalidade são, não raras vezes, desastrosas15. Não à toa se percebe, na jurisprudência do STF, o estabelecimento de marcos temporais diversos na modulação dos efeitos de suas decisões, sendo possível, até mesmo, o diferimento no tempo dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, reconhecendo-se uma espécie de “sobrevida” para a lei inconstitucional16.

Portanto, como bem destaca Fernando Leal, tem-se que dois pontos são especialmente importantes no que diz respeito à modulação de efeitos temporais das decisões de controle de constitucionalidade: (i) o reconhecimento do caráter excepcional da técnica de modulação, determinando ao julgador um pesado ônus argumentativo de fundamentar os motivos pelos quais se reconhece uma “sobrevida” a uma norma inconstitucional, ao invés de lhe declarar nula ab initio; (ii) a compreensão e a análise das consequências das decisões assim tomadas17.

Como leciona Ana Paula Ávila, o que o STF faz nos juízos de modulação de efeitos de suas decisões é uma ponderação entre as consequências de um imediato reconhecimento da inconstitucionalidade de uma norma assim declarada com os efeitos que tal decisão terá sobre outras normas, igualmente de hierarquia constitucional, que serão abaladas pela decisão então em questão. Trata-se, portanto, de dosar os efeitos práticos das próprias decisões visando ao resguardo da Constituição, colocando-se como “uma alternativa para as situações em que a retroação dos efeitos por ela preconizada leve a um resultado ainda mais inconstitucional que o reconhecimento da própria norma invalidada”18.

Importante destacar que essa dosagem de efeitos práticos não pode se dar com base no alvedrio da vontade do julgador, mas sim em face à segurança jurídica e a um excepcional interesse social, conforme expressamente determina e delimita o art. 27 da Lei n. 9.868/1999. Portanto, necessário perquirir, ainda que de forma perfunctória, quais os contornos jurídicos destes requisitos de legitimidade da modulação de efeitos.

No que diz respeito à segurança jurídica, trata-se de um princípio jurídico dos mais importantes de todo o sistema jurídico nacional, o que significa dizer, conforme abalizada doutrina, que a segurança jurídica estabelece um “estado ideal de coisas a ser promovido”, de forma a se demandar “uma avalição de correlação” entre esse estado de coisas pretendido “e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção”19.

Diferentemente de regras jurídicas, que são eminentemente prescritivas, os princípios têm um caráter finalístico e prospectivo, no sentido de indicarem finalidades e propósitos que devem, necessariamente, ser alcançados e construídos por meio de outros atos normativos e condutas a serem adotadas e/ou impostas às pessoas. É neste sentido, por exemplo, que se fala em princípios como o da igualdade, segundo o qual todos devem ser tratados da maneira igualitária, somente se admitindo desequiparações na justa medida das diferenças apresentadas pelas pessoas. Veja-se que não é possível antecipar toda e qualquer situação de tratamentos igualitários ou situações de desigualdades que precisem ser compensadas mediante tratamentos diferenciados, mas se trata de um estado ideal de coisas a ser promovido pela legislação e que deve nortear as decisões tomadas nos casos concretos.

No que diz respeito à segurança jurídica, trata-se de princípio que visa promover a cognoscibilidade, a confiabilidade e a calculabilidade do Direito, que dizem respeito à possibilidade de conhecimento e compreensão do Direito, à transição do passado para o presente e do presente para o futuro20.

A cognoscibilidade guarda relação com a capacidade de compreensão do sentido dos enunciados normativos que regem determinada conduta21, ou seja, deve-se promover um estado de coisas que torne possível às pessoas compreender as consequências que o sistema jurídico prescreve para suas condutas. Logo, o Direito deve ser, tanto quanto possível, compreensível pelas pessoas em geral.

A confiabilidade tem a ver com a estabilidade do Direito ao longo do tempo, no sentido de as pessoas poderem confiar que o Direito hoje existente é sério e longevo, podendo as pessoas tomarem decisões e planejarem suas vidas no longo prazo com a segurança de que não serão surpreendidas no meio do caminho com modificações bruscas na regulamentação jurídica de seus atos. Confiabilidade, portanto, é um estado de coisas em que as pessoas não tenham medo de que suas decisões tomadas no passado não as surpreendam hoje por uma mudança das “regras do jogo”.

A calculabilidade diz respeito à possibilidade de previsibilidade do Direito, voltado especialmente para dois elementos: (i) a qualificação jurídica que será atribuída, no futuro, a eventos e fatos concretamente existentes; (ii) as consequências jurídicas que serão atribuídas à realização destes eventos e fatos concretamente existentes22. Claro que não se trata de uma total e completa imutabilidade do Direito, mas a segurança jurídica também se realiza pela capacidade de as pessoas exercerem sua liberdade de tomarem decisões contando com consequências comensuráveis.

Portanto, tem-se que uma das alternativas legítimas de modulação de efeitos de uma decisão que declare a inconstitucionalidade de determinada norma jurídica é se a modulação, no que diz respeito à segurança jurídica, promover um estado maior de cognoscibilidade, confiabilidade e/ou calculabilidade do Direito. Do contrário, não se poderá cogitar de modulação de efeitos.

No que diz respeito ao excepcional interesse social, tem-se que se está diante de conceito jurídico de tamanha indeterminação semântica, que se torna impossível definir, de forma precisa, abstrata e peremptória, o que caracteriza um interesse social que seja excepcional. Naturalmente, contudo, que isso não significa que não se possa indicar condutas que lhe sejam conformes23. Contudo, a expressão é tão vaga que a própria jurisprudência do STF carece de uma maior definição e aprofundamento, referindo-se a ela de forma genérica, como se a sua mera invocação já fosse o suficiente para fundamentar o ponto24.

Apesar da dificuldade de se lidar com essa espécie de conceito indeterminado, fato é que não se pode invocar um suposto interesse social visando realizar interesses meramente estatais. Aqui, pertinente a divisão entre interesse público primário e interesse público meramente secundário, desenvolvido por parte da doutrina. O interesse público primário é aquele que diz respeito aos interesses básicos da população, intimamente relacionados com a preservação e melhor concretização do princípio da dignidade da pessoa humana. Já o secundário, diz respeito a questões meramente assessórias, que apenas indiretamente guardam relação com o interesse público primário. Exemplos clássicos de interesses primários são a saúde, a educação, a segurança e a manutenção dos serviços públicos tidos como essenciais. De interesses secundários, está a arrecadação tributária pura e simplesmente considerada, visto que a mesma, apesar de ser fundamental para a consecução daqueles, não necessariamente será revertida em melhores condições para a população25.

De forma alguma se está a dizer que referências genéricas e abstratas a um interesse público legitimariam modulações de efeitos em decisões que declarem a inconstitucionalidade de atos normativos, por conta de uma suposta prevalência do interesse público sobre o particular. Tal posicionamento peca por completa ausência de suporte constitucional, pois ignora que a Constituição Federal contém previsões de resguardo claro à liberdade, à propriedade e à cidadania, protegendo direitos subjetivos, garantindo procedimentos administrativos e assegurando posições e interesses privados26. Apenas se está a sustentar que eventuais decisões de modulação de efeitos, para que sejam legítimas, precisam estar respaldadas por um objetivo ou finalidade constitucionalmente amparado, de forma que a modulação possa ser fundamentada num interesse público que possa ser tido como um verdadeiro interesse social manifestado ou ameaçado no caso concreto de tamanha maneira, que se justifique a sua excepcionalidade.

Expostas as premissas teóricas da modulação de efeitos, interessa agora enfrenta-las à luz do que se denomina aqui de argumento orçamentário nas decisões de modulação de efeitos em matéria tributária. Para tanto, passa-se a expor o regime jurídico orçamentário que regula a evidenciação de impactos orçamentários de discussões judiciais no Orçamento Público.

III. O Orçamento Público e a Lei de Diretrizes Orçamentárias: limites e transparência na quantificação do impacto orçamentário de discussões judiciais

A conceituação do que seja o Orçamento Público é tarefa árdua e nada singela27. Ainda que o art. 165, § 8º, da CF/1988, acabe por lhe caracterizar como uma lei que contém a previsão de receita e a fixação de despesa para um determinado período de tempo, uma leitura atenta dos demais dispositivos constitucionais permite ampliar essa concepção para um instrumento pelo qual o Poder Legislativo presume e cientifica o Poder Executivo, por determinado tempo (via de regra um ano-calendário) as despesas que se autoriza sejam incorridas no curso da gestão e planejamento da Administração Pública, bem como a arrecadação das receitas previstas em lei28.

Vê-se, portanto, que toda a atividade pública passa pelo Orçamento, eis que é vedado qualquer tipo de gasto, por mais singelo que seja, sem sua prévia previsão autorizativa, num claro exemplo da sistemática de freios e contrapesos dentre os Poderes Legislativo e Executivo29. Não por outro motivo que se tem que o Orçamento Público informa a história financeira de um Estado em um período de tempo deliberado30, pois “disciplina toda a vida do Estado”31.

A verdade é que a história da construção da acepção de Orçamento Público bem ilustra a sua importância como instrumento de legitimação dos gastos e políticas públicas, pois foi concebido como um instrumento de limitação aos poderes despóticos de monarcas por representantes do povo32. Antônio de Oliveira Leite bem destaca a importância histórica do Orçamento como “passo inicial para se conseguir o controle da despesa pública, o que se verificou na própria Inglaterra, em fins do século XVIII, na Declaração de Direitos, que faz menção ao controle da despesa pública, já discriminada, então, das finanças particulares do rei”33.

Com efeito, a famosa Magna Carta de 1215, outorgada pelo Rei João sem Terra, já previa, em seu art. 12, que: “nenhum tributo ou auxílio será instituído no Reino, senão pelo seu conselho comum, exceto com o fim de resgatar a pessoa do Rei, fazer seu primogênito cavaleiro e casar sua filha mais velha uma vez, e os auxílios para esse fim serão razoáveis em seu montante”. Tal disposição se tratou de importante conquista popular contra a instituição abusiva e desmedida de tributos pela monarquia, condicionando tal prática a parâmetros de razoabilidade. Por mais abstrata que tal medida possa parecer, importante perceber que, até então, não haviam limites às vontades de imposição fiscal do rei, sendo evidente que tal conquista não somente era um limitador importante, mas também grande fonte de conflitos34.

A grande questão é que embora o art. 12, acima transcrito, não trate especificamente das despesas públicas, mas sim da instituição de tributos, o avançar do tempo demonstrou que sua melhor interpretação necessariamente teria que atentar também para este anverso da moeda35, não bastando apenas uma autorização para a instituição de cobrança de rendas, mas também a verificação se a sua aplicação correspondia às respectivas finalidades36. Este foi, precisamente, o motivo que originou a famosa Revolução Gloriosa, consistente num conflito não armado mantido entre Carlos II e o Parlamento no que diz aos gastos da Coroa. Como consequência deste episódio, ocorrido em 1688, o Parlamento baixou, em 1689, a Bill of Rights, por meio da qual se deu nova e mais moderna redação ao referido art. 12 da Magna Carta, bem como se estabeleceu a separação entre as finanças do reino (Estado) e as finanças da Coroa, as quais passaram a ter de ser organizadas em documento próprio e aprovadas pelo Parlamento37.

Já em 1787, promulgou-se a Lei do Fundo Consolidado, a qual possibilitou a contabilização dos fundos públicos. A partir de 1802, passou-se a publicar anualmente o relatório detalhado das finanças e, a partir de 1822, o chanceler do Erário passou a apresentar ao Parlamento uma exposição que fixava a receita e a despesa de cada exercício38. Trata-se de avanço de tamanha relevância, em clara relação de colaboração e limitação recíproca entre Poderes, que Burkhead diz ser este o marco do início do orçamento, plenamente desenvolvido, na Grã-Bretanha39.

Percebe-se, portanto, um desenvolvimento secular do Orçamento Público na Inglaterra, consolidando-se como o instrumento por meio do qual se prevê as receitas e despesas que se pretende incorrer no exercício subsequente, sendo ele proposto pelo Executivo e aprovado pelo Legislativo, como uma maneira de legitimar todo o funcionamento da máquina pública a partir de um filtro democrático.

Apesar de ter sido a Inglaterra o berço do Orçamento Público, outras experiências se mostraram importantes a contribuir com regras hoje tidas como comezinhas e básicas da matéria. Neste sentido, na França, a partir de 1831, o Parlamento passou a exercer importante controle sobre o orçamento, estabelecendo-se as seguintes regras: (i) anualidade do orçamento; (ii) votação do orçamento antes do exercício; (iii) previsão no orçamento de todas as receitas e despesas (princípio da universalidade), e (iv) a não vinculação de receitas para com despesas específicas (princípio da não afetação)40. Outra experiência digna de nota é a norte-americana, que muito contribuiu com inovações e concepções inovadoras a respeito de como estruturar o Orçamento Público, tais como a estruturação de comissões próprias para seu debate no Legislativo e a sistemática de elaboração orçamentária pelo Executivo Presidencialista com seu envio e aprovação pelo Legislativo41, já em 1921, quando se aprovou a Lei de Orçamento e Contabilidade (Budget and Accounting Act), que previa a elaboração do Orçamento pelo Executivo e seu encaminhamento ao Legislativo para deliberações e aprovação42.

Tais sistemáticas e inovações foram verdadeiramente revolucionárias, tendo se espalhado pelos países ocidentais do mundo, tendências estas a que o Brasil não se furtou de adotar ao longo da história do desenvolvimento da sua cultura financeira e orçamentária43. Todo esse excurso histórico permite entender o estágio hoje vivido no Brasil, onde desde 1988, por meio de nossa Constituição Federal, planejamento e orçamentação são preceitos máximos da nossa República em matéria de finanças públicas. Neste sentido, basta perceber que nosso texto constitucional estruturou o Orçamento Público em três leis que se inter-relacionam, mas que desempenham, cada qual, papel individualizado e bem delimitado na composição do processo orçamentário. Tais leis são, hoje, de iniciativa privativa do Poder Executivo, mas são apreciadas e validadas pelo Legislativo, num primoroso exemplo do sistema de freios e contrapesos dos Poderes44.

Tais leis são o Plano Plurianual – PPA, a Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO e a Lei Orçamentária Anual – LOA, sendo que, para os propósitos deste trabalho, merece especial destaque a LDO, uma novidade do nosso texto constitucional com inspiração em ordenamentos estrangeiros como alemão, francês e neozelandês45. Conforme a Constituição Federal, a LDO tem por funções estabelecer metas e prioridades, orientar a elaboração da lei orçamentária anual, dispor sobre alterações na legislação tributária (ainda que tal disposição do Executivo não vincule o Legislativo) e estabelecer a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento46. Contudo, a LDO também conta com importantes disposições na Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF, as quais não podem ser desconsideradas.

Com efeito, o art. 4º, § 1º, da LRF, transformou a LDO também num instrumento de planejamento trienal, ao prever um Anexo de Metas Fiscais – AMF em que serão estabelecidas as metas anuais de arrecadação que, por sua vez, pautarão a programação financeira e o cronograma de execução mensal de desembolso, conforme o art. 8º, também da LRF47. Todavia, mais importante para os propósitos deste estudo é o seu Anexo de Riscos Fiscais – ARF, previsto no art. 4º, § 3º, da LRF. Conforme os próprios termos legais, tal anexo é onde “serão avaliados os passivos contingentes e outros riscos capazes de afetar as contas públicas, informando as providências a serem tomadas, caso se concretizem”.

Conforme bem aponta Tathiane Piscitelli, “as previsões constantes nesse anexo têm sido utilizadas pela Procuradoria da Fazenda Nacional para embasar pedidos de modulação de efeitos de julgamentos de natureza tributária ocorridos no Supremo Tribunal Federal”48, de forma que se faz necessário questionar não apenas se tal alegação se amolda às hipóteses autorizativas da técnica da modulação de efeitos, conforme visto em tópico anterior deste trabalho, mas também qual a metodologia das previsões constantes do ARF e a sua normatividade para fins de serem, efetivamente, utilizadas pelo STF no exercício da sua jurisdição constitucional. Neste sentido, destaque especial merece a Portaria AGU n. 318/2018, que, nos termos do seu preâmbulo, estabelece os critérios de classificação dos riscos judiciais das ações envolvendo a União Federal entre provável, possível e remoto49.

Classificado o risco, a estimativa de impacto financeiro será quantificada com base nos elementos constantes no processo e nas informações e documentos apresentados pelos órgãos e entidades envolvidas no processo judicial. A estimativa também poderá ser feita com base nos dados e relatórios disponíveis nos sistemas informatizados da AGU quando houver elementos suficientes à adequada verificação do impacto financeiro. A norma ainda prevê que, quando não for possível estimar o impacto financeiro com razoável segurança, devem ser indicadas as razões dessa impossibilidade.

Acontece que da leitura de tal normativa não se tem uma metodologia clara a respeito de como se dará o cálculo quantitativo a processos judiciais atrelados a risco provável, o que acaba enfraquecendo este importante instrumento de análise. Veja-se que, por determinação legal, é no ARF que o prognóstico de risco e de valores deve constar, de forma que se tem que eventuais alegações de impacto orçamentário devem estar nele amparadas de maneira a que os envolvidos possam efetivamente deliberar sobre a questão e, até mesmo, auditar a veracidade do suposto impacto50.

E eis o ponto fundamental no que diz respeito ao argumento orçamentário como fundamentação para modulação de efeitos em decisões do STF, em matéria tributária: conforme visto, o regime jurídico brasileiro estabelece que os impactos orçamentários de processos pendentes de julgamento devem constar no ARF da LDO, com metodologia de cálculo evidenciada. Significa dizer que a origem de informações a embasarem tanto a alegação de impacto orçamentário quanto a sua adoção como fundamentação para fins de modulação de efeitos, necessariamente precisaria estar fundada e condizente com o ARF. Todavia, a análise dos casos tributários em que houve a modulação de efeitos com base no argumento orçamentário evidencia que não somente as alegações nem sempre coincidem com os dados constantes do ARF, como os próprios Ministros do STF não lhe dá a devida normatividade, recorrendo a outras fontes como estudos técnicos, notícias de jornais especializados ou mesmo à fonte nenhuma, dando ao argumento orçamentário uma eficácia prima facie.

Assim, à luz do quanto exposto até aqui, realiza-se uma análise de julgados paradigmáticos do STF a respeito da questão, no intuito de evidenciar a forma com que o argumento orçamentário é acolhido.

IV. O argumento orçamentário e a jurisprudência do STF: a eficácia prima facie da alegação de impacto orçamentário para fins de modulação de efeitos em matéria tributária

Com efeito, nos últimos anos se tem percebido um maior influxo de alegações de impacto orçamentário de decisões de inconstitucionalidade de normas tributárias como fundamento de modulação de efeitos de tais decisões, o que carece de ser melhor analisado. Efetivamente, são duas as reflexões a serem feitas: primeiro, se o argumento orçamentário se caracteriza como um motivo de segurança jurídica ou de excepcional interesse social para fins de aplicação do art. 27, da Lei 9.868/99; segundo, quais os contornos técnicos e jurídicos que esse tipo de alegação precisa ter para ser tido como de legítima apreciação, ainda que hipoteticamente.

Originariamente, o argumento orçamentário não era acolhido pelo STF para fins de modulação de efeitos de decisões em matéria tributária. Neste sentido, ilustrativamente, veja-se que no RE n. 363.85251, o Ministro Cezar Peluso destacou que a banalização da modulação temporal dos efeitos de decisões de inconstitucionalidade “em matéria tributária, na prática implica, pura e simplesmente, abolição do instituto da repetição de indébito”. Ainda, a Ministra Cármen Lúcia pontuou que a verificação de um excepcional interesse social ensejador da modulação de efeitos não estaria atrelada a um problema financeiro ou econômico decorrente da decisão, mas sim a um efetivo “nexo de causalidade entre aquele impacto financeiro e um problema social que será agravado com a ausência dos recursos públicos”.

Este mesmo posicionamento foi adotado nos RE n. 559.93752, RE n. 595.83853 e RE n. 957.65054, destacando-se que nestes casos a Fazenda Nacional inaugura a postura de aportar aos autos cálculos dos supostos impactos orçamentários, e ainda no Agravo Regimental no RE n. 845.76655, no qual o Município de Tubarão/SC, após perder a discussão quanto à localidade em que o ISS sobre leasing deveria ser recolhido, interpôs recurso extraordinário buscando, especificamente, a modulação dos efeitos do julgado. No STJ, o Ministro Cesar Asfor Rocha afastou a argumentação do município, cunhando-a de “até ad terrorem”, ou seja, uma argumentação alarmista e exagerada. No STF, o Ministro Rel. Dias Toffoli apontou que o alegado risco de “falência” dos municípios se trata de fato não notório, tratando-se de levantamento administrativo feito pelo próprio município, a partir de uma data histórica e que teriam o condão de reforçar o seu próprio interesse.

Contudo, conforme já antecipado, no período pós-pandêmico da covid-19 a jurisprudência do STF sofre uma grande guinada para uma acolhida ampla do argumento orçamentário.

A rigor, tal modificação de entendimento já pode ser identificada na ADIn n. 3.55056, na qual se discutiu a constitucionalidade de um dispositivo de legislação do Estado do Rio de Janeiro que previa a concessão de créditos presumidos de ICMS a contribuintes que destinassem recursos ao Fundo de Aplicações Econômicas e Sociais do Estado do Rio de Janeiro (FAES), na mesma proporção destes recursos, bem como quando do julgamento do RE n. 851.10857, no qual se discutiu a respeito da constitucionalidade da instituição, pelos Estados da Federação, do ITCMD sobre doações ou recebimento de imóveis localizados no exterior (Tema n. 825) e daquele que talvez seja o principal caso no histórico jurisprudencial a respeito do argumento financeiro na modulação de efeitos em matéria tributária pelo STF é o já mencionado RE n. 574.70658, costumeiramente referido como a “tese do século”, em alusão, justamente, aos valores envolvidos na discussão.

No que diz respeito à “tese do século”, percebe-se ser o grande paradigma jurisprudencial a respeito do argumento orçamentário em decisões de modulação de efeitos proferidas pelo STF, não apenas pela quantidade de votos que adentrou a questão, mas também pela diversidade de seus fundamentos e linhas argumentativas. A rigor, dentre os votos favoráveis pela modulação, tem-se uma continuidade na jurisprudência pós-pandêmica de mais fácil acolhida do argumento de impactos orçamentários, sendo suficiente a referência ao seu montante e volume, mas sem a necessidade de uma demonstração causal de seus efeitos sobre serviços públicos essenciais. Há uma grande sensibilidade pela “crise orçamentária” da União.

Neste sentido, a Ministra Rel. Cármen Lúcia faz uma breve referência a um cenário de “crise fiscal” alegada pela Fazenda Pública, ainda que desacompanhada da demonstração efetiva da sua vinculação a serviços públicos essenciais ou a fonte de onde retirada a informação, enquanto o Ministro Alexandre de Morais teceu diversos comentários a respeito. Em primeiro lugar, traz os apontamentos quantitativos da discussão, destacando que a não modulação de efeitos “ensejaria indesejados impactos financeiros”; em segundo lugar, traz a necessidade de modulação para fins de dar às autoridades fazendárias “tempo para adequar-se”; em terceiro lugar, destaca a necessidade de preservação das contas públicas no período pós-pandêmico. O Ministro Dias Toffoli arrolou uma série de destaques relativamente aos valores envolvidos na discussão e seus impactos nas contas públicas. Para tanto, fez referência tanto aos memoriais da Fazenda Pública quanto a notícias veiculadas por jornais especializados de forma que o cenário de crise nas contas públicas seria fundamento suficiente para a modulação de efeitos da decisão.

Já o Ministro Edson Fachin abriu importantíssima divergência, rejeitando a modulação de efeitos precisamente por ausência de demonstração das consequências do alegado impacto orçamentário. Conforme destaca o Ministro, desde 2017 a União reconhecia o risco fiscal da discussão no ARF da LDO, tendo, deliberadamente, deixado de fazer os competentes provisionamentos. Logo, não haveria de se falar em modulação de efeitos. Nas suas palavras, a modulação, por tais motivos, “propiciaria que consequências jurídicas fossem preteridas em relação às financeiras, o que contraria a ideia do Estado Democrático de Direito”. Em linha semelhante, a Ministra Rosa Weber destacou no seu voto que “o Tribunal, ordinariamente, não considera que impacto no caixa do Ente tributante ou impacto orçamentário configurem excepcional situação de interesse social”.

Por outro lado, o Ministro Gilmar Mendes, embora também tenha decidido em favor da modulação, fê-lo com fundamentação diversa, trazendo à tona questões de responsabilidade fiscal e equilíbrio orçamentário, com especial destaque à doutrina do dever fundamental de pagar tributos do Professor Casalta Nabais59. No entendimento do eminente Ministro, embora questões de ordem orçamentária não devam, por si só, pautar a jurisprudência do STF, o caso concreto seria único e diferenciado, dado que o STF, ao julgar o caso, teria se imiscuído em “assunto de política tributária que não lhe dizia respeito”, o que atrairia tal tipo de reflexão para ser ponderada. Especificamente quanto aos números apresentados pela Procuradoria da Fazenda Nacional, o Ministro Gilmar Mendes lhes dá relevo e importância justamente por terem sido incluídos e atualizados na LDO daquele ano.

Em primeiro lugar, tem-se que seu voto faz questão de destacar a idoneidade da fonte quanto aos dados de impactos orçamentários, provenientes não de levantamentos administrativos voltados especificamente para instruírem peças processuais, mas sim da própria LDO; em segundo lugar, o Ministro destaca o impacto orçamentário de forma comparativa com a Reforma da Previdência, procurando demonstrar que, face a grandiosidade referencial dos valores envolvidos, o risco de colapso da prestação de serviços públicos seria uma realidade; em terceiro lugar, há um esforço argumentativo de diferenciar o presente caso de outros casos que poderiam, potencialmente, ser equiparados, visando criar uma solução específica para um caso tido pelo Ministro como diferenciado; em quarto lugar, destaca que significativa parte do impacto orçamentário da questão decorre da própria decisão do STF, como que a fazer um mea culpa em nome da Corte.

Por fim, merece destaque o voto do Ministro Luiz Fux, que fez percucientes apontamentos quanto ao fato de que, desde 2007, a matéria já estaria sendo contingenciada pela União, bem como que desde 2019 o TCU determinara a modificação de classificação do risco de perda da matéria de possível para provável, à luz dos ditames de adequado enquadramento no ARF. Contudo, à luz dos efeitos que a pandemia da covid-19 teve sobre as contas públicas, a modulação seria medida impositiva por motivos orçamentários, independentemente de qualquer contexto ou alegação que se fizesse nos autos.

Tal posicionamento de aceitação prima facie é identificado também no julgamento da ADI n. 5.48160, na qual se discutiu a constitucionalidade de uma lei do Estado do Rio de Janeiro que estabeleceu a incidência de ICMS sobre a extração de petróleo; no julgamento do RE n. 714.13961, no qual se discutiu a constitucionalidade das alíquotas de ICMS adotadas pelos Estados da Federação na sua incidência sobre energia elétrica e sobre serviços de telecomunicações; no julgamento do RE n. 776.59462, no qual se questionava a constitucionalidade de duas taxas estabelecidas pelo Município de Estrela D’oeste/SP, relacionadas à fiscalização de torres de antenas de telefonia móvel; no julgamento da ADI n. 6.14563, na qual se questionou a constitucionalidade de uma série de taxas instituídas pelo Estado do Ceará, relacionadas ao seu contencioso administrativo, tais como taxa para apresentação de impugnação administrativa e taxa para realização de perícias, por órgãos estatais, também no curso de contencioso administrativo; e no julgamento da ADPF n. 51264, na qual a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica – Abradee questionou legislação do Município de Santo Amaro da Imperatriz/SC, que instituía Taxa de Fiscalização de Ocupação, sob o argumento de ausência de individualização da atividade que originara a cobrança e indevida invasão de competência privativa da União. Em todos estes casos, a modulação de efeitos se deu com base em fundamentações de impacto orçamentário, adotando-o como um elemento prima facie e autossuficiente para fins de modulação.

O que se evidencia da análise destes casos é que embora em alguns votos se perceba referências à LDO (especialmente em discussões de nível federal), não há uma obrigatoriedade, por parte da jurisprudência do STF de que o argumento orçamentário esteja efetivamente pautado no ARF. Logo, à revelia do regramento jurídico do Orçamento Público, permite-se que alegações orçamentárias sejam desenvolvidas desacompanhadas de sua evidenciação no Orçamento, o que soa como uma grande contradição e incoerência. Se é verdade que a modulação de efeitos precisa estar pautada em critérios de segurança jurídica e de excepcional interesse social, como há de se falar em sua verificação, no que diz respeito a alegações de impacto orçamentário, se as fontes e informações podem ser suscitadas de forma livre, sem vinculação com o instrumento técnico e jurídico de deliberação e evidenciação democrática e republicana que é o Orçamento Público?

Noutros termos, questiona-se qual segurança jurídica vai violada por um impacto orçamentário não reconhecido pelo próprio Ente como relevante para fins de formação do seu Orçamento, decorrente de uma inconstitucionalidade operada também pelo próprio Ente. Ora, se a informação não consta do ARF da LDO do Ente, tem-se que se trata de valor não tido como relevante ou, alternativamente, conforme visto, de impossível definição metodológica para fins de quantificação.

Ainda, qual excepcional interesse social vai violado pela não modulação de efeitos de uma decisão em matéria tributária, sem que haja qualquer esforço de vinculação do respectivo impacto financeiro nas contas públicas a respectivos serviços públicos essenciais? Veja-se que embora no passado da jurisprudência do STF tal questão fosse exigida, a adoção de uma eficácia prima facie ao argumento orçamentário cria uma espécie de presunção jurídica, de que todo impacto orçamentário alegado como relevante implicaria, necessariamente, o prejuízo na prestação de serviços públicos essenciais.

O que se percebe, do quanto exposto, é que as discussões em torno da modulação de efeitos em matéria tributária acabam sendo de certa forma erráticas e aleatórias quanto aos seus elementos. Referências à LDO são feitas em alguns casos, mas na maioria não; a metodologia de cálculo dos alegados impactos orçamentários não é cotejada com o ARF da LDO e tampouco debatida nos julgamentos (salvo pontuais exceções); não há uniformidade de critério quanto aos elementos e fontes a serem adotados para fins de fundamentação do argumento orçamentário.

V. Conclusão

O presente trabalho teve por objetivo analisar como o STF lida com o argumento orçamentário para decidir sobre pedidos de modulação de efeitos em decisões de matéria tributária. Neste contexto, buscou-se apurar: (i) quais informações orçamentárias são levadas em consideração; (ii) verificar se o STF, quando decide sobre modulações de efeito em processos de matéria tributária, observa o ARF da LDO; (iii) verificar o histórico de decisões do STF sobre a matéria, constatando se o entendimento da Corte sempre foi homogêneo.

Com o desenvolvimento da pesquisa, percebeu-se que o STF modificou radicalmente seu posicionamento a respeito do tema ao longo dos anos, passando a dar uma eficácia prima facie ao argumento orçamentário para fins de modulação em matéria tributária. Especialmente no período pós-pandêmico da covid-19, alegações de impacto orçamentário passaram a gerar grande sensibilidade nos ministros, sendo adotadas como fundamentação das decisões do STF, mas sem uma efetiva análise e cotejo dos dados orçamentários constantes do ARF da LDO (especialmente em discussões de nível estadual e municipal).

É bem verdade que as decisões analisadas nem sempre foram unânimes, havendo ministros com entendimentos mais rigorosos quanto aos fundamentos e elementos comprobatórios necessários para acolher a modulação de efeitos em matéria tributária. Contudo, é fato que o STF vem firmando jurisprudência no sentido de grande aceitação e complacência quanto à forma e ao conteúdo de alegações de impactos orçamentários.

Naturalmente que a falta de referência ao ARF da LDO pelo STF é um problema que precisa ser enfrentado. Na prática, tem-se que o impacto orçamentário é assumido “por si só”, não havendo uma análise dos efetivos impactos que a repetição de indébito tributária causaria na prestação de serviços públicos essenciais, bem como quanto à efetiva impossibilidade (ainda que parcial) de financiamento da questão por meio de outras fontes de custeio que a Administração Pública dispõe.

Com efeito, sustentou-se ao longo do trabalho que o argumento orçamentário, para ser tido como uma hipótese argumentativa legítima, precisaria constar do ARF da LDO com a devida evidenciação de sua metodologia de cálculo, bem como que haja uma evidenciação de quais despesas orçamentárias seriam prejudicadas pelo dever de repetição de indébito, bem como por quais motivos não poderiam ser supridas (ainda que parcialmente) por outras formas de custeio. Do contrário, não há propriamente resguardo à segurança jurídica (ainda que do próprio Ente) ou a questões de excepcional interesse social, mas mero protecionismo aos cofres públicos.

Infelizmente, tais critérios técnicos não são observados pela jurisprudência do STF, eis que não se identifica um critério nas fontes para subsidiar o argumento orçamentário (ora é a LDO, ora são notícias de jornais, ora são estudos técnicos, etc.), não há qualquer análise crítica do seu efetivo impacto na prestação de serviços públicos e tampouco há uma efetiva análise do efeito reverso da modulação sobre a capacidade produtiva dos contribuintes.

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1 RE n. 851.108, Rel. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 01.03.2021, processo eletrônico repercussão geral – mérito DJe-074 divulg 19.04.2021 public 20.04.2021.

2 RE n. 574.706 ED, Rel. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 13.05.2021, Processo Eletrônico DJe-160 divulg 10.08.2021 public 12.08.2021.

3 Não se ignora que, posteriormente, quando da retificação do termo inicial da modulação de efeitos, o Ministro Dias Toffoli acaba aprofundando melhor a questão dos valores envolvidos na discussão, mas o fato de isso não ter sido uma preocupação originária bem demonstra que a alegação de impacto orçamentário é tida como um argumento autossuficiente para fins de modulação.

4 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência. 9. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2022, p. 286. Sobre as possibilidades outorgadas pelo dispositivo legal ao STF, no que diz respeito à técnica da modulação de efeitos, segue o autor: “O dispositivo permite, portanto, que o Tribunal: a) restrinja os efeitos da decisão, excluindo de seu alcance, por exemplo, categoria de pessoas que sofreriam ônus ponderado como excessivo ou insuportável, ou ainda impedindo a retroação sobre determinado tipo de situação; b) não atribua efeito retroativo a sua decisão, fazendo-a incidir apenas a partir de seu trânsito em julgado; e c) até mesmo fixe algum momento específico como marco inicial para a produção dos efeitos da decisão, no passado ou mesmo no futuro, dando à norma uma sobrevida.” (p. 286-288)

5 HECK, Luís Afonso. Jurisdição constitucional: teoria da nulidade versus teoria da nulificabilidade das leis. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 41.

6 ÁVILA, Ana Paula. A modulação de efeitos temporais pelo STF no controle de constitucionalidade: ponderação e regras de argumentação para a interpretação conforme a Constituição do art. 27 da Lei n. 9.868/99. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 29.

7 HECK, Luís Afonso. Jurisdição constitucional: teoria da nulidade versus teoria da nulificabilidade das leis. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 41.

8 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 490.

9 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 8. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. 309

10 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 8. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.

11 FERNANDES, André Dias. Modulação de efeitos e decisões manipulativas no controle de constitucionalidade brasileiro. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 23. Importante destacar, todavia, que ainda que Kelsen defenda que, via de regra, uma declaração de inconstitucionalidade surta efeitos apenas prospectivamente, não ignora a possibilidade de existirem casos em que tal declaração terá efeitos retrospectivos. Neste sentido: “Uma norma jurídica em regra somente é anulada com efeitos para o futuro, por forma que os efeitos já produzidos que deixa para trás permanecem intocados. Mas também pode ser anulada com efeito retroativo, por forma tal que os efeitos jurídicos que ela deixou para trás de si sejam destruídos: tal, por exemplo, a anulação de uma lei penal, acompanhada da anulação de todas as decisões judiciais proferidas com base nela; ou de uma lei civil, acompanhada da anulação de todos os negócios jurídicos celebrados e decisões jurisdicionais proferidas com base nessa lei.” (KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 8. ed. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. 308).

12 Por todos: “Enquanto não se lhe decreta a nulidade por inconstitucionalidade, a regra jurídica é eficaz: há lei, e os juízes e tribunais podem e devem aplicá-la; para que possam e devam não a aplicar, é preciso que preceda desconstituição in casu, de modo que, decidida a quæstio iuris præiudicalis da inconstitucionalidade da regra jurídica, a questão principal tenha de atender a esse julgamento prévio.” (MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários à Constituição de 1946. Tomo II. 3. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1960, p. 487).

13 “Acertado se me afigura [...] o entendimento de que se não deve ter como nulo ab initio ato legislativo, que entrou no mundo jurídico munido de presunção de validade, impondo-se, em razão disso, enquanto não declarado inconstitucional, à obediência pelos seus destinatários dos seus comandos. Razoável é a inteligência, a meu ver, de que se cuida, em verdade de ato anulável, possuindo caráter constitutivo a decisão que decreta a nulidade.” (Trecho do voto do Ministro Leitão de Abreu. In: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 79.343/BA. Rel. Min. Leitão de Abreu, 31 de maio de 1977. RTJ n. 82, p. 791-796).

14 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Tomo II. 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1996, p. 489-490.

15 SARMENTO, Daniel. A eficácia temporal das decisões no controle de constitucionalidade. In: SARMENTO, Daniel (org.). O controle de constitucionalidade e a Lei 9.868/99. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 103.

16 Sobre a modulação de efeitos para o futuro de declarações de inconstitucionalidade, vide a obra específica sobre o tema: BASTOS, Thomaz Ahrends Torelly. A modulação de efeitos temporais na jurisdição constitucional: pressupostos, técnica e aplicação no controle concentrado. Curitiba: Appris, 2020.

17 LEAL, Fernando Angelo Ribeiro. Consequencialismo judicial na modulação de efeitos das decisões declaratórios de inconstitucionalidade nos julgamentos de direito tributário. Revista Brasileira de Políticas Públicas v. 7, n. 3. Brasília, 2017, p. 818-843, p. 827.

18 ÁVILA, Ana Paula. A modulação de efeitos temporais pelo STF no controle de constitucionalidade: ponderação e regras de argumentação para a interpretação conforme a Constituição do art. 27 da Lei n. 9.868/99. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 69.

19 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 15. ed. ampl. e atual. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 102.

20 ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 698-699.

21 ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 265 e ss.

22 ÁVILA, Humberto. Teoria da segurança jurídica. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 267.

23 TESSARI, Cláudio. Modulação dos efeitos no STF: parâmetros para definição do excepcional interesse social. São Paulo: JusPodivm, 2022, p. 231 e ss. e 264.

24 Para uma análise satisfativa do tema, com vasta referência a julgados do STF, vide: TESSARI, Cláudio. Modulação dos efeitos no STF: parâmetros para definição do excepcional interesse social. São Paulo: JusPodivm, 2022.

25 O próprio STJ consigna na sua jurisprudência que o interesse arrecadatório não se confunde com o interesse público da população. Neste sentido: REsp n. 669.563/RS, Rel. Min. José Delgado, Primeira Turma, julgado em 12.04.2005, DJ 23.05.2005, p. 166. Ainda, sobre o tema: “A realidade – da qual o intérprete do Direito não se pode afastar – deixa bastante claro que nem sempre os interesses públicos secundários poderão ser considerados verdadeiros interesses públicos, ou interesses da comunidade, exatamente porque, por exemplo, em relação ao Direito Tributário: a) a exigência que gera determinada arrecadação pode ser inválida; e b) o valor arrecadado pode não ser devidamente destinado à realização dos interesses públicos primários. De fato, não é do interesse da comunidade nem a arrecadação inválida (contrário à Constituição e às demais normas com ela compatíveis), nem a vazia (que não se torna útil, com a conversão em benefícios reais para a população).” (MACHADO, Raquel Cavalcanti Ramos. Interesse público e direitos do contribuinte. São Paulo: Dialética, 2007, p. 99).

26 Neste sentido: ÁVILA, Humberto. Repensando o “princípio da supremacia do interesse público sobre o particular”. Revista Trimestral de Direito Público v. 24. São Paulo: Malheiros, 1988, p. 159-180.

27 Destacando as suas diferentes naturezas, eis as lições de James Giacomoni: “Ao ver o orçamento como o resultado do processo de avaliação de demandas e de escolha entre alternativas, ressalta-se a sua natureza política. Se destacadas as questões fiscais – receitas, despesas, déficits e dívidas –, é a natureza econômica do orçamento que aflora. Orçamento como a lei que estima a receita e autoriza tetos de despesa define a sua natureza jurídica. Ver o orçamento como o plano das realizações da administração pública é chamar a atenção para o seu importante papel como instrumento de gestão, de administração. Ao antecipar os fluxos de arrecadação e de pagamento, o orçamento é, portanto, um instrumento financeiro. Há, igualmente, uma natureza contábil no orçamento quando, por meio das contas, antecipa o resultado patrimonial e global da gestão.” (GIACOMONI, James. Orçamento Público. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2022, p. 49).

28 PALUDO, Augustinho Vicente. Orçamento Público e Administração Financeira e Orçamentária e LRF. 3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012, p. 4.

29 Neste sentido, veja-se os diversos incisos do art. 167 da CF/88, que preveem, justamente, a vedação de incorreção em despesas sem autorização orçamentária prévia.

30 BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 17. ed., rev. e atualizada por Hugo de Brito Machado. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 521.

31 LEITE, Antônio de Oliveira. Orçamento Público, em sua feição política e jurídica. Revista de Direito Público n. 18. São Paulo: RT, 1971, p. 156.

32 Sobre o tema, com amplo levantamento histórico, legal e doutrinário, vide: ASSIS, Luiz Gustavo Bambini de. Processo legislativo e Orçamento Público: função de controle do parlamento. São Paulo: Saraiva, 2017.

33 LEITE, Antônio de Oliveira. Orçamento Público, em sua feição política e jurídica. Revista de Direito Público n. 18. São Paulo: RT, 1971, p. 150.

34 BURKHEAD, Jesse. Government budgeting. New York: John Wiley & Sons, Inc., 1956, p. 2-3.

35 Sobre o tratamento da tributação e da despesa pública como dois lados de uma mesma moeda, sendo um o anverso do outro, vide o aprofundado estudo de: CORREIA NETO, Celso de Barro. O avesso do tributo. São Paulo: Almedina, 2014.

36 A história demonstra que os principais e mais graves problemas de divergências, no que diz respeito aos limites de imposições fiscais, começaram a ocorrer no século XVII, com o Rei Jacques I e com seu sucessor, Rei Carlos I. Inconformado com as limitações que o Parlamento lhe impunha, o Rei Carlos I buscou, à base da força militar, a obtenção de sua total independência em relação ao Parlamento, o que resultou na sua derrota, condenação e morte. Sobre o ponto, vide: BURKHEAD, Jesse. Government budgeting. New York: John Wiley & Sons, Inc., 1956, p. 3.

37 BURKHEAD, Jesse. Government budgeting. New York: John Wiley & Sons, Inc., 1956, p. 3.

38 GIACOMONI, James. Orçamento Público. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2022, p. 28.

39 BURKHEAD, Jesse. Government budgeting. New York: John Wiley & Sons, Inc., 1956, p. 4-6.

40 BURKHEAD, Jesse. Government budgeting. New York: John Wiley & Sons, Inc., 1956, pp. 7-8.

41 BURKHEAD, Jesse. Government budgeting. New York: John Wiley & Sons, Inc., 1956, pp. 15 e ss.

42 BURKHEAD, Jesse. Government budgeting. New York: John Wiley & Sons, Inc., 1956, p. 26.

43 Para uma exposição bastante abrangente da questão, vide: GIACOMONI, James. Orçamento Público. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2022, p. 32-34.

44 Conforme visto, a elaboração orçamentária partir do Executivo para ser apreciada e validada pelo Legislativo é uma conquista histórica, pois permite que os órgãos com melhores condições técnicas produzam o material técnico orçamentário (Executivo), mas garante o filtro de legitimidade e de auditabilidade mediante análise do Congresso Nacional (Legislativo). Mesmo nos períodos em que o Legislativo pretendeu manter consigo o poder de elaboração orçamentária, ainda assim a condução pelo Executivo era sentida, de forma que esta estruturação se justifica lógica e praticamente. Como observa Arizio de Viana, tal iniciativa que se tentava suprimir do Executivo “sempre partiu do gabinete do ministro da Fazenda que, mediante entendimentos reservados e extraoficiais, orientava a comissão parlamentar de finanças na confecção da lei orçamentária.” (VIANA, Arizio de. Orçamento brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Financeiras, 1950, p. 76).

45 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 20. ed. rev. e atual. por Silvia Faber Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2018, p. 169-170.

46 Não se pode deixar de registrar a lamentável conduta, por vezes tornada hábito, de se alterar a LDO para fins de modificação da meta de resultado fiscal, como acabou por ocorrer de maneira bastante corriqueira durante a Presidência de Dilma Rousseff e que acabou tendo reflexos na fundamentação de seu processo de impeachment. Sobre o ponto, vide: PEREIRA, Marcel. Meta de resultado primário: instrumentos para seu alcance e consequências de seu descumprimento. Orçamento em Discussão n. 38. Brasília/DF: Senado Federal, 2017.

47 Há quem critique as funções atribuídas à LDO tanto pela CF/88 como pela LRF, entendendo-as como fonte de “distorções e desajustes” que “não poderia se adaptar com facilidade ao presidencialismo brasileiro”. Neste sentido, vide: TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 20. ed. rev. e atual. por Silvia Faber Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2018, p. 170.

48 PISCITELLI, Tathiane. Direito financeiro. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2021, p. 67.

49 Eis o que dispõe tal ato normativo: “Art. 3º A classificação das ações quanto à probabilidade de perda observará os seguintes critérios: I – do Risco Provável, que abrange: a) ação judicial de conhecimento, ação de controle concentrado de constitucionalidade ou recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida sobre conjunto de ações judiciais fundadas em idêntica questão de direito com decisão de órgão colegiado do STF desfavorável à Fazenda Pública; e b) ação judicial de conhecimento ou recurso representativo de controvérsia com decisão de órgão colegiado do Superior Tribunal de Justiça – STJ ou do Tribunal Superior do Trabalho – TST desfavorável à Fazenda Pública, que não tenha matéria passível de apreciação pelo STF. (NR) II – do Risco Possível, que abrange: a) ação judicial de conhecimento, recurso extraordinário sobre processo individual ou recurso extraordinário desde o reconhecimento da repercussão geral sobre conjunto de ações judiciais fundadas em idêntica questão de direito até a decisão de órgão colegiado do STF desfavorável à Fazenda Pública; e b) ação judicial de conhecimento ou recurso representativo de controvérsia com decisão de órgão colegiado do Superior Tribunal de Justiça – STJ ou do Tribunal Superior do Trabalho – TST desfavorável à Fazenda Pública, que tenha matéria passível de apreciação pelo STF. (NR)”

50 A respeito do ponto, Tathiane Piscitelli fez hercúleo esforço para tentar refazer os cálculos de estimativas de impacto orçamentário apresentados pela PGFN no contexto do julgamento sobre a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins, que culminou no Tema em Repercussão Geral n. 69. Evidenciando o déficit de transparência e, consequentemente, a difícil ou impossível auditoria do cálculo, vide: PISCITELLI, Tathiane. Contingência e impacto orçamentário no caso da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins: argumentos consequencialistas e modulação de efeitos em matéria tributária. Revista dos Tribunais ano 106, n. 980, jun. 2017.

51 RE n. 363.852, Rel. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 03.02.2010, DJe-071 divulg 22.04.2010 public. 23.04.2010 ement vol-02398-04 pp-00701 RTJ vol-00217-01 pp-00524 RET v. 13, n. 74, 2010, p. 41-69.

52 RE n. 559.937, Rel. Ellen Gracie, Rel. p/ Acórdão: Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 20.03.2013, repercussão geral – mérito DJe-206 divulg 16.10.2013 public 17.10.2013 ement vol-02706-01 pp-00011.

53 RE n. 595.838, Rel. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 23.04.2014, acórdão eletrônico repercussão geral – mérito DJe-196 divulg 07.10.2014 public 08.10.2014.

54 ARE n. 957.650 RG, Rel. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, julgado em 05.05.2016, processo eletrônico repercussão geral – mérito DJE-098 divulg 13.05.2016 public 16.05.2016.

55 RE n. 845.766 AgR, Rel. Dias Toffoli, Segunda Turma, julgado em 05.04.2016, acórdão eletrônico DJe-094 divulg 10.05.2016 public 11.05.2016.

56 ADI n. 3.550, Rel. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 18.12.2019, processo eletrônico DJe-047 divulg 05.03.2020 public 06.03.2020.

57 RE n. 851.108, Rel. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 01.03.2021, processo eletrônico repercussão geral – mérito DJe-074 divulg 19.04.2021 public 20.04.2021.

58 RE n. 574.706 ED, Rel. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, julgado em 13.05.2021, processo eletrônico DJe-160 divulg 10.08.2021 public 12.08.2021.

59 NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 2012.

60 ADI n. 5.481, Rel. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 29.03.2021, processo eletrônico DJe-084 divulg 03.05.2021 public 04.05.2021.

61 RE n. 714.139, Rel. Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão: Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 18.12.2021, processo eletrônico repercussão geral – mérito DJe-049 divulg 14.03.2022 public 15.03.2022.

62 RE n. 776.594, Rel. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, julgado em 05.12.2022, processo eletrônico repercussão geral – mérito DJe-s/n divulg 08.02.2023 public 09.02.2023.

63 ADI n. 6.145 ED, Rel. Rosa Weber, Tribunal Pleno, julgado em 18.03.2023, processo eletrônico DJe-s/n divulg 27.03.2023 public 28.03.2023.

64 ADPF n. 512, Rel. Edson Fachin, Tribunal Pleno, julgado em 22.05.2023, Processo Eletrônico DJe-s/n divulg 27.06.2023 public 28.06.2023.