Carta dos Editores
Editors Note
Com satisfação entregamos aos nossos leitores a RDTA 57, uma volumosa edição com mais de 30 artigos do melhor nível científico. Cumprimos a vocação estatutária do IBDT de promoção da pesquisa em matéria tributária. Este esforço foi recentemente agraciado com a assunção para o nível Qualis B-1 no sistema de avaliação de publicações CAPES, do Ministério da Educação. A responsabilidade é manter a revista nesse nível e buscar novas metas de qualidade.
Nesse sentido, registramos o feito da aquisição da biblioteca do Professor Alberto Xavier, gentilmente doada por Roberto Duque Estrada, que publica aqui uma resumida biografia afetiva, destacando o legado do internacionalista lusitano radicado no Brasil. O legado de Alberto Xavier está agora disponível ao público que frequenta a biblioteca do IBDT. Desta forma imortalizamos nossos mestres, por suas bibliotecas, a exemplo de Rui Barbosa Nogueira, Alcides Jorge Costa, Gerd Willi Rothmann, Brandão Machado e Klaus Vogel. O leitor atento encontrará os livros dos professores mencionados na bibliografia dos autores desta RDTA 57, o que prova o valor científico da biblioteca do IBDT.
A RDTA 57 conta com artigos sobre temas como planejamento tributário em reorganizações societárias, imposto seletivo, subvenções para investimento, princípio da renda líquida e dedutibilidade de despesas. Assim, por exemplo, Luís Eduardo Schoueri e Guilherme Galdino tratam da dedutibilidade da participação nos lucros e resultados, tema sobre o qual o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais tem se debruçado, demonstrando que a dedução não está condicionada ao cumprimento dos requisitos da Lei n. 10.101, de 2000. Diogo Olm Ferreira cuida do papel da dedutibilidade de despesas em operações com sócios, o que faz sob a perspectiva da integração. Edison Carlos Fernandes aborda a temática do crédito fiscal de IRPJ das subvenções para investimento de que trata a Lei n. 14.789, de 2023, e possíveis controvérsias relacionadas à sua apuração. O imposto seletivo previsto no art. 153 da Constituição Federal, após as alterações introduzidas pela Emenda Constitucional n. 132, de 2023, é objeto de artigos de autoria de André Folloni, Fernando Scaff, Lise Tupiassu, Marcus Abraham, Camila Thiebaut Bayer Lannes, Flavio Felipe Pereira Vieira dos Santos e Flávia Trentini, nos quais se pode encontrar, por exemplo, a análise da evolução do tema no texto da Proposta de Emenda Constitucional n. 45, o caráter extrafiscal ou não do tributo e considerações acerca da tributação sobre o meio ambiente e do potencial do tributo para indução de alimentação saudável. Carlos Augusto Daniel Neto trata do princípio da renda líquida, examinando-o em uma perspectiva comparada, trazendo o histórico de sua concretização na Alemanha e nos Estados Unidos. A temática das reorganizações societárias é enfrentada em artigos sobre drop down (Maria Eugênia Mariz de Oliveira, Cristiano Luzes e Gabriel Moreira), dedutibilidade fiscal de ágio (Heloisa Estellita e Maria Carolina Maldonado Mendonça Kraljevic) e redução de capital a valor de custo histórico (Alessandra Okuma e Larissa Pimentel de Lima).
A RDTA 57 traz, assim, diversos trabalhos de tributação direta e indireta, com bastante força dogmática, alicerçados também no posicionamento dos nossos tribunais. Isto revela o desenvolvimento científico dos nossos articulistas, que não mais se deixam guiar apenas pela doutrina. Os articulistas de hoje desenvolvem seu raciocínio científico, informado pela hermenêutica em seu sentido clássico, cético e disposto a desvendar a teoria da tributação.
Boa leitura!
Fabiana Carsoni Fernandes
Fernando Aurelio Zilveti
publicacaordta@ibdt.org.br
Navegar é Preciso, Viver não é Preciso: o Acervo de Alberto Xavier encontra seu Porto Seguro no IBDT
“Mar Português
Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu.”
(Fernando Pessoa)
Era noite de lançamento do livro de meu colega de escritório Gabriel Bez Batti, A regra de não discriminação em função da residência dos titulares do capital nos acordos para evitar a bitributação na sede do IBDT, quando tive a honra de, levado pelo querido amigo professor Ricardo Mariz, conhecer a magnífica biblioteca daquele instituto; um primor de organização e incomparável conteúdo acadêmico, altamente sofisticado, com o luxo de ter em seu acervo obras que pertenceram a grandes mestres como Ruy Barbosa Nogueira, Brandão Machado, Alcides Jorge Costa, Klaus Vogel e Gerd Willi Rothmann.
Naquele momento começou a passar pela minha cabeça uma ideia de que agora tenho a alegria de concretizar: a doação de parte do acervo, constituída por mais de 600 livros, da biblioteca profissional do Professor Alberto Santos Pinheiro Xavier para somar-se à coleção da Biblioteca Ruy Barbosa Nogueira.
Tive o privilégio de trabalhar por mais de 25 anos com Alberto Xavier. Tudo começou no mês de agosto de 1991, no escritório Castro, Barros, Sobral e Xavier do Rio de Janeiro após uma concorrida prova de seleção que me levou a ser seu estagiário. Como ele gostava de dizer, tudo na vida é uma questão de sorte, tudo é ditado pelas áleas do destino. Tendo passado na prova, veio a recomendação do meu nome pelo seu amigo e patrício Joaquim Trigo de Negreiros, pai de Teresa, então minha colega de faculdade, somada à escolha de meu nome pela sua advogada associada Paula Fonseca, irmã de Bernardo, que tinha sido meu colega de escola. Foi assim que nos conhecemos, por uma sucessão de eventos aleatórios, como aqueles tão bem retratados (especialmente o da cena final) em Match Point de Woody Allen, que Xavier sempre gostava de citar diante de algum acontecimento inesperado.
Estagiário, advogado, sócio e, sobretudo, grande amigo de uma vida, por todos esses anos estive junto ao Dr. Alberto, era assim que o chamava. E junto a ele sempre havia livros. Livros de todos os gêneros. Jurídicos eram os que ele se empolgava em comprar quando havia um novo desafio intelectual provocado por um trabalho pedido por um cliente. Mas jamais se bastou no estudo do direito. Dr. Alberto era um compulsivo comprador de livros de qualquer gênero: romance, poesia, ciências, história, gastronomia, biografia, política, artes, religião, enfim, toda leitura que lhe despertasse prazer intelectual, que acendesse a chama de sua mente insaciável por conhecimento, era imediatamente devorada e processada com uma velocidade impressionante.
Ele era, também, um presenteador de livros. Um dos melhores presentes que dele recebi foram as peças completas de Oscar Wilde, um dos seus autores favoritos, por conta das frases que lhe empolgavam o espírito, que de cor amava citar, se ria da aguda inteligência, da audácia e, sobretudo, do espírito mordaz do dândi irlandês. Lady Bracknell, personagem da peça The importance of being earnest, era a sua favorita. Quando estava diante de um embate que lhe exasperava pela incapacidade de convencer um interlocutor não muito sagaz (a paciência não era, definitivamente, uma das suas virtudes, autointitulava-se “O impaciente português”, fazendo troça com o filme O paciente inglês, que detestou por achar arrastado), “jogava a toalha” e saia-se com essa pérola da aristocrata inglesa:
“I do not approve of anything that tampers with natural ignorance. Ignorance is like a delicate exotic fruit; touch it and the bloom is gone.”
Essa erudição, que era sua marca registrada, foi forjada na infância, em Sintra, na casa de seu avô, de quem herdou o nome – Alberto – e onde passava horas a fio na biblioteca lendo e relendo os livros que fizeram sua identidade proustiana. Sim, Alberto Xavier era um conhecedor profundo de Marcel Proust, uma das maiores autoridades sobre a sua obra, tendo realizado um lindo estudo intitulado A arte do retrato em Marcel Proust, uma seleção de trechos que descrevem, com as minucias do exímio retratista, as figuras de suas personagens preferidas de Em busca do tempo perdido.
Por amor aos livros, um dos passeios favoritos do Dr. Alberto era pelas livrarias. E, foi assim, por incursões em livrarias do Rio de Janeiro, São Paulo, Madri, Paris, Lisboa, Milão, Buenos Aires, escolhendo e garimpando livros, que se foram preenchendo as estantes das bibliotecas dos escritórios que juntos formamos. Em abril 1995, tive a alegria de, com os amigos Alberto de Orleans e Bragança, João Afonso da Silveira de Assis, Horácio Bernardes Neto, Regina Lynch, Helena Lopes Xavier, Roberto Liesegang, Nanci Gama, Marcos Coelho da Rocha e Sergio André Laclau Marques, fundarmos o escritório Xavier, Bernardes, Bragança e junto a ele pude estar até o último ato – Xavier, Duque-Estrada, Emery e Denardi –, escritório formado em 2013, como apoio para sua prematura despedida em 9 de setembro de 2016.
Foi durante o Congresso da IFA Latam realizado no Rio de Janeiro no passado mês de julho de 2024, em conversa com o querido amigo professor Luís Eduardo Schoueri, que se concretizou a doação da coleção Alberto Xavier, constituída por obras de autores das mais variadas nacionalidades, e sobre os mais variados temas jurídicos, que vem franquear à comunidade de tributaristas acesso a mais fontes de conhecimento, concretizando o desejo de transmissão do saber acadêmico, tão caro ao Professor Alberto Xavier.
A entusiástica aceitação da oferta por Schoueri, que nesse dia estava acompanhado dos caros colegas Luiz Flávio Netto e Victor Polizelli e o apoio de Martha Leão e Fernando Zilveti que, em conjunto com os profissionais bibliotecários do IBDT, tiveram o trabalho de selecionar as obras que irão compor esse acervo, fizeram-me ter a firme convicção de ter sido a mais certa decisão, e a que mais deixaria Dr. Alberto feliz: fazer da biblioteca do IBDT o porto seguro de seus livros jurídicos.
Foram muitos os feitos desse grande homem e notável jurista, que não nega o DNA de navegador, que deixa seu país forçado por uma revolução, para vir aportar no Brasil e aqui, com muito labor e dedicação, construir uma exitosa carreira acadêmica e profissional.
Naqueles dias que antecederam o 25 de abril de 1974, Alberto Xavier acabara de ser nomeado Secretário de Estado do Planejamento, era um dos “meninos de ouro” de Marcelo Caetano que sonhavam em “arejar” o Portugal salazarista que findava, e fazer do país uma economia moderna e dinâmica, uma plataforma de serviços internacionais. Mas nada pôde impedir o movimento revolucionário, em meio às tensões da Guerra Fria e do anacrônico colonialismo que ainda mantinha Portugal em África.
A Revolução tomou-lhe – e isso doeu muito –, injusta e violentamente, a cátedra da Faculdade de Direito de Lisboa, conquistada pela classificação máxima de seu doutoramento, com a dissertação inovadora Conceito e natureza do acto tributário, além dos cargos que exercia na administração pública portuguesa.
Foi nesse ambiente de perseguição, incerteza e medo que desembarcam em São Paulo, primeiro a família; sua esposa, a jornalista Leonor Gomes de Oliveira Xavier e seus três filhos Leonor, Maria e Gonçalo e ele, alguns dias depois. A saída de Portugal não poderia ser percebida pelos agentes da repressão, por isso, Alberto antes vai a Paris, para atender um compromisso profissional, e de lá, com poucos recursos financeiros, mas muita coragem e força, parte para o Brasil.
Brasil foi seu destino natural e sua pátria de adoção (dizia-se sempre brasileiro, com muito orgulho, e sem “sotaque” português, porque “sotaque” tínhamos nós). Já havia estado no Brasil, participando de colóquios de direito fiscal, com Rubens Gomes de Sousa e Aliomar Baleeiro (em sua sala no escritório havia uma foto dos dois) por quem nutria um carinho muito especial (Baleeiro escreveu o prefácio da primeira edição do Direito Tributário Internacional do Brasil).
Mas o que mais lhe animou na escolha por São Paulo foi ter sabido que a sua dissertação era “xerocopiada” e difundida nos meios acadêmicos por professores, como Geraldo Ataliba, por considerá-la uma ruptura conceitual inovadora. Despreocupado em lucrar com direitos de autor, exultante com a popularidade que ganhara, logo conseguiu firmar-se como professor e palestrante, construindo grandes laços de amizade com ícones do nosso Direito Tributário como Paulo de Barros Carvalho, Geraldo Ataliba, Ives Gandra da Silva Martins, Gilberto Ulhoa Canto, Souto Maior Borges, Sampaio Dória, Fábio Fanucchi, Edvaldo Britto, Alcides Jorge Costa, Roque Carrazza, Sacha Calmon, Misabel Derzi, entre muitos outros.
Orgulhava-se do curso de Pós-graduação em Direito Tributário da Faculdade de Direito da PUC de São Paulo, onde lecionou em 1975 levado por Geraldo Ataliba e Paulo de Barros Carvalho, e teve como alunos Américo Lacombe, Diva Malerbi, Lucia Valle Figueiredo, Sebastião de Oliveira Lima, Pérsio Lima, entre outros, sendo esses nominados sempre por ele lembrados como personalidades que vieram a se tornar os grandes magistrados que fizeram do Tribunal Regional Federal da Terceira Região aquele pioneiro, a seu ver, nas decisões tecnicamente mais relevantes em matéria fiscal após a Constituição de 1988.
Do ponto de vista profissional sempre falava com enorme gratidão da iniciativa do Dr. Fabio Monteiro de Barros, quem organizou uma recepção de boas-vindas para ele no Jockey Clube de São Paulo, e com enorme carinho de Aleksas Juocys, então sócio do escritório Pinheiro Neto, quem lhe proporcionou o primeiro emprego no Brasil. Foi, aliás, na biblioteca daquele escritório no centro de São Paulo, firma que sempre admirou pela organização, disciplina e qualidade técnica, que escreveu a primeira edição do clássico Direito Tributário Internacional do Brasil e a adaptação da sua dissertação de doutoramento para o direito brasileiro, que veio a se chamar Do lançamento no Direito Tributário brasileiro, e pode se considerar uma das obras seminais do Professor Alberto Xavier, ao lado de seu Manual de Direito Fiscal português.
Na sequência publicou muitos outros trabalhos, com destaque absoluto para o clássico Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação, de 1978, monografia referência do direito tributário contemporâneo, que merece ser lida e relida para sempre termos presentes os conceitos mais básicos da legalidade e da tipicidade tributárias que, lamentavelmente, hoje se fazem tão desprezados.
Nesse passeio pelos livros que se somarão à biblioteca do IBDT, os leitores poderão conhecer um pouco do Alberto Xavier pré-Brasil. Uma joia rara que encontrei foi o exemplar por ele organizado em 1966, quando assistente das aulas de Finanças do Professor Soares Martinez (seu professor preferido). Ali já se consegue enxergar a capacidade de organização, método e exposição de uma das pessoas que mais facilmente soube transmitir o conhecimento no direito tributário. Também ali achei as referências que ele fazia, sempre com piada, aos fisiocratas franceses, seguidores do Dr. Quesnay, escola econômica do século XVIII que concebia a circulação da riqueza das nações como o sangue dos seres vivos e privilegiava a agricultura frente às demais atividades. Dr. Alberto, sempre brincalhão, e amante da boa mesa, dizia ser um fisiocrata, que os honorários profissionais só valiam a pena quando se transformavam em um grande jantar regado por belo vinho francês, de preferência um Bourgogne tuilé.
Também irão encontrar contribuições do então jovem jurista, doutor em direito aos 30 anos de idade, que prestava consultoria a estatais portuguesas, já escrevia sobre temas tão diversos como mineração, energia elétrica, direito laboral; chegou a propor uma legislação sobre direito da concorrência e escreveu ensaios sobre política orçamental e economia de mercado e benefícios fiscais à exportação, contribuindo regularmente para os Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, publicação que dirigiu de 1970 a 1974 – cuja coleção pessoal está sendo ofertada ao IBDT – ao lado de grandes expoentes da fiscalidade portuguesa e seus grandes amigos como Pedro Soares Martinez, Maria de Lourdes Correia do Valle, Paulo de Pitta e Cunha, Fernanda Negreiros e Antonio Luciano de Sousa Franco.
Alberto Xavier era sobretudo um jurista preocupado em saber o direito para além do direito tributário. Não se confinava em instruções normativas e repudiava atos administrativos desprovidos de fundamentação. Sempre insistia que, sendo o direito tributário um direito de sobreposição, o tributarista deveria conhecer a fundo os demais ramos do direito. Por isso era um grande estudioso do direito civil e do direito societário. Nunca deixou de estudar as obras de Antunes Varela, Galvão Telles, Orlando Gomes, Caio Mário, seus preferidos no direito civil; era um grande admirador dos comercialistas brasileiros, pois viveu os anos áureos da criação da nossa legislação societária, com Alfredo Lamy e Bulhões Pedreira, de quem era grande admirador intelectual, sendo esse último citação obrigatória em seus estudos e pareces sobre imposto de renda.
Alberto adorava as operações de reorganização societária, tanto que escreveu um livro tratando especificamente sobre incorporações – Incorporação de sociedades e imposto de renda – estudando com afinco essas operações e suas diferentes características e efeitos. Uma curiosidade que está no seu acervo é o livro de Raul Ventura, comercialista português, seu amigo, intitulado Cisão de Sociedades, todo sublinhado, estudado e comentado, revelador de grande interesse de Xavier em teorizar as características jurídicas do então novel instituto.
Esse gosto pela advocacia dos negócios intensificou-se quando veio morar no Rio de Janeiro em 1980, convidado pelo então presidente, seu fraterno parceiro de toda vida Rui D’Espiney Patrício – ex-ministro dos negócios estrangeiros português, também exilado no Brasil, quem lhe proporcionou os primeiros trabalhos em Portugal –, para assumir a diretoria jurídica do Grupo Monteiro Aranha. Foi junto a Rui Patrício e ao Dr. Joaquim Monteiro de Carvalho, seu grande amigo, controlador dessa histórica holding familiar, que Xavier participou e aconselhou, com seu gênio criativo e sofisticado, muitas das mais relevantes operações societárias do Brasil do fim século XX.
Mesmo trabalhando em Monteiro Aranha no Rio de Janeiro, Alberto Xavier nunca deixou a advocacia privada, e, por alguns anos foi sócio do professor Arnoldo Wald e de Luiz Gastão Leães, para depois formar o escritório Castro, Barros, Sobral e Xavier no Rio de Janeiro e, na sequência, como acima se referiu, formar o escritório mais duradouro que liderou, Xavier, Bernardes, Bragança (XBB).
Lembro-me perfeitamente quando logo nos primeiros anos de XBB fomos procurados por um cliente instituição financeira, para emissão de um parecer jurídico sobre as diversas consequências tributárias dos negócios de factoring em um momento em que não havia qualquer regulamentação legal sobre tais operações.
Ele empolgou-se e comprou todos os livros que encontrou sobre factoring no direito comparado. Esses livros foram utilizados como fonte de pesquisa para embasar um épico parecer de orientação que examinou as diversas modalidades em que o contrato de factoring poderia se conformar. A biblioteca do IBDT terá o privilégio de dispor desses diversos livros, garimpados em um tempo em que não havia a facilidade das ferramentas de busca na internet, e que o prazer da descoberta das obras literárias era um prazer táctil de busca nas prateleiras das livrarias.
Foi também nos idos de 1996 que começou sua cruzada contra a tributação automática e inovadora dos lucros de controladas e coligadas no exterior. Causava-lhe espécie a distorção ao princípio clássico da universalidade em nome de uma arrecadação sem fronteiras. A celeuma fez o livro Direito Tributário Internacional do Brasil ganhar inúmeras novas edições para acompanhar as diversas etapas de uma conturbada e interminável evolução legislativa e jurisprudencial. Foram anos de embate e combate que Dr. Alberto dedicou para demonstrar – e enfim sagrar-se vencedor junto ao Superior Tribunal de Justiça – a absoluta incompatibilidade do regime de tributação automática de lucros de controladas no exterior com as regras de competência exclusiva previstas no art. 7º das convenções que seguem o Modelo OCDE, sempre com elegância, tenacidade e brilhantismo, deixando registrados, de forma irretocável e irreparável, com lucidez e clareza, os sólidos argumentos que sustentavam seu entendimento.
A obra Direito Tributário Internacional do Brasil foi, aliás, a que mais ganhou edições – foi atualizada com a minha colaboração e de Renata Emery até a 8ª edição – tendo nela sido incorporadas todas as discussões que foram enfrentadas no âmbito profissional sobre temas de tributação internacional, tais como tributação das prestações internacionais de serviços face aos tratados contra a dupla tributação, determinação dos ganhos de capital de residentes no exterior, qualificação dos juros sobre capital próprio nos tratados internacionais, regime tributário dos acordos de compartilhamento de custos (cost-sharing), tributação das variações cambiais, regime brasileiro dos preços de transferência, entre muitos outros.
Os embates nos julgamentos de processos tributários, especialmente junto ao Conselho de Contribuintes (ele detestava o nome CARF), eram os que mais lhe animavam o espírito do bom combate, pelo imenso respeito que tinha à qualidade técnica da Administração Tributária brasileira e aos seus julgadores. Sabia que seu caso seria bem julgado tecnicamente. Orgulhava-se muito de ter sido professor Titular do Mestrado sobre Direito Tributário internacional da ESAF e se animava com os convites recebidos para palestrar junto às fazendas públicas. Alberto foi um membro da administração fiscal portuguesa e tinha profundo respeito e zelo pela coisa pública.
A capacidade técnica do Dr. Alberto cruzou as fronteiras, tendo sido indicado como perito pelo Governo norte-americano (Department of The Treasury – Internal Revenue Service) para depor no Tax Court no caso “Continental Illinois Corp., Citizens and Southern Corp. vs. Comissioner” (1988) e no Tax Court no caso “Riggs National Corp. & Subsidiaries vs. Comissioner” (1991).
Sua grande preocupação sempre foi com os direitos e as garantias dos particulares. Essa preocupação se materializou na vastíssima quantidade de livros que encontrarão no acervo dedicados à proteção dos direitos fundamentais dos contribuintes. Nunca me esqueço da ação coordenada que ele empreendeu junto ao Congresso Nacional para evitar que se aprovasse um projeto de lei que condicionava a concessão de medida liminar suspensiva da exigibilidade do crédito tributário ao prévio depósito e exigia garantias no processo administrativo. Alberto considerava essa tentativa de “cobrança” para o acesso ao direito líquido e certo ou para o acesso ao processo administrativo uma gravíssima afronta à cidadania e, em boa hora, o Congresso rejeitou tamanho acinte.
Os livros a respeito dos conceitos de simulação, fraude, abuso de direito, abuso de formas, normas antielisivas etc., passaram a ser o grande foco de concentração do autor, especialmente para subsidiar sua última grande obra jurídica que foi o livro Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva, lançado em 2001, no qual ele expõe, com rigor e precisão magistrais, os fundamentos das doutrinas que atualmente se adotam sem maiores preocupações para lançar tributos por analogia, e nos ensina que só aceitando o domínio do princípio da legalidade a certeza e a segurança jurídica irão imperar.
Essa era seu grande ideal: a legalidade como meio de conferir segurança jurídica para o particular. Daí o alerta contra a fácil sedução das doutrinas que pretendem tributar por analogia. Só um homem de cultura, erudição, que viveu na própria pele uma revolução e sofreu as agruras de um exílio na sua história pessoal, não se ilude com as doutrinas antielisivas gestadas em regimes totalitários.
Poderia escrever muito mais sobre Dr. Alberto: citar seus livros literários; o derradeiro O escandinavo deslumbrado; o belíssimo Al-Gharb 1146, uma ode ao Portugal tolerante (obra que encantou seu grande amigo Sacha Calmon), seu amor pela Grécia, pelo Cap D’Antibes, o gosto de nadar no Mediterrâneo, o seu refúgio na casa em Búzios, onde divertiu-se imensamente. Seu amor pela música clássica, especialmente Mozart, passando pela discoteca e o som de Tim Maia, o céu de Lisboa, o bar do Ritz, o Grand Véfour, a picanha do Esplanada Grill e os almoços de domingo no Antiquarius, os passeios pelo Ceará, comer caranguejos no Beach Park (lembrando do amigo Hugo de Brito Machado), a arte de Bronzino, os quadros de Veronese, a Casa Lucio em Madri, o chamado às 18:00 horas pela Dona Celeste, sua fiel secretária, enfim, são apenas memórias que ficam, e que boas memórias.
Obrigado Dr. Alberto. Espero que essa doação possa fazer compartilhar com os colegas tributaristas não só as letras frias dos livros, mas os sentimentos que construíram esse acervo que hoje se democratiza no porto seguro da Biblioteca Ruy Barbosa Nogueira.
Muito obrigado aos Professores Ricardo Mariz de Oliveira, Luís Eduardo Schoueri, Fernado Zilveti e Martha Leão e à toda equipe do IBDT.
Roberto Duque Estrada