Créditos de Descarbonização (CBIOs): Natureza Jurídica, Negociação e Regime Tributário
Decarbonization Credits (CBIOs): Legal Nature, Trade and Tax Regime
Aristóteles Moreira Filho
LL.M. em Direito Alemão pela Ludwig-Maximilians Universität München, Alemanha. Doutor em Direito pela USP. Advogado. E-mail: amf@aristotelesmoreira.com.
Paulo Victor Mello Alves da Costa
Advogado. E-mail: pvcmello@hotmail.com.
Recebido em: 7-11-2024 – Aprovado em: 26-11-2024
https://doi.org/10.46801/2595-6280.58.2.2024.2645
Resumo
O artigo trata da análise normativa dos Créditos de Descarbonização (CBIOs) no Brasil, discorrendo sobre sua natureza jurídica, analisando a tipologia de sua negociação no mercado e descrevendo o regime tributário de tais operações. A análise é realizada a partir dos diversos diplomas normativos que regem a instituição e o ciclo de vida dos CBIOs, desde a emissão, passando pela comercialização, até sua aposentação, referenciando-se ainda na prática institucional brasileira e nos precedentes jurisprudenciais sobre o tema.
Palavras-chave: CBIO, emissões de carbono, tributação ambiental, extrafiscalidade.
Abstract
The article addresses the legal analysis of Decarbonization Credits (CBIOs) in Brazil. The analysis comprises their legal nature, the typology of market transactions envolving such assets, and the tax regimes for such operations. The study is conducted based on the various normative instruments that govern the institution and life cycle of CBIOs, from issuance and commercialization until retirement, while referencing the analysis with Brazilian institutional practices and judicial precedents on the topic.
Keywords: CBIO, carbon emissions, environmental taxation, steering tax.
1. Introdução
Com o advento da pós-modernidade, o tema do desenvolvimento sustentável passou a se projetar como um valor fundamental a ser agregado às políticas públicas em seus diversos campos e possibilidades, bem como aos produtos e serviços oferecidos pelas empresas no mercado e entregues ao consumidor final1.
Desde a estreia da ecologia no debate eleitoral, que se deu originariamente na Oceania, nas eleições australianas de 1972, por meio do advento do Partido Verde, o desenvolvimento sustentável se tornou um objetivo estratégico almejado pela sociedade em todo o mundo. Inicialmente confinada a uma discussão acessória no campo político, onde encontrou resistência dos setores mais ortodoxos e conservadores da sociedade, a temática da ecologia e da proteção ao meio ambiente adquiriu, com o passar do tempo, status de prioridade na primeira prateleira dos problemas humanos, especialmente por conta do avanço dos estudos científicos e da análise de correlação entre danos ambientais, mudanças climáticas e seus impactos na economia. É nesse contexto que a preservação da natureza e a conjugação entre desenvolvimento econômico-social e equilíbrio ambiental se tornaram um binômio indissociável, não sendo mais cabível pensar-se o mundo do século XXI sem endereçar, necessariamente, o impacto ambiental das atividades produtivas.
A maturidade desta visão política, que repensa o desenvolvimento integrando-o ao ecossistema natural e social, atingiu seu ápice quando, a partir da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento – Rio 92, definiu-se que o desenvolvimento sustentável seria um norte a guiar todos os países integrantes da ONU, cuja plataforma multilateral haveria de ser colocada a serviço da proteção do meio ambiente em escala global. Na ocasião, pactuou-se que, ao final de cinco anos, em 1997, no Japão, os Estados nacionais iriam definir os primeiros guidelines do que viriam a ser os objetivos de sustentabilidade a serem buscados pela humanidade, o que se materializou eventualmente por meio do Protocolo de Kyoto.
A realização da conferência climática pela ONU ocorrida na Rio 92 assentou que a ecologia e o desenvolvimento sustentável entraram no radar político mundial, consolidando a tendência iniciada na Austrália em 1972 e, mais que isso, redefinindo a ordem geopolítica sob um novo paradigma. Com o anúncio do Protocolo de Kyoto (Rio + 5), tais intenções foram formalizadas, levando ao pacto das nações soberanas, com ênfase no compromisso dos países desenvolvidos para estruturarem suas políticas internas a favor do desenvolvimento sustentável, articulado com o objetivo de evitar-se a aceleração do aquecimento global, do efeito estufa e reduzindo-se ao máximo os seus impactos sociais e econômicos.
O recrudescimento dos fenômenos climáticos excepcionais como resultado do processo de aquecimento global levou, por sua vez, à intensificação das ações multilaterais de mitigação das emissões de Gases de Efeito Estufa (“GEE”), culminando com a celebração da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) ao final do ano de 2015. O chamado Acordo de Paris trouxe para o plano jurídico internacional uma plataforma que finalmente concretizou uma ação de cooperação efetivamente global para a redução de emissões e da concentração de gás carbônico na atmosfera terrestre, o que, aportando efeitos vinculantes aos países signatários, gerou desdobramentos também no Brasil, iniciados por via da sua internalização por meio do Decreto n. 9.073/20172.
Com a definição dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável integrantes da Agenda 2030 da ONU tendo a questão ambiental como peça central, consolidou-se afinal a reconfiguração do tabuleiro geopolítico, de modo que os equilíbrios econômicos, sociais e ambientais passassem a convergir para a concretização do desenvolvimento sustentável como uma nova ética política que integra o futuro do homem e o futuro do planeta. Tal agenda foi incorporada subsequentemente pelo mercado que, por meio do modelo ESG (Environmental, Social and Governance), passou a exigir a sustentabilidade dentro de um novo paradigma de atuação dos investidores e empresas.
Essa nova constelação joga luz e foco, necessariamente, a países cujas reservas ambientais estão ainda relativamente preservadas. Nesse contexto, o Brasil emerge, sem sombra de dúvidas, como ator estratégico, investido do potencial para imprimir a sua influência sobre o mundo, na qualidade de player global com o maior alcance e prioridade sobre o tema.
O desenvolvimento científico demonstrou que o CO2 é o grande vilão do aquecimento global, sendo a molécula responsável por acelerar os fenômenos climáticos extremos, que tanto risco e prejuízo têm causado às populações e mercados mundo afora. Por outro lado, sua disseminação remete aos êxitos de uma revolução industrial que, malgrado tenha alçado a humanidade a níveis de produtividade e bem-estar nunca antes experimentados, estruturou uma economia cuja matriz energética tem no carbono o seu subproduto por excelência e uma externalidade capital que ameaça todo o progresso alcançado.
Diante de tal desafio, a grande questão é: como mitigar a poluição ambiental e zerar as emissões de carbono e, ao mesmo tempo, promover desenvolvimento econômico? Não há uma resposta específica, mas, sem dúvidas, ela passa pela elaboração e pela aplicação de uma política industrial que possua o “carbono zero” como meta. O país que conseguir formatar e executar um arranjo jurídico-institucional apto a endereçar esse desafio largará na frente dessa “corrida” geopolítica, pois terá implantado os fundamentos para uma economia do futuro, cuja estrutura produtiva esteja apta a enfrentar os desafios do século XXI.
Nessa constelação, o Estado brasileiro, atendendo à crescente demanda da sociedade e do mercado, inaugurou seu planejamento estratégico sobre o tema, passando a implementar programas normativos que pautem a atuação dos diversos atores em prol dessa agenda prioritária.
Em 2009, foi editada a Lei n. 12.187/2009, instituindo a Política Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC, como o primeiro passo para a elaboração e a concretização de um ambiente legal que implemente parâmetros de desenvolvimento sustentável no Brasil, especialmente voltados para a contenção da mudança climática e a mitigação de seus efeitos na economia e na sociedade.
Como medida de implementação de tais vetores no âmbito do mercado de combustíveis, foi editada posteriormente a Lei n. 13.576/2017, que dispôs sobre a Política Nacional de Biocombustíveis (Renovabio), com os objetivos de (i) contribuir para o atendimento aos compromissos do País no âmbito do Acordo de Paris sob a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima; (ii) contribuir com a adequada relação de eficiência energética e de redução de emissões de gases causadores do efeito estufa na produção, na comercialização e no uso de biocombustíveis, inclusive com mecanismos de avaliação de ciclo de vida; (iii) promover a adequada expansão da produção e do uso de biocombustíveis na matriz energética nacional, com ênfase na regularidade do abastecimento de combustíveis; e (iv) contribuir com previsibilidade para a participação competitiva dos diversos biocombustíveis no mercado nacional de combustíveis.
É no mesmo diploma legal, qual seja a Lei n. 13.576/2017, que são instituídos os Créditos de Descarbonização (CBIOs) como instrumento para o atingimento das metas de redução de emissões impostas aos distribuidores de combustíveis.
É a partir do papel dos CBIOs na manutenção da conformidade dos participantes do mercado de distribuição de combustíveis vis-à-vis as metas de descarbonização impostas a partir da Lei n. 13.576/2017 que deriva a relevância do estudo dos impactos tributários de sua negociação no mercado.
É sobre este tratamento tributário que trata o presente artigo, considerando todo o histórico legal e político acima descrito.
Superada a (i) presente introdução, o artigo se estruturará em uma sequência de tópicos, na seguinte forma: (ii) trataremos da natureza jurídica dos CBIOS a partir dos diplomas normativos que o regem na ordem jurídica brasileira; (iii) em seguida abordaremos a extrafiscalidade como um atributo da norma tributária que incide sobre os CBIOs, conferindo-lhes tratamento compatível com os valores constitucionais de proteção ao meio ambiente; (iv) em item subsequente, analisaremos o aspecto operacional dos CBIOs, tratando da identificação e da qualificação das transações que os têm como objeto, as partes e as modalidades de operação previstas na legislação e promovidas nas diversas fases do ciclo de vida do ativo; (v) por fim analisaremos, a partir das modalidades de transação que têm os CBIOs como objeto, bem como dos atores que nelas interagem, os efeitos tributários que derivam das diversas modalidades impositivas existentes em nosso ordenamento jurídico.
2. Da natureza jurídica dos CBIOs
A carência de instrumentos jurídicos hoje existentes sobre a matéria, bem como a prática ainda recente de sua aplicação, molda um quadro de reconhecidas controvérsias quanto à natureza jurídica dos CBIOs. Tais controvérsias devem ser solucionadas para aportar a segurança jurídica necessária a esse mercado que, malgrado recém estabelecido, já enverga dimensão relevante na economia brasileira e é instrumental ao atingimento dos objetivos de proteção ao meio ambiente e desenvolvimento sustentável traçados na Constituição Federal3.
É uma lição clássica de Niklas Luhmann que uma boa conceituação deve usar a diferença como método: se um objeto deve poder distinguir-se do ambiente, um conceito deve, mais ainda, afirmar-se pela contraposição àquilo que não é; uma unidade da diferença, como ser e parecer, natureza e técnica, centro e periferia4. O método do filósofo alemão é particularmente apropriado para o tema objeto do presente artigo, eis que os CBIOs não encontram, de forma trivial, uma conceituação ostensiva no direito positivo, havendo de descortinar-se também pela contemplação, dentro do gênero próximo, da sua diferença específica.
Trata-se, como o fez Heleno Tôrres, de cotejar o instituto com outros similares que se encontram em nossa ordem jurídica, a exemplo de commodities, títulos de crédito ou valores mobiliários5.
Das commodities os CBIOs se diferenciam claramente porque aquelas têm a natureza de bem corpóreo, mercadoria fungível, ao passo que os CBIOs se caracterizam exatamente pela sua natureza incorpórea.
Com os títulos de crédito tampouco se confundem os CBIOs, eis que os primeiros encerram uma relação obrigacional que une credor e devedor em torno de uma prestação de cunho patrimonial. Dos CBIOs, por sua vez, não decorre crédito exigível, de modo que sua serventia se limita ao cumprimento das exigências de conformidade no atingimento das metas de descarbonização impostas ao mercado distribuidor de combustíveis, nos termos do art. 5º, V, da Lei n. 13.576/2017.
Mais complexa é a diferenciação entre os CBIOs e o conceito de valor mobiliário.
O mercado de valores mobiliários se encontra regido pela Lei n. 6.385/1976, em cujo art. 2º estão arrolados, de forma exaustiva, os ativos que podem envergar tal natureza na ordem jurídica brasileira. Das nove hipóteses que contemplam seus incisos, as únicas que de alguma forma se aproximam da tipologia dos CBIOs são as duas últimas: (i) contratos derivativos e (ii) títulos ou contratos de investimento coletivo6.
Derivativos, como a etimologia denuncia, são contratos cujo valor é derivado de um outro ativo, denominado ativo subjacente, a exemplo de petróleo, soja ou dólar. No caso dos CBIOs, não há ativo subjacente, de modo que o valor objeto da transação decorre dos próprios CBIOs como ativos autônomos7.
Títulos ou contratos de investimento coletivo, por sua vez, são vinculados a empreendimentos, de modo que o risco e a remuneração estão atrelados às perspectivas de sucesso decorrentes do esforço do empreendedor. Os CBIOs, contrariamente, não derivam seu valor das perspectivas de sucesso individual do emissor, senão das exigências regulatórias relativas às metas de descarbonização do mercado de distribuição de combustíveis, para cujo cumprimento os CBIOs podem ser utilizados.
Como se vê, os CBIOs tampouco se subsomem à figura dos valores mobiliários, cabendo prosseguir na inquirição da sua natureza jurídica8.
Se os CBIOs não se esquadrinham aos atributos de uma dessas modalidades específicas de bem ou direito dotado de valor econômico, cabe então analisar uma hipótese mais abstrata e a primeira que sói cogitar é a de ativo financeiro.
A subsunção dos CBIOs ao conceito de ativo financeiro não é, contudo, trivial e a análise da norma contábil já o demonstra. A definição de ativo financeiro do CPC 39 limita essa categoria a recursos de natureza privada ou contratual, cuja liquidez esteja à disposição do próprio titular ou seja exigível de uma outra entidade privada9. O exame do item AG12 do mesmo CPC 39 reitera essa linha de raciocínio ao consignar que “ativos e passivos que não são contratuais (como os tributos sobre a renda que são criados por leis aprovadas ou sancionadas pelo governo) não são ativos ou passivos financeiros”. A Orientação Técnica OCPC 10, por fim, analisando especificamente o tema dos créditos de descarbonização, confirma que, sob a norma contábil, “não se encontram atendidos os critérios para sua classificação como ativo financeiro”10.
A circunstância de que, em face da norma contábil, os CBIOs não possam ser considerados ativo financeiro, não significa, porém, que, à luz do Direito, não possam envergar tal qualificação11. E há uma multiplicidade de elementos que apontam nessa direção.
Os CBIOs são, nos termos do art. 5º, VIII, c/c art. 15 da Lei n. 13.576/2017, escriturados por bancos ou instituições financeiras autorizadas a operar pelo Banco Central do Brasil, que os negociam em mercados organizados e regulados para sua atuação. É a B3 que hospeda a plataforma para registro da emissão e das negociações com os CBIOs, que encontram no mercado financeiro o seu ambiente de negociação por excelência, assim designado pelo legislador com o objetivo de conferir-lhes liquidez e facilidade de transação, refletindo no seu valor econômico e no seu impacto na política de redução de emissões.
Fato é que todo o regime instituído pela Lei n. 13.576/2017 – mais precisamente a sistemática de emissão, escrituração e circulação dos CBIOs – está estruturado sob a premissa de tratar-se de ativo transacionado no mercado financeiro, não sendo desmesurado afirmar que o ambiente de negociação, nesses moldes, seja apto a atribuir ao ativo a natureza jurídica correspondente. Assim se dá em nossa ordem jurídica, por exemplo, com o ouro ativo financeiro, que adquire tal qualidade, nos termos do art. 1º da Lei n. 7.766/1989, “quando destinado ao mercado financeiro [...] em operações realizadas com a interveniência de instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, na forma e condições autorizadas pelo Banco Central do Brasil”.
A caracterização do CBIO como ativo financeiro já havia sido incorporada no direito positivo por via do Decreto n. 11.075/2022, ao tratar do crédito de carbono; gênero do qual o CBIO é espécie. De fato, referido diploma normativo atribuía, em seu art. 2º, I, ao crédito de carbono a natureza de “ativo financeiro, ambiental, transferível e representativo de redução ou remoção de uma tonelada de dióxido de carbono equivalente, que tenha sido reconhecido e emitido como crédito no mercado voluntário ou regulado”.
A posterior revogação do Decreto n. 11.075/2022 pelo Decreto n. 11.550/2023 não tem o condão de alterar a constelação normativa que molda a natureza jurídica dos CBIOs no direito positivo brasileiro, como alguns elementos ulteriores nos permitem confirmar.
Primeiramente, a revogação do Decreto n. 11.075/2022 não foi seguida da positivação de uma caracterização jurídica dos CBIOS distinta daquela que constava originariamente do seu art. 2º, I.
Por sua vez, diploma normativo relevante na regulamentação das transações com CBIOS segue atribuindo-lhe a natureza de ativo financeiro: o Anexo Normativo I à Resolução n. 175/2022 da Comissão de Valores Mobiliários, que dispõe sobre as regras específicas para os Fundos de Investimento Financeiro – FIF. A norma determina expressamente, em seu art. 2º, I, “c”, que “entende-se por ativos financeiros, por natureza ou equiparação, [...] créditos de descarbonização – CBIO e créditos de carbono, desde que registrados em sistema de registro e de liquidação financeira de ativos autorizado pela CVM ou pelo Banco Central do Brasil ou negociados em mercado administrado por entidade administradora de mercado organizado autorizado pela CVM”.
Por fim, a prática jurídico-institucional brasileira ratificou a natureza de ativo financeiro dos CBIOs, adotando e aplicando tal caracterização nas decisões, atos e transações que ocorrem sob sua alçada e competência. Dois exemplos são ilustrativos.
O primeiro vem da Comissão de Valores Mobiliários, que confirmou a caracterização do CBIO como ativo financeiro, e como tal elegível à composição da carteira de fundos de investimento, nos termos do art. 2º, V, da Instrução CVM n. 555/2014. Para tanto, a autarquia valorou aspectos como o fundamento econômico do ativo, liquidez, valor de mercado, mas especialmente a obrigatoriedade de registro e negociação em ambiente regulamentado de negociação de valores mobiliários e ativos financeiros (B3), bem como sua escrituração por instituições financeiras autorizadas pelo Banco Central12.
O segundo exemplo vem da nossa jurisprudência, cujos precedentes extraem de todo esse contexto normativo tal e referida natureza jurídica para os CBIOS, qual seja a de ativo financeiro. De destacar precedente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que, em acórdão que discorre amplamente sobre o tema, conclui que “o CBIO é um título de natureza financeira”, de modo que “em se tratando de crédito escriturado e negociado sob os ditames da Lei 13.576/2017, do Decreto 9.888/2019 e da Portaria MME n. 56/2022 – e sob os auspícios da Resolução CVM 175 –, não há dúvida do caráter financeiro das receitas auferidas com a venda dos títulos representados pelos CBIOs”13.
Pode-se concluir, portanto, que a natureza jurídica dos CBIOs não é outra senão a de ativo financeiro negociável em mercado14.
Tal conceituação é ponto de partida para a análise dos efeitos tributários que as transações envolvendo CBIOS dão ensejo, como se verá15.
3. Da extrafiscalidade
Não se pode tratar da tributação de um ativo que é instrumento de política ambiental sem tratar do tema da extrafiscalidade.
A consolidação da extrafiscalidade como uma vertente do exercício do poder impositivo do Estado se confunde com o amadurecimento do sistema político do Estado social e a sedimentação das responsabilidades do ente público para além da proteção dos direitos clássicos de liberdade, passando a atuar sistemática e proativamente na conformação do sistema econômico e da sociedade, visando a efetivação dos direitos fundamentais e a maximização do bem-estar social16. No Estado social de matiz intervencionista, o tributo se concretiza como instrumento de transformação social, seja indiretamente, arrecadando os recursos que serão empregados pelo Estado na implementação dos programas de transformação social, seja diretamente, por via da extrafiscalidade, quando pela mera e própria exigência das imposições tributárias, ao induzir o comportamento dos agentes rumo aos vetores de política pública definidos coletivamente, já realiza automaticamente os objetivos constitucionais, sociais e econômicos da nação17.
A seara de intervenção do Estado em prol da proteção ambiental e do combate às mudanças climáticas é decerto uma dimensão estratégica para a atuação da extrafiscalidade. A norma tributária consubstancia, com seus efeitos indutores, instrumento fundamental para uma política ambiental que passa a ser, por conta de todo o cenário acima descrito, central para os desígnios do Estado e da sociedade brasileiros. Nesse contexto, os CBIOs desempenham o papel central, de, alavancando as potencialidades do mercado financeiro, operar em prol dos objetivos do Estado brasileiro de incentivar e estruturar uma economia verde, o que em momento algum há de ser comprometido, senão incentivado pela atuação da norma tributária.
A extrafiscalidade, como se sabe, manifesta-se quando o emprego do poder tributante do Estado não tem por finalidade a arrecadação fiscal para financiamento da máquina pública, mas, verdadeiramente, cumprindo o papel de indutor da atividade econômica, intervir e coordenar a atuação dos agentes em prol de objetivos de políticas públicas e sociais18.
No caso em questão, na esteira do contexto político nacional e global descrito na introdução ao presente artigo, queda claro que a geração e a circulação dos CBIOs operam como estímulo para a institucionalização e a consolidação da economia verde no Brasil, implementando mecanismos de redução de emissões em um segmento estratégico como é o energético e de combustíveis. As operações que têm como objeto os CBIOs, portanto, não devem ser tomadas como transações de mercado triviais, senão como meio para concretizar valores e objetivos abraçados pela Constituição Federal de 1988, ao tempo em que instrumentalizam os esforços do país em cumprimento às metas assumidas no bojo do Acordo de Paris, do qual o Brasil é signatário.
Não se pode, portanto, analisar a tributação dos CBIOs sem considerar o caráter extrafiscal que a norma tributária há de envergar aí. Os efeitos prioritários da norma tributária, em tais circunstâncias, não se encerram no montante arrecadado ou na consecução do objetivo de financiar a atividade estatal, mas, efetivamente, de estimular e assegurar a proteção ao meio ambiente, tornada tão estratégica para o país e para a humanidade.
A constatação do seu perfil extrafiscal é ponto de partida fundamental para a interpretação e a aplicação das normas tributárias incidentes sobre as transações com CBIOs. Efetivamente, a extrafiscalidade, como ensina Vogel, impõe que se interpretem as normas impositivas da forma que melhor concretizem os objetivos intervencionistas em prol de que são instrumentais, colocando em segundo plano os objetivos arrecadatórios tradicionalmente envergados pelas normas fiscais19.
De fato, a atribuição aos CBIOs de regime tributário compatível com sua natureza de instrumento da política energética e ambiental brasileira não há de ser tomada como mero benefício ou favor fiscal, senão como concretização do Capítulo do Meio Ambiente da Constituição Federal de 198820. Assim é que uma tributação que estimule a geração e a circulação dos CBIOs estará, dentre outros, cumprindo os desígnios constitucionais de “preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas”; “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”; “proteger a fauna e a flora” e, por fim e de forma específica, “manter regime fiscal favorecido para os biocombustíveis destinados ao consumo final, na forma de lei complementar, a fim de assegurar-lhes tributação inferior à incidente sobre os combustíveis fósseis, capaz de garantir diferencial competitivo em relação a estes”; tudo nos termos delineados no art. 225, § 1º, VIII, da CF/1988 e conforme redação conferida pela Emenda Constitucional n. 123, de 14 de julho de 2022. Some-se a isso ainda a imposição de que, nos termos do art. 170, VI, da Constituição Federal, a ordem econômica se paute, dentre outros, pelo princípio da “defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação”.
Como se vê, é a própria Constituição Federal que impõe ao legislador “manter um regime fiscal favorecido para os biocombustíveis”, não sendo dado ao intérprete, muito menos, esquivar-se de tal mandamento da mais alta hierarquia. Dado que a Política Nacional de Biocombustíveis (Renovabio) tem nos CBIOs seu instrumento mais contundente, a ordem do constituinte encontra aqui endereço certo, o que, quanto ao tratamento tributário desses ativos, há de ser reconhecido amplamente pelos tribunais e no próprio direito positivo.
Tais premissas são axiomáticas, tanto para hoje, nos primeiros capítulos deste tema, como para os debates futuros, mais além da superação da discussão acerca da natureza jurídica dos créditos de descarbonização e do aprimoramento do quadro de referência normativo para a respectiva tributação.
4. Do instrumento e da sua operacionalização
Adentrando no aspecto operacional dos CBIOs, temos que identificar e qualificar, nas transações que os têm como objeto, a suas partes e escopo, de acordo com o descrito na letra da Lei n. 13.576/2017 e normas regulamentares, especialmente o Decreto n. 9.888/2019, a Portaria Normativa MME n. 56, de 21 de dezembro de 2022 e a Resolução ANP n. 802, de 5 de dezembro de 2019.
Primeiramente, remetemos à definição legal dos CBIOs como “crédito de descarbonização”, ativo financeiro que, negociado em mercados organizados, tem como lastro a redução de Gases de Efeito Estufa (“GEE”) sob a forma da produção ou importação de biocombustíveis.
Cada CBIO equivale à remoção de 1 (uma) tonelada de CO2 da atmosfera, permitindo ao seu detentor ou adquirente a compensação das emissões na mesma dimensão, para efeito de atingimento das metas de redução de carbono aplicadas ao mercado de distribuição de combustíveis.
O espaço de negociação dos CBIOs se acomoda inteiramente no arcabouço técnico e institucional do mercado financeiro. É a B3 o ambiente em que se processa o registro da emissão, da negociação e da solicitação de aposentadoria dos CBIOs, hospedando a base de dados com informações sobre os volumes de estoque, depósito, negociações e aposentadoria dos ativos, disponibilizada ao escriturador, instituição financeira encarregada de custodiar os CBIOs e processar as operações em nome de emissores, investidores e consumidores.
A seguir, qualificamos principais os agentes que atuam nas operações que compõem o ciclo de vida do CBIO, segundo a regulação brasileira21:
– Custodiante – instituição financeira que atende aos critérios exigidos pelo ambiente de negociação e desempenha as atividades de controle, conservação e custódia, em nome do investidor;
– Distribuidor – empresa autorizada pela ANP a comercializar combustíveis;
– Emissor Primário – produtor ou importador de biocombustível, autorizado pela ANP, habilitado a solicitar a emissão de CBIOs em quantidade proporcional ao volume de biocombustível produzido ou importado e comercializado;
– Escriturador – banco ou instituição financeira, contratada pelo produtor ou pelo importador de biocombustível, responsável pela emissão de CBIOs escriturais em nome do emissor primário;
– Intermediário – instituição que atende aos critérios exigidos pelo ambiente de negociação para atuar, por conta de terceiros, na negociação de CBIOs em mercados organizados (eletrônico e/ou de balcão). Deve obter e manter informações cadastrais atualizadas dos investidores, incluindo sua classificação como emissor primário, parte obrigada e parte não obrigada;
– Investidor Parte Obrigada – distribuidor de combustíveis obrigado a cumprir e comprovar o atendimento de metas individuais compulsórias de redução de emissões de gases causadores do efeito estufa – conforme art. 6º e segs. da Lei n. 13.576/2017, art. 5º do Decreto n. 9.888/2019 e Resolução ANP n. 791/2019. O controle e a atualização do perfil desse investidor devem ser realizados pelo custodiante;
– Investidor Parte Não Obrigada – demais investidores, adquirentes de CBIOs, pessoa física ou jurídica, residentes e não residentes no Brasil. Não tem obrigatoriedade nenhuma no cumprimento de metas de redução de efeito estufa. O controle e a atualização do perfil desse investidor devem ser feitos pelo custodiante e pelos intermediários, conforme Portaria Normativa MME n. 56/2022;
– Pré – CBIO – direito de o produtor ou importador de biocombustíveis registrar o CBIO no escriturador (instituição financeira) para futura negociação na bolsa de valores;
– Produtor de Biocombustível – empresa autorizada pela ANP a produzir biocombustível;
– Registradora – entidade que valida as operações realizadas no ambiente de negociação e gera informações públicas sobre os CBIOs emitidos, negociados e aposentados, atendendo a todos os requisitos previstos na Portaria Normativa MME n. 56/2022;
– Sistema de Lastro ANP – Plataforma CBIO – sistema que gera o lastro para emissão primária de CBIO, de acordo com o art. 13 da Lei n. 13.576/2017 e a Resolução ANP n. 802/2019.
A atuação de tais atores em transações envolvendo CBIOs pode se apresentar de diversas formas, em relação às quais, visando redução de complexidade para fins de análise, podemos delimitar uma tipologia com três modalidades fundamentais:
1. Originação ou emissão: o originador ou emissor é o produtor ou importador de biocombustíveis cuja produção ou importação tenha sido certificada pela ANP para emissão de CBIOs, nos termos dos arts. 18 e ss. da Lei n. 13.576/2017 e da Resolução ANP n. 758/2018. Os CBIOs são emitidos em quantidade proporcional ao volume de biocombustível produzido ou importado e comercializado, calculada de acordo com a respectiva Nota de Eficiência Energético-Ambiental do originador ou emissor. Para assegurar o lastro para a emissão dos CBIOs, o produtor ou importador faz o carregamento das notas fiscais eletrônicas das operações com os biocombustíveis na Plataforma CBIO gerenciada pelo Serpro, que, validando os dados das operações com a Receita Federal do Brasil, emite a reserva dos direitos à emissão dos créditos de descarbonização. Após assegurado o lastro na Plataforma CBIO é que os créditos de descarbonização são criados pelo escriturador, instituição financeira que se encarrega da emissão, custódia e registro dos CBIOs no ambiente da B3, que é a única entidade autorizada pelos órgãos reguladores a atuar como registradora dos CBIOs.
2. Comercialização ou negociação: é operação realizada pelo próprio emissor ou originador que negocia os CBIOs criados sob sua titularidade, bem como por intermediário ou investidor, ou seja, qualquer pessoa natural ou jurídica, residente ou não no Brasil, que opera no mercado realizando compra e venda dos créditos de descarbonização. As operações de comercialização ou negociação não são realizadas diretamente pelo originador ou pelo investidor, sendo necessária a intervenção do escriturador, que é corretora ou instituição financeira apta a operar na B3 custodiando e comercializando os CBIOs.
3. Consumo ou aposentação: é operação pela qual o distribuidor de combustíveis, sujeito ao cumprimento de metas compulsórias de redução de emissões de GEE, adquire os CBIOs para compensação com tais obrigações legais, encerrando finalmente a cadeia de circulação dos créditos de descarbonização.
Como se deixa extrair de todo o iter de circulação dos créditos de descarbonização, do nascimento até a sua morte, os CBIOs derivam sua substância jurídica não apenas da definição jurídico-positiva, mas também da própria dinâmica normativa desenhada pelos diversos diplomas que regem sua emissão, registro, custódia, negociação e aposentadoria.
Reitera-se que a natureza jurídica de ativo financeiro se impõe. Neste contexto, e reiterando análise já efetuada em item anterior do presente artigo, é relevante ainda para a caracterização de ativo financeiro, conforme acima demonstrado, a circunstância de que às operações com CBIOs se aplicam as regras atinentes ao mercado financeiro e às transações nele realizadas, inclusive aquelas definidas na Resolução Bacen n. 4.593/2017 e especialmente quanto ao registro da emissão e custódia dos ativos transacionados22.
A consolidar-se a natureza dos CBIOs como de ativo financeiro, nos termos aqui afirmados, e delimitadas as típicas operações que têm os CBIOs como objeto, quedam firmadas as bases para determinar o seu tratamento tributário, o que passaremos a abordar a seguir.
5. Da tributação
Como devidamente sinalizado pela nossa doutrina, a introdução dos CBIOs na ordem jurídica brasileira careceu inicialmente de um tratamento tributário específico para tais ativos financeiros, que pairavam assim entre o regime geral de tributação e a pura insegurança jurídica23. Malgrado houvesse o legislador contemplado regime impositivo para os CBIOs no texto originário da Lei n. 13.576/2017, o dispositivo foi objeto de veto presidencial, à época muito criticado pelos principais nomes da literatura do direito tributário brasileiro24.
Foi apenas com a promulgação da Lei n. 13.986/2020 que o nosso ordenamento jurídico passou a contar com regime jurídico próprio para a tributação dos CBIOs. Referido diploma legal restabeleceu sistemática semelhante àquela vetada no texto originário da Lei n. 13.576/2017. E assim o fez ao incluir em sua estrutura o art. 15-A25, que passou a prever para as operações com tais ativos a aplicação de Imposto de Renda Retido na Fonte à alíquota de 15% sobre a receita auferida até 31 de dezembro de 2030.
Não é apenas a tributação da renda que tem o potencial de gravar as operações envolvendo CBIOs. Dada a natureza do ativo e a tipologia de suas operações, devem ser considerados na análise a possibilidade de incidência, além de (i) IRPJ, CSLL e IRPF, ainda de (ii) PIS/Cofins, (iii) Funrural e (iv) IOF26.
O Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro e Sobre Operações relativas a Títulos e Valores Mobiliários esconde, como a doutrina já logrou demonstrar, sob o popular acrônimo IOF, um grupo de cinco tributos, dotados de hipóteses de incidência próprias: (i) o IOF-Crédito; (ii) o IOF-Câmbio; (iii) o IOF-seguro; (iv) o IOF-Títulos e Valores Mobiliários; e (v) o IOF-Ouro27. Dentre as hipóteses de incidência abrangidas pelo IOF, a única cuja materialidade que poderia ensejar uma subsunção das operações com os CBIOs seria a relativa a títulos e valores mobiliários. Como pudemos analisar em item anterior do presente artigo, contudo, a natureza jurídica dos CBIOs não corresponde a título ou valor mobiliário, o que exclui a incidência do IOF, em qualquer circunstância, sobre transações envolvendo tais ativos.
A contribuição do Funrural incide, nos termos do art. 22-A da Lei n. 8.212/1991, sobre “o valor da receita bruta proveniente da comercialização da produção” agroindustrial. É evidente que os CBIOs, como ativos incorpóreos que são, não se enquadram no conceito de produto agroindustrial, utilizado pela lei para fazer incidir a contribuição do art. 22-A da Lei n. 8.212/1991. Daí que tampouco incide o Funrural sobre as transações com CBIOs ou sobre a receita delas decorrente, o que a sua natureza de ativo financeiro só faz reiterar.
As contribuições para o PIS e a Cofins projetam, como se sabe, em sua hipótese de incidência, uma determinada materialidade conforme se trate do regime cumulativo ou do não cumulativo de apuração dos tributos referidos.
Sob o regime cumulativo, as contribuições para o PIS/Cofins incidem sobre o faturamento, correspondente à receita operacional da pessoa jurídica, decorrente da sua atividade principal, nos termos dos arts. 2º e 3º da Lei n. 9.718/1998. Firmada tal premissa legal, tem-se que as receitas financeiras não se sujeitam, em princípio, à incidência do PIS/Cofins cumulativo. Isso significa que as receitas decorrentes de transações com CBIOs sofrerão incidência do PIS/Cofins cumulativo apenas se o contribuinte tiver como objeto social a negociação de ativos financeiros, restrição da materialidade de ditas contribuições que é reiterada pelo art. 788, § 1º, da Instrução Normativa RFB n. 2.121/2022.
Sob o regime não cumulativo, as contribuições para o PIS/Cofins incidem, nos termos do art. 1º da Lei n. 10.637/2002 e do art. 1º da Lei n. 10.833/2003, sobre o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil. Tal incidência ampla significa que as contribuições do PIS/Cofins, apuradas sob o regime não cumulativo, incidem regularmente sobre as receitas decorrentes das transações com CBIOs, submetendo-as ao regime aplicável às receitas financeiras, do Decreto n. 8.426/201528. A caracterização como receitas financeiras tem um impacto na apuração do PIS/Cofins incidente sobre o resultado das operações com CBIOs, uma vez que tal qualificação lhes faz submeter-se às alíquotas especificamente atribuídas a tais ingressos, definidas no art. 1º, caput, do Decreto n. 8.426/2015 e no art. 789 da Instrução Normativa RFB n. 2.121/2022, excepcionando assim as alíquotas gerais, e superiores, do regime não cumulativo das referidas contribuições29. É exatamente a circunstância de que os CBIOs sejam ativos financeiros e suas transações não consubstanciem atividade operacional da pessoa jurídica que assegura a natureza de receita financeira ao resultado das operações com tais ativos, sendo este o caso especialmente das operações realizadas pelo emissor ou originador, mas também daquelas promovidas pelo investidor, parte obrigada ou não obrigada30.
A tributação da renda, por fim, como vimos, recebeu um regime específico para os CBIOs, no art. 15-A da Lei n. 13.576/2017, sob a forma de uma tributação exclusiva na fonte à alíquota de 15% sobre a receita auferida até 31 de dezembro de 2030.
A apuração da renda decorrente das negociações com CBIOs não está isenta de complexidades e se deixa analisar com maior precisão dentro da tipologia formada pelas três operações fundamentais, descritas em item anterior do presente artigo:
1. Originação ou emissão: o originador ou emissor, correspondente ao produtor ou importador de biocombustíveis, uma vez assegurado o lastro na Plataforma CBIO, emite os créditos de descarbonização por meio da instituição financeira escrituradora, que os registra no ambiente da B3. Nessa operação, o emissor incorre, por um lado, em custos administrativos tanto na Plataforma CBIO quanto junto à escrituradora; por outro, gera um volume de ativos para posterior comercialização, que têm valor de mercado substancial. Dado que ativos financeiros, negociados em mercado organizado, como os CBIOs, devem ser contabilizados a valor justo, há potencial de ganho na operação, numa geração de receita que pode ter impacto tributário31. Para permitir o diferimento na tributação do ganho apurado na emissão dos CBIOs, o emissor deve promover o controle da avaliação a valor justo via subconta vinculada ao ativo, na forma prevista no art. 13 da Lei n. 12.973/2014.
2. Comercialização ou negociação: é operação pela qual são negociados CBIOs do estoque do seu titular, seja emissor primário ou investidor; seja pessoa física ou jurídica. Tal é a típica operação sujeita à incidência na fonte do art. 15-A da Lei n. 13.576/2017. Aqui, o alienante do ativo irá submeter o ganho apurado, correspondente à diferença entre o valor de alienação e o valor contábil do ativo, à alíquota de 15% na fonte, que encerra a tributação da operação. Isso significa que tal ganho será excluído na determinação do lucro real, do lucro presumido e do resultado apurado no exercício; sendo vedada, porém a dedução de eventuais perdas na apuração do lucro real, conforme o § 1º do art. 15-A da Lei n. 13.576/2017. Tal regime se aplica tanto à tributação da renda da pessoa jurídica quanto à tributação da renda da pessoa física, nos termos do § 3º do art. 15-A da Lei n. 13.576/2017.
3. Consumo ou aposentação: para o distribuidor de combustíveis, sujeito ao cumprimento de metas compulsórias de redução de emissões de GEE, que adquire os créditos de descarbonização para compensação com tais obrigações legais, os CBIOs não são considerados estoques, mas sim ativos intangíveis, eis que não adquiridos para fim de revenda. Sendo assim, os créditos devem ser contabilizados pelo seu custo de aquisição32. Quando ocorrida sua baixa por aposentação, o custo dos CBIOs deve ser deduzido do lucro real, nos termos do art. 501 do RIR/2018, a título de despesa operacional, do art. 47 da Lei n. 4.506/1964, dada a sua obrigatoriedade legal para a manutenção da conformidade com as metas compulsórias de compensação de emissões de GEE.
Observe-se que a adequada contabilização e, conseguintemente, a apuração do ganho tributável da pessoa jurídica ou da pessoa física, requer o esquadrinhamento da operação concreta, bem como a contextualização dos CBIOs a partir função que exercem na atividade do contribuinte33.
Isso é importante ser frisado pois, para além da natureza jurídica de ativo financeiro, já demonstrada, deve-se considerar a pluralidade de atores transacionando com CBIOs e como os integram em suas respectivas atividades, desde o emissor ou originador, passando por investidores, até a entidade obrigada a consumi-lo na compensação de suas emissões. São definitivamente variáveis a impactar a classificação contábil dos ativos e os efeitos tributários correspondentes.
Observe-se, por fim, que a tributação das operações com os CBIOs não deixa esconder sua natureza extrafiscal, especialmente no que se refere à tributação da renda, sujeita à tributação exclusiva na fonte à alíquota de 15%, bem como à incidência do PIS/Cofins não cumulativo, sujeito aos níveis inferiores de alíquotas aplicáveis às receitas financeiras. Em ambos os casos, está o legislador colaborando para instrumentalizar os esforços do país em cumprimento às metas assumidas no bojo do Acordo de Paris, do qual o Brasil é signatário, e dando alguma concretude ao desígnio da Constituição Federal que, em seu art. 225, § 1º, VIII, impõe ao legislador “manter um regime fiscal favorecido para os biocombustíveis”.
6. Conclusão
Os CBIOs são o instrumento mais contundente previsto na ordem jurídica brasileira para o atingimento das metas de redução de emissões assumidas pelo Estado brasileiro em foros multilaterais e impostas aos distribuidores de combustíveis como atores estratégicos do mercado brasileiro de energia.
Diferenciando-se de categorias próximas como commodities, títulos de crédito ou valores mobiliários, os CBIOs deixam extrair sua natureza jurídica a partir do locus de sua circulação, que é, por excelência, o mercado financeiro. A natureza jurídica de ativo financeiro, que já havia sido afirmada pelo Decreto n. 11.075/2022, é reiterada pelo Anexo Normativo I à Resolução n. 175/2022 da Comissão de Valores Mobiliários, referendada pela prática institucional dos órgãos reguladores do mercado financeiro, bem como confirmada pela nossa jurisprudência.
As operações que têm como objeto os CBIOs não devem ser tomadas como transações de mercado triviais, senão como meio para concretizar valores e objetivos abraçados pela Constituição Federal de 1988, especialmente aqueles do Capítulo do Meio Ambiente, ao tempo em que instrumentalizam os esforços do país em cumprimento às metas assumidas no bojo do Acordo de Paris, do qual o Brasil é signatário. É a própria Constituição Federal que impõe ao legislador “manter um regime fiscal favorecido para os biocombustíveis”, dispositivo que há de se impor como um mandamento para o legislador que pretenda onerar os CBIOs de forma desproporcional ou incompatível com a extrafiscalidade tuteladora do clima e do meio ambiente.
Analisando a incidência tributária sobre operações com créditos de descarbonização, concluímos de pronto que, dentre as diversas materialidades que compõem as regras-matrizes do IOF, nenhuma é apta a abranger transações envolvendo os CBIOs.
Nosso entendimento é ainda de que os CBIOs, como ativos incorpóreos que são, não se enquadram no conceito de produto agroindustrial, utilizado pela lei para fazer incidir a contribuição do Funrural, do art. 22-A da Lei n. 8.212/1991, que em circunstância alguma pode ser exigida sobre transações envolvendo tais ativos.
Quanto às contribuições do PIS e da Cofins sob o regime cumulativo, cuja materialidade de incidência está restrita ao faturamento, concluímos que as receitas decorrentes de transações com CBIOs sofrerão incidência de tais tributos apenas se o contribuinte tiver como objeto social a negociação de ativos financeiros.
Já as contribuições do PIS/Cofins apuradas sob o regime não cumulativo incidem regularmente sobre as receitas decorrentes das transações com CBIOs, submetendo-as ao regime aplicável às receitas financeiras, do Decreto n. 8.426/2015.
Na análise da contabilização e especialmente da tributação da renda decorrente das operações com CBIOs, deve ser considerada, para além da natureza jurídica de ativo financeiro, a pluralidade de atores transacionando com CBIOs e como os integram em suas respectivas atividades, desde o emissor ou originador, passando por investidores, até a entidade obrigada a consumi-lo na compensação de suas emissões.
Nesse contexto, propomos uma análise baseada numa tipologia de operações com CBIOs, composta por três modalidades fundamentais: (i) originação ou emissão; (ii) comercialização ou negociação; e (iii) consumo ou aposentação.
A emissão dos CBIOs sem incorrência de tributação no ganho apurado pressupõe o controle da avaliação a valor justo via subconta vinculada ao ativo, na forma prevista no art. 13 da Lei n. 12.973/2014.
Na comercialização dos CBIOs, o alienante do ativo, pessoa física ou jurídica, irá submeter o ganho apurado, correspondente à diferença entre o valor de alienação e o valor contábil do ativo, à alíquota de 15% na fonte, que encerra a tributação da operação.
Quando ocorrida a baixa dos CBIOs por aposentação, o custo dos créditos deve ser deduzido do lucro real, nos termos do art. 501 do RIR/2018, a título de despesa operacional, do art. 47 da Lei n. 4.506/1964, dada a sua obrigatoriedade legal para a manutenção da conformidade com as metas compulsórias de compensação de emissões de GEE.
Deve-se sublinhar, por fim, o caráter provisório do regime de incidência exclusiva na fonte, do art. art. 15-A da Lei n. 13.576/2017, cuja aplicação está prevista até 31 de dezembro de 2030. É fundamental que se dê estabilidade e previsibilidade a um mecanismo que integra uma política tão estratégica para o Brasil e para o mundo nos tempos atuais, que é o controle das emissões de carbono e o combate às mudanças climáticas. Que a conversão em regime permanente venha acompanhada de aperfeiçoamentos no regime tributário dos CBIOs, de modo que abandone definitivamente o viés arrecadatório para consagrar-se como uma tributação indutora da preservação ambiental e da descarbonização da atmosfera do nosso planeta.
Bibliografia
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1 Cf. BAKER, Susan. Sustainable development. New York: Routledge, 2016; SACHS, Ignacy. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: Garamond, 2002.
2 Cf. SCOVAZZI, Tullio; LIMA, Lucas Carlos. Do Protocolo de Kyoto ao Acordo de Paris. Revista da Faculdade de Direito da UFMG v. 78, 2021, p. 469-476.
3 Dados de setembro de 2023 indicam um volume total de 102,8 milhões de CBIOs transacionados desde a sua introdução na ordem jurídica brasileira, correspondendo a um volume financeiro superior a R$ 8 bilhões e 102,8 milhões de toneladas de CO2 que deixarem de ser emitidas na atmosfera. Cf. BRASIL. MME. Volume de negociação de créditos de descarbonização (CBIOs) ultrapassa os R$ 8 bilhões. Brasília, 4 de setembro de 2023. Disponível em: https://www.gov.br/mme/pt-br/assuntos/noticias/volume-de-negociacao-de-creditos-de-descarbonizacao-cbios-ultrapassa-os-r-8-bilhoes. Acesso em: 30 set. 2024.
4 LUHMANN, Niklas. Die Wissenschaft der Gesellschaft. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1992, p. 124.
5 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Tributação das emissões e negociações dos títulos de CBio: a vida continua. Conjur, 29 de abril de 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-abr-29/consultor-tributario-tributacao-emissoes-negociacoes-titulos-cbio. Acesso em: 23 jul. 2024. Neste sentido, também, CALCINI, Fabio Pallaretti; CARVALHO, Ana Maria. A não incidência do Funrural na emissão primária de CBIOs. Conjur, 18 de dezembro de 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-jan-27/direito-agronegocio-creditos-descarbonizacao-cbios-ainda-reflexos-fiscais. Acesso em: 23 jul. 2024.
6 Para o conceito de valor mobiliário e uma análise do art. 2º da Lei n. 6.385/1976, cf. MATTOS FILHO, Ary Oswaldo. O conceito de valor mobiliário. Revista de Administração de Empresas v. 25, 1985, p. 37-51.
7 Nesse sentido, entendimento da CVM cf. BRASIL. COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. MEMO/SDM N. 13/2009, de 26 de junho de 2009. Brasília: CVM/SDM, 2009.
8 Nesse sentido, entendimento da CVM cf. BRASIL. COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. MEMO/SDM N. 13/2009, de 26 de junho de 2009. Brasília: CVM/SDM, 2009.
9 O CPC 39 define, em seu item 6, ativo financeiro como “qualquer ativo que seja: (a) caixa; (b) título patrimonial de outra entidade; (c) direito contratual (i) de receber caixa ou outro ativo financeiro de outra entidade ou (ii) de trocar ativos ou passivos financeiros com outra entidade sob condições potencialmente favoráveis para a entidade; (d) contrato que será ou poderá vir a ser liquidado em títulos patrimoniais da própria entidade e que seja (i) um instrumento financeiro não derivativo no qual a entidade é ou pode ser obrigada a receber um número variável dos seus próprios títulos patrimoniais ou (ii) um instrumento financeiro derivativo que será ou poderá ser liquidado por outro meio que não a troca de montante fixo em caixa ou outro ativo financeiro, por número fixo de seus próprios títulos patrimoniais”.
10 A análise conceitual se deixa extrair do item 30 da Orientação Técnica OCPC 10: “crédito de descarbonização além de não se tratar de caixa ou instrumento patrimonial de outra entidade, também não estabelece ao seu detentor o direito contratual de recebimento de caixa ou outro ativo financeiro de outra entidade (como seria o caso, por exemplo, de um depósito bancário onde a natureza do arranjo contratual estabelece ao depositante o direito de obter caixa a partir daquele depósito junto à respectiva instituição financeira). Desta forma, não se encontram atendidos os critérios para sua classificação como ativo financeiro, de acordo com os requisitos estabelecidos pelo CPC 39 (item 11, ver também AG 3 e AG 12). Para os fins de que se trata esta Orientação, o crédito de descarbonização é, portanto, um ativo não financeiro, incorpóreo e sem substância física”. Vale registrar que a Orientação Técnica OCPC 10, ao tempo da elaboração do presente artigo, havia acabado de ser publicada e ainda se encontrava em fase de consulta pública, até 20 de outubro de 2023.
11 A propósito, a própria Orientação Técnica OCPC 10 consigna em seu item 3 que “esta Orientação não possui como objetivo tratar de questões de natureza tributária e jurídica associadas aos créditos de descarbonização”.
12 Cf. Processo CVM n. 19957.004010/2021-86.
13 TRF 3ª Região, Terceira Turma, Apelação Cível n. 5028277-80.2022.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal Rubens Calixto, julgado em 18.10.2024.
14 Em sentido semelhante, cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Tributação das emissões e negociações dos títulos de CBio: a vida continua. Conjur, 29 de abril de 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-abr-29/consultor-tributario-tributacao-emissoes-negociacoes-titulos-cbio. Acesso em: 23 jul. 2024; CALCINI, Fabio Pallaretti. Créditos de descarbonização (CBIOs): ainda os reflexos fiscais. Conjur, 27 de janeiro de 2023. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-jan-27/direito-agronegocio-creditos-descarbonizacao-cbios-ainda-reflexos-fiscais. Acesso em: 23 jul. 2024; PROLO, Caroline. Créditos de carbono são commodities? Valor Investe, 12 de maio de 2022. Disponível em: https://valorinveste.globo.com/blogs/caroline-prolo/coluna/creditos-de-carbono-sao-commodities.ghtml. Acesso em: 23 jul. 2024; FORBES, Guilherme et al. PMR Brasil: aspectos jurídicos para marco regulatório de um Sistema de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa no Brasil. São Paulo: Stocche Forbes, 2020. Disponível em: https://www.gov.br/mdic/pt-br/assuntos/competitividade-industrial/pmr/juridico/analise-juridico-regulatoria-sce.pdf. Acesso em: 23 jul. 2024.
15 Não deve passar despercebida ainda a circunstância de que o regime de tributação da renda aplicado pelo legislador especificamente às operações com CBIOs, a partir do art. 15-A da Lei n. 13.576/2017, que é o de incidência exclusiva na fonte à alíquota de 15%, é equivalente àquele regime geral aplicado para operações no mercado financeiro e de capitais, conforme consolidado na Instrução Normativa RFB n. 1.585/2015.
16 Cf. MOREIRA FILHO, Aristóteles. Direito da inovação: tributação, tecnologia e desenvolvimento. São Paulo: Quartier Latin, 2023, p. 559 e ss.
17 Cf. MOSCHETTI, Francesco. Il principio della capacità contributiva. Padova: Cedam, 1973, p. 244 e ss.; NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 2004, p. 226 e ss. Como lembra Nabais, o imposto “não constitui um fim em si mesmo, antes é um meio, um instrumento de realização das tarefas (finais) do estado”.
18 Sobre o tema, cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
19 VOGEL, Klaus. Steuerrecht und Wirtschaftslenkung: ein Überblick. Jahrbuch der Fachanwälte für Steuerrecht, 1968/69, p. 228 e ss.
20 Sobre o meio ambiente na Constituição Federal, cf. entre outros BENJAMIN, Antônio Herman. O meio ambiente na Constituição Federal de 1988. In: KISHI, Sandra Akemi Shimada; SILVA, Solange Teles da ; SOARES, Inês Virgínia Prado (org.). Desafios do direito ambiental no século XXI: estudos em homenagem a Paulo Affonso Leme Machado. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 363-398.
21 Cf. ANBIMA. Guia de Operacionalização do CBIO. Disponível em: https://www.anbima.com.br/data/files/2B/23/E9/0F/FEF447101699D3471B2BA2A8/Guia%20de%20Operacionalizacao%20do%20CBIO.pdf. Acesso em: 23 jul. 2024.
22 Cf. ANBIMA. Guia de Operacionalização do CBIO. Disponível em: https://www.anbima.com.br/data/files/2B/23/E9/0F/FEF447101699D3471B2BA2A8/Guia%20de%20Operacionalizacao%20do%20CBIO.pdf. Acesso em: 23 jul. 2023.
23 CALCINI, Fabio Pallaretti. Os aspectos tributários da política energética RenovaBio. Conjur, 3 de janeiro de 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jan-03/direito-agronegocio-renovabio-aspectos-tributarios. Acesso em: 23 jul. 2024.
24 Cf. TÔRRES, Heleno Taveira. Tributação das emissões e negociações dos títulos de CBio: a vida continua. Conjur, 29 de abril de 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-abr-29/consultor-tributario-tributacao-emissoes-negociacoes-titulos-cbio. Acesso em: 23 jul. 2023.
25 “Art. 15-A. A receita das pessoas jurídicas qualificadas conforme o inciso VII do caput do art. 5º desta Lei auferida até 31 de dezembro de 2030 nas operações de que trata o art. 15 desta Lei fica sujeita à incidência do imposto sobre a renda exclusivamente na fonte à alíquota de 15% (quinze por cento). § 1º A receita referida no caput deste artigo será excluída na determinação do lucro real ou presumido e no valor do resultado do exercício, mas as eventuais perdas apuradas naquelas operações não serão dedutíveis na apuração do lucro real. (Incluído pela Lei n. 13.986, de 2020).
§ 2º O disposto no § 1º deste artigo não impede o regular aproveitamento, na apuração do lucro real das pessoas jurídicas referidas no caput deste artigo, das despesas administrativas ou financeiras necessárias à emissão, ao registro e à negociação dos créditos de que trata o inciso V do caput do art. 5º desta Lei, inclusive aquelas referentes à certificação ou às atividades do escriturador de que tratam os incisos I e VIII do caput do art. 5º e os arts. 15 e 18 desta Lei. (Incluído pela Lei n. 13.986, de 2020).
§ 3º O disposto no caput e no § 1º deste artigo aplica-se por igual a todas as demais pessoas físicas ou jurídicas que realizem, sucessivamente, operações de aquisição e alienação na forma do art. 15 e com o registro de que trata o art. 16 desta Lei, salvo quando aquelas pessoas se caracterizarem legalmente como ‘distribuidor de combustíveis. (Incluído pela Lei n. 13.986, de 2020).”
26 Deve-se fazer a ressalva de que a perspectiva de aprovação da reforma tributária, tramitando sob a PEC n. 45/2019, irá submeter provavelmente as operações com CBIOs também à incidência dos tributos sobre valor acrescido CBS e IBS. Há de se aguardar, porém, o texto da alteração constitucional efetivamente aprovada, bem como aquele da lei complementar de normas gerais dos novos tributos, para que se proceda à análise correspondente, o que, ao tempo da conclusão do presente artigo, ainda não havia ocorrido.
27 Cf. MOSQUERA, Roberto Quiroga. Tributação no mercado financeiro e de capitais. São Paulo: Dialética, 1999; BENTO, Paulo Marcelo de Oliveira et al. Manual de tributação no mercado financeiro. São Paulo: Saraiva, 2000; BARRETO, Paulo Ayres. IOF – Imposto sobre operações de crédito, câmbio e seguro e sobre operações relativas a títulos e valores mobiliários. In: Celso Fernandes Campilongo, Álvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coord.). Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Tomo: Direito Tributário. Paulo de Barros Carvalho, Maria Leonor Leite Vieira, Robson Maia Lins (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017.
28 Nesse sentido, CALCINI, Fabio Pallaretti. Créditos de descarbonização (CBIOs): ainda os reflexos fiscais. Conjur, 27 de janeiro de 2023. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2023-jan-27/direito-agronegocio-creditos-descarbonizacao-cbios-ainda-reflexos-fiscais. Acesso em: 23 jul. 2024.
29 Enquanto as alíquotas gerais do regime não cumulativo estão definidas em 1,65% para o PIS e 7,6% para a Cofins, aplicam-se às receitas financeiras 0,65% e 4%, respectivamente.
30 Neste sentido, TRF 3ª Região, Terceira Turma, Apelação Cível n. 5028277-80.2022.4.03.6100, Rel. Desembargador Federal Rubens Calixto, julgado em 18.10.2024.
31 Cf. Orientação Técnica OCPC 10.
32 Cf. CPC 07, itens 25 e ss.
33 A Orientação Técnica OCPC 10 utiliza a expressão “modelo de negócios” para colocar em perspectiva qual o papel que os CBIOs exercem concretamente na dinâmica empresarial da entidade.