As Disrupções Tecnológicas e o Direito Tributário do Futuro

Technological Disruptions and the Future of Tax Law

Valterlei da Costa

Doutorando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP e em Direito do Estado pela UFPR, com intercâmbio junto à Universidad Autónoma de Madrid pela Capes, bem como investigador junto à Facultad de Derecho de Sevilla. Mestre em Direito do Estado e Bacharel em Direito pela UFPR. Ex-Técnico de Finanças e Controle lotado na Procuradoria da Fazenda Nacional. Membro-relator da Comissão de Direito Tributário e líder do Grupo de Trabalho Tributos Federais da OAB/PR. Membro do Instituto de Direito Tributário do Paraná. Revisor de periódicos. Professor de cursos de pós-graduação lato sensu em direito. Advogado. E-mail: valterlei@costaecostaadvocacia.com.br.

Recebido em: 10-12-2024 – Aprovado em: 19-3-2025

https://doi.org/10.46801/2595-6280.59.23.2025.2663

Quando Susan Calvin entrou no cofre incrivelmente protegido que guardava O Cérebro, um dos técnicos daquele turno tinha acabado de perguntar a ele:

– Se uma galinha e meia bota um ovo e meio em um dia e meio, quantos ovos vão botar nove galinhas em nove dias?

– Cinquenta e quatro – tinha acabado de responder O Cérebro.

– Viu, seu idiota! – tinha acabado de dizer o técnico ao colega.

(Asimov, 2014, p. 208).

Resumo

A tecnologia vem sendo considerada um fator disruptivo na sociedade, o que acaba repercutindo no direito e, particularmente, no direito tributário, notadamente na determinação dos eventos que configuram as hipóteses de tributação, o que pode resultar em prejuízos para a arrecadação. E um dos caminhos para evitar que as inovações acabem por erodir as bases de tributação seria a alteração legislativa, mas também é possível compreender o direito tributário posto por meio das práticas sociais, especialmente considerando a conduta da geração Z, os nativos digitais. Sob tal prisma, passa a ser viável analisar os reflexos sobre a tributação de temas tão díspares quanto a inteligência artificial, fintech, criptomoedas, e-marketplace, robótica e internet das coisas, determinando, por um lado, até que ponto podem ser exigidos tributos sem mudanças na lei e, por outro, como impedir que mais e mais setores economicamente relevantes fiquem à margem da tributação.

Palavras-chave: direito tributário, tecnologia, disrupção, práticas sociais, geração Z.

Abstract

Technology is increasingly recognized as a disruptive force within society, with significant repercussions for law, particularly tax law, notably on the determination of the events that compose the taxation hypothesis, which can harm the revenue collection. One approach to mitigating the impact of innovations on the foundations of taxation is legislative reform. However, it is also possible to understand tax law through social practices, particularly considering the behaviours of Generation Z, the digital natives. From this perspective, it becomes pertinent to analyze the tax implications of diverse topics such as artificial intelligence, fintech, cryptocurrencies, e-marketplaces, robotics, and the Internet of Things determining, on one hand, the extent to which taxes can be imposed without legislative changes and, on the other hand, how to prevent economically significant sectors from remaining outside the scope of taxation.

Keywords: tax law, technology, disruption, social practices, generation Z.

1. Introdução

Que a tecnologia esteja a provocar quebras de paradigmas, as quais, por sua vez, alteram nossa forma de vida, é algo que vem sendo dito e redito. Viveríamos, por isso, em uma época disruptiva. E sendo as coisas assim, ninguém se encontra a salvo, pois, diante de uma onda de “destruição criativa”, tudo estaria a exigir uma releitura, o que inclui, por certo, o direito tributário. Dito isso, no que abaixo segue, discorreremos em que sentido se emprega a palavra “tecnologia” e como provocaria “disruptividade” no mundo que conhecemos. Contudo, faremos isso considerando o uso que a “geração Z” faz das palavras, especialmente para prognosticar, no campo tributário, como será sua relação com a inteligência artificial, a forma de atuação da administração fiscal, além do modo de tributação sobre a moeda e a robótica, bem como a fixação das competências tributárias em razão da espacialidade virtual das operações econômicas.

2. Tecnologia

Uma palavra como “tecnologia”, em princípio, não causa maiores dificuldades, pois suas bases são os radicais gregos tékhne- (arte, habilidade) e lógos (palavra, estudo, tratado)1, significando, consequentemente, a ciência das técnicas2. Sem embargo, não é assim que usamos essa palavra. A tecnologia está ligada ao moderno, atual, hodierno, bem como ao complexo, intrincado, entrelaçado. Nessa linha, objetos tecnológicos são criados e nós os usamos até com certa facilidade, mas não podemos recriá-los. E é por isso que, conceitualmente, toda tecnologia apresenta-se como tecnologia de ponta (cutting-edge) ou alta tecnologia (high tech), sob pena, primeiramente, de ser tida como obsoleta e, na sequência, mesmo deixar de ser considerada tecnologia.

Só que, se pensarmos deste modo, não haverá nada de ímpar no que imaginamos ser uma época única a em que vivemos: o moderno de hoje será o antiquado de amanhã e dará lugar, no futuro, inexoravelmente, a algo mais atual. Com efeito, tudo não passa de um ciclo, não havendo nada de novo sob o sol3. Afinal, em retrospectiva, não é difícil eleger uma era qualquer e apontar nela uma invenção que mudou o mundo, pois, em nossa história, vão estar o arado, o papiro, a pólvora, sendo tudo isso a mais pura tecnologia de sua época. Só que, por esse ângulo, não há nada de incomensurável no quando em que vivemos. Entretanto, não é por tal vertente que compreenderemos as coisas neste texto, pois hoje se acredita, piamente, que não estamos parados, senão que caminhamos a passos largos rumo a um horizonte que está logo ali.

Em verdade, a pergunta da moda não é “podemos?”, senão “devemos?”. E um recente abaixo-assinado, cujos missivistas são baluartes desta nova era, bem demonstra tal preocupação (se sincera ou não, não cabe, aqui, analisar)4. Ocorre que, ao menos desde o começo do século passado, esta é uma questão que está entre nós, tendo sido expressa por Pierre Curie – ganhador do Prêmio Nobel, junto com sua esposa Marie Curie, pelo resultado de suas pesquisas no campo da radiação –, quem não deixa de questionar “[...] se a humanidade se beneficia de conhecer os segredos da Natureza, se ela está pronta para tirar vantagem disso ou se esse conhecimento não será prejudicial para ela”5. Ou seja, nem a incerteza que quer-se atribuir aos tempos atuais são novas, pois, afinal, quando o homem não viveu em uma era de risco6?

Dito tudo isso, o que faz com que vivamos em uma era diferençada, seja como extraordinária ou anormal, não é o estado de coisas per se, mas sim o fato de que haja quase um consenso de que estes são tempos incomuns. Nessa linha, podemos considerar que há algo de objetivo na ideia de que o futuro chegou, pois as pessoas assim agem, uma vez que não só nisso acreditam, como também o difundem, contagiando outros, em um verdadeiro efeito cupido. Com efeito, entusiasticamente se assevera que estamos em um ponto de inflexão, sem volta, em um verdadeiro estádio revolucionário7.

E se o mundo está em mudança, tornando-se um lugar receptivo para os recém-chegados com suas boas novas, então essa notícia se espraia, não mais ficando contida neste ou naquele domínio, nem sendo pertencente a este ou aquele auditório, passando a ser comungada em geral. Assim, se as coisas mudam, então, mesmo que de roldão, os juristas também devem cambiar, especialmente aqueles que se veem como juristas-cientistas, pois que haveria de pior do que um cientista obsoleto, um analógico em uma época digital?

Se queremos o porvir, então o porvir teremos. Os congressos jurídicos cada vez mais serão sobre tecnologia e os palestrantes esforçar-se-ão por demonstrar que estão muito atualizados, inclusive acompanhando as últimas do Vale do Silício (Sillicon Valley), mesmo que, no dia a dia, estejam a pedir ajuda com o manejo de seus dispositivos inteligentes (smarts devices). E desse modo iremos – se formos ordeiros, em fila – até que todos estejamos fadigados de falar sobre o novo, e que deixe de causar impacto, na boca dos juristas, dizer que fruímos tempos inauditos, em que existem muitas oportunidades, mas, igualmente, muitos perigos.

Particularmente em relação ao direito tributário, o futuro ainda não trilhado, mas em antecipação, torna-se mais explorado a cada dia, pois hodiernos trabalhos já dão por certo que estamos envoltos por uma nova economia, a qual, por sua vez, necessita de outro olhar, um diferente do lançado sobre a velha, que hoje, apenas por tradição, pode ser designada de blue-chip, já que não vale mais tanto assim. Agora, não quer-se mais saber de mercadoria ou serviço, mas sim de bens digitais; nem se está preocupado com a moeda, senão com as criptomoedas; aliás, mesmo a renda deixou de ter um local físico como fonte de geração; e o contribuinte não entrega mais documentos ao fisco, pois transmite dados.

3. Disruptividade

Com o antepositivo “romp-”, do verbo latino ruptum, chega-se à “rotura” ou “ruptura”, ambos do latim ruptu-ra, significando quebra8. Na sequência, por prefixação, obtém-se “disrupção”, sendo adequado atentar-se para o fato de que o prefixo latino “dis”9 exerce aqui uma função quase pleonástica, já que “[...] exprime as ideias de ‘negação’ ‘cessação’ separação’ [...]”10. Em conclusão, semanticamente, disrupção significa uma quebra devida a uma anomalia, e disruptivo significa o que for relativo à disrupção, seja como produto ou causa.

Já pragmaticamente, questão de uso, apesar de a palavra ter muitos empregos técnicos, como em engenharia elétrica (disruptor de alta tensão) ou em fisiologia (disruptor endócrino), é no meio digital que vem adquirindo novo significado, especialmente depois da publicação de um texto hoje já clássico, no longínquo ano, para quem acha que o mundo começou ontem, de 1995, a distinguir as inovações tecnológicas em asseguradoras (sustaining) e disruptivas (disruptive)11. Desde então, “disrupção” deixa de significar, primordialmente, a interrupção de um curso normal como defeito ou incorreção para ser associada à inovação, o que lhe confere um cariz positivo e favorável, como vem sendo registrado, aliás, em web dictionary12. Com efeito, emprega-se o adjetivo “disruptivo” cada vez mais para atribuir propriedades louváveis, pois estaria, quem ou o que for dessarte adjetivado, a cindir a história em duas, inaugurando uma nova era de progresso e, por isso mesmo, nem que tudo tenha de ser destruído, ainda assim se avançaria.

Por essa nova vertente, a disrupção guarda enorme semelhança, para não dizermos correspondência, com a concepção de “destruição criativa”, de Joseph Schumpeter, a qual tem por base “inovações radicais” e, assim, o desenvolvimento “[...] é o tipo de mudança que emerge de dentro do sistema [econômico] que desloca de tal modo o seu ponto de equilíbrio que o novo não pode ser alcançado a partir do antigo mediante passos infinitesimais”13. Aliás, não custa mesmo lembrar que Clayton Christensen, ao formular sua teoria da “inovação disruptiva”, fê-la com lastro nas ideias schumpeternianas14. Dito isso, é só dar mais um passo para concluirmos que a aludida disrupção, nos dias de hoje, não é empregada em sentido tão amplo, abrangendo qualquer ruptura, mas somente aquela cuja origem é a tecnologia (high tech), dando azo a uma ideia muito aceita, a de que o mundo estaria sendo destruído e (re)construído bem diante de nossos olhos, mas, no fim, espera-se que essa tecnologia disruptiva, apesar de poder ser malversada, faça do mundo um lugar melhor.

4. Geração Z

4.1. Destinatário das normas jurídicas

Uma discussão sempre presente em teoria do direito é sobre a quem as normas jurídicas são dirigidas, mas caso não olvide que possam ser as normas jurídicas gerais ou individuais, então a questão deve ser refeita: “a quem são dirigidas as normas jurídicas gerais?”. E uma resposta óbvia seria: a todos. Por outro lado, também há boas razões para assegurar que seriam elas endereçadas apenas às autoridades, compreendendo-as como quem aplica a sanção15. Todavia, o tema não precisa ser tomado tão estreitamente, até porque soaria contraintuitivo, e uma boa forma de aproximação é considerar que a norma jurídica, em verdade, seria a conexão de duas normas, uma primária e outra eventual16. Nessa linha, a primária tem como sujeito os cidadãos em geral, e a eventual as autoridades, as quais somente devem atuar em caso de descumprimento da conduta devida. Já para o tópico “qual a conduta devida?”, uma boa consideração é “aquela que não está sujeita à punição”, o que demonstraria não só um vínculo semântico entre as duas normas, como também a prevalência da norma eventual, já que a conduta devida estatuída pela norma primária ficaria a ela condicionada. Ou seja, dado “p”, então deve ser “q”, mas caso tenha dúvidas sobre que conduta deve praticar o sujeito para seguir a norma, então seu melhor guia seria analisar as hipóteses consideradas pelas autoridades como subsumidas a “p~q”, para imputar, na sequência, a sanção “s”.

Entretanto, nossa doutrina tributária tem ojeriza a tal raciocínio, pois crê que a norma primária detém um conteúdo certo, independentemente de como decidem os tribunais. E mesmo que não se assuma como dworkiniana, é inegável esse seu viés, pois parece considerar que a norma de competência tributária praticamente já fornece todos os dados para a construção da norma de tributação, desde que interpretada, claro, a sua melhor luz17. Assim, a estrutura [(D) pq] – se ocorrer o “fato gerador”, então se deve dar dinheiro ao Estado – sempre teria, para cada tributo, uma forma correta de ser saturada. E é considerando isso que a segunda parte da norma [(D) ~qs] deveria ser apreciada, com o ilícito sendo estabelecido a partir da conduta devida. Assim, as autoridades estariam certas ou erradas em seu julgamento a depender do resultado do cotejo de sua aplicação da norma eventual com a correta interpretação da norma primária.

De nossa parte, não temos dúvidas de que a determinação do que seja “p~q”, e a aplicação de uma sanção “s”, pelas autoridades, a quem nele incorra, inegavelmente molda como deve-se entender “q se antes p”. Entretanto, isso não significa que não seja justo questionar o grau de discricionariedade/arbitrariedade que possuem as autoridades para decidir quais situações se quedam e quais não como ilícitas18. É tema, aliás, que permite várias aproximações, por diversos ângulos, mas estamos, aqui, particularmente interessados na questão da legitimidade, ou seja, quem deve prevalecer: o legislador que promulga a norma jurídica ou seu aplicador? Já discutimos tal questão em outro lugar e, para este artigo, contentemo-nos com um pequeno ponto de apoio: não é difícil concordar que o legislador busca dirigir a conduta dos cidadãos de forma geral e espera ter o menor custo para que sua prescrição seja cumprida19. Para isso, entre outras coisas, deve o destinatário normativo bem compreender qual a conduta devida, pois, do contrário, agiria em estado de incerteza até que tenha seu caso apreciado pelas autoridades, para só então saber se agiu bem, na hipótese de não ser punido, ou se mal, caso punido.

Em sentido hartiniano, temos as situações de certeza, nas quais se conhece que se comporta bem, ou se mal, e outras, em que isso não se sabe de antemão20. Nesse último ponto, seria possível socorrer-se ao doutrinador, mas, exatamente, para fazer o quê? Primariamente, para saber, já que fora da zona de certeza, qual a probabilidade de ser punido em caso de praticar certa conduta. Contudo, os doutrinadores raramente fazem isso (ao menos só isso), talvez por acharem que diminuiriam muito seu status e, assim, “[...] a maioria dos juristas não se contentará em calcular quais resultados se afiguram como os mais prováveis, tratando sim de exercer influência nos resultados influenciando o juiz”21. Ponto que não é problemático em si, mas que deixa a questão aberta, pois que fazem, então, os doutrinadores? Em sentido negativo, com certeza não se veem como influenciadores das autoridades, pois se imaginam muito mais bem vestidos com os trajes de professor22. E isso até faz sentido, pois se se diz a alguém que quer influenciá-lo, provavelmente se terá um resultado muito menos eficaz do que se se alude que quer ensiná-lo. A partir daí, passa a ser esse o jogo, no qual se almeja certa conduta da autoridade, sem isso assumir, apresentando as considerações do que se deseja ou intenta como decorrência de um método que permitiria interpretar o direito a sua melhor luz. Deixando, ademais, subentendido, muitas vezes nem tanto, que, se a autoridade for alguém que “respeita a lei”, não lhe resta alternativa senão seguir as lições do doutrinador, as quais seriam verdadeiras revelações.

Dito isso, alguém poderia entender, em conclusão, que até seria um bom papel para o doutrinador ensinar as autoridades quando elas estiverem diante de zonas cinzentas, de incertezas, mas, todos sabemos, não é só nesses casos em que atua, pois enxerta, amiúde, dúvidas onde elas não existem, tal qual o Sócrates de Aristófanes, que é procurado por Strepsiades para ensinar-lhe a arte das palavras e, com isso, deixar de pagar a quem devia23. Assim, um contribuinte, uma vez praticado o “fato gerador”, em vez de dar dinheiro ao Estado para evitar a execução forçada, pode muito bem socorrer-se de um doutrinador para que este argumente em parecer que, por mais que a obrigação de pagar esteja certa, tudo não passa, deveras, de aparência, pois, segundo o direito ideal, somente encontrado pelo método por ele indicado, nada seria devido.

Mas deixemos esta última hipótese de lado, pois não acreditamos que um verdadeiro doutrinador se proponha a isso, e fiquemos com a situação em que se veja como um guardião contra o arbítrio, já que somente a ele foi dado o conhecimento necessário para saber o real sentido da norma primária, o qual, uma vez por ele revelado, deveria vincular as autoridades que forem justas, quando forem elas analisar se a prescrição de conduta devida foi ou não descumprida. De nossa parte, contudo, temos outra sugestão para evitar que tudo não fique nas mãos das autoridades sem, por outro lado, termos de entregar-nos ao jurista, como se o direito só fosse acessível aos iniciados, que, então, ensiná-lo-iam aos demais.

4.2. Prática social

Não se nega que a tradição tenha um papel determinante para o “seguir o direito”, pois, não havendo mudança em um texto de lei e já estando estabilizada a conduta tida por conforme, então não haveria um porquê de dúvidas, mas isso, claro, apenas diante de uma condição ceteris paribus. Sem embargo, uma vez aceito que vivemos em uma época disruptiva, as coisas não são assim, estando-se, por isso, o tempo todo diante de situações derrogativas. Claro que, mesmo sem um rol exaustivo e a priori de exceções, poder-se-ia alegar que “[u]ma regra que termina com a expressão ‘a menos que’ é ainda uma regra”24. Mas, por outro lado, a derrotabilidade (defeasibility) somente tem seu lugar de ser como exceção para situações específicas, funcionando como válvula de escape, e não para provocar incertezas na ordem jurídica. Assim, mesmo em uma época vertiginosa, não se pode duvidar o tempo todo e, para evitar tal instabilidade, é que se deve investigar o comportamento social das pessoas, o qual, com efeito, não é errático. E é nessa linha que tem lugar a assertiva de que “[...] ‘seguir a regra’ é uma prática”25.

Entretanto, “comportamento social” é expressão muito ampla e poderia transmitir uma ideia de homogeneidade, mas isso pode ser mitigado com o auxílio do conceito de “geração”, o qual limita o grupo de indivíduos, por um lado, por sua data de nascimento e, por outro, por compartilharem experiências similares26. Evidentemente, outros recortes seriam possíveis – raça, gênero, classe social etc. –, mas o que nos importa neste artigo é uma visão dinâmica das coisas, para onde seguem, e não estática, como estão. E, com isso em conta, voltemos nosso enfoque para aqueles nascidos entre 1995 e 2010, a “geração Z” (gen-Z ou zoomers), já criados sob o signo da alta tecnologia (high tech), verdadeiros nativos digitais, para quem um mundo disruptivo não é, de modo algum, estranho. Pessoas que, veja-se só, não sentem a necessidade, depois de realizar uma operação por meio da internet, de imprimir qualquer recibo, nem carecem, para sentirem-se seguros, de uma contraparte física para seus conteúdos digitais, tal como um pen drive ou um disco duro (HD).

Em resumo, se seguir uma regra é uma prática e se o que se busca é entender os efeitos que a disrupção provoca no direito tributário, nada melhor, então, do que apreciar a forma de vida (Lebensform) da “geração Z”, haja vista serem nativos digitais. Agora, não olvidamos que uma expressão como “forma de vida” não é empregada sem um preço a pagar, pois, mesmo que se deixe de lado questões transcendentais, e se atente a tópicos naturalísticos, ainda assim pode ser ela investigada pelo ângulo biológico ou antropológico. Contudo, como nosso recorte foi feito sobre a ideia de geração, o que nos importa, consequentemente, são os aspectos culturais, pondo-nos, assim, em linhas wittgensteinianas27.

Que só se acredite em algo que possa se tocar é digno de um São Tomé, mas a “geração Z”, sem dúvidas, não age assim28. Tocar, pegar e carregar, evidentemente, não tem mais o mesmo apelo, pois há outras coisas tão firmes quanto, embora não sejam tangíveis29. Pense-se: para essa nova geração, que significa a afirmação “assistir televisão”? Gerações mais antigas poderiam imaginar que alguém estaria a mirar um aparelho que recebe ondas hertzianas. Todavia, nos termos da forma de vida da “geração Z”, tudo não passa de receber e reproduzir um fluxo de dados (streaming) nos mais variados dispositivos, e não só no aparelho televisor, tais como os smartphones, tablets, computadores, ou mesmo algo como wearable technology30. Assim, para tal geração, como limitar o conceito de mercadoria ao de bem corpóreo como quer nossa consagrada doutrina?

Claro, pessoas podem ser condicionadas a usar certas palavras de forma restritiva, impedindo-se, assim, um elastecimento ou mesmo um câmbio quanto à referência do termo, mas, com isso, apenas se conseguirá diminuir o emprego de tais palavras, sem obstar a criação de novas ou mesmo a adaptação de outras para expressar o que se deseja. E se houver uma obrigação de que apenas os objetos corpóreos sejam designados como “mercadoria”, então, em pouco tempo, será uma palavra pouco usada ou mesmo cairá em desuso. Em verdade, isso já começou a ocorrer, pois ganhou nova vitalidade o vocábulo “bens” (goods). Contudo, isso não significa que essas duas palavras representem coisas diferentes, uma aludindo ao mundo real, outra ao virtual, pois a “geração Z” não faz tal diferenciação de mundos. Com efeito, não faz parte de sua forma de vida distinguir quando está diante de um bem corpóreo e quando está diante de um incorpóreo.

Consequentemente, tentar petrificar o termo “mercadoria”, ligando-o somente ao que é tangível no mundo, está em desacordo – ou seja, contraria a prática – com que os nativos digitais usam o termo31. Além disso, também não está de acordo com a tradição, pois o Código Comercial de 1850 (art. 191) já entendia mercadoria como aquilo sujeito à mercancia, alcançando, assim, uma ampla gama de bens – tais como moedas (metálicas e papel), títulos de fundos públicos, ações de companhia e papéis de crédito – e não somente os corpóreos. Agora, mesmo contra tudo isso, que o doutrinador, em auxílio de quem não quer recolher tributo, busque erodir a base (base erosion) da tributação sobre o consumo, apesar de que o faça alicerçado nos motivos mais nobres, um verdadeiro Tiradentes, não surpreende ninguém. Todavia, se pensamos que as normas são dirigidas às pessoas, e que segui-las é uma prática social, especialmente tendo por foco a “geração Z”, então não encontraremos fundamentos para tributar apenas quem realize operações com bens corpóreos, deixando as demais à margem.

5. Direito tributário disruptivo

Diante de um termo como “direito”, muitas dificuldades surgem. Uma é que não poderia ser objeto de definição32. Outra que se estaria referindo a dois corpos de linguagem diferentes, um prescritivo e outro descritivo, ambiguidades, aliás, há muito conhecida nos estudos tributários33. Também poderíamos tomá-lo como função a associar o plano da expressão com o do conteúdo, o que conduz à complexa situação em que o segundo pode ser alterado sem mudar o primeiro34. Dito isso, a verdade é que um analítico não pode desconsiderar tais pontos, muito menos alegar que são meras nuances. Todavia, dado que dispomos aqui de um espaço limitado, o de um artigo, então, ao apresentarmos o direito tributário do futuro, permitir-nos-emos deixar de indicar se isso será feito por meio de alteração legislativa ou mudança na forma de seguir as normas.

5.1. Big data, inteligência artificial e Vida 3.0

Um dos mundos distópicos mais temidos entre os já concebidos é aquele em que se está vigiado o tempo todo por um Big Brother. Com efeito, um Estado que tudo soubesse parece mesmo algo terrível e essa repulsa se agrava caso pensemos que, em verdade, são as grandes corporações que detêm as informações, não nos servindo de consolo, ademais, recordar que questões como intimidade e vida privada são decorrências da modernidade e nem sempre estiveram aqui. Agora, o estado atual das coisas não decorre de uma rede bem montada de espionagem, pois nem em seus melhores dias a Stasi almejou um ínfimo grau da penetração que se tem atualmente. Hoje, a captura dos dados, que são de múltiplas ordens, não se deve a nenhum alcagueta, mas sim à internet e às próprias coisas (IoT), com suas transmissões por canais para posterior recepção. Captados e recepcionados, a questão passa a ser como decodificá-los e processá-los, uma vez que sua armazenagem tende a crescer exponencialmente (big data). Nesse ponto, então, é que entra em cena a inteligência artificial (artificial intelligence, AI).

As máquinas são extremamente eficazes e de utilidade inegável, mas estão presas a um processo de causalidade, quando, por mais complexa que seja a atividade que desenvolvem, ainda assim são agentes executores e não decisores. E mesmo a primeira ideia que temos dos robôs é a de que ainda são máquinas, só que melhoradas. Sem embargo, a questão muda de ângulo se começamos a falar de máquinas inteligentes (smart), apesar de termos muitas dificuldades em definir o que seja a “inteligência” e o que nela seria o “artificial”, pois é linha comum crer que a inteligência seja imaterial, e não orgânica como mero produto do cérebro (problema mente-corpo). Mas, com isso, todos os percalços que surgem em relação ao homem – se realmente seria capaz de decidir ou se, por mais que nisso creia, não passe de um ser condicionado, vinculado a dar certas respostas – também surgem em relação à inteligência artificial, ou seja, se seriam ela, deveras, inteligente.

Seja como for, há quem a tema, imaginando que possa provocar uma “rebelião”, contra a qual, para debelá-la, será preciso clamar por um campeão tal qual “Bowman”, que possa desconectar “Hal”, como em “Uma Odisseia no Espaço”. Já outros por ela se apaixonam, como na ópera Klara, de Pedro Halffter Caro. E se algo pode ser temido ou amado, então não causa estranheza que seja chamado de “Vida 3.0”, prestes a atingir a singularidade.

Agora, se os dados estão todos aí e se há uma inteligência melhor do que a nossa para apreciá-los, então por que não delegar às máquinas o papel de julgador ou, ao menos, permitir que os contribuintes empreguem em suas defesas virtual tax advisor? Claro que a inteligência artificial pode ter suas alucinações (hallucinate, eleita a palavra de 2023 pelo dicionário Cambridge), mas a verdade é que o mundo jurídico é mais refratário à inovação do que os ludistas e, no Brasil, opuseram-se mesmo ao uso da máquina de datilografia35. Todavia, a “geração Z”, como nativa digital, não crê que haja tarefas exclusivas dos homens, especialmente algo como um “julgar”, podendo mesmo preferir que tal atividade seja feita pela inteligência artificial.

5.2. Administração 6G

Digam o que quiser, no fundo é tudo uma questão de dinheiro: dar a César o que é de César. Claro que, vez ou outra, deparamo-nos com a mais do que conhecida fala de Oliver Holmes Jr., quem estava feliz em pagar tributos, pois cria que, assim, comprava civilização, ou nos é noticiado que um grupo de bilionários, muitos por herança e de New York, assinou um manifesto pedindo para pagar mais imposto de renda, mas a regra geral, e não precisamos dar prova disso, é que as pessoas comuns não gostam de pagar tributo e, amiúde, tentam dessa obrigação evadir-se. Por outro lado, os governos estão continuamente a gastar dinheiro em nome do povo e, porquanto, sempre precisam de mais recursos, mas sabem que, caso exagerem em sua ânsia, podem-se deparar com séria oposição ou mesmo uma revolta, como a Boston Tea Party, que evoluiu para a revolução36. Assim, tributar é uma arte, como queria Jean Baptiste Colbert, a de depenar o ganso, extraindo o máximo de penas, com a menor quantidade de grasnidos. E nada melhor para tanto do que incutir na nova geração o hábito de pagar, sem muito pensar, para o que se faz necessário uma nova administração.

Não é de hoje que a cobrança dos tributos deve ser feita impessoalmente por uma burocracia especializada, naquilo que muito bem encaixa no conceito de “dominação legal”37. Só que, agora, essa administração burocrática caminha para ser uma administração digital, uma administração 6G. Nessa perspectiva, a hoje mais do que valorizada colaboração do contribuinte para prestar informações será menos necessária, mesmo tendendo a zero, já que não mais será pedido que se apresente documentos ou preencha declarações, uma vez que tudo se limitará à captura de dados, para, na sequência, realizar-se a liquidação de tributos de forma automatizada38. No limite, não haverá o que informar, pois tudo já será conhecido.

Claro que sempre serão feitos pleitos para que sejam respeitadas a intimidade e a vida privada, e não faltarão filósofos com especialidade em ética para discorrer sobre tal direito, mas, no fundo, todas essas ressalvas somente valem entre as pessoas – as quais, cada dia parecem ter menos pudor em expor-se –, mas não contra algo sem rosto, tal como a administração fazendária high tech, cujo lema é sine ira et studio. Afinal, ela não busca saber da vida das pessoas para julgá-las moralmente, mas sim para identificar padrões que representam signos de riqueza. E fará isso não com bisbilhotices, senão mediante a análise de dados. Em tempos de sociedade digital, a passos largos, caminhamos para uma verdadeira algocracia (governo do algoritmo).

Agora, a apuração dos tributos de forma automatizada, digitalmente, é só um primeiro passo, pois, no final, suprassumo da eficiência, não haverá nem mesmo a necessidade do ato voluntário de seu pagamento, uma vez que a transferência de dinheiro do contribuinte para o fisco será feita diretamente, sem qualquer processo ou contencioso, ou seja, sem salvaguardas, quedando, quando muito, a possiblidade de questionamentos a posteriori. E aqui não se trata apenas de conhecida retenção na fonte ou do moderno pagamento fracionado (split payment), mas sim de um acesso direto aos recursos do contribuinte (smart payment).

Assim, em um mundo on-line, integrado e sincrônico, será eliminado o delay entre “fato gerador” e o abastecimento do erarium, quando será possível ir além de Alfredo Becker, para quem a incidência é automática e infalível, já que o pagamento também caminhará no mesmo sentido39.

5.3. Fintech, pagamento 3.0 e criptomoeda

Na Mesopotâmia, II milênio a.C., já encontramos tabuletas com a inscrição de que será pago ao portador uma determinada quantidade de cereais na época da colheita. Algo, uma tabuleta (de barro), está por outra coisa (cereais) e, por ser ao portador, permite-nos concluir sobre a existência de um mercado secundário desse token. Com isso, há a evolução do simples mercado de troca, já que as tabuletas não satisfazem nenhuma necessidade de quem as tem, mas são um meio para atendê-las muito mais eficaz, quer porque os símbolos são mais simples de transportar do que os cereais, quer porque podem ser aceitos mesmo por quem não necessita de cereais de imediato.

Fácil perceber, assim, que a história do dinheiro é longa, mas há nela uma constante, qual seja, impedir que haja uma proliferação descontrolada desse algo que está por outra coisa. E uma forma de estabelecer tal controle foi com a cunhagem de “moedas”, cujo início remonta ao século VII a.C., na Anatólia, já que o metal não estaria ao alcance de todos40. Nessa situação, tomando a moeda como signo, estabeleceu-se uma relação metonímica entre seu valor (significado) e o metal com que era cunhada (significante), o que nos permite concluir, em termos peirceanos, que seja um índice genuíno41.

É certo que, com o tempo, as moedas tornaram-se uma base monetária ruim, quer porque, para altos valores, não era prática, quer por causa da própria escassez de metais nobres. Assim, passou-se ao uso do papel-moeda, o que, todavia, ainda estava de acordo com a ideia mesopotâmica das tabuletas, já que podiam ser trocadas por ouro (em Bretton Woods, em 1944, fixou-se que uma onça troy de ouro equivaleria a US$ 35 dólares). Mas isso se tornou história quando o padrão-ouro foi abandonado e o dólar converteu-se em moeda fiduciária. Tudo passa a ser, então, uma questão de confiança (fidus) e o dinheiro não vale mais com lastro no elemento em que se materializa ou em seu referencial [cereal, gado (pecus), ouro etc.], mas sim no quanto se crê que vale42. Ocorre que, a princípio, tal crença no valor da moeda somente poderia advir da confiança que se tem no Estado, com seus bancos centrais e exércitos, mas, em obra visionária, já afirmava Friedrich von Hayek ser possível a “desestatização do dinheiro”. Estavam dadas, assim, as bases teóricas para o surgimento das criptomoedas, as quais podem ser consideradas não somente como um ativo, mas também como meio de pagamento.

Na dação, dá-se bem; no pagamento, dinheiro. Assim, pagar é dar dinheiro. Mas o que é dinheiro não é algo que possa ser identificado no mundo per se, já que é termo constitutivo, a depender de uma prática coletiva43. Nesse ponto, se algo é dinheiro, isso significa que, como prática, pode extinguir uma obrigação independentemente de qualquer acordo particular, sob pena de não passar de um ativo. Por um lado, tal prática pode ser estabelecida em razão de um normativo que prescreva uma moeda de curso; por outro, por hábito ou costume, quando mesmo sem previsão normativa ou pacto prévio, os pagamentos são aceitos em uma moeda diferente da legal, quer porque a moeda legal não seja mais uma reserva de valor confiável, quer porque seja uma unidade de medida de bens tão corrente quanto à legal. Em suma, o dinheiro, um significante que está por um valor, é meio hábil para extinguir as obrigações, mas, no mundo tecnológico, não precisa mais ser ele transladado de mão em mão (tradição), pois, agora, a transferência pode ser feita virtualmente, o que enseja meios sofisticados de pagamento, conhecidos como “pagamento 3.0”, decorrência da financial technology (fintech), os quais são instantâneos.

Dito isso, e mantendo nosso recorte sobre a “geração Z”, não temos que as criptomoedas já sejam meios de pagamento disseminado, o que faz com que não possam ser consideradas dinheiro, e tal fato não é infirmado mesmo que, individualmente, possam ser aceitas para extinguir obrigações. Sem dúvidas, a linha geral é que as criptomoedas são adquiridas não para, com elas, realizar pagamentos, senão como ativos na esperança de sua valorização44. Assim, se seguir uma regra é uma questão de prática, então, ao se adquirir “criptomoeda”, não é devido nenhum imposto sobre a aquisição de “moeda”, já que os termos não são usados como sinônimos nem desempenham, primordialmente, a mesma função econômica. Todavia, se quem adquire criptomoeda não adquire moeda, por seu turno, percebe um bem e, assim, a princípio nada impediria a tributação dessa operação como compra e venda, a qual, como visto acima, não está adstrita somente aos bens corpóreos.

Em suma, o que é dinheiro é uma prática social e sua tributação deve bem isso refletir, mas, de toda sorte, é presença constante ao longo da história e não vai desaparecer mesmo que se queria ficar preso a um conceito seu démodé.

5.4. Metaverso e e-marketplace

Que os gregos tinham sua “ágora” e os romanos seu “fórum”, locais onde realizavam toda sorte de negócios, é lição que trazemos dos bancos escolares, mas, com o transcorrer da história, em muitos casos deixou de ser simples determinar onde um negócio foi realizado. E, durante certo tempo, imaginou-se que essa dificuldade de identificação de um lugar seria de ordem técnica e que poderia, aos poucos, ser sanada com o uso da tecnologia, tal como a do GPS (Global Positioning System). Todavia, a questão é mais profunda, pois o advérbio onde não mais se refere, hodiernamente, a um espaço físico, uma vez que a ficção do cyberspace já é uma verdade entre nós45.

Claro, a ideia de que haveria outros tipos de espaço que não o físico não tem nada de nova, como bem demonstram os estudos de Euclides sobre o espaço geométrico, há mais de dois mil anos. E a questão fica mais embaralhada se lembrarmos que, no início do século passado, construiu-se a teoria de que tempo e espaço não podem ser desvinculados (tempo-espaço), sendo, ademais, relativos, e não absolutos como se acreditava até então, nos moldes newtonianos. Somando-se a tudo isso, ainda tivemos o desenvolvimento de uma lógica modal que considera outros mundos, os mundos possíveis, também a formar parte do espaço-lógico. E uma forma de entender um mundo possível é por meio do termo “metaverso”, como uma ampliação do mundo atual, quando “[...] as experiências do indivíduo podem ser reforçadas, mediadas ou completamente aumentadas para oferecer uma realidade diferente e imersiva”46.

Passamos a ter locais de negociação não somente físicos, os marketplaces, mas também virtuais, os electronic-marketplaces, questão que guarda conexão, todavia sem ser idêntica, com o tema do comércio eletrônico. Só que, para promover tais interações e transações, necessitamos de plataformas digitais, as quais não só devem ser consideradas como superfícies, como também locais de embarque e desembarque das informações. O “virtual”, ao deixar de ser mera potência, não mais se opõe ao “real”, mas dele se apropria, especialmente de seu vocabulário, só que não como complemento ou readaptação, e sim de forma inovadora, disruptiva, pois, se estivéssemos presos a conceitos standarts, então teríamos de concluir que o “mundo virtual”, por se opor ao “mundo real”, seria falso, o que não está de acordo, todavia, com a forma que, hodiernamente, usamos essas palavras.

O ponto disruptivo, hoje, é que não se trata meramente de um comércio à distância, o qual pode ser realizado por preposto, carta, telefone. A questão é inteiramente diferente, pois há um lugar em que o comércio é feito, mas que não é físico, uma plataforma que “[...] representa el punto de encuentro entre la oferta y la demanda de un determinado bien o servicio, cumpliendo la función de un intermediario”47. Consequentemente, local, lugar, espaço são termos que não têm mais seus significados presos a questões físicas, o que tem reflexos imediatos na delimitação espacial da competência tributária, não restrita a um mundo bidimensional48.

5.5. Robótica e internet das coisas

Que haja, vez ou outra, uma revolta do homem contra a tecnologia é algo que um estudo do ludismo pode bem esclarecer, havendo, ademais, libelos para todos os gostos, alguns bem piegas, tentando-nos convencer a retornar a uma fase mais ingênua, já que a humanidade estaria perdendo suas características diante do novo mundo disruptivo. De toda forma, não deixa de ser interessante pensar nessa oposição criada entre o homem e a máquina, pois que tenhamos autômatos não deveria surpreender ninguém, uma vez que Heron de Alexandria já se valia de seus automatas, e isso para não volvermos a Talos, o autômato de bronze que guardava Creta. Ademais, nessa linha de que coisas ganham vida, não podemos desconsiderar a internet das coisas (internet of things, IoT), um conceito que retrata a conexão digital de objetos, sem a intermediação direta do homem, a reunir e transmitir dados.

Particularmente, não se nega que, em casos específicos e localizados, a tecnologia possa provocar desemprego, o que é digno de preocupação e, simplesmente, responder que, para a maioria, as coisas estão melhores não é um consolo para quem não consegue ajustar-se ao novo mundo. Contudo, isso é muito diferente de imaginar que haverá algo como um “desemprego tecnológico”, em linhas pregadas por John Keynes, segundo o qual a necessidade de mão de obra criada pela tecnologia será sempre inferior aos empregos que ela destrói49 (certos economistas têm essa veia catastrófica, sendo Thomas Malthus um exemplo paradigmático, pois, para ele, a população cresceria em progressão geométrica e a produção de alimentos em progressão aritmética). Seja como for, serviços antes feitos por humanos serão cada e cada vez mais prestados por robôs e não há nada nisso que seja um mal per se.

Agora, seja por um homem, seja por um robô, não há como negar que câmbios no mundo produzem novas riquezas e tentar evitar pagar um tributo sobre serviço agarrando-se à ideia de que máquinas não podem ser os sujeitos do verbo facere não passa de uma falácia, pois o cerne da tributação é o resultado advindo de um processo, e não quem seja o autor da atividade. Com efeito, a capacidade contributiva é revelada por aquele a que se imputa o produzido e não por quem realiza um comportamento. Petrificar serviço como um conceito a que apenas as condutas humanas possam ser subsumidas é simplesmente torná-lo imprestável para os novos tempos, pois, quando contrata um serviço, a “geração Z” não espera que, necessariamente, alguém de carne e ossos venha prestá-lo.

6. Conclusão

Não se fala em outra coisa: viveríamos em tempos únicos. Que seja então! Todavia, essas mesmas pessoas só admitem ser tributadas sobre o velho, pois, teorias à parte sobre o futuro a empoderar aqueles que a defendam, os tributaristas, afora os discursos vanguardistas, lutarão para que as exações tenham como base o passado, quando não faltarão argumentos garantistas, os quais, em verdade, devem ser lidos como puro exemplo de que o adágio “amigos, amigos, negócios à parte” está mais válido do que nunca. Agora, alguém até poderia pensar que esse agir são as auguras de nossa época, quando o velho até agora não morreu e o novo ainda não pôde nascer50; contudo, não é nada disso, sendo as coisas bem mais simples, estando aí diante de todos, e quem tiver ouvidos que ouça: todos querem beneficiar-se do vindouro, só não querem pagar por ele. Tudo muito humano, demasiadamente humano. Claro que uma posição extremamente realista, de que tributo é o que as autoridades digam que seja, é por demais antipática e, para evitar tal estado de coisas, uma boa régua é entender como a “geração Z”, os nativos digitais, usam as palavras. Com isso, tanto se evita que haja a erosão das bases tributárias diante do novo mundo que todos apregoam, bem como se impede uma tributação arbitrária, sem lastro na prática social.

Quanto a nós, não reverenciamos nem tememos o vernal que se promete, que já estaria, segundo dizem todos, a bater a nossa porta. Que venha, então, o Direito Tributário Disruptivo.

Referências

ABBOTT, Edwin A. Planolândia: um romance de muitas dimensões. Tradução de Leila de Souza Mendes. São Paulo: Conrad, 2002.

ANGLÈS JUANPERE, Benjamí. Respuestas fiscales al uso de las criptomonedas. In: BERTRÁN GIRÓN, María; JIMÉNEZ ESCOBAR, Julio (dir.). El sistema jurídico ante la digitalización: estudios de derecho tributario. Valencia: Tirant lo Blanch, 2021, p. 79-100.

ARISTÓFANES. As nuvens. Tradução de Mário da Gama Kury. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

ASIMOV, Isaac. Eu, robô. Tradução de Aline Storto Pereira. São Paulo: Aleph, 2014.

AULETE, Caldas. Dicionário contemporâneo da língua portuguêsa. 5. ed. ou 2. ed. brasileira. Rio de Janeiro: Delta, 1964. 5 v.

BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 2002.

BÍBLIA: novo testamento: os quatro evangelhos, volume 1. Tradução de Frederico Lourenço. São Paulo: Companhia das Letras, 2017.

BÍBLIA DE JERUSALÉM. GORGULHO, Gilberto da Silva; STORNIOLO, Ivo; ANDRESON, Ana Flora (coord.). Tradução de Eclesiastes de Euclides Martins Balancin. São Paulo: Paulus, 2003.

BOWER, Joseph L.; CHRISTENSEN, Clayton M. Disruptive technologies: catching the wave. Harvard Business Review v. 73, jan./feb. 1995, p. 43-53.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 1985.

CARVALHO, Paulo de Barros. Prefácio. In: BARRETO, Simone Rodrigues Costa. Mutação do conceito constitucional de mercadoria. São Paulo: Noeses, 2015, p. XIII-XIV.

CHRISTENSEN, Clayson M. The innovator’s dilemma: when new tecnologies cause great firms to fail. Boston: Harvard Business School, 1997.

COSTA, Valterlei da. Afinal, quem deve ser o guardião da Constituição. Revista Brasileira de Teoria Constitucional v. 6, n. 1, jan./jun. 2020, p. 23-40. DOI: http://dx.doi.org/10.26668/IndexLawJournals/2525-961X/2020.v6i1.6407.

COSTA, Valterlei da. As cláusulas pétreas e [a] norma de (in)competência ou uma história de Ulisses e as sereias. Revista de Direito Brasileira v. 28, n. 11. Florianópolis, jan./abr. 2021, p. 16-33.

COSTA, Valterlei da. Teoria trilógica do tributo: um estudo normativo sobre tributação, competência e lançamento. São Paulo: Noeses, 2024.

CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico da língua portuguesa. 4. ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2010.

CURIE, Pierre. Radioactive substances, especially radium. Nobel lectures: physics 1901-1921. Amsterdam: Elsevier, 1967, p. 73-78.

DICTIONARY MERRIAM-WEBSTER. Disponível em: https://www.merriam-webster.com/dictionary/disrupt. Acesso em: 04 jul. 2024.

DWORKIN, Ronald. O império do direito. Tradução de Jeferson Luiz Camargo. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014.

FERGUSON, Niall. A ascensão do dinheiro: a história financeira do mundo. Tradução de Cordelia Magalhães. 2. ed. São Paulo: Planeta, 2017.

FERRAZ JR., Tércio Sampaio. A ciência do direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2008.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa. 4. ed. Curitiba: Positivo, 2009.

FUTURE OF LIFE INSTITUTE. Pause giant AI experiments: an open letter, mar.2023. Disponível em: https://futureoflife.org/open-letter/pause-giant-ai-experiments/. Acesso em: 28 nov. 2023.

GALETTA, Diana-Urania. Derechos y garantías concretas respecto del uso por los poderes públicos de decisiones automatizadas e inteligencia artificial. In: BAUZÁ REILLY, Marcelo (coord.). Derechos y garantías ante la inteligencia artificial y las decisiones automatizadas. Pamplona: Aranzadi, 2022, p. 171-192.

GIBSON, William. Neuromancer. Tradução de Fábio Fernandes. 5. ed. São Paulo: Aleph, 2016.

GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. Tradução de Raul Fiker. São Paulo: Unesp, 1991.

GLOCK, Hans-Johann. Dicionário Wittgenstein. Tradução de Helena Martins. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

GRAMSCI, Antonio. Cuadernos de la cárcel, tomo 3. México: Eras, 1984.

HART, Herbert Lionel Adolphus. O conceito de direito. Tradução de Armindo Ribeiro Mendes. 4. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2005 [1961].

HJELMSLEV, Louis. Prolegômenos a uma teoria da linguagem. Tradução de José Teixeira Coelho Netto. São Paulo: Perspectiva, 2003.

HOUAISS, Antonio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

IHERING, Rudolf von. El fin en el derecho. Traducción de Leonardo Rodríguez. Madrid: B. Rodriguez Serra Editor, [s.d.].

KEYNES, John Maynard. Economic possibilities for our grandchildren. In: PECCHI, Lorenzo; PIGA, Gustavo (ed.). Revisiting Keynes. Cambridge: MIT Press, 2008, p. 17-26.

PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. Tradução de José Teixeira Coelho Neto. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2003.

PLATÃO. Diálogos III: Fedro (ou Do Belo); Eutífron (ou Da religiosidade); Apologia de Sócrates; Críton (ou Do dever); Fédon (ou Da Alma). 2. ed. 3. reimpr. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2023.

RICO CARRILLO, Mariliana. El uso de sistemas de inteligencia artificial y la protección de los empresarios en las plataformas digitales. El caso de los “e-marketplaces”. In: COTINO HUESO, Lorenzo (dir.).; BAUZÁ REILLY, Marcelo (coord.). Derechos y garantías ante la inteligencia artificial y las decisiones automatizadas. Pamplona: Thomson Reuters Aranzadi, 2022, p. 237-258.

ROSS, Alf. Direito e justiça. Tradução de Edson Bini. Bauru, SP: Edipro, 2003.

SCHUMPETER, Joseph Alois. Teoria do desenvolvimento econômico: uma investigação sobre lucros, capital, crédito, juro e o ciclo econômico. Tradução de Maria Sílvia Possas. 3. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988. (Os economistas).

SCHWAB, Klaus. A quarta revolução industrial. Tradução de Daniel Moreira Miranda. São Paulo: Edipro, 2016.

SEARLE, John Rogers. ¿Qué es el dinero? Traducción de Gerardo Matallana Medina. España: Altamarea, 2020.

SEEMILLER, Corey; GRACE, Meghan. Generation Z: a century in the making. London: Routledge, 2019.

SILVA, Deonísio da. De onde vêm as palavras: origens e curiosidades da língua portuguesa. 17. ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2014.

STRAUSS, William; HOWE, Neil. Generation: the history of America’s, 1584 to 2069. New York: William Morrow, 1991.

TACLA, Zake. O livro da arte de construir. São Paulo: Unipress, 1984.

WEBER, Max. Metodologia das ciências sociais. Tradução de Augustin Wernet. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2016.

WITTGENSTEIN, Ludwig. Da certeza. Edição bilingue alemão-português. Tradução de Maria Elisa Costa. Lisboa: Edições 70, 2020.

WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosóficas. Tradução de Marcos G. Montagnoli. 9. ed. Petrópolis-RJ: Vozes, 2014.

WOOD, Gordon S. A revolução americana. Tradução de Michel Teixeira. Rio de Janeiro: Objetiva, 2013.

1 Antônio Geraldo da Cunha, Dicionário etimológico da língua portuguesa: verbetes “-log(o)-” e “tecn(o)-”, p. 393 e 626, respectivamente.

2 E como o estudo de uma técnica é feito com palavras, então não seria errado dizer que “tecnologia” significa “[a] explicação dos termos próprios pertencentes às diferentes artes ou ofícios”. Zake Tacla, O livro da arte de construir: verbete “tecnologia”, p. 406.

3 “Mesmo que alguém afirmasse de algo: ‘Olha, isto é novo!’, eis que já sucedeu em outros tempos muito antes de nós”. Eclesiastes 1:10, Bíblia de Jerusalém, p. 1.072.

4 “Contemporary AI systems are now becoming human-competitive at general tasks, and we must ask ourselves: […] Should we develop nonhuman minds that might eventually outnumber, outsmart, obsolete and replace us? Should we risk loss of control of our civilization?”. Future of Life Institute. Pause giant AI experiments: an open letter, mar. 2023. Disponível em: https://futureoflife.org/open-letter/pause-giant-ai-experiments/. Acesso em: 04 jul. 2024.

5 Pierre Curie, Radioactive substances, especially radium, Nobel lectures: physics 1901-1921, p. 78. Tradução nossa de: “[…] can be raised whether mankind benefits from knowing the secrets of Nature, whether it is ready to profit from it or whether this knowledge will not be harmful for it”.

6 Que estaríamos diante de grandes atribulações, é a posição de Anthony Giddens: “O mundo em que vivemos hoje é um mundo carregado e perigoso”. As consequências da modernidade, p. 20 (I). Se não olvidarmos que truísmo seja uma proposição que sempre é verdadeira, então a frase acima, mesmo que com ares de profunda, não deixa de configurar um, pois quando não foi perigoso o mundo para o homem?

7 Por todos, citamos Klaus Schwab: “Em sua escala, escopo e complexidade, a quarta revolução industrial é algo que considero diferente de tudo aquilo que já foi experimentado pela humanidade”. A quarta revolução industrial, p. 16 (Introdução).

8 Antônio Houaiss e Mauro de Salles Villar, Dicionário Houaiss da língua portuguesa: verbetes “romp-”, “rotura” e “ruptura”, p. 2.472, 2.478 e 2.483-2.484, respectivamente.

9 O prefixo “dis” pode ser empregado sem o “s”, com a variante “di”, formando, então, a palavra “dirupção”, não mais do que um sinônimo de “disrupção”, conforme assevera Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Novo dicionário da língua portuguesa: verbete “dirupção”, p. 685. Em verdade, “disrupção” é “[t]êrmo que se generalizou em eletricidade por influência do fr. disruption, quando já tínhamos em port. dirupção”. Caldas Aulete, Dicionário contemporâneo da língua portuguêsa, p. 1.255.

10 Antônio Geraldo da Cunha, Dicionário etimológico da língua portuguesa: verbete “dis”, p. 221.

11 “Different types of technological innovations affect performance trajectories in different ways. On the one hand, sustaining technologies tend to maintain a rate of improvement; [...]. On the other hand, disruptive technologies introduce a very different package of attributes from the one mainstream customers historically value [...]. [...] disruptive technologies tend to be used and valued only in new markets or new applications; in fact, they generally make possible the emergence of new markets”. Joseph Bower e Clayton Christensen, Disruptive technologies: catching the wave, Harvard Business Review v. 73, p. 45.

12 Em português, temos o substantivo “disrupção” e o adjetivo “disruptivo”, mas não o verbo “disruptar”. Já em inglês, há o verbo “to disrupt”: “[...] to successfully challenge (established businesses, products, or services) by using an innovation (such as a new technology or business model) to gain a foothold in a marginal or new segment of the market and then fundamentally changing the nature of the market”. DISRUPT, Dictionary Merriam-Webster. Disponível em: https://www.merriam-webster.com/dictionary/disrupt. Acesso em: 04 jul. 2024.

13 Joseph Schumpeter, A teoria do desenvolvimento econômico, p. 47 (II.I) (esclarecemos entre colchetes).

14 “These rules, which I call principles of disruptive innovation, show that when good companies fail, it often has been because their managers either ignored these principles or chose to fight them”. Clayson Christensen, The innovator’s dilemma, p. 9.

15 Por todos, citamos a posição clássica de Rudolf von Ihering: “El derecho puede [...] definirse exactamente: el conjunto de normas según las cuales se ejerce en un Estado lá coacción”. El fin en el derecho, p. 202 (VIII.10.145).

16 Sobre a distinção entre norma primária e norma eventual, veja-se Valterlei da Costa: “[...] uma norma jurídica prescreve a ‘S1’ primeiramente uma conduta, de forma condicional [D (pS1q)]. Por causa disso, vamos chamá-lo de ‘norma primária’. Uma outra norma jurídica também prescreve conduta, só que agora, a ‘S2’, mas eventualmente, ou seja, somente se não se der a primeira conduta [D (~qS2ev)]. Por isso, vamos chamá-la de ‘norma eventual’”. Teoria trilógica do tributo, p. 55 (2.8).

17 Quem tiver dúvidas sobre o caráter dworkiniano de nossa doutrina, que coteje o estudo dos tributaristas com a seguinte passagem: “Segundo o direito como integridade, as proposições jurídicas são verdadeiras se constam, ou derivam, dos princípios da justiça, equidade e devido processo legal que oferecem a melhor intepretação construtiva da prática jurídica da comunidade”. Ronald Dworkin, O império do direito, p. 272 (VII).

18 A distinção das normas em primária e eventual não se aplica somente às normas de conduta, podendo ser estendidas às normas de competência: “[...] na norma primária, um mínimo semântico, a conduta é de a pôr norma jurídica; por sua vez, na norma eventual, outra dose de conteúdo, a conduta é a de invalidação ou de garantia”. Valterlei da Costa, As cláusulas pétreas e [a] norma de (in)competência ou uma história de Ulisses e as sereias, Revista de Direito Brasileira v. 28, p. 28.

19 Veja-se: Valterlei da Costa, Afinal, quem deve ser o guardião da Constituição, Revista Brasileira de Teoria Constitucional v. 6, passim.

20 “A textura aberta do direito significa que há, na verdade, áreas de conduta em que muitas coisas devem ser deixadas para serem (sic) desenvolvidas pelos tribunais ou pelos funcionários, os quais determinam o equilíbrio, à luz das circunstâncias, entre interesses conflitantes que variam em peso, de caso para caso”. Herbert Hart, O conceito de direito, p. 148 (VII.1).

21 Alf Ross, Direito e justiça, p. 71 (II.9).

22 “A Ciência Jurídica coloca problemas para ensinar”. Tércio Sampaio Ferraz Jr., A ciência do direito, p. 108 (conclusão).

23 “Sócrates: Com que intenção veio até aqui? Strepsiades: Eu quero aprender a falar bem. Por causa dos juros e dos credores teimosos estou sendo roubado, saqueado! Tudo que eu tinha foi penhorado!”. Aristófanes, As nuvens, p. 27.

24 Herbert Hart, O conceito de direito, p. 153 (VII.2).

25 Ludwig Wittgenstein, Investigações filosóficas, p. 114 (202).

26 “During childhood and, especially, during the coming-of-age experiences separating youth from adulthood, this age location produces what we call a ‘peer personality’ – a set of collective behavioral traits and attitudes that later expresses itself throughout a generation’s lifecycle trajectory”. William Strauss e Neil Howe, Generations, p. 32 (1).

27 “Sustenta-se amiúde que nossa forma de vida faz parte da natureza biológica humana inflexível [...]. [...]. Entretanto, o naturalismo de Wittgenstein é antropológico, e não biológico”. Hans-Johann Glock, Dicionário Wittgenstein: verbete “forma de vida”, p. 175.

28 “Aproxima o teu dedo daqui e vê as minhas mãos e aproxima a tua mão e põe-na no meu flanco e não te tornes descrente mas sim crente”. João 20:27, Bíblia: novo testamento: os quatro evangelhos, p. 408.

29 “O que é firme não o é porque seria em si mesmo óbvio ou evidente, mas, sim, porque é fixado pelo que está ao seu redor”. Ludwig Wittgenstein, Da certeza, p. 163 (144).

30 “Seventy percent of those in Generation Z actually refer to streaming content online as ‘watching television’”. Corey Seemiller and Meghan Grace, Generation Z, p. 42 (4).

31 Mesmo que mercadoria tenha sido uma palavra usada como bem corpóreo em uma era analógica, em um mundo tecnológico, não é mais assim, pois, “[...] com o passar do tempo, seu conteúdo expandiu-se para abranger, igualmente, bens incorpóreos destinados à atividade mercantil”. Paulo de Barros Carvalho, Prefácio, in: Simone Barreto, Mutação do conceito constitucional de mercadoria, p. XI.

32 À questão “o que é o direito?”, é o entendimento de Herbert Hart “[...] que nada de suficientemente conciso, suscetível de ser reconhecido como uma definição, lhe podia dar uma resposta satisfatória”. O conceito de direito, p. 21 (I.3).

33 “[...] o direito positivo é o conjunto de normas jurídicas que vigoram num dado país. À Ciência do Direito cabe descrever esse enredo normativo [...]”. Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, 1. ed., p. 2 (I.1).

34 “A função semiótica é, em si mesma, uma solidariedade: expressão e conteúdo são solidários e um pressupõe necessariamente o outro”. Louis Hjelmslev, Prolegômenos a uma teoria da linguagem, p. 54 (13).

35 A própria invenção da escrita não foi bem recebida: “Disse o rei Tamos a Thoth quando lhe foram apresentadas as letras: ‘O fato é que essa invenção irá gerar esquecimento nas mentes dos que farão o seu aprendizado, visto que deixarão de praticar com sua memória’”. Platão, Fedro (ou do belo), Diálogos III, p. 106 (275a).

36 Em 1773, a Lei do Chá (Tea Act), por um lado, permitiu à Companhia das Índias Orientais a venda direta de chá às colônias americanas sem a necessidade de intermediários, o que, em tese, diminuiria o valor do produto, mas, por outro, manteve o imposto que havia sido criado em 1767 sobre uma série de produtos, entre eles o chá (Townshend Acts). “Em retaliação, [...] um grupo de patriotas disfarçados de índios jogou ao mar aproximadamente 10 mil libras esterlinas em sacas de chá no porto de Boston”. Gordon Wood, A revolução americana, p. 62 (II).

37 Segundo Max Weber, “[a] burocracia constitui o tipo tecnicamente mais puro da dominação legal”. Os três tipos puros de dominação legítima, Metodologia das ciências sociais, p. 545 (IX.I).

38 A doutrina chama a atenção para a existência de duas espécies de automatização: “[...] si se trata de una automatización completa, esta sería la hipótesis em la que los algoritmos conecten datos e información con documentos de manera automática. [...]. La segunda hipótesis [...] es la de una automatización con intervención humana reducida”. Diana-Urania Galetta, Derechos y garantías concretas respecto del uso por los poderes públicos de decisiones automatizadas e inteligencia artificial, in: Marcelo Bauzá Reilly (coord.), Derechos y garantías ante la inteligencia artificial y las decisiones automatizadas, p. 179 (4). Neste artigo, empregamos o termo em seu primeiro sentido.

39 “A incidência da regra é infalível, o que falha é o respeito aos efeitos jurídicos dela decorrentes”. Teoria geral do direito tributário, p. 309 (85).

40 O vocábulo “moeda”, “[...] do latim Moneta, primeiro designava o templo de Juno Moneta, onde eram fabricadas as pequenas peças metálicas [...]. Depois, com minúscula, moneta passou a simbolizar a peça [...]”. Deonísio da Silva, De onde vêm as palavras: verbete “moeda”, p. 318.

41 “Um Índice [...] é um Representâmen cujo caráter Representativo consiste em ser um segundo individual. Se a Secundidade for uma relação existente, o Índice é genuíno. Se a Secundidade for uma referência, o Índice é degenerado”. Charles Peirce, Semiótica, p. 66 (B.4.2.283).

42 “O dinheiro não é metal. É a confiança registrada. E não parece importar muito onde é registrada: sobre prata, sobre argila, sobre uma tela de cristal líquido. [...]. E agora, ao que parece, o nada pode servir como dinheiro também, nesta era eletrônica”. Niall Ferguson, A ascensão do direito, p. 32 (I).

43 “Nadie puede tener dinero a menos que exista una práctica colectiva que contemple el dinero y a menos que tal práctica sea admitida por toda la comunidad […]”. John Searle, ¿Qué es el dinero?, p. 33 (7).

44 Nada impede que amanhã as coisas mudem: “[...] parece inevitable que en un futuro no muy lejano las criptomonedas se conviertan en el medio de pago habitual para realizar transacciones comerciales y económicas a nivel mundial […]”. Benjamí Anglès Juanpere, Respuestas fiscales al uso de las criptomonedas, in: María Bertrán Girón y Julio Jiménez Escobar, El sistema jurídico ante la digitalización, p. 96 (8).

45 No romance de William Gibson, o termo “ciberespaço” aparece pela primeira vez: “Uma alucinação consensual vivenciada diariamente por bilhões de operadores autorizados, [...] uma representação gráfica de dados abstraídos dos bancos de todos os computadores do sistema humano”. Neuromancer, p. 77 (3).

46 Klaus Schwab, A quarta revolução industrial, p. 120 (mudança 3).

47 Mariliana Rico Carrillo, El uso de sistemas de inteligencia artificial y la protección de los empresarios en las plataformas digitales. El caso de los “e-marketplaces”, in: Lorenzo Cotino Hueso (dir.), Derechos y garantías ante la inteligencia artificial y las decisiones automatizadas, p. 244 (4.1).

48 “Imagine uma grande folha de papel sobre a qual linhas retas, triângulos, quadrados, pentágonos, hexágonos e outras figuras, em vez de ficarem fixos em seus lugares, movem-se livremente em uma superfície, mas sem poder de se elevarem sobre ela ou de mergulharem abaixo dela [...]. Ai de mim, há alguns anos, eu teria dito ‘meu universo’, mas agora minha mente se abriu para perspectivas mais amplas das coisas”. Edwin Abbott, Planolândia, p. 19 (1).

49 “We are being afflicted with a new disease of which some readers may not yet have heard the name, but of which they will hear a great deal in the years to come – namely, technological unemployment. This means unemployment due our discovery of means of economising the use of labour outrunning the pace at which we can find new uses for labour.” John Keynes, Economic possibilities for our grandchildren, in: Lorenzo Pecchi and Gustavo Piga (ed.), Revisiting Keynes, p. 20-21.

50 “Lucha entre conservación y revolución, etcétera, entre lo pensado y el nuevo pensamiento, entre lo viejo que no quiere morir y lo nuevo que quiere vivir, etcétera.” Antonio Gramsci, Cuadernos de la cárcel, t. 3, p. 106 (6.VIII.139).