Segurança Jurídica, Proteção da Confiança, Boa-fé e Proibição de Comportamentos Contraditórios no Direito Tributário: Nemo potest venire contra Factum Proprium

Legal Certainty, Protection of Trust, Good Faith and Prohibition of Contradictory Behaviors in Tax Law: Nemo potest venire contra Factum Proprium

Luís Flávio Neto

Professor de Direito Tributário e Financeiro da USJT. Doutor e Mestre em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela USP. Especialista em Direito Tributário pelo IBET.E-mail: professorluisflavioneto@gmail.com.

Resumo

O artigo analisa a aplicação da norma nemo potest venire contra factum proprium no âmbito do Direito tributário brasileiro, sob a perspectiva do Código Tributário Nacional e de princípios como segurança jurídica, proteção da confiança, boa-fé e proibição de comportamentos contraditórios.

Palavras-chave: venire contra factum proprium, direito tributário.

Abstract

The article analyses how the rule nemo potest venire contra factum proprium should be applied at Tax Law, according to the Brazilian Tax Code and some legal principles as legal certainty, trust protection, good faith and prohibition of contradictory behaviors.

Keywords: venire contra factum proprium, Brazilian tax law.

Introdução

A repulsa à ideia de que uma parte obtenha vantagens por adotar comportamentos contraditórios, com prejuízos causados a terceiros de boa-fé, decorre da expressão de valores como segurança jurídica, proteção da confiança e moralidade, inegavelmente consagrados pelo ordenamento brasileiro. Uma das partes, após gerar legítimas expectativas de cumprimento à outra, não pode ser opor, de forma incoerente, a esse status jurídico a que deu causa. Trata-se de norma que irradia efeitos ainda que nenhum legislador lhe homenageie com cláusulas textuais e específicas, pois a substância moral e ética da concepção de nemo potest venire contra factum proprium corresponde a um pressuposto do Estado de Direito1.

Este artigo se dedica ao tema da tutela de comportamentos contraditórios no ordenamento tributário brasileiro, com a análise da vedação de autuações fiscais e imposições de penalidades em face de condutas de particulares condizentes com determinadas interpretações oficiais da Administração Tributária. Assume-se como hipótese que a carga normativa de princípios como segurança jurídica, proteção da confiança, tutela da boa-fé e moralidade pública não se esgota com dispositivos como do art. 100 ou do art. 112 do CTN, de tal forma que uma série de situações não contempladas nos referidos dispositivos também gozaria da proteção jurídica da norma geral de não autuação de condutas condizentes com interpretações oficiais do Fisco.

Com o propósito de investigar essa hipótese, o tópico “1” aborda perspectivas da tutela de comportamentos contraditórios no âmbito do Direito privado e administrativo. O tópico “2”, por sua vez, analisa como o Direito tributário brasileiro tutela o venire contra factum proprium. No tópico “3”, para a aferição da hipótese assumida neste artigo, serão cogitadas algumas situações potencialmente relevantes, organizadas em três grupos: (i) atos administrativos emitidos especificamente a um contribuinte; (ii) atos administrativos vocacionados à informação de toda coletividade; e (iii) atos administrativos de caráter individualizado, mas com o potencial de gerar expectativas de cumprimento em toda coletividade.

Vale observar que este estudo não analisa ou expõe qualquer circunstância concreta. As situações hipotéticas suscitadas se prestam apenas a inquirir como princípios fundamentais do sistema jurídico brasileiro seriam chamados à sua concretização, com especial atenção à segurança jurídica, à boa-fé, à proteção da confiança e à moralidade pública. Procura-se, com isso, contribuir para as discussões necessárias à construção e manutenção de um Estado seguro, coerente com as suas posições e garantidor de tratamento justo e igualitário a todos os contribuintes.

1. Nemo potest venire contra Factum Proprium no Direito Privado e Administrativo

A máxima nemo potest venire contra factum proprium, por ser expressiva de princípios como segurança jurídica, boa-fé objetiva, proteção da confiança, moralidade e isonomia, poderia ser “aplicável às mais distintas searas do ordenamento”2. Seria possível sustentar a existência de norma geral de proibição de comportamentos contraditórios, com salvaguarda a terceiros de boa-fé contra algum prejuízo surpresa. Nos estreitos lindes deste estudo, serão apresentadas observações apenas em relação a dois ramos jurídicos, embora outros também pudessem ser considerados.

A investigação no âmbito do Direito privado e do Direito administrativo demonstra que a repulsa à obtenção de vantagens derivadas de comportamentos contraditórios pressupõe: (i) o factum proprium, consubstanciado na conduta de uma das partes (“A”), dotada de algumas especificidades; (ii) a legítima expectativa da outra parte (“B”), cuja confiança seja protegida pelo Direito; (iii) o comportamento contraditório daquela primeira (“A”); (iv) capaz de gerar um dano a esta segunda (“B”)3.

1.1. A tutela dos comportamentos contraditórios no Direito privado

O princípio nemo potest venire contra factum proprium não foi homenageado com cláusulas gerais expressas nas codificações brasileiras do Direito privado. No Código Civil de 2002, há apenas a tutela de comportamentos contraditórios em temas que, ainda que fundamentais, são aplicáveis a situações específicas4.

Não obstante, sob a égide do princípio da boa-fé objetiva e da proteção da confiança, não é novidade para os Tribunais brasileiros a existência e eficácia de norma geral de repulsa à obtenção de vantagens derivadas de comportamentos contraditórios. Já nos idos 1978, o Supremo Tribunal Federal (“STF”), ao decidir questão relacionada ao regime de bens decorrente de matrimônio contraído no exterior, adotou como argumento de decisão a “infração ao princípio geral de direito segundo o qual não pode a parte ‘venire contra factum proprium’5.

O levantamento dos julgamentos sobre a matéria demonstra que os Tribunais de diversas regiões do País têm enfrentado com considerável intensidade questões em que o princípio nemo potest venire contra factum proprium se mostra determinante. Entre estes, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (“TJDFT”) fornece exemplos interessantes, com o reconhecimento da vedação a comportamentos inesperados de uma das partes da relação jurídica, com surpresa e prejuízos à outra parte6. Em suas decisões, este Tribunal tem afirmado que a “vedação do comportamento contraditório (venire contra factum proprium) é decorrente do princípio da boa-fé objetiva e visa impedir que uma das partes, após ter gerado uma expectativa na outra, aja de forma incoerente com a conduta anterior”7, ou, ainda, que a “proibição do venire contra factum proprium ou teoria dos atos próprios visa proteger a parte contra aquele que deseja exercer um status jurídico em contradição com um comportamento assumido anteriormente”8.

Ao tratar da cobrança de taxas decorrentes do estabelecimento de propriedade condominial, o TJDFT consignou que “há de se ter em mente que a ninguém é dado se beneficiar da sua própria torpeza (‘venire contra factum proprium’)”9. Em outro caso, ao analisar punições pelo atraso na entrega do imóvel pronto e acabado por empresa construtora, o TJDF concluiu que “a tentativa de eximir-se de obrigação imposta pela própria ré em contrato de adesão ofende os princípios da probidade e da boa-fé, que os contratantes são obrigados a guardar durante a execução e conclusão do contrato (CC 422), e incorre em comportamento contraditório (venire contra factum proprium), proibido pelo ordenamento jurídico”10.

As decisões em questão, que combatem danos perpetrados por comportamentos contraditórios, em geral buscam fundamento jurídico nos princípios da segurança jurídica, da probidade e da boa-fé objetiva, com respaldo na tradicional doutrina do Direito privado.

A boa-fé pode ser analisada sob duas perspectivas: objetiva e subjetiva. A boa-fé subjetiva corresponderia a um estado psicológico, em que o sujeito não teria conhecimento de transgressões (crença de não ofensa ao Direito), colocando-se em discussão convicções do indivíduo. Por sua vez, pela perspectiva da boa-fé objetiva, a questão seria outra: o comportamento do sujeito se conformaria a imperativos éticos, com a adoção de modelos de conduta social? Enquanto o Código Civil de 1916 prestigiou a boa-fé subjetiva, o novo Código adotou como constante a sua modalidade objetiva, com destaque aos arts. 113 e 422 do Código Civil11, este último veiculando verdadeira cláusula geral da boa-fé12.

Esse arcabouço jurídico torna a norma nemo potest venire contra factum proprium, ainda que implícito nas codificações, cogente no âmbito do Direito privado. E isso é de grande relevância ao presente estudo: a existência de dispositivos positivados no Código Civil, para a tutela de comportamentos contraditórios específicos, não prejudica a existência ou eficácia jurídica dessa norma, que permanece a irradiar efeitos sobre as hipóteses não contempladas pelas referidas regras positivadas.

1.2. A tutela dos comportamentos contraditórios no Direito administrativo

Tal como se dá no âmbito do Direito privado, são caros ao Direito administrativo os princípios da segurança jurídica, da boa-fé, da proteção da confiança e da moralidade pública13. Acresce-se, contudo, que há mandamento constitucional a ser considerado. O art. 37 da Constituição Federal determina que a Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedeçam aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Arruda Alvim14 suscita que “esta alusão à moralidade, que consta do texto constitucional, parece justificar-se na medida em que o venire contra factum proprium tem, igualmente, como a moral, substância ética”.

Ao menos dois julgados do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) são emblemáticos na evidenciação de que essa norma geral da proibição de comportamentos contraditórios tem cogência no âmbito do Direito administrativo. No primeiro deles15, o Tribunal concluiu que não seria permitido à Fazenda Pública, “décadas após a venda do imóvel realizada por funcionário de alto escalão em nome da Administração, vir a juízo pleitear a nulidade dos títulos”, sob o fundamento de que, se mácula havia no título, “essa foi causada pelo próprio poder público, o qual não pode invocar o suposto equívoco do seu secretário de Estado, para prejudicar aquele que legitimamente adquiriu a propriedade, pagando para tanto”.

Em um segundo julgado16, o STJ fez referência à teoria dos atos próprios, para condenar o comportamento contraditório da Administração Pública. O Tribunal analisou caso em que um município celebrou contrato de promessa de compra e venda de lote de sua propriedade, mas suscitou como causa de anulação do negócio um vício na regularização do loteamento, que havia sido promovido pela própria municipalidade. Em seus fundamentos, adotou o Ministro Ruy Rosado de Aguiar como fundamento de decidir, in verbis:

“Sabe-se que o princípio da boa-fé deve ser atendido também pela administração pública, e até com mais razão por ela, e o seu comportamento nas relações com os cidadãos pode ser controlado pela teoria dos atos próprios, que não lhe permite voltar sobre os próprios passos depois de estabelecer relações em cuja seriedade os cidadãos confiaram.”

A proibição de contradição em relação aos atos próprios da Administração Pública corresponde a uma das consequências jurídicas que defluem da boa-fé enquanto núcleo de princípios como da moralidade administrativa e da segurança jurídica. Essa perspectiva é bem apresentada por Paulo Modesto17, que suscita o dever do “sujeito titular de direitos ou prerrogativas públicas de respeitar a aparência criada por sua própria conduta anterior nas relações jurídicas subsequentes, ressalvando a confiança gerada em terceiros, regra fundamental para a estabilidade e segurança no tráfego jurídico”. O administrado, por conseguinte, não pode ser punido caso o agente administrativo “emitir novo ato em contradição manifesta com o sentido objetivo dos seus atos anteriores, ferindo o dever de coerência para com o outro sujeito da relação sem apresentar justificação razoável”.

Há, com isso, reciprocidade à presunção de legitimidade e legalidade de que gozam os atos administrativos. Se estes devem ser considerados a priori como legítimos e conforme o melhor direito (presunção relativa), os contribuintes têm razões evidentes para segui-los até que sejam desconstituídos ou reformados. Como uma via de mão dupla, há a proibição à intolerância contra condutas condizentes com a interpretação administrativa.

2. Nemo potest venire contra Factum Proprium no Direito Tributário

Ao mesmo tempo em que a certeza do direito é fundamental, “a interpretação é inesgotável, o que importa reconhecer que os processos de geração de sentido continuam, incessantemente”18. De um mesmo texto legislado, interpretações variadas podem dar origem a normas jurídicas diferentes. Não são raras as vezes que compreensões antagônicas são sustentadas por parte do Fisco e do contribuinte.

No âmbito do Direito tributário, o relacionamento entre a Administração Pública e o particular ganha cores ainda mais vivas, posto que rotineiro e, nos dias atuais, de intensidade elevada. Nesse ambiente, é essencial que o cidadão-contribuinte tenha condições de pautar-se de boa-fé na forma como a Administração Fiscal interpreta e aplica reiteradamente uma certa norma jurídica para, assim, organizar as suas atividades e os seus investimentos, sem o risco de vir a ser tributado de forma mais severa ou mesmo punido caso adote tais diretrizes. A passagem do status de súdito para cidadão racional garante ao indivíduo o direito à previsibilidade de seus atos, de tal forma que, ao conhecer a perspectiva do Fisco sobre o Direito posto, seja possível ter segurança jurídica quanto às consequências que devem ser experimentadas a partir das condutas praticadas.

Quando o Fisco emite um ato administrativo, tornando transparente a sua interpretação quanto à mais correta aplicação do Direito a uma determinada situação, instala-se um farol em meio à tempestade de incertezas em que muitas vezes navegam os particulares: o contribuinte passa a ter a legítima expectativa quanto à forma como a outra parte da relação jurídico-tributária deverá atuar. Sob um ponto de vista pragmático, tais atos administrados, dotados de presunção de legitimidade, têm o potencial de induzir grande parte da coletividade a adotar igual interpretação sem maiores questionamentos.

Aplicam-se, também no Direito tributário, os mesmos princípios suscitados acima, na análise de outros ramos do Direito, traduzidos em uma norma geral de não autuação de condutas condizentes com interpretações oficiais do Fisco.

O elevado grau de complexidade do Direito tributário brasileiro, contraposto ao direito fundamental à segurança jurídica, exige que se atribua relevância às interpretações manifestadas pela Administração Tributária, com a proteção da legítima confiança do contribuinte e a consequente proibição de comportamentos contraditórios pelas autoridades fiscais.

A validade, a vigência e a eficácia das normas tributárias, como bem suscita Humberto Ávila19, devem ser investigadas sob “perspectiva que conjugue equilibradamente o modo, o ritmo e a intensidade do exercício dos direitos fundamentais com o modo, o ritmo e a intensidade da atuação estatal”. A segurança jurídica, nessa condição de princípio-condição, torna essencial a preservação da confiança e da não surpresa quanto aos atos administrativos: “o Estado não pode nem se afastar injustificadamente das suas próprias posições, nem pode deixar de atribuir tratamento uniforme a todos os cidadãos”, afinal, “como os atos administrativos se revestem de força normativa, também a confiança daqueles que acreditaram na sua aparência de legitimidade deve ser protegida”, leciona Ávila.

A segurança jurídica, na feliz colocação de Leandro Paulsen20, representa “valor supremo” do Estado Democrático, como “qualidade daquilo que está livre de perigo, livre de risco, protegido, acautelado, garantido, do que se pode ter certeza ou, ainda, daquilo em que se pode ter confiança, convicção”, encontrando dimensões variadas, entre as quais a “confiança no tráfego jurídico”, que prescreveria a proteção da boa-fé e da aparência.

A tutela da boa-fé e da legítima confiança, com a consequente proibição de comportamentos contraditórios da Administração Fiscal, também encontra fundamento no princípio da legalidade, cuja proteção se estende àqueles que utilizam o Direito como fundamento para o direcionamento de livre arbítrio que lhes é inerente21. Leciona Sacha Calmon Navarro Coêlho22 que, “dado que ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa a não ser em virtude de lei, a segurança jurídica a que faz jus o contribuinte entronca diretamente com a tese ou princípio da ‘proteção da confiança’”.

Assim como ocorre em outras searas, não se poder dizer que a norma nemo potest venire contra factum proprium seja novidade na jurisprudência tributária. O STJ23, por meio de recurso especial representativo de recursos repetitivos, determinou a aplicação da referida norma para a proteção da expectativa do contribuinte à adesão a parcelamentos tributários. Conforme a decisão da Corte, “o titular do direito subjetivo que se desvia do sentido teleológico (finalidade ou função social) da norma que lhe ampara (excedendo aos limites do razoável) e, após ter produzido em outrem uma determinada expectativa, contradiz seu próprio comportamento”, ofende “a máxima nemo potest venire contra factum proprium”.

Note-se que, à semelhança das outras searas jurídicas analisadas, a norma geral de proibição de comportamentos contraditórios tem sido aplicada pelo Poder Judiciário como válida, vigente e eficaz no Direito tributário, independentemente de sua positivação.

Atualmente, não há uma cláusula geral que regule uma norma de não autuação de condutas condizentes com interpretações oficiais do Fisco, o que exigiria lei complementar, nos termos do art. 146 da Constituição Federal. Há, além de princípios jurídicos da mais elevada importância, regras específicas para tutela de algumas hipóteses de comportamentos contraditórios da Administração Fiscal.

Em especial, o art. 100 do Código Tributário Nacional (“CTN”), legitimado pela Constituição como fonte primária apta a veicular normas gerais de Direito tributário, prescreve a exclusão de “penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo” caso o contribuinte obedeça a normas complementares consubstanciadas em atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas (inciso I), decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa, a que a lei atribua eficácia normativa (inciso II), em práticas reiteradamente observadas pelas autoridades administrativas (inciso III) ou, ainda, em convênios que entre si celebrem os entes federados (inciso IV)24.

Algumas observações são fundamentais quanto aos enunciados prescritivos do art. 100 do CTN.

A norma em questão tem como escopo uma porção limitada de hipóteses, com caráter não exaustivo e com a possibilidade de uma situação subsumir-se a mais de um de seus incisos. Em comum, nos incisos do art. 100 do CTN, o legislador elegeu como critério de discrímen atos administrativos não direcionados especificamente ao contribuinte, mas com potencialidade de criar na coletividade a expectativa de cumprimento da norma tributária de determinada maneira, com a imposição de tributos e acessórios de forma contraditória com seu próprio entendimento.

Importante gama de situações, portanto, está fora do escopo do art. 100 do CTN, o que é um dado muito relevante. Ocorre que, assim como se dá no âmbito do Direito privado, em que previsões específicas no Código Civil não impedem a fruição do princípio nemo potest venire contra factum proprium às situações não abrangidas por estas, uma série de hipóteses que não estejam sob o escopo do art. 100 do CTN podem gozar, por eficácia direta de princípios jurídicos, da proteção da norma geral de não autuação de condutas condizentes com interpretações oficiais do Fisco.

Também é preciso ter claro que o art. 100 do CTN não prescreve um privilégio aos contribuintes. Essa visão poderia transmitir uma falsa ideia de benevolência opcional consentida pelo legislador, ofuscando a norma geral de proibição de comportamentos contraditórios que, conforme se verifica, encontra fundamento de validade imediatamente em princípios como segurança jurídica, boa-fé, proteção da confiança e moralidade pública.

Na verdade, o art. 100 do CTN, ao regular as hipóteses sob o seu escopo, restringe a eficácia normativa dessa norma geral. Esse caráter restritivo é evidenciado por seu parágrafo único, que protege o particular apenas contra a imposição de “penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo”, mas permite a cobrança do débito principal. Não fosse a tutela expressa de tais hipóteses pelo legislador, o venire contra factum proprium poderia ser diretamente reclamado pelo contribuinte para a discussão inclusive do tributo (principal).

3. Norma de Tolerância de Conduta Condizente com a Interpretação Fazendária: Algumas Hipóteses de Incidência

Diante desse universo de possibilidades, o presente estudo propõe-se à análise de três situações hipotéticas, questionando-se, a partir daí, quais seriam as suas legítimas consequências jurídicas, quais sejam: (i) atos administrativos individualizados a um contribuinte; (ii) atos administrativos vocacionados à informação da coletividade quanto à interpretação fazendária e; (iii) atos administrativos de caráter individualizado, mas com potencial de gerar expectativas de cumprimento na coletividade.

3.1. Atos administrativos individualizados a um contribuinte

“O instituto da Consulta, pois, não é apenas um dos sagrados direitos do contribuinte de boa-fé e diligente mas, dentro dos direitos humanos e das garantias individuais, aquele que nem precisaria ser escrito, porque inato na ciência e consciência do ser humano.”

(Ruy Barbosa Nogueira)25

A carga normativa dos princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança, da tutela da boa-fé objetiva e da moralidade pública não se esgota com o art. 100 do CTN, que tutela, como se viu, apenas algumas situações. Tendo em vista o critério de discrímen eleito pelo legislador, é possível aferir que a restrição imposta por esse dispositivo não seria aplicável na hipótese de atos administrativos emitidos diretamente ao contribuinte com a potencialidade de lhe induzir à prática do fato gerador do tributo, com vistas à interpretação fazendária que o considerava sujeito a tratamento mais benéfico. Em situações como essas, então, a boa-fé objetiva, a proteção da confiança e a segurança jurídica poderiam socorrer o contribuinte, com uma aplicação mais ampla da norma geral de não autuação de condutas condizentes com interpretações oficiais do Fisco.

Entre situações dessa natureza, é possível cogitar, por exemplo, soluções de consultas formuladas pelo contribuinte ou, ainda, decisões em processos administrativos de que este seja parte.

As consultas fiscais, na bem formulada explicação de José Souto Maior Borges26, têm justificativa no “estado de incerteza objetiva”, do qual decorreria “instabilidade incompatível com o valor constitucional da segurança jurídica”, asseguradas pelo direito à segurança nas relações entre Fisco e contribuinte, instrumentalizado pelo direito de petição garantido pela Constituição Federal, art. 5º, XXXIV, “a”.

Embora possa haver controvérsia quanto à obrigatoriedade do contribuinte observar a solução da consulta a ele endereçada27, parece indiscutível a vinculação da Administração Fiscal perante o aludido consulente. Indiscutível, ainda, é a possibilidade de a Administração Fiscal rever o entendimento esposado em soluções de consulta, devendo respeitar, contudo, a forma legal requerida e, ainda, proibição à retroatividade e à frustração de legítima expectativa de cumprimento.

No âmbito da União, a legislação tributária federal28 reconhece a possibilidade de alteração do entendimento manifestado pela Administração em consulta de particular quanto à classificação fiscal ou à aplicação da legislação tributária e aduaneira a uma determinada hipótese fática, prescrevendo as respectivas consequências jurídicas.

Note-se que, cumprindo com o que requer princípios como segurança jurídica, boa-fé, proteção da confiança e moralidade pública, o legislador federal expressamente obriga que se mantenha o entendimento manifestado pela Administração Fiscal até a data da notificação do contribuinte quanto à nova compreensão quanto à classificação fiscal mais adequada à mercadoria em questão (irretroatividade)29. No caso de solução de consulta atinente à aplicação da legislação tributária e aduaneira, o legislador igualmente preserva a expectativa de direitos do contribuinte gerada pela manifestação original da Administração Fiscal, mas possibilita que nova interpretação passe a surtir efeitos tanto a partir da ciência ao consulente como da sua publicação pela imprensa oficial, o que exige maiores atenções30.

Interessa notar que, quer seja por força dos princípios analisados, quer seja por normas atualmente prescritas pelo legislador ordinário (âmbito federal), o nemo potest venire contra factum proprium vincula a Administração Fiscal que responde a solução de consulta, com a proteção do contribuinte contra prejuízo surpresa que lhe seja imposto por comportamentos contraditórios de autoridades administrativas.

Uma decisão emblemática sobre o tema foi proferida pelo STF31 nos anos 1990. No caso, em um período de inflação galopante, uma determinada empresa formalizou consulta a um Fisco estadual, questionando o momento correto para a apuração e recolhimento do ICMS. Ao receber a solução da consulta, com a ressalva de que a sua não obediência daria ensejo à autuação fiscal, passou a obedecê-la sem questionamentos. Tempos depois, ao perceber que concorrentes adotavam entendimento diverso e que isso lhes imprimia substancial vantagem financeira, realizou nova consulta ao Fisco, sendo surpreendido com diametral mudança de entendimento por parte deste. O contribuinte, então, ajuizou ação judicial para ser indenizado pelos danos causados por comportamentos contraditórios da Administração, que ofenderiam a proteção à confiança e a boa-fé.

A Suprema Corte brasileira decidiu que “a relação jurídica Estado/contribuinte há de repousar, sempre, na confiança mútua, devendo ambos atuarem com responsabilidade, fiéis ao ordenamento jurídico em vigor”. Com fundamento na proteção da confiança e da boa-fé, o Estado foi condenado a indenizar os prejuízos causados. O relator, Ministro Marco Aurélio, destacou ter o contribuinte “demonstrado inegável confiança no fisco e, portanto, havendo adotado postura de absoluta boa-fé”.

Além de soluções de consulta, outros atos administrativos emitidos a contribuintes específicos podem gerar, em relação a estes, proteção contra metamorfoses nas interpretações manifestadas pelo Fisco. É, assim, possível cogitar que decisões de processos administrativos, proferidas em relação a um particular após todo o percurso ínsito ao contencioso administrativo, seriam capazes de gerar, para esse contribuinte, legítima expectativa de coerência da Administração Fiscal em relação aos exercícios futuros. Qual proteção seria outorgada pelo sistema jurídico ao contribuinte que, de boa-fé, passe a pautar os seus atos em interpretação do órgão de julgamento proferida em processo no qual tenha sido parte?

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”) tem em seus julgados exemplo interessante.

Ao reconhecer que uma determinada decisão administrativa teria induzido o contribuinte à adoção de uma classificação fiscal para certas mercadorias importadas e, assim, à apuração dos tributos de importação com alíquotas reduzidas, a Câmara Superior de Recursos Fiscais (“CSRF”) compreendeu incabível tanto a imposição de penalidades quanto a própria cobrança dos tributos (débito principal)32.

A decisão em questão tem o mérito de evidenciar a carga normativa dos princípios da segurança jurídica, da confiança e da boa-fé, com a eficácia da norma geral de não autuação de condutas condizentes com interpretações oficiais do Fisco a hipóteses não contempladas pelos arts. 100 ou 112 do CTN e, portanto, não sujeitas às restrições prescritas em seus enunciados.

Em situações como essa, embora o art. 146 do CTN autorize alterações de ofício nos critérios jurídicos em relação a períodos de apuração diversos, o sistema jurídico excepciona a hipótese em que o contribuinte evidencie ter adotado como norte uma determinada interpretação apoiado no critério jurídico anteriormente manifestado pela autoridade administrativa.

3.2. Atos administrativos vocacionados a informar a coletividade quanto à interpretação fazendária

Os atos administrativos vocacionados a informar a coletividade quanto à interpretação adotada pelo Fisco criam para cada particular expectativas de cumprimento protegidas pelo Direito, com a salvaguarda contra comportamentos contraditórios emanados por autoridades fiscais.

Décadas atrás, tomando como exemplo as circulares, portarias, instruções e ordens de serviço, Rubens Gomes de Sousa33, um dos mais notórios idealizadores do CTN, lecionava tratar-se de fontes secundárias do Direito tributário que, “definindo o ponto de vista da administração pública, ajudam a entender o sentido e o alcance da lei, devendo ser levados em consideração pelo juiz para esse efeito, e podendo ser invocados em sua defesa pelos particulares, quando tenham agido de acordo com eles, ou quando os funcionários pretendam agir diversamente e em prejuízo do particular”.

Atualmente, podem ser verificados muitos outros exemplos de atos administrativos vocacionados a informar a coletividade quanto à interpretação adotada pelo Fisco. Cite-se o trabalho digno de nota realizado pela Receita Federal do Brasil (“RFB”), que mantém em sua página na internet seção com “perguntas e respostas” sobre os diversos tributos que administra34, bem como publica uma série de atos interpretativos de caráter geral, como soluções de consultas (COSIT).

Em meio a esses exemplos, no “Perguntas e Respostas” sobre o ITR para o ano de 2015, a Administração Fiscal expressou a intenção de cumprir com a missão de “exercer a administração tributária e aduaneira com justiça fiscal e respeito ao cidadão, em benefício da sociedade”, de forma a fornecer subsídios para a interpretação e a aplicação da legislação do ITR” e “uniformizar o entendimento quanto às questões suscitadas”.

O “Perguntas e Respostas Pessoa Jurídica”, por sua vez, é documento extenso publicado anualmente pela Administração Fiscal a respeito da interpretação de uma série de tributos35. Na edição de 2016, a COSIT consigna que, “inicialmente concebido para esclarecer duvidas e subsidiar os servidores do órgão na interpretação da legislação tributária, buscando a uniformização do entendimento fiscal relativo às matérias focalizadas, desde que se tornou disponível na internet para consultas por parte dos contribuintes, o Perguntas e Respostas tem ampliado seu escopo, alcançando hoje um universo bastante diversificado de usuários, dentro e fora da RFB”.

Independentemente da roupagem que lhes sejam atribuídos (portaria, instrução normativa, “perguntas e respostas”, ato declaratório, solução de consulta etc.), atos administrativos vocacionados à informação da coletividade quanto à interpretação fazendária geram legítimas expectativas de cumprimento na esfera de direitos de cada contribuinte. Em face desse status jurídico, o particular poder clamar por segurança jurídica e reclamar a proteção da boa-fé e da confiança no caso de comportamento contraditório por parte do Fisco (norma geral de não autuação de condutas condizentes a tais atos). Coerentemente, leciona Humberto Ávila36 que, “quando um ato normativo, com validade presumida, cria, na esfera jurídica do particular, uma razoável expectativa quanto ao seu cumprimento, há incidência do princípio da proteção da confiança”.

Em relação a atos dessa natureza, parece clara a incidência do art. 100 do CTN. Até que os contribuintes sejam devidamente conscientizados quanto à alteração de interpretação da Administração Fiscal, aqueles que adotarem a interpretação manifestada não poderão ser punidos ou cobrados de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo.

Como exemplo final da modalidade de atos administrativos analisada neste subtópico, cita-se as questões atinentes à Lei 13.254/2016, que estabeleceu o “Regime Especial de Regularização Cambial e Tributária (RERCT) de recursos, bens ou direitos de origem lícita, não declarados ou declarados incorretamente, remetidos, mantidos no exterior ou repatriados por residentes ou domiciliados no País”. Ocorre que, desde a sua publicação, uma série de dúvidas surgiram quanto à interpretação de seus enunciados e, a fim de solucionar tais questões, a Administração Fiscal, em pequeno intervalo, divulgou e revisou uma série de perguntas e respostas.

Aplicando-se a norma geral de não autuação de condutas condizentes com interpretações oficiais do Fisco, tal como analisada, esses atos administrativos vocacionados à informação da coletividade quanto ao RERCT, que certamente servirão como norte aos agentes fiscais e aos contribuintes, podem, em tese, vir a ser invocados por estes na hipótese de lhe serem perpetradas cobranças decorrentes de comportamentos contraditórios de autoridades fiscais.

3.3. Atos administrativos de caráter individualizado, mas com potencial de gerar expectativas de cumprimento na coletividade

Em geral, atos administrativos individualizados, direcionados a um determinado contribuinte, não apresentam a priori eficácia perante terceiros (vide subtópico “3.1”). Não obstante, fatores especialmente relacionados com a constância ou hierarquia destes atos emanados pelo Fisco são potencialmente capazes de criar legítimas expectativas de cumprimento em toda coletividade. Como exemplo, pode-se cogitar reiteradas e convergentes soluções de consultas formuladas por contribuintes37, bem como decisões de tribunais administrativos enunciadas com constante convergência ou, ainda, por seus órgãos máximos de julgamento.

Atos administrativos de caráter individualizado, mas com potencial de gerar expectativas de cumprimento na coletividade, podem ser qualificadas sob o escopo dos incisos II e/ou III do art. 100, bem como do art. 112, ambos do CTN. Note-se que os aludidos incisos não apresentam hipóteses hermeticamente fechadas, podendo-se cogitar da aplicação de um ou mais deles para a tutela de uma mesma situação.

O art. 100, III, do CTN, atribui o status de norma complementar aos “critérios costumeiramente adotados pela Administração Tributária, relativamente à forma de aplicação do Direito Tributário”38. Para que as decisões sob exame se enquadrem nessa moldura, deve haver razoável constância decisória (reiteração de precedentes) capaz de criar expectativa de cumprimento na coletividade.

Note-se que o art. 927 do novo Código de Processo Civil39 (“Novo CPC”) reconhece a importância de decisões individuais para a criação de legítimas expectativas de cumprimento em toda coletividade, com a determinação para que os tribunais deem publicidade a seus precedentes, organizando-os por questão jurídica decidida e divulgando-os, preferencialmente, na internet.

Para a incidência do art. 100 do CTN, a costumeira adoção de uma interpretação pode ser evidenciada não apenas pela constância de reiteradas decisões do tribunal administrativo. Decisões do órgão máximo de julgamento do ente tributante, na medida em que exerçam função de uniformização, podem tornar prescindível o critério da reiteração.

Conforme prescreve o art. 926 do Novo CPC, os tribunais devem uniformizar a jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente, inclusive com a edição de súmulas. Sob pena de ofensa a esse enunciado prescritivo, é preciso adotar como pressuposto que decisões proferidas por uma instância uniformizadora da interpretação do tribunal administrativo serão repetidas em casos semelhantes, com a manutenção da jurisprudência estável, íntegra e coerente. As legítimas expectativas de estabilidade, integridade e coerência, geradas a partir do pronunciamento uniformizador de um tribunal administrativo, devem gozar, portanto, da proteção do Direito contra comportamentos contraditórios de autoridades fiscais.

Decisões dessa natureza são conceitualmente vocacionadas a gerar expectativas de como a Administração Fiscal aplica o Direito tributário, pois apresentam elevada eloquência para a transmissão de mensagem à sociedade que, de boa-fé, poderá compreender como agir para estar em conformidade com as exigências da Administração Fiscal. Mostra-se mandatória, portanto, a garantia do nemo potest venire contra factum proprium.

Note-se que o art. 112 do CTN obriga que o intérprete considere fatores como “natureza”, “circunstâncias materiais do fato” e “punibilidade”. Em caso de “dúvida” que circunde os referidos fatores, a norma que prevê penalidades deve ser aplicada “da maneira mais favorável ao acusado”. Não se pode negar que a constância de precedentes de um tribunal administrativo, ou decisão do seu órgão máximo de julgamento, sejam geradoras por excelência de expectativas de cumprimento ou, ao menos, de dúvidas razoáveis por parte dos contribuintes.

Tais decisões, produzidas para o controle da legalidade dos lançamentos tributários, tão logo se tornam públicas, passam a influenciar a tomada de decisões do mais cauteloso dos contribuintes. O particular que, de boa-fé, se preocupar em ser diligente e cumprir com todos os seus deveres perante o Fisco brasileiro, sem dúvida precisará contar com o auxílio de um consultor tributário (compliance cost), que terá como parte fundamental de seu trabalho verificar diligentemente como a Administração Fiscal, especialmente por seus órgãos decisórios, aplica os enunciados legais que influenciam o caso sob a sua análise.

Há um relacionamento interessante entre os arts. 100 e 112 do CTN. Se, por um lado, o art. 112 deixa em aberto quais critérios podem ser utilizados para que o aplicador verifique se há a “dúvida” que lhe obriga a interpretar a penalidade da forma mais favorável ao acusado, por outro, o art. 100 do CTN não exclui das decisões administrativas colegiadas a serventia de se prestarem à aferição da referida “dúvida” e da razoabilidade da conduta adotada pelo contribuinte.

É necessário observar que não se exige homogeneidade absoluta em decisões de um tribunal administrativo. Para a incidência da norma de tolerância de conduta condizente com a interpretação fazendária, o legislador complementar exige que exista “dúvida”, o que não é afastada simplesmente pela existência de uma decisão isolada divergente de uma série constante de decisões em um sentido convergente.

Adotando-se o CARF como exemplo, um julgado de suas Turmas Ordinárias que destoe de uma série constante de decisões terá inclusive um papel importante no processo de estabilização do Direito tributário. Tal decisão divergente enseja a atuação da CSRF para a uniformização da jurisprudência administrativa e, diante de sua decisão uniformizadora, a sociedade poderá compreender com mais certeza quais condutas são (ou têm sido) legitimadas pela Administração Fiscal, como um aceno de segurança jurídica àqueles que seguirem o mesmo caminho.

Nesse seguir, caso o contribuinte trilhe o sentido indicado por uma constância de decisões de um tribunal administrativo ou, ainda, enunciadas por seu órgão máximo de julgamento, o ordenamento jurídico lhe garante alguma proteção. Caso aquele tribunal administrativo posteriormente altere o seu padrão de entendimento sobre o tema em questão, então será preciso reconhecer que haveria, na vigência do entendimento pretérito, ao menos a “dúvida” requerida pelo art. 112 do CTN.

Por sua vez, de forma ainda mais específica, o art. 100, II, do CTN, erigiu “as decisões dos órgãos singulares ou coletivos de jurisdição administrativa” com status de normas complementares, desde que a lei lhes atribua “eficácia normativa”. Confirmando essa hipótese, o art. 76, II, “a”, da Lei 4.502/1964, atribui eficácia normativa a determinadas decisões de tribunais administrativos para afastar a aplicação de penalidades aos contribuintes que lhe adotarem como diretriz para a condução de seus atos, tornando explícita a incidência da norma do art. 100, II, do CTN. O legislador ordinário, contudo, estabeleceu critérios e consequências próprias à norma geral de proibição de comportamentos contraditórios.

Por meio do art. 76, II, “a”, da Lei 4.502/1964, o legislador ordinário se satisfez com uma única decisão da CSRF como requisito para a demonstração da razoabilidade da conduta do acusado capaz de lhe garantir proteção jurídica contra comportamentos contraditórios da Administração Fiscal (“decisão irrecorrível de última instância administrativa, proferida em processo fiscal”). Não se exigiu constância de entendimento do CARF, pois o legislador adotou o singular (“decisão irrecorrível”) para fazer referência àquilo que serviria de escusa à aplicação de penalidade, enfatizando que o contribuinte não necessita ser parte do procedimento administrativo que deu origem à decisão paradigmática (“seja ou não parte o interessado”).

A Lei 4.502/1964, art. 76, II, “a”, assim, apenas declara a garantia do nemo potest venire contra factum proprium, com caráter meramente pedagógico ou didático40. Contudo, em comparação com o CTN, ao tornar imprestável a pluralidade das decisões convergentes, satisfazendo-se apenas uma decisão da CSRF, o legislador ordinário pode ser considerado restritivo, pois a constância de decisões de Turmas Ordinárias já poderia ser suficiente para a incidência da norma do art. 100 do CTN.

São controvertidas algumas questões sobre a eficácia da Lei 4.502/1964, art. 76, II, “a”, a exemplo de sua aplicação restrita ao IPI ou, ainda, de sua vigência no sistema jurídico atual41. A não incidência dessa lei ordinária, contudo, pode ensejar a aplicação das normas do CTN.

Conclusões

“(...) é preciso que haja clima de segurança e previsibilidade acerca das decisões do governo; o empresário precisa fazer planos, estimar – com razoável margem de probabilidade de acerto – os desdobramentos próximos da conjuntura que vai cercar seu empreendimento. Precisa avaliar antecipadamente seus custos, bem como estimar os obstáculos e as dificuldades. Já conta com os imponderáveis do mercado. Não pode sustentar um governo que agrave – com suas surpresas e improvisões – as incertezas, normais preocupações e ônus da atividade empresarial.”

(Geraldo Ataliba)42

O tema analisado nos estreitos limites deste artigo está intimamente relacionado com a concepção de justiça fiscal, pois coloca em debate questões nucleares ao sistema tributário ideal, atinentes à segurança jurídica, à proteção da confiança, à boa-fé objetiva e à moralidade pública. A ideia central é que o contribuinte, ao pautar os seus atos em determinada modalidades de atos da Administração Fiscal, potencialmente capazes de lhe gerar legítimas expectativas de cumprimento, não tenha a sua confiança arbitrariamente frustrada, com a imposição incerta de prejuízo surpresa. Do contrário, como adverte Humberto Ávila43, “o seu investimento, em vez de orientado e respeitado pelo Direito, transformar-se-ia em jogo de azar”.

A norma nemo potest venire contra factum proprium, as disposições expressas no CTN e a legislação tributária fornecem substrato jurídico suficiente para reconhecer a cogência da proibição de comportamentos contraditórios da Administração Fiscal prejudiciais ao particular, com a proteção da confiança e da boa-fé deste. Em alguns casos, como se viu, a norma geral de não autuação de condutas condizentes com interpretações do Fisco terá como consequência a exclusão de “penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário da base de cálculo do tributo”, nos termos do art. 100 do CTN, que pode ter a sua incidência conjugada com o art. 112. No entanto, nas situações não alcançadas pelo escopo dos aludidos enunciados prescritivos, em tese, a referida norma poderia ser aplicada de forma plena com fundamento nos princípios analisados, a fim de vedar tanto a cobrança do tributo como dos seus respectivos acessórios.

Ocorre que a carga normativa dos princípios da segurança jurídica, da confiança, da boa-fé e da moralidade administrativa não se esgota com o art. 100 do CTN. Assim como se dá no âmbito do Direito privado, a existência desses dispositivos positivados no CTN, para a tutela de comportamentos contraditórios específicos, não prejudica a existência ou eficácia jurídica da norma geral de não autuação de condutas condizentes com interpretações oficiais do Fisco fundada diretamente em tais princípios, que permanecem a irradiar efeitos sobre as hipóteses não contempladas pelas referidas regras codificadas, tutelando-as diretamente.

Por fim, observa-se que o escasso material legislado sobre a matéria evidencia a quem competirá tornar efetivos os valores narrados neste estudo. Cumpre aos tribunais vivificá-los e, assim, firmar bases sólidas para alicerçar o caminho contínuo do estado de justiça fiscal. Contudo, é incumbência e vocação natural da própria Administração Fiscal tornar cotidiana, fluída e intensa a calibração de suas próprias condutas, com manutenção de diálogo transparente com o contribuinte, do qual se espera, igualmente, boa-fé.

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1 Nesse sentido, com variados argumentos, vide: ALVIM, Arruda. Juiz federal. Lista tríplice. Alegada inobservância do art. 93, II, da Constituição Federal. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: RT, v. 36, jul.-set. 2001, p. 288-306; COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 397 e seg.; TÔRRES, Heleno Taveira. Direito constitucional tributário e segurança jurídica: metódica da segurança jurídica do sistema constitucional tributário. São Paulo: RT, 2012, p. 232 e 233; FACCI, Lucio Picanço. A proibição de comportamento contraditório no âmbito da Administração Pública: a tutela da confiança nas relações jurídico-administrativas. Disponível em: <http://www.agu.gov.br/page/download/index/id/7450652>. Acesso em: 28 jun. 2016; SCHREIBER, Anderson. A proibição de comportamento contraditório: tutela da confiança e venire contra factum proprium. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 95; 283.

2 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito constitucional tributário e segurança jurídica: metódica da segurança jurídica do sistema constitucional tributário. 2. ed. São Paulo: RT, 2012, p. 232-3.

3 Vide, nesse sentido: SCHREIBER, Anderson. A proibição de comportamento contraditório: tutela da confiança e venire contra factum proprium. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 284-285.

4 Vide: Código Civil, arts. 174, 475, 476 e 477.

5 BRASIL, STF, RE 86.787, Relator Ministro Leitão de Abreu, 2ª Turma, j. 20.10.1978, DJ 04.05.1979.

6 Vide: Pesquisa temática de jurisprudência no sítio do TJDFT na internet: <www.tjdft.jus.br/institucional/jurisprudencia/jurisprudencia-e...do-tjdft-1/principios-do-cdc/principio-venire-contra-factum-proprium>. Acesso em: 27 jun. 2016.

7 BRASIL, TJDFT, Acórdão 930746, 20150020147372AGI, Relatora Maria de Fatima Rafael de Aguiar, 3ª Turma Cível, j. 16.03.2016, DJE 07.04.2016.

8 BRASIL, TJDFT, Acórdão 928319, 20140111993895APC, Relator Alfeu Machado, Revisor: Romulo de Araujo Mendes, 1ª Turma Cível, j. 16.03.2016, DJE 13.04.2016.

9 BRASIL, TJDFT, Acórdão 926744, 20150710112775APC, Relatora Ana Maria Duarte Amarante Brito, 6ª Turma Cível, j. 02.03.2016, DJE 17.03.2016.

10 BRASIL, TJDFT, Acórdão 923696, 20150310113102APC, Relator Sergio Xavier de Souza Rocha, Revisor: James Eduardo da Cruz de Moraes Oliveira, 4ª Turma Cível, j. 24.02.2016, DJE 13.04.2016.

11 Merecem menção, ainda, o art. 4º, III, e o art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor.

12 Vide: RUBINSTEIN, Flávio. Boa-fé objetiva no direito financeiro e tributário. Série Doutrina Tributária v. III. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 50-51.

13 Nesse sentido, vide: FACCI, Lucio Picanço. A proibição de comportamento contraditório no âmbito da Administração Pública: a tutela da confiança nas relações jurídico-administrativas. Disponível em: <http://www.agu.gov.br/page/download/index/id/7450652>. Acesso em: 28 jun. 2016.

14 ALVIM, Arruda. Juiz federal. Lista tríplice. Alegada inobservância do art. 93, II, da Constituição Federal. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: RT, v. 36, jul.-set. 2001, p. 288-306.

15 BRASIL, STJ, REsp 47.015/SP, Relator Ministro Adhemar Maciel, 2ª Turma, j. 16.10.1997, DJ 09.12.1997.

16 BRASIL, STJ, REsp 141.879/SP, Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar, 4ª Turma, j. 17.03.1998, DJ 22.06.1998.

17 Nesse sentido, vide: MODESTO, Paulo. Controle jurídico do comportamento ético da Administração Pública no Brasil. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, n. 209, jul.-set. 1997, p. 76-78.

18 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2000, prefácio à 13. ed.

19 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica no direito tributário – entre permanência, mudança e realização. Tese apresentada no concurso de professor titular de Direito Tributário da Universidade de São Paulo. São Paulo: USP, 2009, p. 486; 491; 765.

20 PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 98 e seg.

21 Nesse sentido, vide: ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica no direito tributário – entre permanência, mudança e realização. Tese apresentada no concurso de professor titular de Direito Tributário da Universidade de São Paulo. São Paulo: USP, 2009, p. 487-95.

22 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 397 e seg.

23 BRASIL, STJ, REsp 1.143.216/RS, Relator Ministro Luiz Fux, 1ª Seção, j. 24.03.2010, DJe 09.04.2010.

24 Vide: MANNINO, Enrico Estefan; ZEITUNE, Daniel Duque Estrada. Não-tributação da variação cambial positiva pelo PIS e Cofins – observância às práticas reiteradas da Fazenda Pública – proibição ao comportamento próprio contraditório – venire contra factum proprium. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, n. 99, 2003, p. 124-132.

25 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Consulta e direito autorizado. Revista Direito Tributário Atual. São Paulo: Resenha Tributária/IBDT, v. 6, 1986, p. 1.545-1.584, p. 1.566.

26 BORGES, José Souto Maior. Sobre a preclusão da faculdade de rever resposta pró-contribuinte em consulta fiscal e descabimento de recurso pela Administração Fiscal. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, n. 154, 2008, p. 78.

27 Sobre a questão, vide: SCHOUERI, Luís Eduardo. Algumas reflexões sobre a consulta em matéria fiscal. Revista Direito Tributário Atual. São Paulo: Resenha Tributária/IBDT, n. 14, 1995, p. 13-14. BORGES, José Souto Maior. Sobre a preclusão da faculdade de rever resposta pró-contribuinte em consulta fiscal e descabimento de recurso pela Administração Fiscal. Revista Dialética de Direito Tributário. São Paulo: Dialética, n. 154, 2008, p. 77.

28 Vide: Lei 9.430/1996, Decreto 70.235/1972 e Decreto 7.574/2011.

29 Vide: Lei 9.430/1996, art. 50, Decreto 7.574/2011, art. 99.

30 Vide: Lei 9.430/1996, art. 48, Decreto 7.574/2011, art. 100.

31 BRASIL, STF, RE 131.741, Relator Ministro Marco Aurélio, 2ª Turma, j. 09.04.1996, DJ 24.05.1996.

32 BRASIL, CARF, Acórdão 9303-01.355, 3ª Turma da CSRF, sessão de 02.02.2011.

33 SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de legislação tributária. Rio de Janeiro: Edições Financeiras S.A., 1964, p. 51-52.

34 BRASIL, Receita Federal do Brasil. Disponível em: <http://idg.receita.fazenda.gov.br/acesso-a-informacao/perguntas-frequentes>. Acesso em: 02 jul. 2016.

35 Em especial: IRPJ e CSLL; Simples Nacional; Tratamento tributário das sociedades cooperativas; Tributação da renda em operações internacionais (Tributação em Bases Universais, Preços de Transferência e Juros Pagos a Vinculadas no Exterior); IPI; Contribuição para o para o PIS/Pasep e Cofins.

36 ÁVILA, Humberto. Benefícios fiscais inválidos e a legítima expectativa dos contribuintes. Revista Tributária e de Finanças Públicas, ano X, v. 42, jan.-fev. 2002, p. 100-114.

37 Nesse sentido, vide: SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 116.

38 GRAU, Eros Roberto. Conceito de tributo e fontes do direito tributário. São Paulo: IBDT, 1975, p. 56.

39 Lei 13.105/2015.

40 Há no sistema jurídico normas cuja função é meramente pedagógica, declaratória, didática. Tais normas não são, em absoluto, imprescindíveis, já que não lhes cabe mais do que repisar de forma mais clara e eficaz à sociedade algum mandamento já existente no ordenando jurídico. A importância de normas gerais e abstratas meramente pedagógicas pode estar relacionada com a necessidade de se lembrar aos aplicadores do Direito a sua cogência, de modo que, quanto menor a eficácia social das normas do sistema jurídico, mais pertinência pode vir a ter enunciados prescritivos meramente pedagógicos, didáticos.

41 Entre as questões geralmente suscitadas, destacam-se: haveria proporcionalidade na suposta distinção do legislador, em tutelar exclusivamente as relações jurídico-tributárias atinentes ao IPI? A não reprodução desse dispositivo no Regulamento do IPI evidencia a sua revogação?

42 ATALIBA, Geraldo. República e constituição. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 175.

43 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica no direito tributário – entre permanência, mudança e realização. Tese apresentada no concurso de professor titular de Direito Tributário da Universidade de São Paulo. São Paulo: USP, 2009, p. 487-95.