A Natureza Jurídica Plural da Fonte Pagadora
The Plural Legal Nature of the Paying Source
Francisco Sávio Fernandez Mileo Filho
Doutorando e Mestre em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo – USP. Pós-graduado em Direito Empresarial pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas – FGVLAW. Pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Pará – UFPA. Advogado em São Paulo e no Pará. Professor Seminarista do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET/Belém. E-mail: franciscomileo_6@hotmail.com.
Recebido em: 25-2-2025 – Aprovado em: 28-4-2025
https://doi.org/10.46801/2595-6280.59.9.2025.2715
Resumo
A doutrina brasileira oscila em categorizar o agente de retenção como responsável tributário ou como substituto tributário ou como mero auxiliar da arrecadação. O presente artigo tem como objetivo investigar a natureza jurídica da fonte pagadora. No fim, chegou-se à conclusão de que inexiste uma única natureza jurídica para a fonte pagadora. As correntes teóricas apresentam pontos de solidez e pontos de fragilidade. A fonte pagadora não se classifica como responsável tributário ou como substituto tributário ou como agente auxiliar da arrecadação. Na verdade, a fonte pagadora tem uma natureza jurídica plural e ora se comporta como responsável tributário, ora se comporta como substituto tributário e ora se comporta como agente auxiliar da arrecadação.
Palavras-chave: agente de retenção, fonte pagadora, responsabilidade e sujeição passiva.
Abstract
The Brazilian legal doctrine fluctuates in categorizing the withholding agent as a tax responsible party, a tax substitute, or merely an auxiliary collection agent. This article aims to investigate the legal nature of the paying source. In the end, it was concluded that there is no single legal nature for the paying source. The theoretical perspectives present both strengths and weaknesses. The paying source cannot be strictly classified as a tax responsible party, a tax substitute, or an auxiliary collection agent. In fact, the paying source has a plural legal nature, sometimes acting as a tax responsible party, sometimes as a tax substitute, and at other times as an auxiliary collection agent.
Keywords: withholding agent, paying source, tax liability and passive subject.
I. Introdução
A retenção na fonte é um mecanismo de vasta utilidade operacional. Trata-se de ferramenta diligente capaz de viabilizar o cumprimento das obrigações jurídicas em qualquer seara do Direito. Como o próprio nome sugere, a retenção na fonte pressupõe a conservação de valores ainda na origem, para posterior remessa a quem de direito já com a dedução pertinente. Com efeito, a pessoa incumbida de repassar dinheiro a alguém retém parte do montante que ia ser transferido e, por via de consequência, apenas envia a parcela remanescente.
No Direito Tributário, o agente de retenção é figura dotada de capacidade para intervir em atos ou operações, de modo a subtrair uma fração do tributo correspondente, abatendo dinheiro alheio, e não próprio, em favor do Estado, na entrega do devido numerário ao destinatário1. Vale dizer, o agente de retenção consiste naquele a quem se atribui, simultaneamente, uma obrigação de reter o montante do tributo, seguida da obrigação de repassar aos cofres públicos essa verba retida em nome do contribuinte2.
Pela essência da sistemática, a retenção na fonte desponta como medida de praticabilidade, de eficiência arrecadatória e de combate à sonegação fiscal. O recolhimento do tributo se torna mais ágil e mais simples. Além disso, a atividade arrecadatória apresenta ganhos econômicos com a diminuição dos custos de conformidade, pois o universo de contribuintes a serem fiscalizados se reduz. Ainda, o Fisco consegue prevenir práticas ilícitas de omissão de oferecimento de valores à tributação3-4.
Nada obstante, em meio a todas essas vantagens, o tema não é isento de polêmicas. Em termos dogmáticos, o estudo da fonte pagadora é bastante controverso, inexistindo uniformidade no critério adotado para fins de qualificação jurídica do fenômeno. Na experiência internacional, há posicionamentos que variam desde a taxação do agente de retenção como sujeito passivo até a consideração desta figura como órgão da administração pública5-6. No Brasil, as posições doutrinárias se concentram em conceber à fonte pagadora a natureza de responsável tributário, ou a de substituto tributário ou a de mero auxiliar de arrecadação que, no máximo, quando muito, cumpre apenas uma obrigação de índole administrativa, conforme será visto adiante.
Assim sendo, a pergunta-chave que se faz é: o que seria a fonte pagadora? Seria ela responsável tributário? Seria ela substituto tributário? Seria ela mero agente auxiliar da arrecadação? Esta é a hipótese de pesquisa deste trabalho. O presente artigo busca responder essas indagações. Pretende-se identificar a natureza jurídica do agente de retenção, a fim de se averiguar em qual categoria de sujeição passiva a fonte pagadora pode vir a ser enquadrada e, em paralelo, desvendar os pontos de contato e os pontos de dissonância entre as manifestações doutrinárias, na tentativa de harmonizar minimamente os pensamentos contrapostos.
Com base nessa proposta, tecer-se-á, por primeiro, breves considerações a respeito das categorias de sujeição passiva em matéria tributária, perpassando pelo tratamento do tema na esfera constitucional e infraconstitucional. Na sequência, indicar-se-ão as posições teóricas sobre a fonte pagadora, destacando as correntes existentes sobre o tema e a linha de raciocínio adotada. Após isso, serão ofertadas reflexões sobre a natureza jurídica do agente de retenção, já adiantando, desde agora, que a figura da fonte pagadora não comporta apenas uma única natureza jurídica, mas várias, a depender do regime aplicável e da condição em que se encontra.
II. Breves considerações sobre a sujeição passiva em matéria tributária
A Constituição Federal de 1988 se caracteriza por ser exaustiva e completa, no que diz respeito ao trato da matéria tributária7. No próprio altiplano constitucional, consegue-se identificar as regras de repartição da competência impositiva entre os entes federados, bem como uma série de outros princípios que orientam toda a construção da regra-matriz de incidência tributária. De antemão, o Texto Constitucional estabelece os critérios do antecedente e do consequente normativo suscetíveis de eleição, de modo a fixar limites e balizas à atuação do legislador infraconstitucional8-9.
Portanto, a noção basal de contribuinte enquanto sujeito passivo “nato” da obrigação tributária já advém da Constituição Federal. Trata-se de uma interpretação sistemática. Na medida em que o Texto Constitucional fixa os parâmetros da tributação, indicando o fato gerador possível, a base de cálculo possível, o local possível de realização da hipótese de incidência10 etc., o contribuinte naturalmente será aquela pessoa que incorrer na materialidade da conduta, revelando-se como o destinatário da carga tributária, a ver seu patrimônio diminuído em favor do Estado11-12-13.
Em paralelo, a Constituição Federal também contém enunciados prescritivos sobre outras modalidades de sujeição passiva. Relativamente à substituição tributária, o art. 150, § 7º, prevê que a lei poderá atribuir ao sujeito passivo da obrigação a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição da quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido.
No que concerne à fonte pagadora, os arts. 157, inciso I, e 158, inciso I, dispõem ser pertencente aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios o produto da arrecadação do Imposto de Renda, incidente na fonte, sobre os rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem. Associadamente, o art. 159, § 1º, exclui das transferências financeiras obrigatórias da União Federal a parcela do Imposto de Renda retida e pertencente aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios. Assim sendo, a sistemática da retenção na fonte é reconhecida constitucionalmente14, conquanto isso seja feito por disposições relacionadas ao Direito Financeiro.
Nada obstante, é no Código Tributário Nacional que o tema do agente de retenção ganha densidade maior, conforme a prescrição dos arts. 9, § 1º, e 45, parágrafo único, assim como a própria matéria da sujeição passiva tributária, até por obediência ao disposto no art. 146, inciso III, alíneas a e b, da Constituição Federal, o qual determina ser da competência da Lei Complementar estabelecer normas gerais de Direito Tributário, especialmente sobre obrigação, lançamento e crédito, e definir os fatos geradores, as bases de cálculos, os contribuintes etc.
Nesse sentido, segundo reza o art. 121, caput e incisos I e II do parágrafo único, do Código Tributário Nacional, o sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária, podendo ser esta um contribuinte ou um responsável. O sujeito passivo será o contribuinte quando tiver relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador. Em contrapartida, o sujeito passivo será o responsável quando, sem revestir a condição de contribuinte, assume a obrigação tributária por expressa disposição de lei.
Desta forma, o contribuinte é a pessoa que incorreu na conduta ensejadora da tributação. Não necessariamente precisa estar definido em lei. Por vezes, a legislação admite que mais de uma pessoa seja contribuinte do tributo, a exemplo do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis. Seja como for, a identificação do contribuinte perpassa por quem tenha praticado a hipótese de incidência prevista no critério material do antecedente normativo15 e, porventura, tenha revelado capacidade contributiva16.
O responsável, por sua vez, precisa estar definido em lei. Este não se reveste da condição de contribuinte, logo, não incorre na prática do fato gerador. A obrigação tributária lhe é, então, imputada justamente em razão da previsão legal. Ao fim e ao cabo, se trata de um regime residual: não sendo o sujeito passivo um contribuinte, será este o responsável por força da legislação. Daí se falar em responsável lato sensu, o qual se desdobra em responsável stricto sensu e em substituto17.
A responsabilidade stricto sensu consiste na responsabilidade por transferência. Com efeito, o legislador atribui a obrigação de recolher tributo a outra pessoa em virtude da ocorrência de um outro fato distinto, para além da realização do fato gerador pelo contribuinte. Ou seja, a responsabilidade por transferência pressupõe a concretização da conduta descrita no critério material do antecedente normativo e, ainda, a concretização de outro acontecimento diverso, tal como, por exemplo, a sucessão causa mortis ou a aquisição de um fundo de comércio18.
Neste caso, são duas normas. A primeira é a norma matriz disciplinadora da obrigação tributária principal. A segunda é a norma complementar, dependente da primeira, que tem a função de alterar apenas o critério pessoal do consequente da norma anterior19. Na prática, têm-se dois fatos jurídicos distintos: (i) o fato jurídico tributário propriamente dito, que dá azo ao nascimento da pretensão tributária; e (ii) o outro fato jurídico que, então, desloca a obrigação tributária para o responsável stricto sensu. Desta forma, revela-se necessário o surgimento da obrigação tributária pela realização da hipótese de incidência, acrescida da ocorrência da hipótese de responsabilização20.
Em contrapartida, a substituição retrata o fenômeno em que o legislador atribui a uma pessoa a obrigação de recolher o tributo por conta da consumação do fato jurídico praticado ou a ser praticado pelo contribuinte, do qual este substituto esteja vinculado21. Em outras palavras, a substituição implica a eleição de um substituto, que paga um tributo que não lhe é próprio, mas, sim, de pessoa diversa: o substituído. Com efeito, o substituto recolhe um tributo alheio do substituído, comparecendo no lugar deste na relação jurídica da obrigação tributária22.
Tendo isso em mente, a diferença entre a responsabilidade por transferência e a substituição tributária reside no fato de que, nesta última, a legislação define uma hipótese de incidência a ser praticada pelo contribuinte, mas que, por outro lado, impõe a imputação da sujeição passiva a um terceiro substituto. O substituto não incorre no fato gerador. É o contribuinte que incorre no fato gerador. E, da feita em que o contribuinte consuma a conduta prevista na hipótese de incidência, nasce para o substituto a pretensão tributária23.
De toda sorte, em ambas as circunstâncias de responsabilidade lato sensu, a figura do responsável ou do substituto carece de estar vinculada ao fato gerador24. Nos termos do art. 128 do Código Tributário Nacional, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.
Portanto, o responsável lato sensu eleito como sujeito passivo da obrigação tributária não pode ser simplesmente qualquer pessoa. Do contrário, existiria um “cheque em branco”, a permitir que um avulso fosse chamado para compor a relação jurídica tributária, sem qualquer justificativa jurídica plausível. Ao menos, requer-se uma proximidade deste terceiro com o fato gerador. Há de existir um vínculo, ainda que mínimo. O pressuposto que dá azo à norma de responsabilidade não deve ser estranho e alheio ao fato jurídico tributário.
III. As posições doutrinárias sobre a fonte pagadora
As principais manifestações doutrinárias sobre a natureza jurídica da fonte pagadora circulam em ora taxar o agente de retenção como um responsável, em ora taxar o agente de retenção como um substituto e em ora taxar o agente de retenção como um auxiliar da administração fazendária que, no máximo, se revela como sujeito passivo de uma obrigação acessória.
Às vezes, as posições são externadas pelos juristas dentro de um contexto genérico de sujeição passiva, ou seja, em trabalhos inespecíficos que versam sobre o critério pessoal da regra-matriz de incidência tributária, de modo a, em tese, se estender sob a temática de forma irrestrita ou se estender, pelo menos, ao(s) tributo(s) ofertado(s) como exemplo(s). Em outras vezes, as posições são externadas pelos juristas dentro de um contexto específico de um tributo ou de uma situação particular, sugerindo que, ou o pensamento posto se limita ao cenário examinado, ou o pensamento posto não percebe que o fenômeno é mais amplo do que aquilo.
Uma vez feito esse alerta e, sem a pretensão de ser exaustivo, expõem-se abaixo as ideias desenvolvidas pelos pensadores do Direito Tributário, a fim de sistematizar e dar maior visibilidade às correntes.
Começando por aqueles que entendem a fonte pagadora como responsável tributário, Hugo de Brito Machado, no âmbito do Imposto de Renda, esclarece haver duas formas para a incidência do tributo: a exclusiva e a por antecipação. Em ambas as espécies, no entanto, o débito permanece com o contribuinte, enquanto a responsabilidade pelo pagamento do tributo é atribuída à fonte pagadora. No seu entender, o contribuinte não é excluído da relação obrigacional tributária. Na verdade, este continua sendo sujeito passivo, apesar de não ter responsabilidade, a qual fora atribuída ao agente de retenção, por força de lei25.
Diferentemente dessa posição, Ricardo Mariz de Oliveira defende ser exclusiva a responsabilidade da fonte pagadora no Imposto de Renda, com a exclusão do contribuinte do polo passivo da relação jurídica de índole tributária. No caso, há um contexto de um contribuinte não sujeito passivo e de um sujeito passivo alçado a esta condição por lei que não é o contribuinte. Assim sendo, este Autor sustenta se estar diante do instituto da substituição tributária, no qual o agente de retenção assume uma obrigação suscetível de exigência no lugar do contribuinte26.
Paulo Ayres Barreto, tanto à luz do Imposto de Renda quanto à luz do Imposto sobre Serviços, também alega que a retenção na fonte é uma modalidade de substituição tributária. Coexistem duas normas jurídicas e duas relações jurídicas: (i) uma, de índole tributária, que se instaura entre o contribuinte e o ente federado que se faz representar pelo substituto; e (ii) outra, de índole administrativa, que se instaura entre o substituto e o ente federado, cujo primeiro tem o dever entregar aos cofres públicos recursos de terceiros (montante retido do contribuinte)27-28.
Paulo de Barros Carvalho, já tratando do assunto de forma geral sem vínculo com tributo algum, relaciona o agente de retenção ao instituto da substituição tributária. No episódio da retenção na fonte, tem-se uma situação de substituição, na qual um terceiro, vinculado ao fato jurídico tributário, assume o dever de reter valores quando do pagamento de uma quantia a outrem, para, subsequentemente, remeter o montante retido aos cofres públicos29.
Geraldo Ataliba e Aires Fernandino Barreto compartilham da mesma conclusão, apesar de não adentrarem em grandes detalhes sobre a temática. Estes Autores, ao lecionarem que a substituição tributária pressupõe a atribuição de um encargo a uma pessoa para pagar, em nome de alguém, um tributo alheio do substituído, apontam ser um exemplo o recolhimento do Imposto de Renda na fonte e da Contribuição Previdenciária30.
José Arthur Lima Gonçalves, em igual tom, segue a mesma linha de raciocínio em artigo teórico sobre o critério pessoal da regra-matriz de incidência tributária. Para este Autor, a tributação do Imposto de Renda na fonte quando do pagamento de remuneração por pessoa jurídica a pessoa física que lhe presta serviços retrata uma legítima hipótese de substituição do destinatário tributário, pois, dentro dessa sistemática, impera o regime jurídico do contribuinte substituído e se garante formas para que o substituto venha a porventura se ressarcir perante o substituído da importância recolhida31.
Hugo de Brito Machado Segundo é outro que exemplifica a substituição tributária mediante a indicação de situações envolvendo o agente de retenção. Conforme defende, estar-se-á diante de uma hipótese de substituição tributária para trás quando o dever jurídico de recolher o tributo decorrer do fato gerador da obrigação tributária, sendo o caso da retenção do Imposto de Renda, da Contribuição sobre folha de salário ou do Imposto sobre Serviços, feita por empregadores e tomadores de serviços em geral32.
Maria Rita Ferragut também faz uso da retenção na fonte para demonstrar as espécies da substituição tributária em obra abrangente sobre responsabilidade tributária. Esta Autora sustenta que a sujeição passiva, nesta modalidade, pode ocorrer de três maneiras diferentes: (i) para trás, (ii) convencional e (iii) para frente. A substituição tributária convencional alude à substituição assim que ocorrido o fato jurídico, como na hipótese do tomador do serviço pelo recolhimento do Imposto sobre Serviços retido pelo prestador ou do recolhimento do Imposto de Renda retido pela fonte pagadora, quando das remessas de pagamento ao exterior33.
Nada obstante, há quem afaste qualquer possibilidade de a fonte pagadora vir a ser sujeito passivo da obrigação tributária, seja como responsável, seja como substituto. Brandão Machado, a esse respeito, destaca existir uma diferença entre pagamento e recolhimento. A partir dessa premissa, o agente de retenção exerce uma função de auxiliar da administração fazendária, assumindo a tarefa de coletar os tributos incidentes sobre pagamentos realizados em prol de terceiros34-35.
Arnaldo Borges, em livro publicado sobre a sujeição passiva em matéria tributária, aduz que o agente de retenção não compõe a obrigação tributária. No fundo, este desponta como um auxiliar do sujeito ativo, tendo o dever de receber o imposto devido pelo contribuinte e depois de entregar aos cofres públicos a quantia, atuando apenas como um intermediário no processo de arrecadação dos tributos36.
Renato Lopes Becho, expressamente, é outro que não concorda com a ideia de compreender a sistemática da retenção na fonte como sendo substituição tributária. E assim faz em trabalho genérico sobre responsabilidade, dando de exemplo situações envolvendo o Imposto de Renda. No entender deste Autor, o agente de retenção se transforma em sujeito auxiliar da administração fazendária, mas nunca em sujeito passivo da obrigação tributária37.
Em posição levemente híbrida e moderada, há um grupo de doutrinadores que, igualmente, concordam com a caracterização da fonte pagadora como figura colaboradora da administração, contudo, por outro lado, vislumbram exceções a atrair a incidência de uma norma de responsabilidade propriamente dita. É o caso de Luís Eduardo Schoueri. Para este Autor, o papel da fonte pagadora não é de sujeito passivo, mas, sim, de um mero agente auxiliar de arrecadação. Todavia, caso o tributo não seja retido para fins de Imposto de Renda, e o agente de retenção repasse o valor cheio a quem de direito, considera-se que o valor repassado representa o montante líquido, e não o valor descontado, de modo a gerar a necessidade de recolhimento desta diferença a título de reajuste38.
Para melhor compreensão da ideia, suponha-se que a fonte pagadora deva a uma pessoa a quantia de R$ 100,00 sujeita a uma retenção de 25% de Imposto de Renda. Em tese, o beneficiário deveria receber R$ 75,00. Porém, no ato do pagamento, a fonte entrega, por um lapso, a quantia de R$ 100,00 direto ao beneficiário, sem realizar a retenção. Assim, será considerado que o valor de R$ 100,00 representa 75% da quantia que seria devida com a retenção. Logo, o montante total de 100% retrata um numerário à ordem de R$ 133,00. Nesse contexto, a fonte será responsabilizada a recolher o reajustamento do rendimento bruto39.
Ocorre que essa responsabilidade então atribuída à fonte pagadora não decorre da sua eventual condição de sujeito passivo. Verdadeiramente, essa responsabilidade decorre de um segundo fato: a não retenção. Daí ser o entendimento de Luís Eduardo Schoueri de que a fonte pagadora assumirá, nesta hipótese de Imposto de Renda, a condição de responsável stricto sensu (por transferência), e não de substituta40.
Octavio Bulcão Nascimento, a seu turno, segue lógica similar. Na sua visão, dentro da sistemática do Imposto de Renda, a situação do pagamento de rendimento a um beneficiário faz nascer um dever instrumental de retenção e recolhimento, cujo fato gerador é o recebimento de renda. Destarte, o agente de retenção figura como mero intermediário na entrega de dinheiro alheio aos cofres públicos. É somente na hipótese de descumprimento do dever instrumental que surge contra a fonte pagadora uma responsabilidade tributária de caráter sancionatório41.
Por fim, Andrei Pitten Velloso compartilha da conclusão, ainda que o raciocínio tenha se dado em um plano mais abstrato e desprovido de vínculo com algum tributo. Este Autor sustenta que os agentes de retenção cumprem obrigação de fazer e são sujeitos passivos da obrigação acessória, nos termos do art. 122 do Código Tributário Nacional. Todavia, caso se suceda o inadimplemento deste dever instrumental, a fonte pagadora restará sujeita ao pagamento em nome próprio, desde que haja previsão legal nesse sentido42.
Isto posto, a partir desse apanhado doutrinário, é possível perceber que o tema se revela controverso e problemático. As manifestações destoam entre si. Em regra, há três grandes correntes. São elas: (i) fonte pagadora como responsável tributário; (ii) fonte pagadora como substituto tributário; e (iii) fonte pagadora como auxiliar da administração fazendária. Entretanto, dentro de uma mesma corrente, há entendimentos não uniformes e com variações teóricas e práticas.
Assim sendo, é de se indagar: qual seria a perspectiva correta? Por que a doutrina diverge tanto? O que há de tão complexo na temática para se ter esse cenário de extrema agitação acadêmica? Este artigo tem algumas proposições e algumas reflexões para fazer. Conforme adiantado na Introdução, arrisca-se ofertar à comunidade científica que o problema está na tentativa de se identificar uma única natureza jurídica para a fonte pagadora, quando o mais adequado, talvez, seja a de encarar a sistemática, de acordo com o regime jurídico aplicável.
IV. Proposições e reflexões sobre a natureza jurídica da fonte pagadora
As posições doutrinárias evidenciam um raciocínio um tanto quanto cíclico. Propositadamente, começou-se pela exposição da corrente que defende ser a fonte pagadora um responsável tributário, taxando o agente de retenção como um sujeito passivo da obrigação tributária. Depois, passou-se a tratar dos pensadores que vislumbram a sistemática da retenção na fonte como uma modalidade de substituição tributária, taxando o agente de retenção também como um sujeito passivo da obrigação tributária, mas com a exclusão da responsabilidade do contribuinte.
Após isso, destacaram-se os juristas que afastam qualquer aproximação da fonte pagadora como sujeito passivo da obrigação tributária, sendo o agente de retenção um mero auxiliar da administração fazendária. Por fim, apontaram-se os estudiosos que, igualmente, enxergam a fonte pagadora apenas como uma figura colaboradora da administração fazendária, mas, ao mesmo tempo, reconhecem, em certas situações excepcionais, que o agente de retenção pode se tornar responsável, de modo a compor o polo passivo da obrigação tributária, semelhantemente à conclusão do primeiro Autor citado, ainda que com variações de premissas teóricas.
Tendo isso em mente, a temática da natureza jurídica da fonte pagadora acaba por “dar um giro de trezentos e sessenta graus”, no qual as manifestações doutrinárias se iniciam em um ponto, passam por obstáculos e enfrentamentos, contudo, ao fim e ao cabo, retornam ao status inaugural. E a pergunta é: por quê? Por que há forte oscilação na categorização do agente de retenção? Evidentemente, a temática dista de ser singela. Em qualquer grau, a matéria da responsabilidade tributária suscita discussões. Isso é um fato. Naturalmente, há um nível importante de controversas. Conquanto diante do mesmo tributo ou da mesma operação, o assunto por si só já se demonstra polêmico na sua essência.
Entretanto, acredita-se que a questão-chave para tamanha problemática está na alternância do prisma de análise, cumulada com a não percepção de que a sistemática pode se apresentar de forma diferente em outras conjunturas. Ao mesmo tempo em que determinadas posições teóricas são externadas em trabalho global sobre a sujeição passiva tributária, de modo a propagar entendimentos gerais sem especificação do contexto, há, em contrapartida, posições teóricas externadas, conscientemente ou não, em contextos especiais de um tributo particular ou de uma operação singular, cujo raciocínio é empregado para subsidiar teoricamente a explicação do instituto em ambiente alheio.
Nem sempre a natureza jurídica da fonte pagadora é investigada sob igual enfoque. Ou seja, nem sempre se discute se o agente de retenção é responsável, substituto ou auxiliar da administração, à luz de um dado fenômeno específico. Muitas das vezes, os doutrinadores abordam a figura da fonte pagadora a partir de perspectivas distintas e, talvez por isso, cheguem a conclusões díspares, sem observar que, na verdade, a fonte pagadora não detém apenas uma única forma de aparição.
Decerto, um trabalho desenvolvido e voltado ao estudo da natureza jurídica da fonte pagadora dentro de um viés geral de sujeição passiva tributária fatalmente destoa de um trabalho da mesma índole, tendo como foco a fonte pagadora aplicada no seio de um determinado tributo. O objeto muda. O ponto central de exame diverge. O agente de retenção não é uma figura imutável. A sistemática da retenção na fonte não se revela como privativa de um tributo só. A depender do contexto, o regime jurídico da fonte pagadora em uma circunstância “A”, no bojo do tributo “X”, se revela diferente do regime jurídico em uma circunstância “B”, no bojo do tributo “Y”.
Na prática, a fonte pagadora é mais frequente e mais vista no âmbito do Imposto de Renda. Aliás, muitos dos posicionamentos citados no tópico acima derivaram de análises feitas nesta seara de tributação. Porém, ainda nesta ótica, há situações discrepantes em que a fonte pagadora se comportará de um jeito desigual. Por certo, é preciso segregar o regime jurídico atribuído à fonte pagadora quando se estiver diante de um Imposto de Renda retido por antecipação e de um Imposto de Renda retido de maneira exclusiva.
O Imposto de Renda retido por antecipação não é definitivo. A parcela descontada pelo agente de retenção será objeto de inclusão na declaração de ajuste anual a ser apresentada pelo contribuinte para fins de compensação junto com os demais rendimentos e as demais deduções. Nos termos dos arts. 80, inciso VII, e 81 do RIR/2018, o montante apurado, se for positivo, gerará saldo de Imposto de Renda a pagar, e, se for negativo, gerará tributo a restituir. Já o Imposto de Renda retido de maneira exclusiva ocorre, por exemplo, nas remessas de valores em prol de residentes no exterior, nos termos do art. 741 do RIR/2018, sendo esta tributação definitiva, de modo que o valor recebido poderá ser utilizado livremente pelo beneficiário, sem a submissão da quantia a um novo cálculo.
Nada obstante, a fonte pagadora também é encontrada em outros impostos e em outras espécies tributárias do sistema tributário nacional. O agente de retenção aparece, por exemplo, no Imposto sobre Serviços. O art. 6º, caput e § 1º, da Lei Complementar n. 116/2003, prevê a possibilidade de a legislação municipal atribuir a responsabilidade para um terceiro, vinculado ao fato gerador, com a exclusão total ou supletiva do contribuinte da obrigação tributária, que estará sujeito ao recolhimento integral. De igual forma, a fonte pagadora também se encontra presente nas Contribuições Previdenciárias. O art. 30, inciso I, alínea a, da Lei n. 8.212/1991, obriga a empresa a arrecadar a Contribuição Previdenciária do segurado empregado mediante o desconto na remuneração. Por último, cita-se exemplo de fonte pagadora na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido e nas Contribuições Sociais destinadas ao PIS e à Cofins, quando for realizado um pagamento por pessoa jurídica de direito privado a outra pessoa jurídica de direito privado pela prestação de alguns serviços listados, nos termos do art. 30 da Lei n. 10.833/2003.
Em paralelo a isso, a própria pessoa em si da fonte pagadora pode oscilar. Via de regra, o agente de retenção é uma pessoa jurídica de direito privado. De forma mais visual, a fonte pagadora é a empresa quando paga uma remuneração ao seu empregado e retém o Imposto de Renda. Contudo, em determinadas situações, o agente de retenção pode ser uma pessoa jurídica de direito público. Basta pensar no servidor público da União Federal. O agente de retenção é o ente federado que, diretamente, já desconta o valor do Imposto de Renda que faz jus no ato do pagamento do salário.
Portanto, são múltiplas as hipóteses de retenção. Há bastantes variáveis. Não existe um modelo, um padrão ou um regime jurídico único e universal para a sistemática da fonte pagadora. Conforme for o tributo, conforme for a modalidade de recolhimento (Imposto de Renda por antecipação ou exclusivo) e conforme quem for a figura do agente de retenção, toda a argumentação acerca da natureza jurídica da fonte pagadora poderá mudar. O agente de retenção em determinada operação “P1” não necessariamente se confunde com o agente de retenção em determinada operação “P2”.
Tendo isso em mente, é por isso que as teorias até então desenvolvidas, globalmente consideradas, não satisfazem o fenômeno por completo. As correntes de pensamento não conseguem alcançar as inúmeras variantes da fonte pagadora. No fundo, os argumentos são limitados a uma circunstância específica ou outra, sem abranger a totalidade do instituto. Desta forma, em maior ou menor grau, é possível visualizar nas teorias desenvolvidas pontos de solidez e, simultaneamente, pontos de fraqueza. Para uma dada situação especial, um raciocínio desponta como o mais adequado. Todavia, se um dos elementos da fonte pagadora restar alterado, aí esse raciocínio perde espaço para outro mais convincente, à luz do ordenamento jurídico brasileiro.
Explica-se.
A corrente que defende ser a fonte pagadora uma modalidade de substituição tributária parece fazer muito sentido quando se está diante do Imposto de Renda exclusivo retido por uma pessoa jurídica de direito privado, sem entrar no mérito da constitucionalidade ou não acerca da materialidade do imposto. Nesta hipótese, de fato, o agente de retenção literalmente substitui o contribuinte como sujeito passivo da obrigação tributária, o qual é excluído da relação, preenchendo todos os elementos da substituição tributária. A fonte pagadora se reveste da condição de substituta e paga tributo alheio devido por outrem que não chega a compor o polo passivo da obrigação. De acordo com o disposto no Parecer Normativo Cosit n. 01/2002, a fonte pagadora substitui o contribuinte desde logo, no momento em que surge a obrigação tributária, ocupando exclusivamente o polo passivo, embora o ônus econômico seja arcado pelo contribuinte beneficiário da renda.
Analogicamente, essa corrente também encontra muita procedência no âmbito do Imposto sobre Serviços, em especial na responsabilidade atribuída às pessoas jurídicas tomadoras ou intermediárias de serviços relacionados com a construção civil, nos termos do art. 6º, § 1º e § 2º, inciso II, da Lei Complementar n. 116/2003. Nesta situação, a empresa que contrata ou intermedeia um serviço de construção civil retém na fonte o tributo quando do pagamento da contraprestação e igualmente se põe no lugar do contribuinte prestador do serviço no polo passivo da obrigação tributária.
Por outro lado, a visualização da fonte pagadora como substituta tributária demonstra fragilidade em uma situação de Imposto de Renda retido por antecipação por uma pessoa jurídica de direito privado. Isto porque, diferentemente do Imposto de Renda exclusivo, o contribuinte não é excluído do polo passivo da obrigação tributária. A pessoa que auferiu a renda permanece como contribuinte do imposto, apesar das retenções sofridas. Assim sendo, neste exemplo, parece se sobressair a corrente que vislumbra a fonte pagadora como mero agente auxiliar da administração fazendária.
Com efeito, a retenção na fonte no Imposto de Renda por antecipação não retrata uma tributação definitiva. Após o encerramento do ano-calendário, o contribuinte enviará a declaração de ajuste anual. O montante retido na fonte será considerado para fins do cálculo, oportunidade em que se somarão os demais rendimentos e as demais deduções. A depender do resultado, se positivo ou negativo, o contribuinte pode vir a ter que pagar quantia a título de Imposto de Renda ou receber a restituição. Logo, a fonte pagadora apenas realiza uma tarefa de colaboração para com a administração na fiscalização e na arrecadação do tributo.
Em contrapartida, essa corrente não está isenta de críticas. Como alguns doutrinadores perceberam, a exemplo de Luís Eduardo Schoueri, pode vir a ser que a fonte pagadora, embora não figure inicialmente como sujeito passivo da obrigação tributária, venha a praticar um segundo fato excepcional capaz de lhe ensejar a responsabilidade pelo tributo. Em outras palavras, a fonte pagadora, até então auxiliar da administração tributária, pode vir a remeter valores ao beneficiário sem efetuar a retenção do Imposto de Renda por antecipação, tornando-se, assim, responsável pelo recolhimento do reajuste do rendimento bruto.
O art. 786 do RIR/2018 prevê que, quando a fonte pagadora assumir o ônus do imposto de renda devido pelo beneficiário, a importância paga, creditada, empregada, remetida ou entregue, será considerada líquida, sendo necessário proceder com o reajuste do rendimento bruto no qual incidirá o tributo. Isto posto, tem-se uma hipótese de responsabilidade stricto sensu (por transferência) que recai sobre o agente de retenção, cujo pressuposto de fato é a ausência da retenção, desconstituindo a categorização como mero agente auxiliar da arrecadação.
Nada obstante, seja na corrente que defende a fonte pagadora como mero auxiliar da administração fazendária, seja no grupo de doutrinadores que concordam com a ideia, mas vislumbram a mencionada exceção para fins de atribuição do status de responsável, também é possível objetar essa ideia mediante a alteração do agente de retenção. Normalmente, a fonte pagadora do Imposto de Renda por antecipação é uma pessoa jurídica de direito privado. Entretanto, pode vir a ser que a fonte pagadora seja uma pessoa jurídica de direito público. Haverá, então, uma retenção direta do próprio ente federado no desconto do pagamento.
Logo, como é possível considerar a fonte pagadora como uma figura que colabora com a administração fazendária, sendo que a administração fazendária é ela mesma? No caso do servidor público federal, é a União Federal auxiliando a União Federal. O agente de retenção auxiliar da administração fazendária é a própria administração fazendária, o que causa estranheza e parece inviabilizar o raciocínio.
Mais estranho, ainda, é esta hipótese no cenário excepcional da responsabilidade stricto sensu (por transferência) para fins de cobrança do reajuste do rendimento bruto. Se a União Federal remunerar o seu servidor público federal sem efetuar a retenção do Imposto de Renda, transferindo um valor de renda líquida, será aplicável o art. 786 do RIR/2018? É possível cogitar uma relação jurídica de índole tributária entre a União Federal, de um lado, como sujeito ativo, e a União Federal, do outro lado, como sujeito passivo na condição de responsável? Acredita-se que não. Essa obrigação tributária é inexistente. Operará, em verdade, o instituto da confusão, pelo qual a obrigação tributária será extinta em virtude da identidade entre as partes credora e devedora.
Feitas essas considerações, a proposta deste artigo é a de evidenciar que não há uma espécie de fonte pagadora, mas várias. Observando o corte metodológico, a reflexão ora ofertada busca evitar que se jogue dentro de um mesmo bolo de análise objetos que são diferentes. É preciso ter cuidado na interpretação do pensamento manifestado pelos estudiosos do Direito Tributário. Às vezes, a temática é trabalhada sob um prisma específico de uma determinada operação envolvendo certo tributo, como, em tese, seria o correto. No entanto, também há trabalhos sobre a fonte pagadora no contexto geral da sujeição passiva em matéria tributária, sem a percepção de que a sistemática da retenção pode se alterar, trazendo complexidade às discussões.
Evidentemente, o pensamento do jurista fixado em sede do Imposto de Renda por antecipação não pode ser transportado sem o devido rigor científico ao Imposto sobre Serviços e vice-versa. Da mesma forma, o pensamento do jurista fixado em sede do Imposto de Renda por antecipação, partindo-se da premissa de que o agente de retenção é uma pessoa jurídica de direito privado, não pode ser estendido à Contribuição Previdenciária retida por uma pessoa jurídica de direito público. Outrossim, o pensamento do jurista fixado em caráter genérico sobre a matéria da sujeição passiva há de ser compreendido com cautela, na medida em que as lições postas não se aplicam irrestritamente a todos os tributos do sistema tributário nacional.
Desta forma, entende-se não ser possível perquirir a natureza jurídica da fonte pagadora de forma ampla e unitária, pois essa figura se comporta de modo diferente, a depender do tributo envolvido, do regime jurídico da tributação e de quem for o agente de retenção. Em termos metafóricos, compara-se a fonte pagadora ao animal camaleão. O camaleão ora está verde, ora está cinza, ora está marrom etc. Apesar da capacidade de mudança de cores, o camaleão continua sendo camaleão. A fonte pagadora, por sua vez, também pode “mudar de cor”.
Com efeito, inexiste no ordenamento jurídico brasileiro uma categoria normativa capaz de definir o fenômeno da fonte pagadora na sua completude. Não se está a dizer que a fonte pagadora não tem uma natureza jurídica. Não é isso. Pelo contrário. O agente de retenção tem sim uma natureza jurídica, só que este pode ser responsável, substituto ou mero auxiliar da arrecadação. A questão é que essa natureza jurídica é mutável, oscilante e flexível. Daí o título deste artigo: a natureza jurídica plural da fonte pagadora.
V. Conclusões
Na Introdução deste trabalho, restou destacado que o presente artigo tinha como objetivo investigar a natureza jurídica do agente de retenção. A pergunta-chave formulada questionou o que seria a fonte pagadora: (i) se responsável tributário; (ii) se substituto tributário; ou (iii) se mero agente auxiliar da administração fazendária. Após levantamento doutrinário, foi possível perceber que, na verdade, as posições doutrinárias não divergem exclusivamente por uma simples questão de interpretação, mas, também, por uma questão de alternância do prisma de análise, cumulada com uma não percepção de que o fenômeno da fonte pagadora é versátil.
Na prática, estudos sobre a fonte pagadora são desenvolvidos em trabalhos sobre a sujeição passiva em matéria tributária, dentro de um formato geral do Direito Tributário e de suas categorias fundamentais, no bojo de uma pesquisa sobre o critério pessoal da regra-matriz de incidência tributária. Em paralelo, há estudos desenvolvidos sobre a fonte pagadora já à luz de um tributo específico ou de uma operação em particular. As posições então firmadas se entrecruzam, mas não necessariamente coincidem. A conclusão obtida em um trabalho de escopo menor e limitado não foi pensada para todos os demais contextos jurídicos. Outrossim, a conclusão obtida em um trabalho de escopo abrangente não se ateve a detalhes que o instituto pode suscitar.
Visto isso, o resultado a que se chega neste artigo é o que não existe uma única natureza jurídica da fonte pagadora, mas várias. O instituto normativo é amplo. O agente de retenção se faz presente em muitos tributos do sistema tributário nacional. Os regimes jurídicos são diferentes. As categorias então pensadas se revelam insuficientes para explicar o fenômeno por completo. Nesses termos, a reflexão que se propõe é a de que o tema exige cautela. Quando alguém perguntar qual que é a natureza jurídica da fonte pagadora, a resposta tem de ser: depende. Depende de qual fonte pagadora se está a tratar. Depende do tributo, depende da modalidade de recolhimento e depende de quem for o agente de retenção.
Parece uma afirmação trivial, contudo, não é. Se fosse, todos os trabalhos elaborados pela doutrina nacional teriam o zelo de ou especificar o objeto de análise e de registrar que a conclusão obtida se limita àquele ângulo, ou de diferenciar os planos quando do trato geral da matéria na perspectiva da sujeição passiva tributária. E não é isso que se vê, salvo poucas exceções. Portanto, a natureza jurídica do agente de retenção não se desdobra, alternativamente, entre responsável, substituto e auxiliar da administração fazendária. O agente de retenção não é responsável, ou substituto ou auxiliar da administração fazendária; o agente de retenção se comportará ora como responsável, ora como substituto e ora como auxiliar da administração fazendária. Por isso é que se apontou no título do trabalho a natureza jurídica plural da fonte pagadora.
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1 VILLEGAS, Hector. Retenção de tributos – agentes de retenção e agentes de percepção. Revista de Direito Tributário n. 06. São Paulo, 1978, p. 67-83 (68-69).
2 VELLOSO, Andrei Piten. As modalidades de sujeição passiva no Código Tributário Nacional. In: NICHELE, Rafael (coord.). Curso avançado de substituição tributária: modalidades e direitos do contribuinte. 2. ed. rev. aum. São Paulo: Livraria do Advogado: IET, 2016, p. 177-206 (188).
3 QUEIROZ, Mary Elbe. Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza: princípios, conceitos, regra-matriz de incidência, mínimo existencial, retenção na fonte, renda transnacional, lançamento, apreciações críticas. São Paulo: Manole, 2004, p. 386-387.
4 COSTA, Regina Helena. Praticabilidade e justiça tributária: exequibilidade de lei tributária e direitos do contribuinte. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 269-271.
5 MACHADO, Brandão. Notas de direito comparado – tributação na fonte e substituição tributária. In: SCHOUERI, Luís Eduardo (coord.). Direito tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 73-95.
6 MACHADO, Brandão. Adicional do Imposto de Renda dos Estados. Repertório IOB de Jurisprudência n. 19, set. 1989, p. 291-296.
7 BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: regime jurídico, destinação e controle. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2020, p. 26.
8 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2017, p. 597-601.
9 ÁVILA, Humberto Bergmann. Sistema constitucional tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 163-165.
10 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2017, p. 597-601.
11 ATALIBA, Geraldo; BARRETO, Aires Fernandino. Substituição e responsabilidade tributária. Revista de Direito Tributário n. 49. São Paulo, set. 1989, p. 73-96 (73).
12 BECHO, Renato Lopes. A sujeição passiva tributária é um tema constitucional ou infraconstitucional? Revista Dialética de Direito Tributário n. 195. São Paulo: Dialética, 2011, p. 104-123 (120-121).
13 JUSTEN FILHO, Marçal. Sujeição passiva tributária. Belém: Cejup, 1986, p. 260-264.
14 QUEIROZ, Mary Elbe. Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza: princípios, conceitos, regra-matriz de incidência, mínimo existencial, retenção na fonte, renda transnacional, lançamento, apreciações críticas. São Paulo: Manole, 2004, p. 389.
15 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 13. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2024, p. 622.
16 BECHO, Renato Lopes. As modalidades de sujeição passiva no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Dialética de Direito Tributário n. 192. São Paulo: Dialética, 2011, p. 113-131 (131).
17 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 13. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2024, p. 622 e 630-631.
18 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 13. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2024, p. 631.
19 DERZI, Misabel Abreu Machado. Notas de atualização. In: BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 1.125-1.126.
20 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 13. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2024, p. 631-632.
21 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 13. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2024, p. 631.
22 ATALIBA, Geraldo; BARRETO, Aires Fernandino. Substituição e responsabilidade tributária. Revista de Direito Tributário n. 49. São Paulo, set. 1989, p. 73-96 (75).
23 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 13. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2024, p. 631.
24 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 13. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2024, p. 632.
25 MACHADO, Hugo de Brito. O contribuinte e o responsável no Imposto de Renda na Fonte. Revista Dialética de Direito Tributário n. 70. São Paulo: Dialética, 2001, p. 109-116 (112-113).
26 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 452-454.
27 BARRETO, Paulo Ayres. Imposto sobre a renda e preços de transferência. São Paulo: Dialética, 1999, p. 85-89.
28 BARRETO, Paulo Ayres. Ampliação das hipóteses de retenção do ISS na fonte. Limites normativos. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Grandes questões atuais do direito tributário. São Paulo: Dialética, 2012. v. 16, p. 266-278 (271).
29 CARVALHO, Paulo de Barros. Fundamentos jurídicos da incidência. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 194.
30 ATALIBA, Geraldo; BARRETO, Aires Fernandino. Substituição e responsabilidade tributária. Revista de Direito Tributário n. 49. São Paulo, set. 1989, p. 73-96 (75).
31 GONÇALVES, José Arthur Lima. Princípios informadores do “critério pessoal da regra-matriz de incidência tributária”. Revista de Direito Tributário n. 23/24. São Paulo, 1983, p. 253-265 (262-263).
32 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Substituição tributária e realidades afins – legitimidade ativa “ad causam”. Revista Dialética de Direito Tributário n. 68. São Paulo: Dialética, 2001, p. 61-76 (65).
33 FERRAGUT, Maria Rita. Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002. São Paulo: Noeses, 2005, p. 64.
34 MACHADO, Brandão. Notas de direito comparado – tributação na fonte e substituição tributária. In: SCHOUERI, Luís Eduardo (coord.). Direito tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 73-95 (90).
35 MACHADO, Brandão. Adicional do Imposto de Renda dos Estados. Repertório IOB de Jurisprudência n. 19, set. 1989, p. 291-296.
36 BORGES, Arnaldo. O sujeito passivo da obrigação tributária. São Paulo: RT, 1981, p. 117.
37 BECHO, Renato Lopes. Sujeição passiva e responsabilidade tributária. São Paulo: Dialética, 2000, p. 122.
38 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 13. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2024, p. 642-645.
39 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 13. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2024, p. 642-645.
40 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 13. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2024, p. 642-645.
41 NASCIMENTO, Octavio Bulcão. Sujeição passiva tributária. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de (coord.). Curso de especialização em direito tributário: estudos analíticos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. Rio de Janeiro: Forense/Gen, 2009, p. 799-838 (825).
42 VELLOSO, Andrei Pitten. As modalidades de sujeição passiva no Código Tributário Nacional. In: NICHELE, Rafael (coord.). Curso avançado de substituição tributária: modalidades e direitos do contribuinte. 2. ed. rev. aum. São Paulo: Livraria do Advogado: IET, 2016, p. 177-206 (189, 199 e 202).