Equívocos na Compreensão do Sentido de “Ruptura Paradigmática”: a EC n. 132 provocará Alguma Mudança na Moldura Epistêmica a guiar o Intérprete do Direito Tributário Brasileiro?

Misconceptions about the Meaning of “Paradigmatic Rupture”: will Constitutional Amendment 132 lead to any Change in the Epistemic Framework guiding the Interpreter of Brazilian Tax Law?

Arthur Maria Ferreira Neto

Mestre e Doutor em Direito (UFRGS) e em Filosofia (PUCRS). Professor Adjunto de Direito Tributário na UFRGS, Professor Permanente do Programa de Pós-graduação em Direito da UFRGS. Advogado e Vice-Presidente do TARF-RS. E-mail: aferreiraneto@yahoo.com.br.

https://doi.org/10.46801/2595-6280.59.25.2025.2747

Subjektiv ist die Gewiβheit, aber nicht das Wissen.

(A Certeza é subjetiva; mas não o Conhecimento)1.

Resumo

O presente artigo examina criticamente a tese defendida por Martha Leão, no artigo “A Reforma Tributária sobre o Consumo e a Inexistência de Ruptura Paradigmática”, segundo a qual a Emenda Constitucional n. 132/2023 teria promovido alterações diminutas, excepcionais ou de baixo impacto dentro do nosso Sistema Tributário, sem força para desencadear qualquer espécie de ruptura paradigmática no Direito Tributário brasileiro. Com base em uma análise mais aprofundada e integrada do conteúdo normativo trazido pela EC n. 132, argumenta-se que seus efeitos extrapolam em muito a mera reconfiguração técnica da tributação sobre o consumo, introduzindo elementos inéditos e estruturantes que poderão demandar a revisão dos modelos teóricos atualmente dominantes, a fim de lidar com os novos problemas jurídicos e com uma complexidade ampliada do sistema. Sustenta-se que a conclusão de Leão é precipitada e fundada em premissas epistemologicamente frágeis, pois: (a) demonstra compreensão insatisfatória dos conceitos de Thomas Kuhn sobre paradigma científico e suas eventuais rupturas; (b) formula um juízo categórico e definitivo sobre um fenômeno científico cuja verificação exige tempo e gradual consenso da comunidade jurídica; (c) adota um textualismo seletivo e um reducionismo teórico ao minimizar a relevância da positivação de novos princípios e da criação de uma competência tributária compartilhada singular e de largo alcance; e (d) ancora-se em um dogmatismo teórico que trata sua matriz interpretativa como única plausível na compreensão do Sistema Tributário Nacional e imune às transformações promovidas pela vontade do constituinte derivado. Defende-se, portanto, que a Reforma Tributária impõe significativos desafios teóricos e interpretativos, os quais poderão ensejar um profundo repensar do modelo dogmático dominante. Em contraste com a leitura formalista e restritiva proposta por Leão, este artigo sustenta que a EC n. 132 possui claro potencial de transformação paradigmática, capaz de inaugurar uma nova moldura epistêmica, obrigando que sejam repensados conceitos tributários tradicionais e reconfigurando o horizonte interpretativo do Direito Tributário no Brasil.

Palavras-chave: direito tributário, Reforma Tributária, Emenda Constitucional n. 132, paradigma científico, epistemologia jurídica.

Abstract

This article critically examines the thesis defended by Martha Leão in her paper “The Tax Reform on Consumption and the Absence of a Paradigm Shift”, in which she argues that Constitutional Amendment No. 132/2023 introduced minimal, exceptional, or low-impact changes within the Brazilian Tax System, lacking the strength to trigger any kind of paradigm shift in Brazilian Tax Law. Based on a more in-depth and integrated analysis of the normative content introduced by Amendment 132, this article argues that its effects go far beyond a mere technical reconfiguration of consumption taxation. It introduces unprecedented and structural elements that may require a revision of the currently dominant theoretical models in order to address new legal challenges and a heightened level of systemic complexity. The article contends that Leão’s conclusion is premature and based on epistemologically fragile assumptions because: (a) it shows an unsatisfactory understanding of Thomas Kuhn’s concepts regarding scientific paradigms and potential shifts; (b) it issues a categorical and definitive judgment about a scientific phenomenon whose validation requires time and gradual consensus within the legal community; (c) it adopts a selective textualism and theoretical reductionism by downplaying the significance of newly enshrined principles and the creation of a unique and far-reaching shared tax authority; and (d) it relies on a theoretical dogmatism that treats its interpretive framework as the only plausible one for understanding the National Tax System and immune to the transformations brought about by the will of the constitutional amender. This article argues, therefore, that the Tax Reform presents significant theoretical and interpretive challenges, which may require a deep rethinking of the dominant dogmatic model. In contrast to Leão’s formalist and restrictive reading, this article supports the view that Amendment 132 has clear potential for a paradigm shift, capable of inaugurating a new epistemic framework, forcing a reconsideration of traditional tax law concepts and reshaping the interpretive horizon of Brazilian Tax Law.

Keywords: tax law, Tax Reform, Constitutional Amendment 132, scientific paradigm, legal epistemology.

1. Introdução

Em um ambiente acadêmico saudável, a atividade de criticar representa tarefa tão importante e nobre quanto àquela envolvida na pesquisa e na formulação da respectiva teoria, ideia ou argumento que é objeto dessa mesma análise reflexiva por parte de outrem. A ciência deve ser compreendida como um empreendimento coletivo de natureza intersubjetiva e dialógica, no qual as teses submetidas à apreciação pública, independentemente da sua aparente objetividade e coerência, devem sempre ser confrontadas com visões rivais acerca do mesmo objeto posto na realidade. Já esse objeto posto na realidade jamais será de domínio pleno ou exclusivo de apenas um único sujeito, por mais sábio ou brilhante que esse possa ser. Precisamente por isso, a atividade científica não pode se resumir à elaboração solitária de teses e argumentos por esse ou aquele indivíduo que, em razão de seu cargo ou de sua influência, submete unilateralmente as suas proposições teóricas ao restante da comunidade científica, a qual, por sua vez, ou aceita passivamente a respectiva conclusão alcançada ou a descarta de forma sumária e irrefletida. Na verdade, o ato de criticar representa etapa essencial e necessária de qualquer esforço científico, sendo possível afirmar, tal como faz Popper2, que, antes de plenamente executada a etapa de submissão de uma teoria à crítica (testando a possibilidade de sua falsificação), sequer podemos ainda reconhecer que estamos diante de verdadeira ciência. Por isso, a crítica científica pode ser vista como uma espécie de bálsamo que vai “curando” defeitos e falhas deixados por aquele que, ao se debruçar sobre determinado objeto de pesquisa, inevitavelmente acaba imprimindo nele as suas marcas de precariedade e parcialidade, as quais só poderão ser identificadas e gradualmente corrigidas por meio da adequada crítica científica.

Contudo, isso não significa afirmar que qualquer crítica acadêmica deva ser automaticamente considerada meritória ou que possa ser desenvolvida e apresentada em público sem certos cuidados. A atividade crítica não pode ser encarada como um fim em si nem como um simples jogo – ou seja, uma disputa estratégica norteada pela vitória ou pela busca de consagração daquele cientista afoito em criticar. Em verdade, todo o rigor e controle que se exige no desenvolvimento de uma teoria, ideia ou argumento também devem ser impostos àquele que deseja direcionar seu esforço especulativo para apontar falhas e erros que possam estar presentes na proposta teórica desenvolvida por outro membro da mesma comunidade científica. Com efeito, a crítica científica, para que concretize os objetivos acima mencionados, deve observar um conjunto de requisitos e condições fundamentais para garantir que ela seja produtiva, construtiva e eficaz.

Mesmo que não haja uma lista universal e exaustiva com esses requisitos e condições, antes de mais nada, é recomendável que o crítico identifique, com clareza e transparência, o alvo da sua oposição teórica, preferencialmente nomeando, de modo expresso, os autores das ideias que serão contraditadas, bem como as fontes de produção dos criticados que foram estudadas para que a sua discordância fosse elaborada. Isso é crucial para que se possa identificar abertamente as obras e os trabalhos que serviram de repositório das teses científicas que serão contrapostas por meio da crítica, garantindo, assim, a rastreabilidade das ideias que direcionaram a sua análise, conferindo maior legitimidade ao processo crítico. Por essa razão, é sempre prudente citar, de maneira abundante, trechos e excertos dos textos produzidos por aquele que será foco da rivalidade acadêmica, devendo, ainda, o crítico empenhar-se ao máximo na preservação do contexto e da relevância das citações utilizadas, especialmente considerando o conjunto da obra do criticado. Esse requisito é indispensável para que os leitores dessa crítica possam dela participar e avaliar o seu mérito acadêmico, evitando-se, assim, acusações genéricas, ataques mal direcionados (ou contra quem não se conhece) e, inclusive, a prática da falácia do espantalho (“straw man fallacy”), de acordo com a qual se ignora a posição do adversário no debate para substituí-la, de forma intencional, por uma versão distorcida das suas ideias.

Precisamente por isso é crucial que se evite uma espécie de aglutinação, sob o escopo da mesma oposição crítica, de diferentes teóricos/autores que possuem visões substancialmente distintas ou que pertencem a tradições teóricas sabidamente divergentes. A crítica deve ser direcionada de maneira específica a quem realmente sustenta determinada posição, sem dar margem a obscuridades ou à confusão entre posições que não são compatíveis com os seus autores. É evidente que, com frequência, um juízo crítico acabe aproximando, por motivos didáticos, pensadores que defendem ideias semelhantes (mesmo que não idênticas) e que são reconhecidos como membros de uma mesma tradição científica. Isso, porém, não autoriza o crítico a mesclar no mesmo trabalho indivíduos que adotam posturas teóricas radicalmente divergentes, agrupando-os como se fossem uma mesma massa homogênea. Assim, caso o crítico decida abordar, em um mesmo estudo acadêmico, mais de um autor ou corrente de pensamento, é imprescindível que haja uma distinção clara e detalhada entre as acusações e apontamentos dirigidos a cada um, permitindo que os contra-argumentos também possam ser desenvolvidos de forma precisa e adequadamente direcionada.

Em segundo lugar, o crítico precisa não só conhecer, com alguma profundidade, os conceitos e termos técnicos contra os quais direciona a sua divergência, mas também deve manifestar algum domínio teórico da tradição científica rival à qual pertence o interlocutor escolhido, até porque tais elementos forneceram o substrato epistêmico da proposta teórica alvo da crítica. Tal exigência impede que o crítico direcione, de forma apressada, ataques a ideias que não compreende adequadamente, além de evitar que ele só consiga visualizar os embates travados no campo científico a partir da moldura epistêmica exclusiva fornecida por sua própria tradição, tratando como se fossem constatações universais e categóricas certas afirmações paroquiais e idiossincráticas, que só adquirem o sentido pretendido por aqueles que já estão plenamente convertidos à mesma escola de pensamento adotada pelo autor da crítica. Esse tipo de (pseudo)pensamento crítico, que se fecha dentro da sua própria matriz teórica, não enxerga a natureza complexa e plural dos debates acadêmicos e acaba incorrendo em uma espécie de petição de princípio, na medida em que pressupõe estar, automaticamente, “equivocado” aquele sujeito que desenvolveu seu estudo a partir de outra matriz teórica divergente, simplesmente porque seus pressupostos são radicalmente distintos e considerados incompreensíveis ou imprestáveis por quem critica preso ao centro da sua própria ilha3. Por isso, pode-se afirmar que o bom esforço crítico deve sempre ser compreendido como um exercício metateórico, na medida em que essa atividade especulativa só será bem executada quando conseguir identificar erros e limites teóricos da tese atacada tanto com base na sua inadequação perante os fundamentos de uma matriz teórica rival quanto a partir dos elementos internos da própria tradição à qual pertence o autor criticado, vindo a apresentar suas incoerências internas e suas lacunas. Isso assegura que a crítica não seja superficial nem mal fundamentada, mas que se baseie em uma compreensão profunda e detalhada dos conceitos, teorias e dados que estão no estudo que foi analisado.

Por fim, é fundamental que a crítica se mantenha no campo das ideias e do trabalho intelectual, evitando que se direcionem ataques a dimensões pessoais ou traços de personalidade do autor criticado. O tom da crítica deve ser sempre de respeito e reconhecimento da dignidade do interlocutor, sem que isso impeça a firmeza e contundência nas visões contrapostas. O objetivo da crítica científica é promover o avanço do conhecimento e não agredir ou desqualificar o indivíduo responsável pela proposta teórica. A contraposição de ideias deve ser feita de forma que preserve a integridade moral do criticado, sem cair no terreno de ataques pessoais ou desrespeitosos. Precisamente por isso, a crítica científica deve ser norteada por ideais de imparcialidade e de busca por objetividade, de modo que o teórico deve sempre se empenhar – seja por exercício de autocontrole, seja por desenvolvimento de hábito virtuoso – para não ser influenciado por preferências pessoais ou ideológicas, focando nos méritos e nas falhas do trabalho em questão e evitando julgamentos emocionais ou subjetivos.

Diante disso tudo, uma crítica científica eficaz e de mérito deve ser rigorosa, precisa e bem fundamentada, sendo construída sobre os alicerces da objetividade, da clareza, da transparência e do respeito, promovendo não apenas a análise das falhas e dos defeitos de uma proposta teórica, mas também ampliando o espaço para o diálogo acadêmico, dentro do qual possam ser discutidas e implementadas soluções e melhorias que impulsionem o avanço da ciência e o aprofundamento do conhecimento.

Pois bem, partindo-se dessas reflexões introdutórias, pretendemos neste artigo avaliar os possíveis méritos e defeitos da firme e contundente crítica apresentada pela Professora Martha Leão em seu recente artigo “A Reforma Tributária sobre o Consumo e a Inexistência de Ruptura Paradigmática”4, no qual busca ela “examinar os efeitos produzidos pela Reforma Tributária sobre o Consumo (EC n. 132/2023) sobre o Sistema Constitucional Tributário”, com o intuito de responder se essa alteração constitucional teria sido “tão ampla a ponto de impor uma ruptura no Sistema Constitucional Tributário até então vigente”, ou seja, se a referida Reforma estaria introduzindo “novos paradigmas interpretativos”, os quais deverão passar a ser adotados pelos operadores do Direito Tributário5. Aparentemente, a Profa. Leão já possui, de início, uma resposta categórica e definitiva para esse relevante dilema doutrinário, a qual, conforme se vê no próprio título desse trabalho acadêmico, é no sentido de “inexistência de ruptura paradigmática”. Os seus argumentos e a justificativa para alcançar essa conclusão (precipitada em nossa compreensão) serão detalhados no desenvolvimento deste trabalho.

De qualquer modo, cabe apontar, ainda na parte introdutória deste artigo, aqueles que teriam sido o alvo do estudo científico muito bem elaborado pela Professora Leão. Pois bem, trilhando-se o raciocínio fixado nas primeiras linhas deste texto, impõe-se destacar ao menos um grande mérito das críticas desenvolvidas pela Professora gaúcha ao nomear, de modo expresso e com transparência, os autores contra os quais pretende ela manifestar as suas divergências, quais sejam: os Professores Marco Aurélio Greco e Sergio André Rocha, bem como o signatário desta réplica.

Buscaremos demonstrar que o artigo de Leão comete, dentre outras falhas, o grave erro de aglutinar, em uma única crítica, autores que adotam posições profundamente divergentes acerca do impacto que a EC n. 132 poderá provocar em relação ao modo de se interpretar o Sistema Tributário Nacional, além de se filiarem a escolas de pensamento radicalmente distintas. Por isso, os três citados jamais poderiam ser alvo das mesmas objeções, tal como se todos compartilhassem visões idênticas sobre o Direito Tributário brasileiro. Precisamente por isso, nesta resposta à crítica de Martha Leão, não pretenderemos enfrentar aqueles argumentos que são, especificamente, direcionados a proposições teóricas defendidas por Greco e Rocha, até porque, em relação a essas, também podemos nos reservar o direito de discordar. Na verdade, desejaremos, aqui, apenas enfrentar os argumentos relacionados à alegação categórica e definitiva de que a EC n. 132 não será capaz de provocar nenhuma espécie de revolução científica no campo do Direito Tributário brasileiro, na medida em que as mudanças introduzidas no Sistema Tributário Nacional seriam, supostamente, apenas excepcionais e pontuais6, teriam afetado tão somente a tributação do consumo e não projetariam “qualquer modificação de relevo” no Sistema Constitucional de Limitações ao Poder de Tributar7.

Pretendemos, assim, demonstrar que Leão, ao decretar, de modo sumário, a “Inexistência de Ruptura Paradigmática”:

a) aparenta desconhecer ou não dominar de modo satisfatório conceitos desenvolvidos por Thomas Kuhn e por outros epistemólogos, o que, por si só, compromete a validade das suas suposições quanto à inexistência de paradigmas científicos e de sua eventual ruptura;

b) chega a uma conclusão precipitada e apressada, ao decretar de modo definitivo e categórico a não ocorrência de um fenômeno científico que somente poderá ser atestado no futuro, por meio de consenso a ser consolidado, de modo gradual, pela comunidade de operadores do direito;

c) vale-se de um textualismo seletivo e de um reducionismo em relação ao conteúdo e aos efeitos das modificações introduzidas no Sistema Constitucional Tributário, ignorando os impactos que já estão sendo sentidos, tanto pelos operadores do direito quanto pelos agentes econômicos, bem como desprezando a potencial relevância da positivação expressa de novos dispositivos constitucionais agora trazidos pela EC n. 132, os quais poderão muito repercutir sobre a nossa prática tributária nos próximos anos; e

d) adota um dogmatismo em relação à matriz teórica que defende, a qual, mesmo tendo enorme prestígio e inquestionável predomínio no período pré-EC n. 132, jamais poderia ser compreendida como uma tradição teórica perene, suprema e insuperável, a qual não se encontraria submetida a eventuais alterações impostas pela vontade do Constituinte Derivado.

Por fim, é importante ressaltar que esta resposta à crítica acadêmica apresentada não foi redigida com qualquer espírito de revanchismo, mas apenas motivada pelo convite ao debate franco que foi deixado em aberto pelo próprio artigo de Martha Leão. Ademais, os contra-argumentos aqui desenvolvidos não possuem a intenção de serem agressivos nem ofensivos, ainda que tenhamos a consciência do risco de assim serem percebidos. Nosso objetivo é, simplesmente, manter o mesmo nível de contundência e seriedade com que a peça original foi escrita.

2. A crítica de Martha Leão e o seu ataque a espantalhos

Iniciemos a presente resposta com um exame detalhado dos argumentos apresentados pela Professora Martha Leão ao defender – de modo categórico – que a Reforma Tributária “sobre o Consumo”, promovida pela Emenda Constitucional n. 132/2023, não teria provocado uma “ruptura paradigmática” no Sistema Tributário Nacional. A tese central da autora sustenta que, embora a Reforma tenha introduzido modificação “ampla” e “extensa”8 no sistema de tributação do consumo, isso não teria sido “tão significativo” a ponto de impor “novos paradigmas interpretativos” a serem adotados pelos operadores do direito tributário9.

Primeiramente, Leão reconhece que a Reforma Tributária trazida pela EC n. 132/2023 foi a mais abrangente até o momento dentro do Ordenamento Constitucional Tributário10, a qual, em sua visão, se resumiria (i) à criação de uma nova espécie de competência tributária (i.e., a competência compartilhada do IBS), (ii) à introdução de um novo tipo de extrafiscalidade no contexto da tributação sobre o consumo (i.e., a competência federal do IS) e (iii) à inclusão explícita de novos princípios tributários (i.e., a textualização de comandos normativos implícitos agora fixados no art. 145, § 3º, da CF/1988, segundo o qual o “Sistema Tributário Nacional deve observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária, da cooperação e da defesa do meio ambiente.”)11. Apesar da abrangência das mudanças promovidas pela Reforma, Leão defende que – ao contrário do que concluem alguns autores por meio de alegação falaciosa, “apressada”12, “forçada”13 e apegada a “argumentos retóricos” que apelam “às suas emoções e não a evidências”14 – tais mudanças não teriam sido tão relevantes para causar qualquer espécie de ruptura efetiva no conteúdo das limitações ao poder de tributar e na estrutura das competências tributárias. Para ela, as mudanças nas respectivas normas constitucionais teriam sido pontuais, diminutas e excepcionais15, com “apenas duas” alterações no rol das garantias dos contribuintes16 e com manutenção de “sua redação original sem qualquer modificação de relevo”17.

Segundo Leão, isso se deve, em grande parte, ao “dado objetivo”, cuja veracidade poderia ser conferida pela mera constatação do “fato empírico”18, de que a EC n. 132/2023 teria mantido intactas as limitações ao poder de tributar até então existentes, as quais não sofreram modificações substanciais, como se poderia ver na preservação dos enunciados constitucionais que preveem os princípios da legalidade, da igualdade, da capacidade contributiva, da segurança jurídica, da vedação de tributos confiscatórios etc. Esses dispositivos do Sistema Tributário Nacional, sabidamente, não foram revogados nem tiveram a sua estrutura normativa modificada pela EC n. 132/2023, permanecendo inalterados e continuando a funcionar como garantias “rígidas”19 contra o exercício abusivo do poder de tributar.

Esse ponto parece ser central para a rejeição peremptória de uma ruptura paradigmática, pois, para Leão, sem a revogação expressa ou alteração substancial das disposições constitucionais do passado, seria inviável e manifestamente equivocada qualquer tentativa de se defender o surgimento de novos modelos de interpretação ou mesmo de se atribuir novos sentidos normativos mais flexíveis e fluídos, a partir de reinterpretações das limitações ao poder de tributar que agora convivem com outras disposições constitucionais relevantes. Dito de outro modo, a Profa. Martha Leão parece entender que, sem um profundo apagar do passado constitucional, não haveria como se sustentar o surgimento, por Emenda à Constituição, de espaço para uma revolução científica capaz de criar novos modelos hermenêuticos, diferentes métodos de aplicação do direito ou inéditas técnicas argumentativas. Deveria haver, nessa visão, uma lógica de “tudo ou nada”, ou seja, o Constituinte ou revoga/altera profundamente as proteções tradicionais do passado, abrindo assim o espaço para o surgimento de “uma mudança axiológica ou interpretativa relativamente às limitações constitucionais ao poder de tributar”20, capaz de criar um “sistema mais fluido em nome da ponderação de princípios”21 e uma “leitura solidarista e finalística da tributação”22 ou ele mantém intocadas as garantias do passado, dando continuidade ao sistema formal de previsibilidade que prioriza a proteção rigorosa das garantias individuais do contribuinte23. Ocorre que, conforme se pretende demonstrar no tópico seguinte, o domínio adequado dos conceitos de paradigma teórico, revolução científica e rupturas paradigmáticas, tal como desenvolvidos por Kuhn24, evidenciará que tais pressuposições não apenas criam um falso dilema, como também não são condizentes com o fenômeno científico que pretendem descrever.

Ainda no que se refere à alegada insignificância da introdução de “novos princípios” pela Reforma Tributária como indicativo de uma possível ruptura paradigmática, Leão enfatiza que, embora esses princípios possam ter uma função mais afirmativa no Sistema Tributário25, não se pode sustentar que eles sejam uma novidade, pois “já poderiam ser reconstruídos, ainda que com maior ônus argumentativo, do sistema tal como posto anteriormente à EC n. 132/2023”26. Assim, de acordo com tal leitura, os princípios previstos agora no art. 145, § 3º, da CF/1988 “não são totalmente novos, na medida em que parte do seu conteúdo já poderia ser – e era – reconstruída pelos operadores do Direito com base no ordenamento constitucional anterior à Emenda Constitucional n. 132/2023”27, motivo pelo qual “o simples fato de agora serem princípios expressos em vez de implícitos não altera diretamente sua força normativa (sua relação com outras normas), nem sua eficácia normativa”28. Exemplificando tal argumento, a autora faz menção ao novo princípio da justiça tributária, o qual, segundo ela, não é novo, representando “um comando dirigido a todos os intérpretes”29, pois já estava implícito como valor inerente a qualquer sistema jurídico, o que dispensaria a exigência de sua previsão textual30. Assim, a simples explicitação desses novos princípios no texto constitucional não implica uma mudança substancial no Sistema Tributário Nacional, pois, ao invés de representar uma inovação significativa, a explicitação desses princípios apenas reitera a necessidade de sua aplicação, sem em nada alterar os fundamentos do nosso sistema jurídico, o qual continua a ser garantista, com o foco prioritário na proteção das garantias individuais dos contribuintes e na limitação do poder de tributar. A argumentação de Leão, nesse ponto, sustenta a natureza redundante da “explicitude do princípio no texto constitucional”31, ou seja, defende a arrojada tese de que seria irrelevante a conversão textual, em comandos normativos expressos, daqueles princípios implícitos, os quais, antes da Reforma, poderiam ser invocados pelo operador do direito por meio de uma construção argumentativa que demonstrasse, de modo satisfatório, a existência e a vigência dessas normas não escritas.

Em terceiro lugar, ainda no empenho de demonstrar a “inexistência de ruptura paradigmática”, Leão rebate uma “corrente doutrinária defensora” que teria defendido uma suposta dicotomia entre princípios jurídicos positivos e afirmativos, de um lado, e negativos e proibitivos, de outro. Para tanto, sustenta que “a hipótese de que os princípios anteriores não eram positivos ou afirmativos é equivocada”32, pois, na verdade, todos os princípios tributários são simultaneamente positivos e negativos, a depender apenas da forma como o intérprete deseja reconstruir a linguagem constante desses enunciados normativos, até porque “esses princípios visam à promoção de um estado de coisas positivo, ainda que parte de suas funções seja limitadora do exercício de um poder exatamente para salvaguardar os direitos fundamentais”33. Portanto, essa suposta dimensão bivalente de todos os princípios decorreria do fato de serem normas finalísticas que projetam a promoção de fins e, ao mesmo tempo, terem conteúdo também prescritivo que naturalmente faz “gerar uma proibição”34.

Por fim, Leão argumenta que a Reforma Tributária não provocou nenhuma ruptura paradigmática, já que “a modificação realizada pela EC n. 132/2023, embora evidentemente robusta relativamente à tributação sobre o consumo, não altera o sistema de competências delimitado pela Constituição”35. Prova disso é que teria sido introduzida tão somente “uma única competência compartilhada (IBS), além de um novo imposto de competência da União (IS), reforçando-se que todas as demais seguem sendo competências privativas”, permanecendo intactas todas as materialidades antes previstas, a competência residual e a competência extraordinária36. Em seu entendimento, a criação de uma competência compartilhada, que introduziu o IBS, se deu de modo excepcional e não alterou o sistema geral de competências, o qual continua rigidamente delineado pela Constituição. De outro lado, sustenta Leão, de modo abrasivo, que aqueles que consideram inovadora e desafiadora essa forma inédita de a Constituição repartir, simultaneamente, poder de tributar entre dois entes federativos estariam adotando uma “interpretação é inadmissível porque esvaziaria de sentido a própria discriminação de competências, além da eficácia normativa do art. 154”37, estariam praticando a falácia da conclusão apressada, ao se basearem apenas uma pequena amostra da realidade38 e estariam incorrendo em uma conclusão precipitada, “sem estudar completamente as circunstâncias usadas como premissas”39.

Pois bem, realizado o detalhamento das objeções apresentadas pela Profa. Martha Leão, cabe, ainda neste tópico, tentar apontar quais autores seriam o alvo dessa crítica, na medida em que, mesmo o leitor mais atento, poderia manifestar sérias dúvidas acerca de quem estaria sendo, efetivamente, apresentado ao confronto de ideias em relação ao tema da possibilidade de haver uma ruptura de paradigma científico diante do advento da EC n. 132/2023. Aliás, entendemos que há uma real possibilidade de o alvo dessa crítica não ter sido corretamente erguido nem mirado pela autora.

Assim, seguindo parte do raciocínio apresentado na Introdução deste artigo, merece destaque um grande mérito das críticas desenvolvidas pela Professora gaúcha ao nomear, de modo expresso e com transparência, os autores contra os quais pretende manifestar as suas divergências, quais sejam: os Professores Marco Aurélio Greco e Sergio André Rocha, bem como o signatário deste texto de réplica. Em relação aos dois primeiros autores, Leão faz menção expressa a determinados escritos nos quais esses estariam, supostamente, defendendo a visão contraposta que ela deseja retrucar e invalidar por meio da sua crítica. De outro lado, em relação ao subscritor do presente artigo, Leão apenas refere, em duas ocasiões, como fonte de produção da tese por ela atacada, “palestra proferida [...] no XXII Congresso de Direito Tributário em Questão – edição 2024, realizado em Gramado, no Rio Grande do Sul, em 13 de setembro de 2024”40, não chegando a indicar, nas suas referências bibliográficas, nenhuma publicação escrita daquele que teria fundamentado a possível “ruptura paradigmática” que veio a ser rejeitada naquele texto. Não se está afirmando que uma palestra não possa ser o alvo de crítica em um artigo acadêmico. Por óbvio, uma apresentação oral em Congresso pode ser avaliada e criticada por meio de textos acadêmicos escritos posteriormente, mesmo que esse não seja o cenário ideal para se colher a visão mais completa e refletida do respectivo palestrante, até porque em tais ambientes científicos a fala tende a ser mais informal e focada na apresentação didática de ideais, as quais, frequentemente, são expostas em tempo limitadíssimo. No entanto, mesmo que admissível a invocação de breves ideias apresentadas em um Congresso, uma crítica bem fundamentada não pode jamais dispensar o estudo dos textos pertinentes ao debate que foram publicados por aquele que será submetido à crítica, sob pena de atacar um argumento sem que se tenha conhecimento pleno daquilo que será atacado.

No presente caso, ao se discutir (a) paradigmas científicos no campo do Direito Tributário e (b) a possível ocorrência de uma ruptura paradigmática nesse campo do conhecimento, ao menos dois trabalhos do redator deste artigo possuem clara relação de pertinência com esse debate41, de modo que, por lisura intelectual, mereceriam ter sido consultados e mencionados. A omissão de qualquer referência a esses textos impede que o futuro leitor da crítica compreenda plenamente a tese e a antítese contrapostas neste embate teórico, o que seria essencial para que esse possa avaliar e decidir se aceita ou se rejeita a conclusão final e categórica de Leão, no sentido de que “as Limitações do Poder de Tributar explicitamente consignadas no Capítulo do Direito Tributário não sofreram qualquer modificação de relevo” e de que “não houve uma ruptura no sistema rígido de discriminação de competências delimitado pela Constituição a partir da EC n. 132/2023”42.

Por certo, poderia ser alegado que o foco prioritário da crítica de Leão seria o enfrentamento de argumentos defendidos por Greco e Rocha, de modo que apenas as obras desses autores teriam notoriedade suficiente para justificar sua citação como ponto de referência das ideias que foram alvo de oposição. Além disso, ela chega a atribuir ao Prof. Marco Aurélio Greco a autoria da visão que objeta quando sustenta o argumento da plena conversibilidade entre enunciados normativos positivos e negativos, já que Greco teria defendido em obra (publicada antes do advento da EC n. 13243) a “premissa de que as garantias constantes do art. 150 da Constituição não poderiam ser qualificadas como princípios, mas sim como regras negativas”. No entanto, mesmo que essa tivesse sido a intenção da Professora Martha, tais pressuposições não se mostram condizentes com o efetivo conteúdo da principal tese que mobiliza a sua crítica, ou seja, a “inexistência de ruptura paradigmática” provocada pela Reforma Tributária.

Isso porque o pressuposto teórico envolvendo a existência de paradigmas no Direito Tributário, bem como a possibilidade de uma crise epistêmica que poderia culminar em uma ruptura paradigmática (independentemente de veracidade ou não dessas considerações), não chega a ser um tema abertamente explorado por Greco nos textos citados por Leão nem se reflete como conclusão da premissa acima destacada de que as limitações ao poder de tributar poderiam ser definidas, não como princípios, mas como regras negativas em relação ao Estado. A ocorrência ou não de ruptura paradigmática por força da EC n. 132 não se apresenta, pois, como uma preocupação teórica que esteja atraindo a atenção imediata de Greco.

Já Rocha, em artigo recente44 – inclusive citado por Leão –, chega a se manifestar expressamente sobre a discussão envolvendo uma possível ruptura paradigmática que poderia ter sido instaurada com a promulgação da EC n. 132/2023. Aliás, dentro do contexto desse debate acadêmico, ele propõe uma interessante reflexão acerca de “três abordagens que apresentarão distintas leituras dos impactos da mudança na Constituição”45, quais sejam:

a) Uma “primeira interpretação será a de que a EC 132 consolida a leitura solidarista e finalística da tributação, sem, contudo, inovar nos pontos de partida que já haviam sido estabelecidos em 1988”, motivo pelo qual, de acordo com essa visão, não teria ocorrido nenhuma mudança de paradigma científico com a publicação do texto da Reforma Tributária, na medida em que os novos dispositivos agora introduzidos no Sistema Tributário Nacional representam simples positivação dos “princípios e valores que eram inferidos da Constituição pela via da interpretação”;

b) Uma segunda interpretação, considerada posição intermediária, “sustentará que, de fato, a EC 132 atribuiu relevância a valores como solidariedade e justiça, ressaltando, porém, que essa seria uma inovação decorrente da reforma tributária, que teria alterado as bases axiológicas do Sistema Tributário Nacional”, de forma que estaria trazendo a “EC 132 uma mudança e não uma continuidade”; e, por fim,

c) Uma terceira interpretação que seria “uma repetição do senso comum teórico dos tributaristas, que testemunhamos desde 1988”, na medida em que representaria uma “tentativa de interpretar o novo pelo velho”, em que o modelo teórico de interpretação do Sistema Tributário Nacional – focado exclusivamente na segurança jurídica e nas limitações formais ao poder de tributar – permaneceria o mesmo tanto no período pré-EC n. 132 quanto no pós-EC n. 132, motivo pelo qual não teria ocorrido qualquer ruptura paradigmática após dezembro de 2023.

Pois bem, diante desses três possíveis caminhos doutrinários surgidos após a promulgação da EC n. 132, em relação aos quais “ainda há indefinição”46, apenas um deles estaria efetivamente defendendo uma possível ruptura de paradigma científico. Esse seria, segundo Rocha, aquele sustentado pelo “professor Arthur Maria Ferreira Neto, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)”, para quem “a Constituição de 1988 era um diploma de segurança que não trazia espaço para o valor solidariedade como elemento de interpretação da Constituição Tributária e possibilitava uma limitada utilização da tributação com objetivos finalísticos, mas há uma virada de paradigmas, com alcance ainda indefinido, na EC 132, a qual teria atribuído, de forma inédita e inaugural, relevância a novos valores e princípios”47.

De outro lado, as outras duas posturas interpretativas (“a” e “c”) convergem na visão de que nenhuma forma de mudança de paradigma teórico teria sido provocada pelo advento da EC n. 132, de modo que o Sistema Tributário Nacional deve continuar sendo compreendido por meio dos mesmos métodos interpretativos e aplicativos que já se encontravam em pleno vigor antes de dezembro de 202348. A única divergência entre essas duas vertentes reside no fato de a primeira – adotada por Rocha e Greco – defender que a nossa Constituição Tributária sempre foi fundamentada, mesmo que implicitamente, com base em um modelo mais flexível e solidarista, ao passo que a segunda – sustentada por Leão e Ávila49 – afirma que o Sistema Tributário Nacional segue, invariavelmente – ontem, hoje e amanhã –, um modelo jurídico que prioriza garantias individuais e o respeito rigoroso a limites formais ao poder estatal de tributar.

Assim, quanto ao tópico central da crítica ora analisada, a “inexistência de ruptura paradigmática” representa ponto de plena concordância entre Leão e Rocha50. Por isso, pode-se inferir, com alguma confiança, que a objeção central do estudo crítico da Profa. Martha Leão busca seu alvo em outro autor que não chega a ser, por ela, adequadamente analisado nem citado, salvo por uma menção vaga a certa palestra proferida em congresso. De fato, analisando as obras publicadas de Greco e Rocha, é possível afirmar, com convicção, que nenhum dos dois manifesta uma preocupação específica com os conceitos epistemológicos de paradigma científico ou de ruptura paradigmática, especialmente no sentido trabalhado por Thomas Kuhn, de modo que acabam sendo usados por Martha Leão como espantalhos a serem alvo de ataque contra uma possível tese em relação a qual ou não chega a ser abertamente defendida (caso de Greco) e ou é expressamente rejeitada (caso de Rocha).

Tal confusão fica evidenciada quando Leão enfrenta a “primeira pergunta a ser endereçada neste trabalho”51 transcrevendo o seguinte excerto do mencionado artigo de Rocha52:

“Nessa perspectiva, reconhecer-se-ia que a Constituição de 1988 seria um diploma de segurança que não trazia espaço para o valor solidariedade como elemento de interpretação da Constituição Tributária e possibilitava uma limitada utilização da tributação com objetivos finalísticos; contudo, a partir da Reforma Tributária sobre o Consumo haveria uma ‘virada de paradigmas, com alcance ainda indefinido, a qual teria atribuído, de forma inédita e inaugural, relevância a novos valores e princípios’.”53

Ocorre que a transcrição ao final feita por Leão não ilustra a efetiva posição de Rocha quanto ao ponto em debate, na medida em que ele, em seu texto, claramente apresenta tais considerações, não para se filiar a elas, mas com o intuito de apenas reproduzir a tese defendida pelo grupo que adota a postura “b” acima descrita, no qual estaria incluído o autor desta réplica. Surge, então, uma questão fundamental: os dois autores textualmente citados por Leão – Greco e Rocha – não apenas deixam de se debruçar especificamente sobre discussões teóricas envolvendo o conceito de paradigma científico, mas chegam, no caso de Rocha, a expressamente rejeitar a ocorrência de uma ruptura paradigmática que poderia ter sido causada pela EC n. 132. Assim, se voltarmos ao título do artigo crítico de Leão – “A Reforma Tributária sobre o Consumo e a Inexistência de Ruptura Paradigmática” – pode-se dizer que o recomendável teria sido que a sua análise dialogasse diretamente com quem, de fato, defende a possibilidade de ocorrência desse tipo de fenômeno científico.

Esse ponto torna ainda mais problemática a crítica executada por Leão, já que, além de aglutinar em uma mesma classe homogênea indivíduos que possuem visões radicalmente divergentes, ela falha ao não identificar com clareza e precisão o seu real alvo de ataque, com a recomendável transcrição textual dos fundamentos utilizados por esse (e não por outro) para defender a sua linha de argumentação, o que, provavelmente, tornou mais fácil a sua precipitada afirmação de que “essas hipóteses são defendidas sem que sejam devidamente explicitados os fundamentos normativos ou teóricos que corroborariam suas conclusões”54.

3. Sobre o sentido de paradigma científico e de rupturas paradigmáticas em Kuhn

Como já se deduz do próprio título do artigo de Leão, a ideia de “ruptura paradigmática” e, por consequência, o conceito “paradigma científico” – amplamente conhecido e utilizado por todos no campo da Epistemologia e da Filosofia da Ciência – deveriam assumir um papel central na elaboração dos apontamentos críticos desenvolvidos pela professora gaúcha. Isso porque, para se sustentar que algo não ocorreu, não se faz presente ou não existe, é logicamente necessário que se compreenda com profundidade e precisão o que é esse “algo”. Parafraseando a metáfora utilizada por Leão em seu texto55, é insustentável defender que não existem anchovas sem que se saiba, com clareza, o que são elas.

É, pois, intrigante para aquele que lê com atenção esse seu artigo científico o fato de a autora não ter feito sequer uma menção – seja em nota de rodapé, seja nas suas referências bibliográficas – ao teórico que é apontado, de modo incontroverso, como o autor central no desenvolvimento dessas ideias, qual seja: Thomas Samuel Kuhn (1922-1996)56. No campo das ciências, Kuhn é sabidamente reconhecido como responsável por defender uma descontinuidade fundamental na história da ciência, em que o processo evolutivo de teorias passa por sucessivas rupturas metodológicas, provocando, assim, a renovação frequente de paradigmas teóricos que prevalecem na comunidade científica, cunhando, para isso, as expressões “paradigmas científicos” e “revoluções científicas”. Dessa forma, o filósofo norte-americano fixa o vocabulário básico sempre citado por qualquer um que pretende descrever o fenômeno epistêmico vinculado à ideia de “ruptura paradigmática”. Muito estranha, portanto, a completa ausência de menção a esse autor fundamental em um texto que busca, precisamente, sustentar a inocorrência do tipo de acontecimento científico específico que foi trabalhado de modo pioneiro por esse teórico.

Esse grave defeito na estruturação da crítica de Leão já poderia ser invocado como suficiente para invalidar todo o mérito do seu artigo, pois, a priori, não há como se debater a veracidade ou a falsidade de uma tese se aquele que a defende demonstra não conhecer ou não dominar com precisão o esquema conceitual que é pressuposto para se articular o argumento central que fundamenta essa mesma tese. Ora, poderia alguém escrever um trabalho acadêmico em que se sustenta a inexistência de “imperativos categóricos” sem mencionar uma única vez Kant? Poderia alguém defender a inadequação do conceito de “véu da ignorância na posição original” sem referir jamais Rawls?

Em nossa opinião, tal erro não representa mero deslize formal que poderia ser corrigido por meio da inclusão posterior das citações necessárias. Na verdade, a maneira como “ruptura paradigmática” é referida pela autora ao longo do seu artigo já passa a clara impressão de que esse termo técnico não está sendo usado com o cuidado recomendável, mas sim é utilizado de forma solta, imprecisa ou até mesmo leiga. Isso porque Leão, em seu texto, emprega, de forma oscilante e como se fossem conceitos intercambiáveis, diferentes expressões que, além de projetarem ideais totalmente distintas entre si, também não se compatibilizam em nada com a definição mais rigorosa que a literatura kuhniana exigiria. É o que se vê, quando Leão refere em suas críticas “novos paradigmas interpretativos”57, “uma mudança axiológica ou interpretativa”58, “uma mudança paradigmática do sistema”59, “suposto novo modelo paradigmático imposto pela EC n. 132/2023”60, “ruptura principiológica”61, “a tese de ruptura do sistema”62 e “uma ruptura axiológica”63. Como se vê, essa flutuação e inconstância na aplicação de um conceito refinado, que serve para descrever uma série de ocorrências específicas no campo das ciências, prova que Leão construiu a sua crítica desprovida de uma base teórica sólida.

Poderia até se alegar que a intenção da autora fosse a de rejeitar a possibilidade de uso do termo “paradigma científico” de KUHN para o campo das ciências sociais (incluindo as ciências jurídicas), defendendo que essa terminologia somente é válida para o campo das chamadas ciências duras ou exatas. Tal linha de argumentação é bem conhecida para os iniciados no campo da filosofia da ciência e sempre provoca interessante debate epistemológico64. Ocorre que, se tivesse sido esse o caso, Leão deveria ter não apenas citado o antes mencionado filósofo, mas também deveria ter ingressado de modo explícito nessa discussão teórica, a qual, por certo, não é matéria incontroversa e necessitaria ser enfrentada com a expressa análise dos argumentos favoráveis e contrários.

Mesmo que Leão, em sua defesa contra o comentário aqui apresentado, alegue que invocou a noção de “ruptura paradigmática” em sentido totalmente distinto, inédito ou autoral, entendemos que tal argumento também se mostra insustentável. E isso não pelas razões acima já apresentadas, mas pelo fato de Leão não ter dedicado uma única linha do seu texto a qualquer definição – seja simples ou complexa – do que, em sua visão, poderia ser a “ruptura paradigmática” que ela entende não existir. Tal lacuna argumentativa é tão grave quanto o vício do aparente desconhecimento da terminologia técnica indispensável para se entrar no debate acerca da ocorrência ou não de uma revolução científica no Direito Tributário brasileiro capaz de provocar uma ruptura paradigmática.

Por fim, com o intuito de evitar incorrer no mesmo erro contido no artigo acadêmico aqui analisado, é pertinente apresentar um breve resumo do pensamento de Kuhn, com o objetivo específico de ilustrar com maior clareza ao leitor o que, de fato, é representado pelos conceitos de “paradigma teórico”, “revolução científica”, bem como “crise e ruptura paradigmática”. Tal incursão teórica não é realizada aqui por mero deleite intelectual, mas com o propósito de, ao final, demonstrar que os elementos apontados por Leão como prova da inocorrência de “ruptura paradigmática”, são, em verdade, inadequados, insuficientes ou impertinentes para sustentar tal conclusão.

Thomas Kuhn, em sua clássica obra The structure of scientific revolutions65, oferece uma reconstrução cronológica de como o progresso científico se movimenta, descrevendo a dinâmica da mudança a que se submete uma ciência no transcurso do tempo, desafiando visões anteriores, como a de Karl Popper, que vê a ciência como uma sequência contínua de hipóteses testadas e refutadas de forma lógica e progressiva. Kuhn, por sua vez, sugere que o desenvolvimento das ciências ocorre não de maneira linear e cumulativa, mas por meio de uma série de fases dentro de um progresso histórico e sociológico, alternando entre períodos de estabilidade no uso de padrões teóricos consolidados, de crises epistêmicas dentro de uma comunidade científica e de rupturas paradigmáticas que, no futuro, criarão novos períodos de estabilidade. Kuhn não pretende identificar a estrutura lógica das descobertas científicas, muito menos se preocupa com o conteúdo específico alcançado por cientistas em suas pesquisas e experimentos66, mas apenas busca expor o que acontece dentro das comunidades científicas quando essas enfrentam dificuldades na utilização dos padrões teóricos então consolidados, quando esses começam a se mostrar insuficientes para responder a uma nova complexidade surgida no mundo real, exigindo aprimoramento dos métodos e técnicas disponíveis67. A correta visualização desse progresso histórico exige a compreensão do conceito de “paradigma científico” e a identificação de pelo menos quatro momentos-chave que oscilam em torno dessa ideia, quais sejam: o da ciência normal, o da crise paradigmática, o da ciência revolucionária e o da consolidação de um novo paradigma científico.

Para Kuhn, o conceito de “paradigma” refere-se a um conjunto de práticas, métodos e teorias que são amplamente aceitos como um standard científico por uma comunidade científica em um dado momento histórico68. Um paradigma científico é, portanto, um modelo teórico dominante (i.e., de aceitação majoritária) que fornece as diretrizes gerais para a pesquisa e a resolução de problemas dentro de uma determinada área do saber. Essa aceitação é crucial para a ciência normal, um processo caracterizado pela resolução de “puzzles” ou problemas, em que os cientistas trabalham dentro do paradigma, resolvendo questões que são compatíveis com as premissas e os métodos teóricos aceitos.

A ciência normal, portanto, marca uma fase estável e conservadora de determinada ciência, em que a maioria dos cientistas se dedica a resolver problemas que já são previsíveis dentro do escopo do paradigma estabelecido, sem questionar os pressupostos científicos fundamentais que são aceitos sem maiores controvérsias. Durante esse período, a comunidade científica funciona de forma colaborativa e não confrontacional, resolvendo questões teóricas e práticas (puzzle-solving activity69) mais específicas e rotineiras que surgem dentro do âmbito desse paradigma vigente. No entanto, esse processo, embora necessário para o avanço da ciência, pode ser monótono e até mesmo tedioso70, especialmente para os iniciantes que não questionam os fundamentos do seu campo de saber, aceitando de maneira acrítica os dogmas estabelecidos.

A estabilidade proporcionada pela ciência normal não dura indefinidamente. De tempos em tempos, a aplicação do paradigma começa a enfrentar dificuldades e gerar conflitos de compreensão da realidade, na medida em que surgem casos inéditos e novas visões de mundo são contrapostas. Diante dessa nova complexidade, o modelo paradigmático em vigor não consegue dar respostas satisfatórias, mostrando-se assim insuficiente para a resolução dos problemas técnicos que começam a emergir. Esses problemas ou “anomalias” geram um período de crise paradigmática71, durante o qual a confiança no paradigma dominante começa a se fragilizar, as suas falhas passam a ser, gradualmente, reconhecidas pela comunidade científica, embora ainda não haja uma solução adequada. As anomalias são inconsistentes com o paradigma, desafiando suas premissas fundamentais, o que cria um impasse que não pode ser superado dentro dos parâmetros tradicionais. Cabe observar que crise paradigmática não se reflete apenas em uma série de problemas isolados, mas representa um processo gradual e prolongado em que o paradigma entra em colapso, exigindo um novo modo de pensar. Esse é um momento de instabilidade cognitiva, em que os cientistas começam a identificar incoerências internas e a questionar o modelo teórico em vigor, à medida que as soluções oferecidas por esse paradigma já não são suficientes para lidar com a complexidade dos novos desafios que são apresentados pelo seu objeto próprio de pesquisa. Para Kuhn, é durante essa crise que surgem novas propostas e alternativas teóricas, que visam oferecer propostas de resolução das anomalias que o paradigma anterior já não mais consegue explicar.

A transição entre o paradigma antigo e o novo é descrita por Kuhn como um processo teórico revolucionário. Este não é simplesmente uma continuação do trabalho feito com base no paradigma anterior, mas sim uma mudança na maneira de ver o mundo, a qual pode parecer abrupta pelos integrantes da comunidade científica que estão envolvidos diretamente nesse processo72. Nesse momento, surge o que Kuhn chama de “ciência revolucionária”, que é o período em que novas propostas teóricas competem para substituir o paradigma dominante73.

Essa revolução científica, em regra, não é representada por meio de um processo evolutivo tranquilo, pacífico e, de pronto, consensual. Na verdade, é um processo tumultuado, marcado por incertezas e disputas dentro da comunidade científica, havendo sempre aqueles cientistas recalcitrantes que se negam a aceitar o surgimento desse fenômeno, ainda apegados ao padrão teórico do passado que tanto os auxiliou na resolução dos seus problemas. Por isso, a ruptura e a consolidação de um novo paradigma, para Kuhn, não seguem uma lógica puramente racional, mas são eventos traumáticos, quase “espontâneos” e “emocionais”74, impondo a alguns integrantes desse campo de conhecimento um momento de “crise espiritual”, seguido por uma espécie de “conversão” dentro da comunidade científica. A aceitação do novo paradigma ocorre não apenas pela evidência empírica que ele possa oferecer, mas também por um consenso que se forma entre os cientistas, que passam a “ver o mundo” de uma maneira diferente75.

No que diz respeito à ruptura paradigmática e ao processo de consolidação de um novo paradigma científico, dois aspectos finais devem ser analisados para a reflexão proposta neste artigo.

Primeiramente, merece destaque a noção de incomensurabilidade entre o paradigma abandonado e o novo que se consolida na comunidade científica. A mudança de um paradigma para outro não pode ser mediada, de forma plena, pela linguagem que antes era aceita como incontroversa e compartilhada por todos. Isso faz com que o novo modelo teórico pareça estranho ou até irracional para os cientistas acostumados ao modelo antigo. No entanto, diante das novas complexidades surgidas nesse campo de conhecimento, a mudança epistêmica implementada pela revolução paradigmática estabelece (de forma gradual, difusa e prolongada) um novo modelo científico consensual, que passa a fornecer pressupostos, conceitos e metodologias que o paradigma anterior não contemplava, o que frequentemente provoca nos teóricos relutantes sentimentos equivalentes às fases típicas do luto (i.e., negação, raiva, barganha, depressão até alcançar a aceitação). Portanto, em um certo sentido, os paradigmas rivais são inconciliáveis entre si, pois, segundo Kuhn, inexiste critério universal e absoluto para avaliá-los e não há uma “linguagem neutra” que permita uma comparação direta e inequívoca entre eles. O cientista que adota um novo paradigma, portanto, passa a olhar o mundo com uma “nova lente”, de forma que os problemas e as soluções propostas por esse novo modelo não são avaliados de maneira perfeitamente objetiva ou imparcial, mas de acordo com uma nova estrutura teórica que modifica a forma como a realidade é interpretada e reconstruída76.

Por fim, é fundamental entender que o estabelecimento de um novo paradigma jamais pode ser visto como um rompimento completo com o passado, como se realizasse tábula rasa do modelo teórico superado. Na realidade, ele será uma forma mais inteligível e coerente de recontar o paradigma anterior dentro de um processo único de evolução daquele campo científico. Assim, o novo modelo teórico representará uma forma mais completa de entender a ciência passada, preservando alguns dos seus elementos, sem que haja efetiva descontinuidade entre uma e outra. A ruptura, portanto, nunca é total! Por isso, para MacIntyre (criticando e aprimorando a visão de Kuhn), a evolução de um determinado campo científico deve ser compreendida como uma narrativa dentro da qual uma tradição teórica demonstrará maior inteligibilidade e superioridade em relação à anterior77, na medida em que a proposta teórica mais recente oferece uma explicação mais completa e profunda de determinada parcela da realidade, captando elementos de maior complexidade78. Com efeito, cada etapa evolutiva de uma ciência carregará marcas das suas versões históricas anteriores, promovendo um progresso gradual e narrativo que busca revelar novas dimensões de verdade científica (em um sentido ontológico) que antes não podiam ser esclarecidas79.

Essas breves considerações sobre o pensamento de Thomas Kuhn são suficientes para, agora, apontar porque Martha Leão utiliza esses conceitos técnicos de modo impreciso e inadequado, especialmente quando pretende demonstrar, com pretensão categórica, a “inexistência de ruptura paradigmática” no Sistema Tributário Nacional provocada pela Reforma Tributária “do consumo” introduzida pela EC n. 132/2023.

Em primeiro lugar, Leão parece não compreender que a revolução paradigmática acima descrita não se dá, propriamente, em relação ao conteúdo da respectiva área de conhecimento – não obstante esse, de fato, possa ter passado por mudanças –, mas sim em relação à forma como deverão ser atualizados ou aprimorados os conceitos, métodos e técnicas necessários para a compreensão e interpretação dos novos dilemas, conflitos e desafios que emergem em razão dos elementos inéditos – dotados de maior complexidade – que se apresentam ao teórico, o qual não tem mais condições de enfrentar de modo satisfatório esses novos problemas com as ferramentas científicas fornecidas pelo padrão teórico do passado. Com efeito, o alvo específico da chamada ruptura de paradigma científico não é nem a realidade em si nem o objeto imediato de pesquisa do respectivo campo de conhecimento (mesmo que esse também possa passar por ampliações e aprofundamentos). Esses são a causa ou a motivação para uma revolução científica. Na verdade, considerando que, conceitualmente, um paradigma é formado por conceitos, métodos e técnicas, serão esses os elementos teóricos que sofrerão os efeitos modificativos de uma revolução científica.

Portanto, está simplesmente mal colocada a “questão principal proposta [a Reforma Tributária sobre o Consumo é uma ruptura paradigmática no Sistema Tributário Constitucional?]”80, na medida em que não há nenhum sentido em se dizer que “esses princípios sejam uma ruptura ou novidade, considerando o fato de que já poderiam ser reconstruídos”81 ou que a suposição de que “teria havido uma ruptura principiológica também não se sustenta diante do exame objetivo dos novos dispositivos inseridos pela EC n. 132/2023”82 ou atacar uma suposta “tese de ruptura do sistema”83 ou ainda afirmar que “a Reforma Tributária sobre o Consumo teria estabelecido uma ruptura no Sistema Tributário Constitucional relativamente às competências”84.

Todas essas colocações passam a clara impressão de que Leão utiliza o termo “ruptura paradigmática” em um sentido leigo e vulgar, atribuindo aos alvos de sua crítica a visão de que esses teriam usado essa expressão apenas para se referir à suposta intensidade (profunda e radical) da mudança constitucional trazida pela EC n. 132/2023, o que, simplesmente, nunca foi o foco de argumentação de nenhum dos autores que ela cita85. Portanto, o objeto da dita ruptura (a qual categoricamente inexistiria na leitura de Leão) não é o Sistema Constitucional Tributário nem os princípios tributários nem as competências tributárias modificadas pela Reforma Tributária, pois esses elementos normativos poderão ser apenas a causa ou o motivo para que, gradualmente, se provoque na comunidade científica do Direito Tributário a necessidade de uma revisão dos seus conceitos, métodos e técnicas, os quais necessitarão se adaptar a novas camadas de complexidade normativa que, hoje, a nossa Constituição Tributária apresenta.

Em segundo lugar, uma ruptura paradigmática jamais exige o rompimento total com o passado. É simplista a postura daquele que pressupõe que uma revolução científica em sentido kuhniano somente poderia ocorrer se houvesse uma completa substituição de um modelo teórico por outro, impondo uma espécie de reformatação dos conceitos, métodos e técnicas que vigoravam no passado. Por óbvio, quando formulada a teoria da relatividade por Einstein de nenhum modo entendeu-se por superada a lei da gravidade. A crise paradigmática, então, não é um evento imediato, mas um processo gradual de desconstrução e reconstrução de modelos teóricos e metodologias. A revolução científica, por sua vez, não deve ser vista como uma simples quebra com o passado, mas como uma mudança na abordagem que gera aprimoramento de um novo paradigma teórico, considerado mais sofisticado ou complexo, não por negar totalmente os erros do anterior, mas por oferecer um modelo mais adequado e capaz de explicar elementos novos ou fenômenos previamente desconsiderados.

Assim, no campo da ciência jurídica, esse fenômeno científico não se faria presente apenas em casos de completa revogação do Sistema Tributário ou de criação de nova Constituição por ato do Poder Constituinte originário86. Não se trata, portanto, de uma quebra total com o conteúdo normativo que antes vigorava e que deixaria de existir87. A Reforma Tributária, longe de ser uma mudança constitucional que corta abruptamente conexões com o Sistema Tributário Nacional criado em 1988, poderá ser compreendida (e já está sendo por muitos) como parte de uma evolução gradual da matriz constitucional que ordena o Direito Tributário brasileiro, por meio da combinação de limites formais mais tradicionais (e.g., Legalidade, Anterioridade, Irretroatividade, Capacidade Contribuitiva, Não Confisco etc.) com outros comandos prescritivos mais abertos, indeterminados e que indicam uma nova dimensão marcada pela reciprocidade (e.g., simplicidade, transparência, cooperação, justiça e proteção ao meio ambiente). Isso, por si só, já impõe desafios interpretativos de harmonização desse novo conteúdo principiológico.

Desse modo, a legalidade tributária não precisa ser revogada para que seja necessário promover profundas adaptações epistêmicas na compreensão do nosso Sistema Tributário, em razão do surgimento de novos princípios que ampliam a complexidade do nosso ordenamento jurídico88. Isso se alinha mais com a leitura de MacIntyre em relação ao paradigma científico kuhniano, ao propor que as revoluções científicas não devem ser vistas como rupturas completas com o passado, mas como transformações progressivas que aprimoram as teorias anteriores, mantendo uma continuidade narrativa. As mudanças paradigmáticas no campo jurídico não são, pois, rupturas abruptas, mas sim transformações graduais, nas quais cada novo paradigma oferece uma explicação mais aprofundada e abrangente das nossas práticas tributárias, fornecendo uma narrativa contínua de aprimoramento e dotada de maior inteligibilidade, em que os novos modelos teóricos não negam totalmente os anteriores nem dependem de descontinuidades radicais, mas os incorporam de forma mais sofisticada, permitindo que novas demandas sociais e econômicas, que geram conflitos jurídicos distintos e ainda não enfrentados, sejam respondidas.

Por fim, é fundamental entender que, quando um teórico pretende avaliar se está ou não em curso uma crise paradigmática, a identificação concreta dessa ocorrência dificilmente poderá ser diagnosticada no exato momento em que ocorre (enquanto fenômeno histórico) nem poderá ser decretada, de modo categórico e definitivo, por apenas um indivíduo. Isso porque, conforme detalhado nos parágrafos anteriores, a efetiva ocorrência da revolução científica capaz de provocar uma ruptura epistêmica em um determinado campo de conhecimento – mesmo que possa ser psicologicamente percebida como uma “virada de chave” – representa um processo gradual e delongado, o qual exigirá maturação de ideias, conflitos entre visões rivais e uma consolidação daquela proposta teórica que superará e substituirá a anterior. Precisamente por isso, nenhuma pessoa, por mais avançado que seja o seu intelecto, tem a autoridade ou a força capaz de impor uma conclusão categórica e definitiva de que ocorreu ou não ocorreu uma ruptura paradigmática. O melhor que se pode fazer é apontar indícios de crise ou provocar reflexões que possam apontar para novos dados e diferentes camadas de complexidade para as quais o modelo teórico anterior não parece mais dar conta. Por isso, a efetiva ruptura paradigmática somente poderá se concretizar após um reconhecimento coletivo e consensual da própria comunidade científica de que uma nova moldura epistêmica está surgindo. E isso somente poderá ser identificado com o transcurso de algum tempo e após algum processo de maturação e consolidação. Nesse sentido, o que caracteriza uma revolução científica não é um confronto puramente lógico ou uma súbita refutação teórica dos antigos pressupostos, mas uma espécie de “conversão” dos membros da comunidade científica, os quais passarão, antes, por inúmeras crises teóricas e existenciais até o momento em que se tornar clara a necessidade de se enxergar o mundo de uma maneira diferente.

No entanto, ao utilizar a “inexistência de ruptura paradigmática” no contexto da Reforma Tributária introduzida pela EC n. 132/2023, a Profa. Martha Leão, além de empregar essa expressão de maneira imprecisa e leiga, parece reduzir a complexidade da transição entre paradigmas científicos, tratando-a como se fosse mera questão de identificação de um conjunto de fatos89 já plenamente estabelecidos, os quais poderiam ser agrupados quantitativamente. Isso, de acordo com a sua postura, possibilitaria que uma única pessoa chegasse, de maneira peremptória e definitiva, à conclusão de que tais dados empíricos (i.e., “as diminutas alterações”90 textuais sofridas pelo Sistema Tributário Nacional por força da EC n. 132) não são suficientes para caracterizar o fenômeno científico em questão. Dito de outro modo, em sua visão, tendo em vista os dispositivos constitucionais que foram alterados pela EC n. 132 e a sua “diminuta” relevância diante do restante da matriz constitucional que não foi nem revogada nem substancialmente alterada, já seria possível decretar, hoje, com total certeza, que não ocorreu um fenômeno científico que somente no futuro poderá ser devidamente caracterizado. Portanto, mesmo que não se acuse Leão da falácia da conclusão apressada (fallacy of hasty conclusion)91, parece ser ela quem, na verdade, chega a uma conclusão precipitada e impulsiva, ao decretar de modo definitivo e categórico a não ocorrência de uma ruptura epistêmica que somente poderá ser avaliada e atestada no futuro, na medida em que o consenso sobre um novo paradigma teórico se desenvolva e se consolide de maneira gradual na comunidade científica e jurídica.

4. A EC n. 132 provocará alguma mudança na moldura epistêmica a guiar o intérprete do direito tributário brasileiro?

Fixados alguns pressupostos teóricos fundamentais para a adequada compreensão dos impactos teóricos e práticos que a EC n. 132/2023 poderá provocar nas próximas décadas, cabe agora avaliar o mérito propriamente dito dos argumentos desenvolvidos pela Profa. Martha Leão na sua defesa de “inexistência de ruptura paradigmática” por força do advento da denominada “Reforma Tributária do Consumo”.

Contudo, diante de um cenário de profundas transformações constitucionais no campo tributário, com regimes de transição múltiplos e reconfigurações institucionais em curso, parece-nos prudente, neste momento de instabilidade interpretativa, preocupar-se mais com a formulação correta das perguntas pertinentes e relevantes, do que com a proclamação, envolta em confiança excessiva, de respostas definitivas.

4.1. A EC n. 132 veio a instituir apenas uma Reforma Tributária sobre o consumo?

Diante desse cenário de maturação de ideias, a primeira dúvida que se impõe é a seguinte: considerando a totalidade dos dispositivos introduzidos pela EC n. 132 – incluindo tanto os que passaram a integrar o Texto Constitucional quanto os artigos que foram trazidos no corpo da própria Emenda e que, portanto, não foram agregados formalmente ao Sistema Tributário Nacional –, é possível sustentar, como faz Leão92, que a Reforma se limitou a redesenhar apenas a tributação sobre o consumo? Em outras palavras, é plausível defender que o produto normativo final entregue pelo Poder Constituinte Derivado corresponde apenas a uma modificação no regime da tributação sobre o consumo? Ou, ao contrário, os efeitos sistêmicos e institucionais que ainda serão provocados pela EC n. 132 extrapolam essa dimensão, impactando significativamente diversos aspectos do nosso Sistema Tributário e gerando reflexos na dogmática do Direito Tributário como um todo?

Entendemos que essa última leitura é a mais adequada. A EC n. 132, embora tenha sido concebida sob o rótulo – ou slogan – de uma reforma tributária voltada ao consumo, o resultado final revela-se muito mais abrangente e profundo do que inicialmente pretenderam os juristas, políticos e entidades responsáveis pelos esboços arquitetônicos da proposta de mudança da nossa Constituição Tributária. É inquestionável que a EC n. 132 promoveu uma mudança intensa na sistemática de tributação sobre o consumo – tal como era a promessa inicial dos seus proponentes –, mas essa, de modo algum, acabou sendo o produto finalizado entregue pelo Constituinte Derivado. Ao contrário, engendrou-se uma transformação normativa muito mais ampla e estrutural que extrapolou as fronteiras da tributação sobre o consumo e ainda produzirá efeitos incalculáveis sobre múltiplos campos do Sistema Tributário Nacional.

A própria autora, aliás, reconhece – ainda que apresente uma lista apenas parcial – o caráter abrangente dessas alterações, ao afirmar que estamos diante de “uma Reforma ampla, a mais extensa até o momento no Sistema Constitucional Tributário, que culminou com uma nova espécie de competência ... e uma nova espécie de extrafiscalidade na tributação sobre o consumo ... Além de alterações nas regras de competência, referida Reforma também incluiu explicitamente novos princípios no Sistema Tributário...”93. No entanto, a conclusão a que chega é a de que, não obstante a relevância dessas mudanças constitucionais, não seriam elas suficientemente impactantes, ou seja, mesmo diante dessa listagem incompleta de elementos alterados em nossa Constituição Tributária, conclui ela que essas mudanças seriam diminutas, excepcionais e inadequadas para provocar qualquer ruptura de paradigma científico no Direito Tributário brasileiro.

Tal leitura, a nosso ver, revela certo textualismo seletivo – ao ignorar inúmeros outros enunciados normativos relevantes introduzidos pela EC n. 132 –, bem como manifesta uma tendência à minimização dos efeitos sistêmicos dessas alterações constitucionais. A interpretação proposta por Leão parece ignorar ou subestimar o impacto teórico e prático de diversos dispositivos da EC n. 132, os quais têm potencial para provocar inflexões significativas no modo como poderemos vir a compreender e aplicar o Direito Tributário no Brasil. Na verdade, dentre as mudanças substanciais trazidas pela EC n. 132 que não poderiam ser marginalizadas nem esquecidas, destacam-se: (i) a possível ampliação no papel da lei complementar em matéria tributária, (ii) os impactos estruturais e processuais a serem provocados no contencioso tributário, (iii) uma profunda rediscussão no conceito – ou até mesmo uma refundação – do nosso federalismo fiscal; (iv) a criação de novos mecanismos relacionados à tributação ambiental94; (v) a previsão de modalidades inéditas de sujeição ativa e passiva no Direito Tributário, com um sistema inovador de recolhimento de tributo; (vi) a introdução de novas regras de tributação do patrimônio que nenhuma relação possuem com o consumo (i.e., em relação a veículos automotores e na transmissão sucessória), além de inúmeros outros elementos constitucionais criados pela referida Emenda Constitucional que ainda precisarão ser compreendidos, assimilados e interpretados, por meio de critérios jurídicos que, hoje, sequer podemos antecipar.

De outro lado, ainda que se admitisse, hipoteticamente, que a Reforma Tributária tenha se limitado apenas à introdução de uma nova modalidade excepcional de competência tributária, de uma nova espécie de extrafiscalidade “sobre o consumo” e fixado expressamente novos princípios tributários, caberia indagar se “apenas” essas mudanças não seriam, por si só, impactantes o suficiente para provocar uma revolução científica no Direito Tributário. Isso porque o elemento mais significativo dessas alterações constitucionais – em uma perspectiva teórico-científica – não reside propriamente no fato de estarem ou não vinculadas a operações econômicas voltadas ao consumo, mas sim no desafio que teremos de enfrentar na compreensão adequada de categorias jurídicas inéditas, de modo a permitir que esses novos conceitos e institutos jurídicos sejam integrados e compatibilizados com as técnicas até o presente desenvolvidas e com os métodos tradicionais de interpretação e argumentação do Direito Tributário. O que está em jogo não é, pois, a natureza pontual das alterações que incidem sobre esse ou aquele tipo de realidade econômica, mas sim a reconfiguração conceitual e metodológica que elas exigirão dos intérpretes, dos estudiosos e dos operadores do Direito Tributário. Por isso, em nossa visão, é contraintuitivo imaginar que essas inovações substanciais – relacionadas ou não com operação de consumo – sejam depreciadas a ponto de serem consideradas diminutas, excepcionais ou de baixo impacto dentro do nosso Sistema Tributário.

Particularmente, se considerarmos exclusivamente a positivação dos novos princípios tributários previstos no art. 145, § 3º, da Constituição, seria plausível sustentar que apenas a inovação que poderá ser provocada pela presença textual dessas normas jurídicas – com os novos filtros hermenêuticos que passam a existir no nosso Sistema Tributário e com a nova gama de jogos de ponderação principiológica que agora poderá surgir – já seria suficiente para se vislumbrar, no futuro, a possibilidade de ocorrência de uma revolução científica no campo tributário, demandando revisão profunda de conceitos tradicionais, bem como a reformulação de institutos tributários que, no passado, foram considerados estáveis e consolidados pela nossa cultura dogmático-jurídica. Ignorar tais desafios epistêmicos, na tentativa de se esconder diante da complexidade dessas transformações constitucionais, é incorrer em certo descompromisso analítico – uma espécie de “miopia interpretativa” –, como se o intérprete enxergasse apenas algumas árvores, recusando-se a ver a floresta como um todo. Presumir, de maneira acrítica, que os modelos teóricos do passado já fornecem os elementos suficientes e necessários para explicar, justificar e tornar inteligível essa nova matriz constitucional-tributária parece ser uma aposta alavancada, excessivamente, em pensamento positivo – ou em uma crença fervorosa e inabalável – de que uma tradição teórica específica é perene, suprema e insuperável na explicação e na atribuição de sentido pleno a qualquer Sistema Constitucional, independentemente da intensidade das alterações impostas pela vontade do Constituinte Derivado.

Ocorre que, em nossa opinião, o Direito Tributário brasileiro, nos próximos anos, terá de lidar com uma nova gramática normativa, com novos conceitos, novas categorias jurídicas e novos arranjos federativos, todos exigindo esforços intelectuais inéditos e desafiadores. Assim, o uso reiterado do rótulo “Reforma Tributária do Consumo” já se mostra, desde logo, problemático, pois representa um chavão reducionista, uma meia-verdade que, como toda meia-verdade, é também uma meia-mentira.

4.2. Os novos princípios tributários não alteram em nada a interpretação do atual Sistema Tributário Nacional?

Quanto à introdução de novos princípios tributários pela Emenda Constitucional n. 132/2023, Leão desenvolve duas teses centrais para tentar demonstrar que tais alterações constitucionais seriam pouco significativas ou até redundantes e inócuas dentro do arcabouço normativo que sempre estruturou o nosso Sistema Tributário Nacional. Tais linhas de argumentação, ainda que articuladas de modo coerente, subestimam de maneira preocupante a dimensão e os efeitos dessas mudanças constitucionais.

Em primeiro lugar, sustenta que os “referidos princípios não são totalmente novos, na medida em que parte do seu conteúdo já poderia ser – e era – reconstruída pelos operadores do Direito com base no ordenamento constitucional anterior à Emenda Constitucional n. 132/2023”, de modo que “o simples fato de agora serem princípios expressos em vez de implícitos não altera diretamente sua força normativa (sua relação com outras normas), nem sua eficácia normativa (suas funções eficaciais) ...”95. Reforça tal argumento, dizendo que “tanto princípios implícitos como explícitos demandam interpretação para a construção de seu sentido e para sua posterior aplicação”96, razão pela qual, em sua visão, “a plausibilidade ou não da ponderação não possui qualquer relação com a explicitude do princípio no texto constitucional”97. Para o propósito deste artigo, iremos nos referir a essa primeira tese como sendo a da “irrelevância jurídica da explicitude normativa dos princípios”98, pois aparenta defender que a textualização inédita de um princípio – antes compreendido como implícito – não deve assumir qualquer relevância jurídica, já que a sua positivação não afetaria a sua força vinculante nem a sua eficácia normativa, representando, assim, algo inócuo e até redundante na perspectiva do intérprete e operador do direito.

Em segundo lugar, entende que é equivocada uma suposta corrente dicotômica – aparentemente capitaneada por Marco Greco – que defenderia “a hipótese de que os princípios anteriores não eram positivos ou afirmativos”99, mas sim apenas regras negativas, sendo um “equívoco da comparação agora defendida por parte da doutrina, de que haveria uma diferenciação entre os princípios até então existentes na Constituição (como legalidade, igualdade e segurança jurídica) e os novos (como simplicidade e justiça tributária)”100. Isso porque, de acordo com essa visão, todos princípios teriam, simultaneamente, a mesma dimensão de bivalência, qual seja: a promotora de um estado de coisas positivo e a função negativa de limitar o poder de tributar101. Em síntese, de acordo com esse entendimento, todos os princípios tributários devem ser compreendidos a partir do seu “caráter garantista” e da sua função limitadora de poder102, de modo que não há como se pensar em uma dimensão que consagre “garantias do Estado” perante os contribuintes, até porque “limitações constitucionais ao poder de tributar, nesse sentido, ‘não têm mão dupla’”103. Chamaremos essa segunda tese da “bivalência dos princípios tributários com função exclusivamente garantista”, pois entende que todos os princípios tributários, inclusive os recém-inseridos pela EC n. 132, possuem essencialmente a mesma estrutura normativa, na medida em que a sua enunciação linguística pode ser formulada, sem maior esforço, em afirmação ou negação, a qual, porém, terá uma função, invariavelmente, limitadora do poder estatal e protetiva do indivíduo.

4.2.1. Contradições e erros na Tese da “irrelevância jurídica da explicitude normativa dos princípios”

A primeira tese, além de juridicamente frágil – não encontrando amparo na forma como o direito é, de fato, praticado –, contém contradições internas que podem ser comprovadas por referências às próprias palavras usadas por Leão em seu texto. Isso porque a Profa. Martha, ao rejeitar que “esses princípios sejam uma ruptura ou novidade”, chega a reconhecer que normas finalísticas implícitas poderão exigir um “maior ônus argumentativo”104 na reconstrução dos seus significados vinculantes. Ora, isso, por si só, já cria um primeiro impasse teórico, qual seja: se os princípios anteriormente implícitos poderiam exigir uma maior carga argumentativa para a sua aplicação concreta diante de casos relevantes, pode-se intuir que, agora contando com previsão expressa na Constituição, a invocação desses mesmos instrumentos normativos passará, em tese, a ser menos demandante para o operador do direito, o que afeta, substancialmente, a forma como atribuímos força normativa e eficácia a esses princípios.

Aliás, se considerarmos apenas o plano do contencioso judicial, essa constatação pode ser facilmente comprovada, o que já bastaria para invalidar, em sua totalidade, essa primeira Tese. Isso porque, ao menos em termos processuais, a textualização de novos princípios tributários no art. 145, § 3º, da Constituição passa a autorizar uma infinidade de novas formas de fundamentação de recursos extraordinários, os quais agora podem ser baseados na violação direta a dispositivos constitucionais explícitos que, antes, não existiam em forma textual. Todos nós sabemos ser requisito insuperável para a admissibilidade do apelo extremo a demonstração imediata e concreta de violação, pelo acórdão recorrido, a determinado artigo explícito da Constituição, o qual, inclusive, é prudente que tenha sido expressamente prequestionado na instância jurisdicional anterior. Sem conseguir atender a esse requisito, qualquer profissional do Direito Tributário tem consciência de que o seu acesso efetivo ao Supremo Tribunal Federal ficará gravemente obstaculizado, impedindo, assim, que a sua pretensão jurídica seja efetivamente analisada com base nesses princípios tributários que não encontram amparo textual direto na Constituição. Portanto, no mínimo, por coerência prática, deve-se reconhecer que a positivação inovadora dos princípios contidos no § 3º do art. 145 poderá, sim, provocar a abertura de uma nova gama de debates constitucionais em matéria tributária perante a nossa Corte Suprema, demonstrando, assim, uma mudança extremamente relevante na força normativa e na eficácia desses novos comandos.

Em segundo lugar, Leão reconhece que esses novos princípios tributários “não são totalmente novos”, pois “parte do seu conteúdo já poderia ser – e era – reconstruída pelos operadores do Direito com base no ordenamento constitucional anterior”105. Ora, se não são totalmente novos e apenas parte de seu conteúdo poderia ser derivada do Sistema anterior é porque – mais uma vez, em termos lógicos – há, ao menos, uma parcela desses princípios que necessita, sim, ser reconhecida como integralmente inédita, pois não poderia ter seu significado reconstruído a partir de elementos implícitos existentes no ordenamento antes do advento da EC n. 132. Podemos intuir que essa “outra parte” de conteúdo principiológico – que não poderia ser extraída por dedução do Sistema Tributário Nacional pré-EC n. 132 – refere-se aos novos princípios da simplicidade e da transparência, pois o traço inovador desses é quase incontroverso, de modo que seria um tanto extravagante sustentar que eles sempre estiveram implicitamente vigentes em nosso ordenamento tributário. Assim, essa constatação, por si só, também já seria suficiente para derrubar por completo a primeira Tese de Leão, na medida em que esses dois princípios não eram implícitos, não poderiam ser reconstruídos a partir dos dispositivos já existentes na Constituição e, desse modo, possuem algum aspecto inédito que deve ser considerado pelo intérprete.

Se tudo isso não bastasse, cabe destacar que a Tese da “irrelevância jurídica da explicitude normativa dos princípios”, quando analisada sob a perspectiva da teoria do direito, é profundamente polêmica, não se tendo conhecimento de nenhum outro autor que a defenda nos termos em que apresentada, ou seja, no sentido de que a positivação de princípios jurídicos, anteriormente considerados implícitos, não altera significativamente um Sistema Normativo no que diz respeito à força vinculante e à eficácia prática dessas normas jurídicas que passaram a ser expressamente textualizadas. Esse tipo de raciocínio, em nossa compreensão, ignora uma diferença fundamental – tanto teórica quanto prática – entre o conteúdo normativo latente de um sistema jurídico e aquilo que já está explicitamente enunciado no texto constitucional. A postura de que a textualização não altera a força nem a eficácia de um princípio pressupõe, de maneira equivocada, que o valor normativo de uma norma decorre unicamente de sua estrutura deontológica interna ou de sua coerência sintática com os demais elementos do sistema. Tal perspectiva desconsidera a evidente relevância prática, interpretativa e institucional da presença expressa de um enunciado no texto constitucional – enunciado este que é, inquestionavelmente, fruto de uma escolha política fundamental tomada, publicamente, pelo Poder Constituinte derivado.

Na verdade, a positivação explícita de um princípio jurídico possui a capacidade de transformar intensamente o cenário hermenêutico do qual esse passará a fazer parte, na medida em que princípios implícitos, por dependerem de construções interpretativas mais sofisticadas e de maior esforço argumentativo, sempre (a) poderão enfrentar resistências no reconhecimento da sua existência dentro do sistema, (b) provocarão divergências quanto à necessidade de implementar o seu conteúdo e (c) exigirão algum modo de enunciação posterior pelo Judiciário, por meio da sua consagração jurisprudencial. De outro lado, ao serem positivados de modo expresso, esses princípios ganham não apenas maior densidade normativa, mas também força simbólica e prescritiva mais cogente, com menor margem, a priori, para a rejeição de sua aplicação. Portanto, a conversão em texto positivo de um princípio jurídico altera o ponto de partida do intérprete, fortalece a capacidade desse princípio de orientar políticas públicas, limita as margens de discricionariedade do legislador infraconstitucional e amplia os instrumentos de controle judicial da atividade tributária. A tese de que essa explicitação seria irrelevante ignora, por completo, essas consequências institucionais e pragmáticas.

Além disso, tal tese embute uma concepção estéril – ou quase cínica – do papel do Poder Constituinte Derivado, ao sugerir que a positivação dos novos princípios poderia ter ocorrido sem qualquer intenção normativa inovadora, como se o Constituinte tivesse agindo apenas de modo decorativo ou cosmético ou como se a inclusão textual no Sistema Tributário Nacional de termos como simplicidade, transparência, cooperação, justiça tributária ou sustentabilidade ambiental tivesse sido feita por mero exercício retórico, sem a intenção de produzir qualquer efeito relevante no ordenamento. Tal leitura não apenas enfraquece a legitimidade do processo legislativo-constitucional, como também afronta a própria noção de Constituição como texto normativo dotado de vocação transformadora da realidade. A força normativa da Constituição, tal como defendida por Konrad Hesse106, repousa justamente sobre a premissa de que suas disposições não são meras proclamações simbólicas, mas comandos dotados de eficácia e exigibilidade.

4.2.2. Equívocos na Tese da “bivalência dos princípios tributários com função exclusivamente garantista”

A segunda Tese de Leão pretende neutralizar a importância dos novos princípios tributários, sustentando que todos eles – antigos e novos – compartilham, simultaneamente, uma estrutura bivalente (i.e., positiva e negativa), mas exercem, no fundo, uma função única (i.e., “não têm mão dupla”): a de proteger direitos individuais do contribuinte contra o exercício arbitrário de poder estatal. Para ilustrar a conversibilidade plena de prescrições negativas em positivas na formulação de qualquer princípio jurídico107, a autora se vale de dois exemplos (um tanto curiosos): um comando principiológico que anuncia, de modo afirmativo, a necessidade de se observar a justiça tributária poderia ser tranquilamente convertido em um idêntico mandamento que anuncia, de modo negativo, a proibição de que o sistema seja injusto; ou ainda, o princípio que prescreve o dever de o sistema jurídico ser simples “é a mesma coisa que determinar que é vedado que ele seja complexo”108. Assim, em sua compreensão, a possibilidade dessa simplória conversão linguística de uma enunciação positiva em uma negativa provaria que todo princípio jurídico teria simultaneamente uma dimensão afirmativa, de promoção de determinado fim, e uma dimensão restritiva, de limitação ao poder do Estado. Isso, por sua vez, seria uma prova de que não há qualquer espécie de inovação normativa no Sistema Tributário Nacional, pois simplicidade, transparência, cooperação, justiça fiscal ou sustentabilidade ambiental seriam princípios com a mesma estrutura deontológica – apenas com novas roupagens – daquelas tradicionais limitações ao poder de tributar já existentes, bastando apenas que a formulação do seu significado fosse negativada pelo intérprete.

Pois bem, antes de mais nada, é fundamental destacar que, em nossa visão, o argumento que é aqui atacado por Leão – erroneamente direcionado a Greco – não foi por ela compreendido de forma adequada tampouco com a profundidade necessária. Ora, a sugestão de que os novos princípios tributários, agora previstos no art. 145, § 3º, da Constituição, teriam uma dimensão saliente mais afirmativa e positiva, o que permitiria diferenciá-los, em termos normativos, da maioria dos princípios tributários que consideramos tradicionais (ou seja, aqueles conhecidos desde a promulgação do texto original da Constituição de 1988), foi argumento expressamente formulado por nós no Congresso de Direito Tributário que a própria Profa. Martha Leão mencionou em nota de rodapé de seu artigo. Aliás, essa mesma linha de argumentação vem sendo, de fato, por nós desenvolvida em aulas e outros eventos acadêmicos. Portanto, feito esse esclarecimento e assumindo aqui a autoria do argumento que é confrontado por Leão, passemos à análise do mérito da sua segunda Tese.

Primeiramente, cabe ressaltar que o reconhecimento de que a nossa linguagem natural permite, em termos analíticos e proposicionais, converter uma sentença afirmativa em negativa – e vice-versa – é uma constatação não só evidente, mas um tanto trivial. Ninguém, em sã consciência, estaria inclinado a rejeitar a possibilidade de se transformar a frase “você deve ser justo” em “você está proibido de ser injusto”. Trata-se, portanto, de uma observação banal que – apenas contrapondo uma afirmação com uma dupla negação equivalente – não se qualifica, por si só, como um contra-argumento, até porque o ponto de inflexão que se pretende desenvolver, por óbvio, não se foca em perspectiva meramente analítica e de composição formal dos termos que a estrutura deôntica de um princípio jurídico pode adotar.

Na verdade, a perspectiva que se propõe – para que se possa bem compreender a distinção essencial entre determinados traços relevantes dos princípios tributários considerados mais tradicionais (e.g., legalidade, irretroatividade, anterioridade, não confisco etc...) diante de outros aspectos marcantes dos novos princípios agora incorporados (e.g., simplicidade, transparência, cooperação, justiça tributária e sustentabilidade ambiental) – é aquela da razão prática em sentido amplo. Trata-se, pois, de uma abordagem que exige uma compreensão mais sofisticada da fenomenologia relacional que estrutura o próprio Direito Tributário, não envolvendo apenas o esforço linguístico de dissecar os termos que compõem um enunciado prescritivo.

De outro lado, uma vez analisados os dois grupos de princípios jurídicos sob a ótica da razão prática – isto é, do efetivo conteúdo dos deveres práticos contidos em cada tipo de norma – e em uma dimensão mais fenomenológica, torna-se ainda mais implausível sustentar que seja sempre indiferente ou irrelevante o fato de alguém pronunciar um comando limitador-negativo ou um comando propositivo-afirmativo. Ainda que essa distinção possa não se fazer notar em um plano formal e puramente linguístico, no plano da realidade – ou seja, naquele em que seres humanos efetivamente vivem e interagem – esses dois modos de produção de mandamentos podem, sem dúvida, provocar inúmeras repercussões práticas relevantes.

Exemplificando o ponto: a proposição negativa “é vedada a criação de tributo sem lei ou é proibida a instituição de tributo antes de 90 dias” ilustra comandos mais restritivos e limitadores, à medida que seus conteúdos práticos são mais contidos, mais determinados e, portanto, imediatamente acessíveis ao raciocínio do intérprete. Por outro lado, a proposição afirmativa do estilo “é obrigatório implementar relações mais simplificadas e transparentes entre fisco e contribuinte” veicula mandamentos de extensão expressivamente maior, pois se vale de linguagem mais turva e fluida, o que, em termos pragmáticos, deixa um campo de escolhas mais aberto para o intérprete – todas elas, potencialmente, compatíveis com esse tipo de conteúdo prático. O mesmo se aplica à comparação entre a proposição negativa “é vedado o uso de tributo com efeito confiscatório”, que projeta um escopo de ação mais restritivo e com pretensão imediata de contenção (ainda que o conceito de confisco demande detalhamentos casuísticos posteriores), e a concretização de um princípio que impõe, positivamente, a observância da justiça fiscal, o qual exigirá tanto uma determinação ainda abstrata de significado em um plano metateórico (para se definir qual teoria da justiça melhor se coaduna com o nosso sistema constitucional), quanto uma discussão concreta sobre se tal princípio foi adequadamente implementado no caso concreto. Isso demandará, por evidente, maior reforço de conhecimento extraído da experiência prática do aplicador.

Essa discussão teórica, que compara deveres jurídicos negativos e positivos, guarda relevante paralelo com elementos extraídos da filosofia moral kantiana109. Kant, no desenvolvimento de sua Teoria Moral110, distingue duas classes de deveres captados pela razão prática111, quais sejam:

i) os denominados “deveres perfeitos” (ou diretos – vollkommenen Plichten) impõem obrigações categóricas e incondicionadas, que podem ser conhecidas de forma mais direta pelo processo de universalização de máxima da sua conduta. Tais comandos possuem, mesmo em abstrato, um conteúdo mais determinado e menos (ou nada) dependente da experiência do agente. Por isso, as hipóteses de seu respeito ou de sua violação tendem a ser mais facilmente identificáveis. Esses deveres são, em regra, negativos e restritivos das máximas que guiam a ação humana, razão pela qual Kant os exemplifica com casos daquilo que não se deve fazer – como a proibição de suicidar-se, de mentir ou de fazer promessas falsas112;

ii) os denominados “deveres imperfeitos” (ou indiretos – unvollkommene Pflichten) estabelecem um direcionamento positivo sobre como se recomenda que uma ação moralmente valiosa seja realizada. Esses deveres não deixam de ter força vinculante à razão, mas mantêm certo grau de indeterminação quanto ao seu conteúdo, exigindo do agente um preenchimento posterior com base em sua experiência. Os deveres imperfeitos possuem, assim, uma espécie de “extensão”, o que significa dizer que deixam abertura para uma decisão contingente a ser produzida na realização de determinado fim. Dada essa indeterminação maior, a própria identificação das hipóteses de sua concretização pode gerar divergências, e sua violação não é tão clara ou evidente em todos os casos. Esses deveres não são propriamente restritivos do agir, mas geralmente representam comandos afirmativos e propositivos, por admitirem uma pluralidade de formas de cumprimento. Entre os exemplos mencionados por Kant figuram a promoção da felicidade alheia e o aprimoramento dos próprios talentos113.

Com efeito, ambos os tipos de deveres guardam alguma relação – direta ou indireta – com a ideia kantiana do imperativo categórico, exprimindo comandos normativos impostos pela razão prática. No entanto, aqueles formulados com base em deveres perfeitos tendem a assumir um conteúdo mais fechado, determinado e limitado (assumindo um conteúdo geralmente negativo), ao passo que os deveres imperfeitos representam a formulação de diretrizes propositivas, afirmativas e dotadas de conteúdo mais aberto, o qual tende a impor maiores desafios casuísticos na sua concretização114. A diferença, portanto, entre esses dois tipos de prescrições não reside em sua dimensão linguística, mas no conteúdo prático que cada um deles impõe. No exemplo do dever perfeito de não mentir ou de não se suicidar, é possível alcançar uma compreensão mais detalhada da maioria dos casos em que tal comando exigirá cumprimento. Já nos deveres imperfeitos – como o de ajudar os outros ou de desenvolver os próprios talentos – o desafio de implementação do conteúdo adequado diante de cada caso é expressivamente mais complexo e controvertido.

Analogamente, no campo do Direito Tributário, o comando negativo “é proibida a criação de tributo sem lei em sentido formal” já nos permite entender, com grau elevado de precisão, que não se pode criar tributo por decreto, portaria, resolução etc.115 Isso, obviamente, não significa que não haja possibilidade de divergências interpretativas na compreensão do conteúdo normativo desse princípio tributário. Tais dificuldades, porém, serão mais limitadas e contidas do que aquelas que poderão surgir com a concretização futura de comandos afirmativos contidos no dever de promover simplicidade, transparência, cooperação etc... Ora, a gama de condutas compatíveis (e incompatíveis) com tais deveres positivos (imperfeitos), em termos comparativos, é infinitamente maior. Desconsiderar essa diferença, como faz Leão, é confundir a estrutura formal e meramente linguística dos princípios tributários aqui contrastados, com a efetiva natureza do seu conteúdo normativo, desconsiderando a maior indeterminação – e, por consequência, a complexidade mais saliente – que caracteriza a segunda classe de deveres, a qual criará, evidentemente, maiores desafios de interpretação e aplicação.

Uma segunda saliência relevante – na perspectiva fenomenológica e relacional aqui pretendida – também é desprezada por Leão. Essa pode ser evidenciada ao se comparar o conteúdo prático dos princípios considerados tradicionais com os novos princípios tributários trazidos pela EC n. 132, especialmente no que se refere à natureza mais unidirecional daqueles que integram o primeiro grupo e o vínculo de reciprocidade que deve ser formado por meio daqueles que constam do segundo grupo. Isso porque, em relação aos primeiros (i.e., legalidade, irretroatividade, anterioridade e não confisco), realmente se pode afirmar – tal como pressupõe Leão em relação a todos os princípios tributários – que eles ilustram uma espécie de “via de mão única” ao imputarem ao ente tributante um dever de obediência que só caberá a esse cumprir, atribuindo, de outro lado, ao particular um direito subjetivo de receber a correspondente proteção. Nesses casos, temos um comando unidirecional que vincula o Estado a agir de determinado modo (e.g., não instituir tributo sem lei, não criar exigência que pretenda tributar o passado, não cobrar imediatamente novo ônus tributário e não impor carga tributária excessiva ou desproporcional). Já o contribuinte, destinatário da correspondente proteção constitucional, coloca-se apenas na posição de receptor da garantia constitucional a ser preservada, não havendo como ele, ativamente, agir de modo a violar o conteúdo desses princípios.

Já em relação aos novos princípios tributários – mesmo que ainda seja precipitado afirmar algo categórico sobre o seu conteúdo –, esses aparentam veicular uma dimensão bidirecional, na medida em que, tendo em vista a natureza do dever positivo que projetam, poderão eles vincular e direcionar o campo de ação tanto do Estado quanto dos contribuintes em geral. Isso porque, se não todos, ao menos parte dos novos princípios positivados pela EC n. 132 exige o reconhecimento mútuo de que Estado e contribuintes são destinatários desses mandamentos constitucionais. Eles projetam, assim, uma clara dimensão de reciprocidade, ou seja, uma leitura que impõe compromissos normativos a serem seguidos e observados pelas duas partes que integram a relação tributária, de modo que poderão ser criados deveres jurídicos não só para a Administração Tributária, mas também para as diferentes classes de contribuintes. Ora, seria um total contrassenso imaginar, por exemplo, que o princípio da cooperação somente cria deveres a serem cumpridos pelo Estado, ao passo que o contribuinte apenas possui a garantia fundamental de ser protegido contra uma postura não cooperativa do ente tributante.

Aliás, o mesmo também poderá ser dito em relação aos princípios da justiça tributária e da proteção ao meio ambiente, os quais, sem dúvida, poderão vir a instituir deveres recíprocos a serem respeitados tanto pelo Estado quanto pelo particular. Ora, afirmar que cooperação, justiça fiscal e proteção ao meio ambiente “não têm mão dupla” é simplesmente não compreender nada sobre o que significa cooperar, participar de relações justas e implementar condutas ambientalmente sustentáveis. Na verdade, cooperação, justiça tributária e proteção ao meio ambiente são – sem qualquer margem para dúvida – “vias de mão dupla”. Rejeitar que os novos princípios venham a impor deveres recíprocos entre Estado e contribuinte, pois supostamente são normas exclusivamente “garantistas” de liberdades individuais, é negar a necessidade de se reconhecer neles uma dimensão propositiva, colaborativa e transformadora da realidade, a qual poderá exigir comportamentos coordenados e responsivos das duas partes envolvidas na relação tributária, uma vez que ambas poderão ser obrigadas a se engajar na realização das metas públicas projetadas por esses novos princípios. Portanto, ao menos os princípios da cooperação, justiça tributária e proteção ao meio ambiente não podem ser compreendidos apenas como cláusulas de contenção do poder de tributar, mas sim como diretrizes que poderão exigir ações coordenadas, engajamento institucional e construção de arranjos normativos que passarão a orientar de modo cogente também o comportamento dos contribuintes no que se refere aos fins específicos a serem alcançados por meio da tributação.

O Sistema Tributário reformado pela EC n. 132, aparentemente, não se limita mais a apenas impor limites ao poder estatal, de modo que a lógica tradicional de proteção unilateral do contribuinte contra o Estado pode passar a dar a uma concepção mais dialógica e construtiva da relação jurídico-tributária, em que o contribuinte também é chamado a colaborar com a realização de um sistema de tributação mais transparente, simples, cooperativo, justo e sustentável. É nesse sentido que se deve compreender a transformação paradigmática introduzida pela EC n. 132: não se trata apenas de afirmar a permanência de um Sistema Tributário Nacional que prioriza a fixação de um rol de garantias individuais que visam conter abusos de poder (as quais, repita-se, continuam existindo), mas de repensar a tributação como parte de um projeto coletivo de justiça fiscal.

4.3. A nova competência tributária compartilhada, dotada de materialidade vastíssima, é apenas mais uma regra de competência ao lado das já existentes?

Como já destacado, a Profa. Martha Leão, em seu recente artigo, sustenta que a criação da competência compartilhada do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), por meio da EC n. 132, não alterou substancialmente a arquitetura do sistema de competências tributárias delineado pela Constituição Federal, já que se trata de mera introdução excepcional de uma “única competência compartilhada” – ao lado de um novo imposto de competência privativa da União (IS) – sem que isso tenha a capacidade de provocar qualquer ruptura paradigmática no sistema. Sustenta que todas as demais competências manter-se-iam intactas, com suas respectivas materialidades preservadas, interpretação essa que seria necessária para não se esvaziar a competência residual e a extraordinária da União116.

Para ilustrar essa alegada continuidade estrutural e a visão de que tais mudanças constitucionais não representaram uma transformação significativa, Leão vale-se de um recurso didático: o uso de figuras esféricas idênticas (todas simétricas e posicionadas lado a lado, salvo as competências residual e extraordinária da União)117 que representariam, antes e depois da Reforma, o conjunto de competências tributárias previstas em nosso Sistema Constitucional. Assim, em sua perspectiva, a única modificação relevante ocorrida após o advento da EC n. 132 teria sido a adição de uma nova “esfera” representativa da competência do IBS ao lado das já existentes, com uma linha pontilhada em seu centro, representando o compartilhamento do poder de tributar entre Estados, Distrito Federal e Municípios. Seria, portanto, uma simples exceção ou mudança pontual que não comprometeria a rigidez nem a lógica original do modelo preexistente de distribuição de competências tributárias.

No entanto, essa leitura, ainda que engenhosa em seu simbolismo, revela um apego reducionista à forma, em detrimento do conteúdo e da efetiva densidade normativa da mudança trazida pelo art. 156-A da Constituição, deixando de considerar todas as repercussões que a introdução dessa “única competência compartilhada” poderá provocar dentro da estrutura constitucional que ordena o nosso Sistema Tributário. Longe de ser apenas um uso exagerado de recursos didáticos para facilitar o entendimento de argumento complexo, essa alegoria, em realidade, obscurece uma infinidade de traços marcantes dessa nova competência tributária, desconsiderando os variados desafios jurídicos que a partilha do IBS já está, hoje, apresentando (e que certamente serão intensificados no futuro). Esse modelo inédito de competência compartilhada desenhado no novo art. 156-A da Constituição, longe de representar apenas uma inovação pontual ou excepcional, poderá exigir uma profunda revisão – e, talvez, a reestruturação – de conceitos fundamentais do Direito Tributário brasileiro, como os da autonomia federativa, da sujeição ativa e de capacidade tributária, das prerrogativas do ente tributante no fiscalizar e cobrar tributos, além de causar uma profunda reorganização do contencioso tributário e do próprio modo de distribuição do poder de tributar. Infelizmente, considerando a extensão que já alcança o presente artigo, essas considerações fundamentais acerca dos reflexos constitucionais na criação da singular competência tributária compartilhada não poderão ser todas exploradas neste texto, de modo que precisarão ser enfrentadas em uma outra oportunidade.

De qualquer modo, para melhor fundamentar o ponto central deste estudo, que visa apenas a responder a crítica de Leão que rejeita qualquer possibilidade de ocorrência (mesmo futura) de uma ruptura paradigmática, iremos nos ater apenas à demonstração de que o novo desenho normativo aparenta revelar uma lógica distinta daquela que até então estruturava a atribuição de poder por meio de competências tributárias tradicionais previstas na Constituição de 1988.

Aparentemente, ao invés de replicar o estilo tradicional de delimitação das competências (com recortes rígidos entre materialidades específicas e a indicação exclusiva dos entes políticos com a autorização para exercer tal poder), a nova regra constitucional parece querer adotar um diferente ponto de partida na legitimação do exercício de poder de tributar. A competência compartilhada do IBS é dotada de uma amplitude semântica sem precedentes, seja em termos do detalhamento constitucional das suas materialidades, seja na latitude do alcance de potenciais sujeitos passivos, seja ainda em razão do atípico mecanismo hermenêutico que passa a estar previsto para a determinação do modo de incidência da respectiva norma tributária. Não se trata, portanto, de apenas mais uma pequena “esfera” que passa a estar enfileirada ao lado das outras esferas que compõem o nosso mosaico federativo. Trata-se de uma figura geométrica que poderá ser compreendida como algo totalmente diverso (com escusas ao recurso didático, um “quadrado” ao lado de “esferas”), que desafiará a linguagem normativa habitual utilizada pelo constituinte originário e pelas emendas anteriores. O próprio § 1º do art. 156-A já deixa entrever uma possível ruptura ao detalhar bases econômicas de abrangência vastíssima, inclusive muito maiores do que a soma do alcance potencial dos impostos que deixarão de existir (ICMS e ISSQN), na medida em que o IBS poderá incidir sobre operações com bens materiais ou imateriais, inclusive direitos, e sobre serviços – tanto no mercado interno quanto nas importações, realizadas por pessoas físicas ou jurídicas, ainda que não contribuintes habituais. A vastidão dessa materialidade, somada à possibilidade de imputação subjetiva do tributo a terceiros que “concorram” para a realização da operação, inclusive se domiciliados no exterior (§ 3º), revela uma intenção clara de alargar sobremaneira o escopo desse poder de tributar que – para tornar a situação ainda mais complexa – será ainda fragmentado entre uma pluralidade de entes federativos que dependerão de deliberações promovidas por uma também inédita entidade – o Comitê Gestor.

É certo que, isoladamente, alguns dos elementos acima mencionados já poderiam ser identificados em determinados traços das competências tributárias anteriores à EC n. 132. Contudo, essa reunião simultânea de diversas novidades em um único tributo, sob a roupagem de uma mesma norma de competência, rateada entre variados entes federativos, e com grande delegação de questões substanciais a serem ainda definidas por lei complementar, representa um “salto quântico” em matéria de inovação constitucional. O que há de novo não é a presença de elementos isolados, mas a combinação inédita entre amplitude material, alocação federativa compartilhada e possível flexibilização conceitual na delimitação da base econômica de tributação desse imposto. Esse é o verdadeiro vetor de inovação: a superposição e a simultaneidade de múltiplas inovações, todas inseridas em uma única competência tributária, sobre a qual a doutrina do passado jamais teve a oportunidade de se debruçar.

Mais ainda: o § 8º do art. 156-A118 acrescenta uma dimensão hermenêutica radicalmente nova. Ao permitir que a lei complementar defina o conteúdo e o alcance das “operações com serviços”, inclusive por exclusão – ou seja, criando um mecanismo interpretativo variante, segundo o qual toda operação que não se enquadrar como “operação com bens” poderá ser classificada como sendo de “serviço” – o texto constitucional inaugura um modelo de competência tributária baseado – não mais no objetivo primário de determinar significados de conceitos constitucional, com o intuito de conter o exercício de poder – mas em criar uma espécie de alternância semântica que busca garantir uma maior uniformidade na tributação de operações econômicas, reduzindo-se o espaço lacunoso de possíveis nichos de intributabilidade. Assim, diferentemente do modelo clássico de subsunção, no qual uma base econômica X autoriza a tributação de realidades similares e compatíveis com esse campo de significação (i.e., X’, X’’, X’’’), o novo modelo parece autorizar a tributação de X ou Y, conforme critérios definidos pela legislação complementar, de modo que, se praticada “qualquer operação” que provoque divergências acerca do seu adequado enquadramento na categoria abstrata X, poderá, hermeneuticamente, ser essa classificada como sendo um caso de Y. Uma tentativa de concretizar essa nova lógica de incidência tributária foi realizada pelo art. 3º da Lei Complementar n. 214, ao estabelecer que “operações com bens” são todas aquelas que envolvam bens móveis, imóveis, materiais, imateriais ou direitos, e que “serviços” são todas as demais “operações” passíveis de serem reguladas por essa Lei119.

Essa técnica traduz uma opção explícita por reduzir (ou talvez eliminar) aquelas discussões semânticas tradicionais sobre o que é “prestação de serviço” ou “circulação de mercadoria”. Ora, é fato notório que uma das principais intenções dos proponentes da Reforma Tributária – ao congregar em um novo tributo sobre valor agregado diversos outros que existiam anteriormente e que incidiam sobre bases econômicas de escopo limitado – era a de reduzir ao máximo (ou idealmente acabar com) discussões semânticas acerca do adequado enquadramento de uma determinada operação nesse ou naquele conceito constitucional. Os defensores dessa abordagem sempre sustentaram que tais debates “teóricos” (principalmente quando levados ao Judiciário) seriam inférteis e improdutivos, retardando a uniformidade da tributação, causando distorções concorrenciais e gerando insegurança jurídica. O objetivo, portanto, teria sido o de criar um novo regime constitucional que desestimulasse tais disputas conceituais em favor de uma tributação mais ampla, funcional e eficaz nos seus resultados.

Obviamente, essa escolha política e normativa pode, sim, ser criticada120 por seu afastamento de pilares dogmáticos muito caros ao Direito Tributário, como a rigidez na determinação do conteúdo das competências tributárias, a prioridade na preservação da segurança jurídica dos contribuintes, tudo isso visando uma definição clara e previsível das materialidades econômicas a serem alvo de tributação, inclusive por meio da proibição de analogia e de interpretações extensivas que possam surpreender o particular. No entanto, o que não se pode negar é o caráter inovador e disruptivo dessa mudança constitucional. Não se trata de um mero ajuste dentro de um modelo preexistente, mas da abertura de um novo paradigma teórico que dê conta dessa nova moldura constitucional, com potenciais implicações sobre a definição do nosso federalismo fiscal, dos limites materiais de uma de uma competência, de quem pode institui-lo e como esse poder deve ser exercido.

Certamente, não se pode, hoje, negar que essa linha de interpretação como um todo possa ainda ser considerada inconstitucional ou mesmo violadora de cláusula pétrea121. No entanto, também não se pode, no cenário atual, descartar a possibilidade de que uma nova lógica na compreensão (ao menos) dessa competência tributária esteja sendo inserida no nosso Sistema Tributário – e é, por isso, recomendável que a doutrina também esteja preparada para, eventualmente, compatibilizar os seus modelos teóricos a esse novo desenho normativo presente no texto constitucional. Caso venha esse a ser o cenário a se consolidar para a interpretação considerada correta do novo Sistema Tributário Nacional, há grande probabilidade de que tal mudança provoque a necessidade de uma relevante releitura no próprio conceito de competência tributária122.

Portanto, insistir em que o IBS representa apenas mais uma competência entre outras – com apenas algumas particularidades excepcionais e pontuais – é recusar-se a reconhecer as profundas transformações em curso. É ignorar que o Sistema Tributário Nacional poderá, agora, gerar desafios interpretativos e dogmáticos inéditos, capazes de provocar profundas alterações no modo como passaremos a compreender o federalismo fiscal brasileiro, a distribuição do poder de tributar e o próprio conceito de competência tributária. A nova realidade jurídica instaurada pela EC n. 132/2023 é, sim, desafiadora, de modo que caberá à doutrina desenvolver um modelo teórico que dê conta dessa complexidade, sob pena de reduzir a uma simplificação didática aquilo que, na verdade, constitui um dos movimentos mais significativos no replanejamento institucional do poder de tributar desde 1988.

5. Conclusão: sobre o aprimoramento de uma metáfora infeliz

Em seu recente artigo, Leão refuta a ideia de que a Reforma Tributária “sobre o Consumo” tenha causado qualquer espécie de ruptura paradigmática no Sistema Tributário Constitucional. Embora reconheça que a EC n. 132 tenha introduzido importantes mudanças na tributação sobre o consumo, com a criação de novos impostos e de uma “única” competência tributária compartilhada, sustenta que as limitações constitucionais ao poder de tributar, bem como a estrutura das competências, teriam permanecido inalteradas em sua essência. Para ela, portanto, a Reforma não representou uma ruptura do “sistema tributário”, seja em termos “axiológicos”, seja no plano “interpretativo”, deixando, pois, intactos os fundamentos do sistema tributário, tendo apenas adaptado as normas constitucionais – que sempre existiram – às novas demandas econômicas e fiscais. Tais mudanças, nesse sentido, não teriam servido para alterar a base garantista do Sistema Tributário, que seguiria projetando a rigidez de sua matriz de competências e reiterando a primazia da limitação ao poder de tributar – traço que, segundo a autora, sempre imperou no Direito Tributário brasileiro (e assim continuará, indefinidamente).

De outro lado, a análise empreendida ao longo do presente artigo buscou justamente demonstrar que a tese sustentada por Leão se revela epistemologicamente frágil, dogmaticamente impermeável ao novo e teoricamente reducionista diante da complexa realidade constitucional que hoje se faz presente. Ao minimizar as profundas e significativas mudanças constitucionais trazidas pela da EC n. 132, subestimando o alcance potencial das suas implicações normativas, institucionais e interpretativas, a autora ignora que o que está em jogo não é apenas uma alteração diminuta, excepcional ou pontual nas regras de criação e de imputação de tributos sobre o consumo, mas sim a abertura a um novo horizonte de justificação e de racionalidade, apto a reordenar o Sistema Tributário como um todo. Como demonstrado, a EC n. 132 não se limita à reorganização formal dos tributos sobre o consumo: dentre inúmeras inovações relevantes, ela introduz uma competência tributária compartilhada singular, reconfigura os fundamentos operacionais do nosso federalismo fiscal, altera profundamente a gestão fiscal e o contencioso tributário, além de positivar novos princípios com potencial para extrapolar a função meramente limitativa do poder de tributar. Esses dispositivos não apenas ampliam o repertório normativo do sistema, como também introduzem complexidades inéditas que desafiam o modelo teórico-dogmático dominante – o que, provavelmente, exigirá uma revisão ou até uma reconstrução de categorias conceituais que, até então, pareciam inabaláveis.

Nesse sentido, não se trata de sugerir que já se consolidou um novo paradigma nem que ocorreu uma ruptura “do Sistema Tributário”, mas sim de reconhecer que a EC n. 132 plantou, de forma intencional, os elementos estruturantes de uma nova matriz epistêmica, cujos efeitos interpretativos, institucionais e teóricos ainda estão em maturação. Ignorar esse processo é, paradoxalmente, contrariar o próprio espírito kuhniano, que ensina que as rupturas paradigmáticas não se instauram de maneira instantânea, nem se manifestam apenas pela revogação do passado ou pela substituição textual de regras, mas sim pela transformação dos modos de ver, pensar e solucionar os problemas de uma determinada comunidade científica – no caso, a comunidade jurídica-tributária. A resistência de Leão em admitir a existência (ou mesmo a possibilidade) de uma ruptura paradigmática em termos científicos revela-se, portanto, menos como uma constatação da realidade constitucional presente, e mais como um gesto teórico de defesa de um modelo hermenêutico em declínio, o qual poderá enfrentar dificuldades para esclarecer e solver os novos conflitos tributários que surgirão, já que cada vez mais incapaz de oferecer respostas satisfatórias à crescente complexidade normativa e institucional do novo Sistema Tributário.

É nesse contexto que a metáfora da “reforma da casa”, utilizada pela autora, merece um exame mais detido. A autora utiliza uma interessante analogia para ilustrar o suposto baixo impacto da EC n. 132, comparando a Reforma Tributária à renovação física de um cômodo de uma casa cujas fundações teriam permanecido intactas, ainda que algumas paredes tenham sido derrubadas ou certos móveis, reposicionados. Em sua visão, seriam apenas “alguns engenheiros” que, por mera preferência pessoal, estariam enxergando nessa reforma mudanças estruturais, com certeza, inexistentes no projeto arquitetônico originário123.

Ora, em um debate teórico, metáforas são recursos discursivos valiosos e instigantes, capazes de tornar acessíveis ideias mais impermeáveis por meio de recurso a alegorias simplificadoras da realidade, em que imagens simbólicas iluminam as razões subjacentes à tese convertida em discurso metafórico. Com efeito, enquanto instrumento redutor de complexidade, a metáfora pode ser extremamente útil ao debate científico – mesmo quando as escolhas alegóricas não sejam, por si, as mais felizes.

Contudo, há limites para o uso pedagógico desses recursos, especialmente quando a metáfora mais obscurece do que esclarece ou induz o auditório a uma compreensão equivocada da matéria debatida. Esse parece ter sido o caso da metáfora utilizada por LEÃO como fechamento do seu raciocínio, pois, além de se revelar infeliz – por sua superficialidade alegórica –, também se mostra epistemologicamente equivocada, já que mais desvirtua o sentido do debate do que auxilia no seu esclarecimento.

Como se buscou enfatizar, revoluções paradigmáticas não possuem como objeto a realidade em si, mas sim dizem respeito aos modelos teóricos que serão desenvolvidos para captá-la cientificamente – ou seja, dizem respeito às lentes epistêmicas e conceituais por meio das quais se interpreta determinada realidade. Não se pode confundir, pois, causa e efeito: uma ruptura paradigmática não se refere à localização ou posição física de determinado conjunto de elementos, i.e., no caso, não diz respeito ao número ou ao local dos dispositivos constitucionais modificados pela EC n. 132. Na verdade, ela diz respeito à possibilidade de transformação dos critérios teóricos de interpretação e dos diferentes modelos conceituais que necessitarão ser elaborados para se compreender melhor a nova realidade constitucional. A EC n. 132 não é apenas uma mudança no texto normativo; é, potencialmente, um convite – ou até uma exigência – à reformulação das premissas epistêmicas que sustentam a dogmática tributária vigente.

Portanto, se quisermos manter a metáfora habitacional, o que a EC n. 132 efetivamente desencadeia – em termos científicos – não é a mera troca de cortinas, o rearranjo de móveis ou mesmo a derrubada de algumas paredes internas. Trata-se da necessidade de adaptação profunda na forma como precisaremos nos familiarizar à inauguração de um novo “espaço normativo”, o que poderá exigir uma compatibilização a essa realidade no que se refere aos modelos teóricos, conceitos e prática que a interpretam. E essas mudanças podem impor processos de adaptação e de sofisticação para darem conta de novas complexidades e desafios. Assim, não é o engenheiro que arbitrariamente escolhe se aceita ou não aceita uma determinada mudança no projeto ou na planta da reforma já executada, mas os moradores – novos ou antigos – que precisarão reformular sua forma de ver a sua moradia e de nela coabitar, o que poderá, inclusive, forçar que esses readéquem as suas expectativas e reformulem os seus compromissos recíprocos.

Por isso, a metáfora mais adequada e compatível com o objeto desta discussão jurídica seja a do morador que, diante de um evento inesperado e profundo em sua vida – por exemplo, um divórcio, o nascimento de um filho ou até o falecimento de um ente querido – se vê diante do cenário em que precisa continuar vivendo naquela casa já conhecida, mas agora é compelido a assumir uma nova perspectiva da realidade. Isso demandará uma profunda mudança epistêmica, impondo deveres de adaptação e de recalibragem dos seus valores, das suas expectativas e dos novos compromissos que passa agora a assumir. Assim, nesse contexto, nem seria necessária a derrubada de uma parede, mas um quadro novo colocado em uma parede antiga, a inclusão de um berço no quarto, ou a troca de uma cama de solteiro, por uma de casal, pode ressignificar todo o ambiente, não pelo que transforma no concreto das paredes, mas pelo que provoca na compreensão de quem continuará a habitar esse espaço físico reformado, já que haverá uma mudança significativa na sua forma de vida. A metáfora correta, portanto, não é a do imóvel estático com fundações imutáveis, mas a da percepção transformada daqueles que deverão coabitar nessa nova residência, que, sim, pode possuir nova pintura nas paredes, novos móveis nos quartos e até pode ter passado por derrubadas de paredes. A EC n. 132 pode até não ter demolido todas as colunas do edifício tributário tradicional, mas possui o potencial de, no futuro, forçar uma revisão ou releitura dos seus principais eixos de sustentação interpretativa, abrindo caminho para novos projetos dogmáticos e novas formas de compreensão do Sistema Tributário.

Negar essa transformação é insistir que estamos morando na mesma casa, mas com os olhos fechados – ou, pior, é insistir que continuamos na mesma residência, ignorando que já não somos mais os mesmos moradores!

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WITTGENSTEIN, Ludwig. On certainty. Nova Iorque: Harper, 1972.

1 WITTGENSTEIN, Ludwig. On certainty. Nova Iorque: Harper, 1972, p. 33.

2 Para POPPER, o conhecimento científico “consists solely in investigating the methods employed in those systematic tests to which every new idea must be subjected if it is to be seriously entertained”, razão pela qual o correto método científico “must be designed in such a way that they do not protect any statement in Science against falsification” (POPPER, Karl. The logic of scientific discovery. New York: Basic Books, 1959, p. 31 e 81). Vide, ainda, POPPER, Karl. Conjectures and refutations. New York: Basic Books, 1963.

3 Para aquele que somente consegue ver o mundo a partir da sua ilha, todos os demais indivíduos são apenas náufragos perdidos no mar.

4 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 389-409.

5 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 389-391.

6 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 407.

7 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 393.

8 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 390.

9 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 391.

10 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 390.

11 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 390.

12 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 405.

13 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 406.

14 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 406.

15 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 393 e 407.

16 “Em que pese a grande extensão da Reforma Tributária sobre o Consumo perpetrada pela EC n. 132/2023, a verdade é que a Seção II do Capítulo do Sistema Tributário Nacional, intitulada ‘Das Limitações do Poder de Tributar’ sofreu diminutas alterações. Mais especificamente, foram apenas duas alterações nesse rol de garantias.” (LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 393).

17 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 393.

18 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 394-5.

19 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 394-5.

20 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 391.

21 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 391.

22 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 392.

23 “... referidas regras seguem intactas e plenamente aplicáveis, sem que se possa afirmar, portanto, qualquer diferença relativamente ao modo como o exercício do poder de tributar pode ser exercido após a EC n. 132/2023. [...] Essas limitações, por conseguinte, seguem perfazendo um espaço rígido e determinado dentro do qual o Estado pode exercer o poder de tributar, sem que se tenha verificado (já que isso sequer poderia ser feito) qualquer alteração nesse quadro de regras limitadoras do poder.” (LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 393-5)

24 KUHN. Thomas. The structure of scientific revolutions. 2. ed. Estados Unidos da América: University of Chicago Press, 1970.

25 “Não há dúvida de que esses princípios implicam a busca pela promoção de um estado ideal de coisas, estabelecendo objetivos a serem perseguidos de modo afirmativo pelo Estado e, mais especificamente, pelo Sistema Tributário.” (LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 395)

26 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 395.

27 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 395.

28 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 395.

29 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 396.

30 “A exigência de justiça radica na própria ideia de Direito, não necessitando, por isso, de previsão expressa – nem geral, nem específica para o âmbito tributário.” (LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 397)

31 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 396.

32 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 397.

33 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 399.

34 “O fato de isso também gerar uma proibição é uma decorrência natural de qualquer norma prescritiva. Veja-se que mesmo os novos princípios, tidos como ‘positivos e afirmativos’, poderiam também ser interpretados a partir desse mesmo ângulo limitador: afirmar que o sistema tributário deve ser justo é o mesmo que afirmar que é proibido que ele seja injusto, assim como prescrever que o sistema deve ser simples é a mesma coisa que determinar que é vedado que ele seja complexo – sem que isso altere de nenhum modo o estado de coisas a ser promovido pelas referidas normas.” (LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 400)

35 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 404.

36 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 404.

37 “Admiti-la significaria, na prática, que a partir da agora sequer existiria competência residual (já que o IBS alcançaria, ou, ao menos, poderia alcançar, se a lei o quisesse, toda e qualquer coisa ou situação).” (LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 404)

38 “Verifica-se aqui a falácia da conclusão apressada (fallacy of hasty conclusion), o alcance de uma conclusão baseada em uma amostra pequena ou excepcional, não representativa do todo.” (LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 405)

39 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 406.

40 “Esses fundamentos foram apresentados em palestra proferida por Arthur Maria Ferreira Neto no XXII Congresso de Direito Tributário em Questão – edição 2024, realizado em Gramado, no Rio Grande do Sul, em 13 de setembro de 2024.” (LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 391-392)

41 FERREIRA NETO. Arthur Maria. Por uma ciência prática do direito tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2016, p. 109 e ss.; e Crise epistêmica no direito tributário contemporâneo: do esgotamento do formalismo normativista aos riscos do solidarismo fiscal. Revista Direito Tributário Atual v. 56. São Paulo: IBDT, 2024, p. 629-665.

42 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 406-407.

43 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 3. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2011. Cabe observar que a versão mais recente dessa obra de Greco é a 4ª edição, publicada em 2019.

44 ROCHA, Sergio André. Reforma tributária e pontos de partida do sistema tributário nacional. Conjur, 16.09.2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-set-16/reforma-tributaria-e-pontos-de-partida-do-sistema-tributario-nacional/. Acesso em: 19 mar. 2025.

45 ROCHA, Sergio André. Reforma tributária e pontos de partida do sistema tributário nacional. Conjur, 16.09.2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-set-16/reforma-tributaria-e-pontos-de-partida-do-sistema-tributario-nacional/. Acesso em: 19 mar. 2025.

46 ROCHA, Sergio André. Reforma tributária e pontos de partida do sistema tributário nacional. Conjur, 16.09.2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-set-16/reforma-tributaria-e-pontos-de-partida-do-sistema-tributario-nacional/. Acesso em: 19 mar. 2025.

47 Tal síntese de ideias, de fato, representa de modo fiel – mesmo que incompleto – a proposta teórica que estamos oferecendo, hoje, ao debate acadêmico, mesmo que, assim como entende Rocha, não seja possível defender ainda nenhuma posição conclusiva, tendo em vista a imaturidade do novo cenário jurídico que está em fase de implementação.

48 Reforça tal leitura o recente texto de Greco e Rocha: “... parecia-nos desnecessária a inclusão na Constituição de um catálogo de princípios do Sistema Tributário Nacional.” (GRECO, Marco Aurélio; ROCHA, Sergio André. Vetores do Sistema Tributário Nacional após a EC n. 132. Revista Direito Tributário Atual v. 56. São Paulo: IBDT, 2014, p. 757)

49 ÁVILA, Humberto. Limites constitucionais à instituição do IBS e da CBS. Revista Direito Tributário Atual v. 56. São Paulo: IBDT, 2014, p. 701-730.

50 “Para Rocha, contudo, a EC n. 132 consolida a leitura solidarista e finalística da tributação, sem, contudo, inovar nos pontos de partida que já haviam sido estabelecidos em 1988 ...” (LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 392)

51 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 391.

52 ROCHA, Sergio André. Reforma tributária e pontos de partida do sistema tributário nacional. Conjur, 16.09.2024. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2024-set-16/reforma-tributaria-e-pontos-de-partida-do-sistema-tributario-nacional/. Acesso em: 19 mar. 2025.

53 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 392.

54 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 392.

55 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 389.

56 KUHN, Thomas. The structure of scientific revolutions. 2. ed. Estados Unidos da América: University Of Chicago Press, 1970; Logic of discovery or psychology of research. In: LAKATOS, Imre; MUSGRAVE, Alan (ed.). Criticism and the growth of knowledge. Reino Unido: Cambridge, 1999, p. 1/23.

57 KUHN, Thomas. The structure of scientific revolutions. 2. ed. Estados Unidos da América: University Of Chicago Press, 1970; Logic of discovery or psychology of research. In: LAKATOS, Imre; MUSGRAVE, Alan (ed.). Criticism and the growth of knowledge. Reino Unido: Cambridge, 1999, p. 391.

58 “... Emenda à Constituição n. 132/2023 determinariam uma mudança axiológica ou interpretativa relativamente às limitações constitucionais ao poder de tributar ...” (LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 391).

59 “... a Reforma Tributária sobre o Consumo teria adotado espécies diferentes de princípios (positivos e afirmativos) e que essa inovação do constituinte reformador também levaria à conclusão de uma mudança paradigmática do sistema.” (LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 394-5)

60 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 396-7.

61 “... teria havido uma ruptura principiológica também não se sustenta diante do exame objetivo dos novos dispositivos inseridos pela EC n. 132/2023.” (LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 400)

62 “... o constituinte derivado reconheceu a plena validade e vigência das limitações constitucionais ao poder de tributar, apontando expressamente quando uma delas seria inaplicável, o que ao invés de reforçar a tese de ruptura do sistema, atesta a sua permanência.” (LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 401).

63 “... não houve uma ruptura axiológica a partir da Reforma Tributária sobre o Consumo no Sistema Tributário Constitucional.” (LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 406)

64 Por exemplo, em nosso “Ciência Prática...”, fruto de Tese de Doutorado em Direito, pretendemos, especificamente, demonstrar que o Direito Tributário brasileiro, desde o seu surgimento como disciplina jurídica autônoma até a data presente, passou por diversas rupturas paradigmáticas com a consolidação de diferentes paradigmas científicos que nortearam a doutrina e os operadores desse ramo do direito (FERREIRA NETO. Arthur Maria. Por uma ciência prática do direito tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2016).

65 KUHN, Thomas S. The structure of scientific revolutions. 2. ed. Estados Unidos da América: University of Chicago Press, 1970.

66 KUHN, Thomas. Logic of discovery or psychology of research. In: LAKATOS, Imre; MUSGRAVE, Alan (ed.). Criticism and the growth of knowledge. Reino Unido: Cambridge, 1999, p. 1.

67 KUHN, Thomas. Logic of discovery or psychology of research. In: LAKATOS, Imre; MUSGRAVE, Alan (ed.). Criticism and the growth of knowledge. Reino Unido: Cambridge, 1999, p. 1.

68 Segundo BAYERT, o paradigma científico teria três sentidos distintos em Kuhn: ... (a) die erste Bedeutung des Paradigmabregriffs ist philosophischer Art; gemeint sind hier jene Passagen, in denen Kuhn davon spricht, dass eine Wissenschaft stets ‘Glaubenselement’ einschließt, oder dass ein Paradigma unser Weltbild, die ganze Art und Weise, wie wir die Realität wahrnehmen, determiniert...; (b) die zweite Bedeutung des Paradigmabegirffs bezieht sich auf die soziale Struktur der wissenschaftlichen Gemeinschaft... als allgemein anerkannte wissenschaftliche Leistungen, die für gewisse Zeit einer Gemeinschaft von Fachleuten maßgebende Probleme und Losungen liefern; (c) die dritte Bedeutung des Paradigmabregriffs bezieht sich darauf, dass in der Wissenschaft häufig eine ‘konkrete wissenschaftliche Leistung’ als Vorbild oder Modell für Problemlosungen in anderer Bereichen genommen wird.” (BAYERTZ, Kurt. Wissenschaftstheorie und Paradigmabegriff. Alemanha: Metzler, 1981, p. 23/24)

69 KUHN, Thomas. The structure of scientific revolutions. 2. ed. Estados Unidos da América: University of Chicago Press, 1962, p. 35-42. Vide, ainda, WATKINS, John. Against normal science. In: LAKATOS, Imre; MUSGRAVE, Alan (ed.). Criticism and the growth of knowledge. Reino Unido: Cambridge, 1999: “Normal Science (in which there is not really any testing of theories), is genuine science; Extraordinary Science (in which genuine testing of theories occur) is so abnormal, so different from genuine science, that it can hardly be called science at all.” (WATKINS, John. Against normal science. In: LAKATOS, Imre; MUSGRAVE, Alan (ed.). Criticism and the growth of knowledge. Reino Unido: Cambrigde, 1999, p. 29); Vide, ainda, LENK, Hans. Zwischen Wissenschaftstheorie und Sozialwissenschaft. Alemanha: Surkamp, 1986, p. 20.

70 WATKINS, John. Against normal science. In: LAKATOS, Imre; MUSGRAVE, Alan (ed.). Criticism and the growth of knowledge. Reino Unido: Cambridge, 1999, p. 31.

71 BAYERTZ, Kurt. Wissenschaftstheorie und Paradigmabegriff. Alemanha: Metzler, 1981, p. 52; POSER, Hans. Wissenschaftstheorie – Eine philosophische Einführung. Alemanha: Philipp, 2001, p. 149.

72 Por isso, “normal science ultimately leads only to the recognition of anomalies and crises. And these are terminated, not by deliberation and interpretation but by a relatively sudden and unstructured event like the Gestalt switch” (KUHN, Thomas. The structure of scientific revolutions. Estados Unidos da America: University of Chicago Press, 1962, p. 121).

73 BAYERTZ, Kurt. Wissenschaftstheorie und Paradigmabegriff. Alemanha: Metzler, 1981, p. 55.

74 LOSEE, John. A historical introduction to the philosophy of science. 4. ed. Reino Unido: Oxford University Press, 2010, p. 198.

75 Por isso, em termos metafóricos, a mudança de paradigma é comparada no campo da ciência a um “golpe de estado” ou “uma conversão religiosa”, em que os cientistas passam a seguir, por uma espécie de fé racional, um novo modelo que parece resolver os problemas que o antigo não conseguia mais lidar (BORTOLOTTI, Lisa. An introduction to the philosophy of science. Reino Unido: Polity, 2010, p. 114).

76 Evidentemente, tais considerações de Kuhn não são imunes à crítica: “But if Kuhn is right, then there is no explicit demarcation between science and pseudoscience, no distinction between scientific progress and intellectual decay, there is no objective standard of honesty. But what criteria can he then offer to demarcate scientific progress from intellectual degeneration?” (LAKATOS, Imre. Science and pseudoscience. Disponível em: http://www.lse.ac.uk/philosophy/About/lakatos/scienceAndPseudoscienceTranscript.aspx. Acesso em: 24 jan. 2015). Vide, ainda, WATKINS, John. Against normal science. In: LAKATOS, Imre; MUSGRAVE, Alan (ed.). Criticism and the growth of knowledge. Reino Unido: Cambridge, 1999, p. 29.

77 “... so Kuhn ... recount the history of epistemological crises as moments of almost total discontinuity without noticing the historical continuity which makes their own intelligible narratives possibles.” (MACINTYRE, Alasdair. The tasks of philosophy – selected essays. Reino Unido: Cambridge University Press, 2006. v. I, p. 19)

78 “... the best scientific methodology is that which can supply the best rational reconstruction of the history of Science and for different episodes different methodologies may be successful.” (MACINTYRE, Alasdair. The tasks of philosophy – selected essays. Reino Unido: Cambridge University Press, 2006. v. I, p. 20)

79 Usando um dos principais exemplos de Kuhn para ilustrar revoluções científicas no campo da física, ninguém poderia defender que a evolução paradigmática estabelecida entre os modelos teóricos de Galileu, de Newton e de Einstein representaram, em cada etapa, uma ruptura e um abandono total do conteúdo científico fixado nos momentos anteriores.

80 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 406.

81 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 395.

82 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 400.

83 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 401.

84 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 405.

85 Com essa afirmação não se quer, de modo algum, negar que a Reforma Tributária trazida pela EC n. 132 tenha sido profunda e bastante intensa. Em verdade, rejeitamos também a visão de que a mudança no conteúdo normativo do nosso Sistema Tributário Nacional tenha sido singela e diminuta, tal como sugere Leão. Apenas queremos destacar que uma mudança de paradigma científico jamais envolve apenas uma análise numérica de quantos elementos do sistema sofreram alguma modificação. Portanto, em tese, a introdução de um único dispositivo na Constituição – em razão da sua relevância qualitativa ou da sua importância na estruturação do Sistema Constitucional – já poderia justificar uma ruptura de paradigma científico no sentido aqui defendido.

86 De outro lado, Leão afirma: “... a modificação realizada pela EC n. 132/2023, embora evidentemente robusta relativamente à tributação sobre o consumo, não altera o sistema de competências delimitado pela Constituição. Criou-se uma única competência compartilhada (IBS), além de um novo imposto de competência da União (IS), reforçando-se que todas as demais seguem sendo competências privativas. Em outras palavras, segue havendo materialidades distintas distribuídas entre os entes federados de modo fechado, tanto isso é verdadeiro que seguem previstas nos termos originais da Constituição tanto a competência residual quanto a competência extraordinária.” (LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 404)

87 Em sentido contrário, LEÃO defende: “O fato de apenas uma delas [i.e., a competência tributária compartilhada] ter sido e todas as demais seguirem exatamente na mesma estrutura, inclusive as próprias competências residual e extraordinária, longe de corroborar o argumento pela conclusão de ruptura, atesta a conclusão de permanência, ainda que com um elemento novo.” (LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 405)

88 “... esse rol de garantias segue vigente e plenamente eficaz, sem qualquer alteração, mesmo nesse novo regime de tributação indireta prescrito pela Reforma Tributária.” (LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 400)

89 “Essas limitações [...] seguem perfazendo um espaço rígido e determinado dentro do qual o Estado pode exercer o poder de tributar, sem que se tenha verificado (já que isso sequer poderia ser feito) qualquer alteração nesse quadro de regras limitadoras do poder. Não suficiente essa questão, que é um dado objetivo (e, nesse sentido, sujeito ao exame de veracidade pela sua correspondência a um fato empírico) ...” (LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 394).

90 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 392.

91 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 405.

92 Em seu Artigo, além de indicar, expressamente, no Título, que a EC n. 132 teria promovido uma Reforma Tributária do Consumo, todas as demais referências feitas a essa mudança constitucional no transcurso do texto são complementadas pela expressão “do consumo”, conforme se vê das menções nas páginas 390, 391, 393, 395, 404, 406, 407 e 408. Isso permitiria ao leitor intuir que, na percepção de LEÃO, a EC n. 132 teria produzido, exclusivamente, uma reforma constitucional pertinente à tributação do consumo.

93 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 390.

94 FERREIRA NETO, Arthur Maria. A reforma tributária e o novo marco da tributação ambiental. Revista de Direito Ambiental – RDA v. 29, n. 113. São Paulo: RT, jan./mar. 2024, p. 127-143.

95 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 395.

96 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 396.

97 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 396.

98 “A defesa dessa forma de aplicação dos princípios, contudo, não envolve o fato de os princípios estarem ou não explicitamente previstos em documentos normativos.” (LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 396)

99 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 397.

100 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 399.

101 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 399.

102 “O essencial é reconhecer que todos esses princípios, ainda que com características próprias, funções específicas e eficácias diversas, são garantias asseguradas aos contribuintes.” (LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 400)

103 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 400.

104 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 395.

105 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 395.

106 HESSE, Konrad; MENDES, Gilmar Ferreira (trad.). A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991.

107 “Veja-se que mesmo os novos princípios, tidos como ‘positivos e afirmativos’, poderiam também ser interpretados a partir desse mesmo ângulo limitador.” (LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 400)

108 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 400.

109 Tais lições – mesmo que controvertida na literatura especializada – partem ao menos de algumas interpretações autorizadas do filósofo de Königsberg, como se vê da seguinte posição do HÖFFE: “Kant professes modesty on this point, reserving ‘the division of duties for a future metaphysics of morals’ (G IV:421/30). Despite this disclaimer, we find in the second part of the Metaphysics of Morals, the Doctrine of Virtue, specifically in its ‘Elements of Ethics,’ that the two viewpoints of the Grounding are employed: the ‘customary’ division of duties into those toward oneself and those toward others, which is perhaps taken over from Mendelssohn (1983 [17831, 115 and 127), along with the distinction between perfect duties and imperfect duties, or duties that are owed and meritorious duties.” (HÖFFE, Otfried. Categorical principles of law. University Park: Pennsylvania State University Press, 1990, p. 126)

110 KANT, Immanuel. Die Metaphysik der Sitten. Frankfurt: Surkamp, 1977, p. 549 e ss.; KANT, Immanuel. Grundlegung Metaphysik der Sitten. Frankfurt: Surkamp, 1974, p. 11-17.

111 De modo mais preciso, essas duas classes correspondem a dois níveis de aplicação do imperativo categórico, um priorizando o processo de universalização do comando moral, o outro concretiza um comando moral, mas dependente ainda de uma contextualização que sempre ficará dependente do grau de experiência do agente: “...one distinguishes two levels of application of the categorical imperative. These two levels correspond to the two fundamentally different meanings given to the term “application” in the preface to the Grounding.” (HÖFFE, Otfried. Categorical principles of law. University Park: Pennsylvania State University Press, 1990, p. 81)

112 KANT, Immanuel. Die Metaphysik der Sitten. Frankfurt: Surkamp, 1977, p. 554 e 562.

113 “The Doctrine of Virtue begins with ‘a human being’s perfect duties to himself as an animal being,’ among which is included the prohibition against suicide, called there ‘killing oneself [die ... Entleibung seiner selbst]’ (DV VI:422-24/218-20). The prohibition against lying follows as a ‘a human being’s perfect duty to himself merely as a moral being’ (DV vi: 428-31/225), after which comes the injunction to develop and augment one’s talents as ‘a human being’s imperfect duty to himself’ (DV vi:444-46/239-40). The ‘Elements of Eithics’ concludes with duties of virtue, which is to say, imperfect duties, to others, at the head of which Kant once again places the example from the Grounding, the injunction to help others, or, as it is called here, the ‘duty of beneficence [Wohltätigkeit].’ (KANT, Immanuel. Die Metaphysik der Sitten. Frankfurt: Surkamp, 1977, p. 126)

114 “The connection to action is in any case tighter for the class of duties to which the categorical principles of law belong, the perfect duties, than it is for the imperfect duties. While the law prohibits individual actions, so that, for example, each and every false promise falls under the prohibition against false promising, imperfect duties only enjoin certain attitudes toward life, for example, the readiness to help others.” (KANT, Immanuel. Die Metaphysik der Sitten. Frankfurt: Surkamp, 1977, p. 82)

115 O mesmo argumento pode ser usado em relação à proibição de cobrança de tributo antes do transcurso do prazo da anterioridade nonagesimal, na medida em que é plenamente determinado o seu conteúdo normativo ao impedir a cobrança de tributo antes do transcurso do lapso temporal de 90 dias contados da entrada em vigor da respectiva lei instituidora, o que logicamente impede também a cobrança dessa exigência antes de se passarem 89, 88, 87 dias etc.

116 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 404.

117 LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 403.

118 “Artigo 156-A [...] § 8º Para fins do disposto neste artigo, a lei complementar de que trata o caput poderá estabelecer o conceito de operações com serviços, seu conteúdo e alcance, admitida essa definição para qualquer operação que não seja classificada como operação com bens materiais ou imateriais, inclusive direitos.”

119 “Art. 3º Para fins desta Lei Complementar, consideram-se:

I – operações com:

a) bens todas e quaisquer que envolvam bens móveis ou imóveis, materiais ou imateriais, inclusive direitos;

b) serviços todas as demais que não sejam enquadradas como operações com bens nos termos da alínea ‘a’ deste inciso;”

120 Aliás, em um plano puramente teórico e numa dimensão pré-constitucional nos filiamos a tal crítica.

121 Nesse sentido, encontra-se a posição recente de ÁVILA: “... seria inconstitucional a lei complementar instituidora do IBS e da CBS que estabelecesse, por exemplo, os fatos geradores dos respectivos tributos como sendo qualquer ato ou negócio jurídico, sem determiná-los individualmente, mas sim os apresentando em um rol meramente exemplificativo. [...] Nesse sentido, seria a inválida a lei complementar que, a pretexto de apresentar uma ‘definição’ do ‘conceito’ de ‘operações com serviços’, se limitasse a reproduzir a expressão constitucional em seu texto simplesmente dizendo, por exemplo, que serviço é ‘qualquer operação que não seja enquadrada no conceito de operação com bens’. Tal enunciado não cumpriria o dever constitucional de ‘estabelecer o conceito’ de ‘operações com serviço’, nem tampouco funcionaria como uma ‘definição’...” (ÁVILA, Humberto. Limites constitucionais à instituição do IBS e da CBS. Revista Direito Tributário Atual v. 56. São Paulo: IBDT, 2014, p. 723).

122 Para uma versão bem acabada e sólida do modelo tradicional de competência tributária, recomendamos: ÁVILA, Humberto. Competências tributárias: um ensaio sobre a sua compatibilidade com as noções de tipo e conceito. São Paulo: Malheiros, 2018.

123 Assim metaforicamente sustenta que, por meio da EC n. 132, “reformou-se a casa, inclusive com a derrubada de paredes e a abertura de determinados cômodos, mas sem que se tenha alterado as suas fundações, ainda que alguns engenheiros, que prefeririam uma casa diferente, atribuam à reforma uma dimensão mais ampla do que ela realmente tem.” (LEÃO, Martha. A Reforma Tributária sobre o Consumo e a inexistência de ruptura paradigmática. Revista Direito Tributário Atual v. 58. São Paulo: IBDT, 2024, p. 407)