A Ilegalidade da Exigência de Imposto de Renda Retido na Fonte sobre Valores de Precatórios Pagos a Fundos de Investimento

The Ilegality of Withholding Tax on Judicial Payment Orders to Investment Funds

Bruno Fajersztajn

Mestre em Direito Econômico Financeiro e Tributário pela Universidade de São Paulo (USP). Professor e Diretor do IBDT. Advogado. E-mail: bruno@marizadvogados.com.br.

Bruna Barbosa Luppi

Pós-graduada em Gestão Tributária pela Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi-SP). Pós-graduada em Direito Constitucional Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Advogada. E-mail: bluppi2808@gmail.com.

Caio Malpighi

Especialista em Direito Tributário pelo IBDT. Professor-Assistente do IBDT. Advogado. E-mail: caio.malpighi@gmail.com.

Fernando Aurelio Zilveti

Livre-docente em Direito Tributário na Universidade de São Paulo. Pró-reitor e diretor do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). Advogado. E-mail: fzilveti@zilveti.com.br.

https://doi.org/10.46801/2595-6280.59.26.2025.2748

Resumo

Este artigo analisa a incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte – IRRF – sobre pagamentos de precatórios realizados a fundos de investimento que adquiriram esses direitos creditórios de terceiros. O estudo desafia a legalidade de tal exigência, a despeito da existência de entendimento diverso da Receita Federal do Brasil e de alguns precedentes judiciais. Com o objetivo de contribuir para a evolução do estudo do tema, também se examinam os fundamentos jurídicos adotados em decisões judiciais que validaram essa retenção.

Palavras-chave: IRRF, fundo de investimento, precatórios, isenção.

Abstract

This article anayzes the incidence of income tax wihheld at source on payments of court-ordered debts made to investment funds that acquired these credit rights from third parties. The study challenges the legality of such a requirement despite of different understanding of the Brazilian Federal Revenue Service (RFB) and some judicial precedentes. In order to contribute for the ovolutiono of the study, the legal grounds adopted in judicial precedents that validated this withholding tax are also examined in this paper.

Keywords: WHT, investment fund, judicial payment orders, exemption.

1. Introdução

As Mesas de debate do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT têm uma característica ímpar de tribuna livre de pensamento científico sobre temas atuais do direito tributário. Além de discutir temas relevantes para a prática jurídica da tributação, os associados do IBDT, em seus encontros semanais, nas conhecidas Mesas de Debates, assim como quaisquer interessados (a Mesa é aberta), propõem-se ao estudo da tributação. Este foi o caso de uma dessas Mesas, quando Bruno Fajersztajn e Caio Malpighi trouxeram o tema objeto deste ensaio1.

O tema proposto versa sobre o imposto de renda retido na fonte, no pagamento de precatório a fundo FIDC. O caso permite desenvolver uma ideia de polifonia, associada a diferentes interpretações e abordagens jurídicas. O direito é inerentemente polifônico, pois admite múltiplas interpretações para um mesmo texto normativo. Tribunais, doutrinadores e advogados podem ter entendimentos diversos sobre a aplicação da lei, gerando um diálogo de vozes jurídicas. Isto marcou particularmente o debate da Mesa número 1.800 realizada no IBDT no dia 27 de fevereiro de 20252.

A proposta deste ensaio é, primeiramente, registrar esse debate, para, em seguida, levá-lo adiante, colhendo as opiniões daqueles que se manifestaram durante os debates das Mesas mencionadas acima. A partir desse histórico procuramos pensar no tema central, qual seja a incidência do imposto de renda retido na fonte no pagamento de precatório a sujeito passivo cessionário do título de crédito. A pesquisa doutrinária e jurisprudencial segue um método empírico, no sentido de buscar nesse material algum consenso mínimo para a construção de soluções para o caso concreto.

A pergunta de pesquisa aqui versa sobre a legalidade da cobrança de imposto de renda na fonte sobre o pagamento de precatórios a FIDC. É preciso ajustar conceitos básicos para este estudo. Partimos por descrever o caso tal qual relatado na Mesa de Debates. Em seguida, trataremos do tema do imposto de renda potencialmente incidente na operação. Mais adiante, procurando endereçar uma saída para o tema proposto, pensaremos numa proposta para o caso concreto. Afinal, concluiremos este ensaio com considerações sobre as perguntas de pesquisa propostas neste preâmbulo e porventura elaboradas ao longo do trabalho.

2. O caso de pagamento de precatório a FIDC

Os pagamentos judiciais são rendimentos sujeitos, de modo geral, à retenção do Imposto de Renda Retido na Fonte – IRRF. É o caso dos rendimentos pagos pela Justiça Federal, mediante precatórios ou requisições de pequeno valor, que estão sujeitos à retenção do IRRF, a título de antecipação, à alíquota de 3%, conforme art. 27 da Lei n. 10.833/20033. Existem outras hipóteses em que a administração tributária também exige a retenção exclusiva na fonte do IRRF sobre a realização de pagamentos de precatórios. Este é o caso de precatórios estaduais e municipais pagos a pessoas físicas, que estão sujeitos à incidência do IRRF calculado com base na tabela progressiva, com fundamento no art. 12-A da Lei n. 7.713/1988, conforme regulamentado no art. 35, inciso III, da Resolução do Conselho Nacional de Justiça – CNJ – n. 303/2019 e nos arts. 37 e 40 da Instrução Normativa – IN – da Receita Federal do Brasil – RFB – n. 1.500/2015.

Ocorre que, antes que o pagamento por esses precatórios seja realizado, os direitos sobre eles podem ser cedidos a terceiros. Diante do considerável atraso no pagamento dos precatórios, editada a regulamentação cabível, criou-se um mercado de negociações de precatórios. Entre os cessionários podem se apresentar os fundos de investimento que investem nesse tipo de ativo (direitos creditórios), os chamados Fundos de Investimento em Direitos Creditórios – FIDC. Geralmente, a aquisição de direitos creditórios por esses fundos ocorre mediante o pagamento de um valor inferior ao seu montante de face. Esse deságio, no caso específico dos precatórios, reflete principalmente o tempo prolongado que pode levar para que o pagamento ocorra, considerando que, em muitos casos, como já mencionado, a quitação desses créditos pode se arrastar por anos, dependendo do orçamento e da política de pagamentos do ente público devedor.

Para o credor original, essa operação representa uma alternativa para antecipar o recebimento do precatório. Já para o fundo de investimento, trata-se de uma oportunidade de obter retorno financeiro com base na diferença entre o valor desembolsado na aquisição do precatório e o montante final recebido quando o pagamento é efetivado pelo ente público. Afinal, as duas partes têm interesse na operação financeira, oportunidade mercantil de natureza comercial típica do direito privado.

Nesse contexto da cessão de precatórios para fundo de investimento, coloca-se o problema jurídico de saber se a transferência da titularidade do crédito implica uma alteração do regime tributário aplicável no momento do efetivo recebimento do crédito. A regra geral prevê a incidência do IRRF sobre os valores pagos aos beneficiários originais, com distinções quanto à natureza do precatório. No caso de precatórios federais, a retenção ocorre a título de antecipação do imposto para pessoas físicas e jurídicas. Por outro lado, no caso de precatórios estaduais ou municipais pagos a pessoas físicas, a tributação ocorre exclusivamente na fonte, conforme a tabela progressiva do imposto de renda.

A aplicação dessa regra geral de tributação, porém, é questionável quando esses precatórios são cedidos a fundos de investimento FIDC antes do pagamento ao credor. Nessa hipótese, os créditos passam a integrar a carteira do fundo e os valores recebidos em razão de seu pagamento deixariam de ser considerados rendimentos sujeitos à retenção do imposto na fonte, em razão de regra específica prevista no art. 16, parágrafo único, da Lei n. 14.754/20234.

Diante deste cenário e das normas tributárias acima mencionadas, o presente estudo confronta duas possíveis interpretações: a aplicação da regra geral de retenção do IRRF no pagamento do precatório ao fundo de investimento, mantendo a relação tributária originária, ou então a incidência da regra isentiva específica, que reconhece os valores recebidos como rendimentos da carteira do fundo, afastando a tributação na fonte. Como se verá, a definição do regime aplicável depende da análise da natureza jurídica da cessão e de seus efeitos sobre a obrigação tributária.

3. A isenção dos FIDC no pagamento de precatórios

Conforme mencionado anteriormente, para determinar a incidência ou não de tributação sobre os pagamentos de precatórios efetuados ao fundo de investimento, é fundamental, em primeiro lugar, compreender o regime de isenção aplicável aos rendimentos que integram a carteira desses fundos. Somente a partir dessa análise é possível avaliar a pertinência de sua aplicação ao caso em questão.

De acordo com o art. 16, parágrafo único, da Lei n. 14.754/2023, os rendimentos, incluindo ganhos líquidos, provenientes de títulos, valores mobiliários e demais aplicações financeiras que compõem as carteiras dos fundos de investimento são isentos de Imposto de Renda. Em que pese a Lei n. 14.754/2023 ter promovido uma ampla reforma na tributação dos fundos de investimento, essa regra de isenção não é uma novidade. A dispensa de tributação foi prevista originariamente no art. 28, § 10, alínea a, da Lei n. 9.532/1997, norma revogada, mas a isenção foi reafirmada e incorporada ao novo regime pela Lei n. 14.754/2023.

Trata-se de um tipo de isenção denominada como técnica, pois se presta a evitar a sobretributação (bis in idem) do mesmo rendimento5. A denominação “técnica” se deve ao sentido de ajuste sistêmico emprestado à isenção, como se explicará adiante. Assim, pela dinâmica estabelecida pela legislação tributária aplicável, os rendimentos obtidos com as aplicações realizadas pelos fundos de investimento são tributados diretamente no nível dos cotistas, seja no momento da distribuição de rendimentos ou do resgate/amortização de cotas (art. 17, inciso I, da Lei n. 14.754/2023), ou, quando aplicável, também na incidência da tributação periódica, também chamada de “come-cotas” (art. 17, inciso II, da Lei n. 14.754/2023).

Assim, ao isentar os investimentos enquanto ainda compõem a carteira do fundo, o legislador quis evitar a tributação sobre a mesma riqueza em duas etapas, garantindo que o imposto incida apenas no nível dos cotistas do FIDC, no momento da efetiva disponibilização dos rendimentos – ou, no caso de tributação periódica, para fundos de ativos líquidos capazes de configurar certa disponibilidade, e para aqueles utilizados como meros veículos patrimoniais, como medida antielisiva.

A isenção técnica está amparada na lógica de coerência do sistema, ao evitar a dupla tributação econômica (bis in idem), ou seja, a incidência de tributo duas vezes sobre a mesma manifestação de riqueza. Não esqueçamos, afinal, que o fundo de investimento nada mais é do que um ente despersonificado. Representa “uma comunhão de recursos, constituído sob a forma de condomínio de natureza especial, destinado à aplicação em ativos financeiros, bens e direitos de qualquer natureza”, conforme definição legal trazida pelo art. 1.368-C do Código Civil. Esse dispositivo, introduzido no Código Civil pela Lei n. 13.874/2019 (conhecida como Lei da Liberdade Econômica) pôs fim a qualquer dúvida que ainda existia, no campo doutrinário, acerca da natureza do fundo de investimento, confirmando assim o tratamento regulatório e tributário que sempre lhe foi conferido6.

Nessa medida, sendo o fundo uma forma de organização coletiva de investimentos, o acréscimo patrimonial oriundo de suas atividades deve ser reconhecido e tributado diretamente na esfera dos cotistas, que são os verdadeiros titulares da riqueza realizada. Trata-se, portanto, de preservar a integridade do sistema, assegurando que apenas um evento tributável – o incremento patrimonial individual – seja alcançado pela tributação, afastando-se qualquer hipótese de sobreposição ou duplicidade de incidência, que se verificaria caso a legislação viesse a estabelecer, de forma geral e irrestrita, a equiparação dos fundos de investimento a pessoas jurídicas ou instituísse um regime de tributação autônoma da carteira do fundo, como se este fosse o verdadeiro sujeito do acréscimo patrimonial7.

Portanto, de acordo com essa ideia de isenção técnica atribuída à carteira dos fundos, o investimento do FIDC em direitos creditórios judiciais (precatórios) e eventuais rendas decorrentes serão tributadas pelo IRRF apenas no nível dos cotistas do fundo, no momento da distribuição de rendimentos, resgate ou amortização de cotas, ou então quando da incidência do IRRF periódico, se o FIDC não se enquadrar como entidade de investimento ou não possuir pelo menos 67% de seu patrimônio investido em direitos creditórios.

Assim sendo, quando realizada a retenção de IRRF sobre o valor de precatórios pagos ao FIDC, que os adquiriu do credor originário, sujeita-se o cotista a uma tributação potencial sobre a mesma base econômica. Isso porque a tributação já incidirá integralmente no nível do cotista quando houver a efetiva disponibilização dos rendimentos. Dessa forma, a retenção na fonte antecipa e impõe um ônus tributário indevido, desconsiderando a estrutura jurídica dos fundos de investimento e contrariando a sistemática adotada pelo legislador para a tributação desses veículos. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF – acolheu, até certo ponto, a ideia de escolha técnica, como no caso do ICMS na transferência entre estabelecimentos do mesmo contribuinte. A operação não configura circulação jurídica de mercadorias, de modo que tributar geraria desequilíbrio sistêmico, pois não se apresenta o aspecto material do fato gerador8.

Como se viu, o sentido da isenção é de alcançar a integração entre o cotista (que deverá ser tributado individualmente) e a comunhão de patrimônio que constitui o fundo de investimento. Por esse motivo, o legislador opta por concentrar a tributação do rendimento no nível do cotista e não da carteira do fundo. Lembremos que a isenção se baseia na ideia de justiça, correspondendo aos princípios da capacidade contributiva9. Esta legitima constitucionalmente a isenção técnica aqui sustentada, do contrário estaríamos a tratar de um privilégio odioso. Os casos de isenção desconectada do sistema constitucional tributário culminam por desfigurá-lo, como ocorreu com os tributos brasileiros sobre o consumo, ICMS, ISS, PIS e Cofins. A isenção é uma escolha legislativa que transita no campo da não incidência, que demanda coerência técnica, para não afetar a igualdade, princípio maior do sistema tributário constitucional. A isenção não é algo que exista isoladamente, como medida autônoma, precisa de tecnicidade sistêmica.

4. O imposto de renda na fonte e a titularidade sobre o rendimento auferido

O caso proposto neste ensaio trata do precatório pago ao fundo de investimento pelo Estado. O credor original acionou judicialmente o Estado, obteve êxito e seu pleito foi liquidado num valor determinado, afinal sendo convertido num título público. O título de crédito público recebe o nome de precatório. O precatório em questão foi cedido a um FIDC e este assumiu o direito a receber o valor a ser pago pelo Estado ao credor original. Mesmo que o cessionário do precatório seja, afinal, aquele que recebe o valor expresso no título, o Fisco cobra o imposto de renda na fonte. O legislador ordinário foi específico. Nos casos de precatórios federais, por exemplo, o art. 27 da Lei n. 10.833/2003 determinou à entidade financeira a responsabilidade pela retenção do imposto de renda. A ordem é de retenção de 3% do valor pago por entidade financeira ao beneficiário ou representante legal, em cumprimento de decisão da Justiça Federal, mediante precatório ou requisição de pequeno valor.

Ocorre, porém, que os fundos de investimento, como o FIDC, gozam de isenção fiscal. Com efeito, com base no art. 16, parágrafo único, da Lei n. 14.754/2023, abordado no tópico anterior, “ficam isentos do imposto sobre a renda os rendimentos, inclusive os ganhos líquidos, dos títulos e valores mobiliários e demais aplicações financeiras integrantes das carteiras dos fundos de investimento”. A fonte pagadora do precatório, uma vez cedido ao FIDC, deveria observar a norma de isenção, deixando de proceder à retenção na fonte em tais casos. Não é este, porém, o entendimento da Receita Federal do Brasil – RFB. Vejamos, então, como avançar na questão do imposto de renda na fonte, para, então, elaborar uma proposta de solução para o caso.

O objeto da tributação sobre a renda é sempre o lucro líquido (renda líquida). A carga tributária sobre o lucro líquido corresponde ao percentual desse lucro líquido que deve ser gasto com impostos. A renda como expressão de riqueza passível de tributação pelo imposto de renda somente pode ser líquida. Daí advém o princípio da renda líquida (Nettoprinzip). Mas a renda aqui tratada é aquela estudada como produto de fonte natural ou criada pelo homem. De modo geral, o acréscimo de valor patrimonial só é tributável quando se realiza10. E mais, o escopo dos tributos pessoais vem mais satisfeito enquanto mais ampla é a esfera das despesas pessoais consideradas não tributáveis por lei. Em outras palavras, só interessa ao Fisco o rendimento líquido, nada além disso11.

Como se sabe, a Constituição Federal não definiu renda ao atribuir à União Federal competência para instituir o imposto de renda, no art. 153, III. Tampouco o Código Tributário Nacional – CTN, no art. 43, o fez de modo preciso ou mesmo genérico, abrangendo o termo “renda”. O que temos é apenas uma noção nuclear de renda, uma ideia matriz condutora do legislador ordinário. De todo modo, a regra do CTN, art. 43, determina como fato gerador a disponibilidade econômica ou jurídica da renda ou proventos. Por disponibilidade econômica se entende que a renda já integra o patrimônio do novo titular da renda. Por outro lado, a disponibilidade jurídica se indica pela titularidade do direito exigível12. Por isso, passando o FIDC à condição de titular do rendimento a ser pago e sendo ele isento, é descabida a retenção.

Nessa vaga definição se encaixa o rendimento pago como fato gerador do imposto de renda. Compete ao legislador ordinário completar a vagueza conceitual de renda13. Como se vê, o legislador ordinário não se omitiu na função de ajustar o tipo renda. Com efeito, a Lei n. 7.713/1988, art. 3º, § 1º, considerou renda o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos. Trouxe ainda a ideia do imposto por antecipação, por alíquota fixa e o imposto de fonte.

O caso em tela versa da mesma hipótese, em que o legislador ordinário definiu a tributação pelo imposto de renda sobre rendimentos que serão pagos ao titular de direito pelo Poder Judiciário. Especialmente, neste caso, a tributação sobre esses rendimentos se dá pela retenção na fonte. O fato gerador é a disponibilidade da riqueza ao beneficiário.

Contudo, como mencionado acima, a partir do momento em que esse rendimento passa a ser de titularidade de um fundo de investimento, de um condomínio de investidores, aplica-se o regime jurídico-tributário próprio dessas entidades, que inclui regra específica de isenção da carteira. Essa mudança de titularidade certamente repercute na tributação, pois modifica a condição de contribuinte do imposto sobre o rendimento em questão, afetando a sujeição passiva da relação jurídico-tributária. A partir daí, aplicam-se outras regras de tributação que, no caso dos fundos, incluem não apenas diferentes formas de incidência, mas também hipóteses específicas de isenção.

Quanto a isso, já se esclareceu que os rendimentos auferidos na carteira do fundo não sofrem tributação direta, sendo o imposto devido apenas no nível dos cotistas, por meio de retenção na fonte efetuada pelo administrador, seja nos momentos de disponibilidade, ou então em situações específicas previstas em lei para coibir práticas de elisão fiscal – como em alguns casos em que há incidência do “come-cotas”. Ao concentrar a tributação no nível do cotista e isentar a tributação da carteira dos fundos de investimento, o legislador implementa técnica integrativa, evitando a sobretributação da renda dessas aplicações.

Contudo, quando um FIDC que adquiriu um precatório, por exemplo, é tributado na fonte quando do recebimento do pagamento deste precatório, a isenção técnica acima mencionada é violada, operando-se a dupla tributação da renda que o legislador quis evitar. Ainda que se trate de uma tributação por antecipação, como ocorre com a incidência do IRRF à alíquota de 3% sobre o pagamento de precatórios federais, o bis in idem permanece. Isso porque o FIDC, na qualidade de beneficiário do rendimento, é abrangido por regra legal de isenção que veda a retenção do IRRF. A hipótese de retenção sequer deveria se aplicar. Além disso, mesmo que fosse possível compensá-lo, a própria RFB adota o entendimento de que o cessionário não tem direito a essa compensação, o que reforça a onerosidade indevida da retenção e o desvirtuamento da sistemática tributária aplicável aos fundos de investimento.

Nesse contexto, ao ser cedido ao fundo de investimento, o crédito muda de titular: ele deixa de pertencer ao credor original e passa a integrar o patrimônio comum do fundo. Essa mudança de titularidade também altera quem responde pela obrigação tributária, ou seja, modifica a sujeição passiva (do contribuinte ou do substituto, a depender da perspectiva que se enxergue a fonte pagadora) da relação jurídico-tributária. A partir daí, aplicam-se outras regras de tributação que, no caso dos fundos, incluem não apenas diferentes formas de incidência, mas também hipóteses específicas de isenção. Vale mencionar que o fato gerador do IRRF nessas hipóteses é previsto abstratamente pela legislação tributária como ocorrido com o efetivo pagamento do precatório. Assim, deve-se olhar para quem é o potencial titular da renda objeto da obrigação tributária no momento da ocorrência do seu fato gerador para caso houver regime isentivo específico inerente a esse titular, afastar a tributação.

Atentemo-nos para o fato que a cessão, mesmo que não altere a natureza original do crédito cedido, altera a sua titularidade, o que traz impactos diretos à tributação desse crédito, devido à incidência de regras tributárias específicas vinculadas à figura do beneficiário do rendimento. Este beneficiário que, a partir da cessão, passa a ser também titular da renda objeto da relação jurídico-tributária. Como se verá a seguir, mesmo diante desses efeitos decorrentes da cessão, a jurisprudência judicial e a RFB têm se manifestado no sentido de que dever-se-ia aplicar o regime tributário relativo ao cedente também ao cessionário nos casos de pagamento de precatório que foi cedido a fundo de investimento, afastando-se dessa feita a regra isentiva que protege o rendimento da carteira do fundo de sofrer tributação. As consequências da cessão do direito creditório contra a Fazenda Pública ao fundo de investimento, bem como os fundamentos jurídicos que poderiam (ou não) justificar a extensão do regime fiscal do cedente ao cessionário, serão analisadas de forma crítica no tópico seguinte. Antes, contudo, é necessário fixarmos algumas premissas.

Se admitíssemos, em caráter hipotético, a premissa de que o dever do ente que retém e paga o imposto de renda – como no caso deste ensaio – configura uma obrigação de fazer, e não de dar, então não haveria sujeição passiva da instituição financeira na relação jurídico-tributária. Nessa linha de raciocínio, o agente arrecadador apenas executaria um dever instrumental de retenção e recolhimento, extinguindo a obrigação tributária atribuída a terceiro. Dir-se-ia, nessa perspectiva, que o “pagamento” do tributo (pela fonte pagadora) seria distinto do “recolhimento” (feito em nome de outrem), cabendo à instituição financeira adaptar seu comportamento conforme a identificação do beneficiário do rendimento. Assim, em tese, a obrigação de fazer atribuída à fonte pagadora poderia ser ajustada em virtude da alteração do titular do crédito, especialmente quando essa mudança implicar a incidência de regime isentivo.

No caso sob análise, portanto, a obrigação de dar do cedente seria distinta da obrigação tributária incidência sobre a renda do cessionário (FIDC). Este último, por consequência lógica, é titular do rendimento (e, por tal apanágio, contribuinte do imposto) e seria brindado pela isenção técnica. Não pode sofrer retenção por ser isento quando do recebimento da renda.

Por outro lado, ainda que se admitisse a tese de que a fonte pagadora figura como sujeito passivo, responsável por substituição, na forma dos arts. 121 e 128 do CTN, a tributação na fonte estaria impedida de se concretizar, pelo simples fato de o titular da renda ser isento e não dever ter sua manifestação de capacidade contributiva tributada. Isso, diante de força expressa de isenção legal. Afinal, o titular da renda é quem pratica o fato gerador emanador de riqueza. Se a norma legal estabelece que essa riqueza deve ser preservada, configura-se violação legal tributá-la pela técnica de tributação na fonte.

Assim, o fato incontornável é que a cessão, ao alterar a titularidade do crédito na obrigação subjacente entre o credor originário e o Estado devedor do precatório, projeta efeitos sobre a relação jurídico-tributária dela decorrente, impactando diretamente a obrigação de retenção do IRRF. A seguir, serão examinadas as consequências dessa modificação, especialmente no que diz respeito à identificação do contribuinte do IRRF e à legitimidade da retenção.

5. Crítica à jurisprudência formada até então

Atualmente, a jurisprudência dos tribunais tem firmado o entendimento de que a cessão do precatório a um fundo de investimento não altera a natureza jurídica original do direito creditório cedido. Partindo dessa ideia, os julgados sobre o tema sustentam que a preservação dessa natureza implicaria a continuidade do regime tributário originalmente aplicável ao cedente, como se a cessão não houvesse ocorrido. Dessa forma, com base nesse racional, a jurisprudência tem afastado a aplicação de novas regras tributárias que, em razão de critérios subjetivos definidos pela legislação, seriam aplicáveis à tributação dos rendimentos auferidos pelo cessionário14.

Ao examinar em profundidade as decisões judiciais que conformam a jurisprudência em questão, identificamos que suas razões de decidir decorrem dos seguintes fundamentos jurídicos:

i. Parte-se, como premissa, do entendimento firmado pelo STF por meio do Tema de Repercussão Geral n. 361, de que a “cessão de crédito alimentício não muda natureza de precatório”,

ii. Adota-se interpretação já empregada pela RFB na Solução de Consulta Cosit n. 208/2017, no sentido de que o acordo de cessão de direitos não afasta a tributação na fonte dos rendimentos tributáveis relativos ao precatório no momento de sua quitação pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios. Segundo esse entendimento, o cedente permanece como beneficiário desses rendimentos, devendo, portanto, ser indicado na Declaração do Imposto sobre a Renda Retido na Fonte (DIRF) da fonte pagadora, em vez do cessionário;

iii. Aplica-se o disposto no art.123 do CTN, que veda a oponibilidade de convenções particulares ao Fisco, de modo que a cessão do precatório não poderia ser invocada para afastar a incidência do IRRF no momento do pagamento do valor ao cessionário.

Para fins didáticos, os fundamentos acima serão analisados em dois blocos distintos: o primeiro abarcará os fundamentos (i) e (ii), enquanto o segundo será dedicado ao fundamento (iii).

5.1. Cessão do direito creditório, alteração da titularidade sobre o recebível e implicações na relação jurídico-tributária

Primeiramente, o Tema de Repercussão Geral n. 361 do STF foi firmado diante da controvérsia sobre os efeitos da cessão de um crédito de natureza alimentar, representado por precatório, na prioridade constitucionalmente assegurada a esse tipo de obrigação. Ao decidir a questão, a Suprema Corte assentou que a cessão não altera a essência do crédito, garantindo-lhe a preservação da natureza alimentar e, consequentemente, a prerrogativa de pagamento prioritário ao cessionário. Trata-se, portanto, de uma análise voltada exclusivamente para a natureza da obrigação cedida, sem considerar a qualificação subjetiva do cedente ou do cessionário. Isso porque, nos termos do art. 100, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal, que positiva o direito discutido naquele precedente, a prioridade no pagamento dos precatórios alimentares decorre unicamente do objeto da relação jurídica obrigacional – ou seja, da natureza do crédito – e não de critérios subjetivos relacionados à sua sujeição ativa (titularidade do direito)15.

Por sua vez, a Solução de Consulta Cosit n. 208/2017 abordou a incidência do IRRF sobre precatórios cedidos, com foco na identificação do contribuinte da retenção no momento do pagamento. A controvérsia envolvia a possível alteração do beneficiário para fins fiscais e a consequente mudança no regime de tributação aplicável ao recebimento do precatório. Enquanto o credor original pessoa física estaria sujeito à tributação exclusiva na fonte, nos termos dos art. 12-A e 12-B da Lei n. 7.713/1988, a cessão para pessoa jurídica poderia implicar a tributação pelo lucro real, presumido ou arbitrado, exigindo a integração dos rendimentos à base de cálculo do imposto e das contribuições sociais. A consulta concluiu que a cessão não modificaria a regra de incidência tributária, devendo o cedente permanecer como beneficiário na DIRF e na retenção do tributo. Com isso, concluiu-se pela aplicação, ao cessionário, do regime tributário que originalmente recairia sobre o cedente, ignorando, assim, que houve uma mudança de titularidade do rendimento antes mesmo do momento do pagamento.

Tanto o Tema de Repercussão Geral n. 361 do STF quanto a Solução de Consulta Cosit n. 208/2017 buscam fundamento no art. 286 do Código Civil, segundo o qual “[o] credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta ao cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação.” Noutras palavras, referido dispositivo legal permite a cessão de direito creditório desde que esse negócio jurídico não altere a natureza original da obrigação cedida. É dizer: a cessão do crédito poderá apenas alterar a sujeição passiva da relação jurídico-obrigacional, mas não poderá lhe modificar outros elementos, como objeto e vínculo de atributividade16.

Não há dúvida de que, no julgamento do Tema de Repercussão Geral n. 361, o STF adotou uma interpretação coerente do art. 286 do Código Civil ao reconhecer a manutenção da ordem de preferência no pagamento do precatório. Isso porque, nos termos do art. 100, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal, a prioridade conferida ao crédito alimentar decorre exclusivamente de sua natureza jurídica, independentemente de quem figure como seu titular. Dessa forma, afastar tal prerrogativa em razão da cessão do crédito significaria desconsiderar um atributo intrínseco à obrigação, modificando sua essência. Tal alteração, certamente, encontraria a vedação no próprio art. 286 do Código Civil, que permite a cessão do crédito, mas impede que essa transferência altere a natureza da obrigação originalmente constituída.

Contudo, a aplicação desse mesmo raciocínio para justificar a manutenção do regime tributário do cedente nos parece equivocada do ponto de vista metodológico. Para adentrarmos nessa seara, é importante distinguirmos a existência de duas relações obrigacionais paralelas que se estabelecem no mundo jurídico:

i. a relação obrigacional originária relacionada ao precatório, estabelecida entre o credor (cedente originário) e o devedor (Estado – Fazenda Pública), e

ii. a relação jurídico-tributária que tem por objeto a incidência do IRRF no momento do seu fato gerador, que é o pagamento do crédito.

A relação obrigacional originária decorre do direito reconhecido ao credor, enquanto a relação jurídico-tributária se forma autonomamente, exclusivamente por determinação legal, independentemente da relação subjacente17.

De forma independente, cada uma das relações jurídicas acima será composta pelos seus próprios elementos constitutivos. É que, em toda relação jurídica obrigacional, estão presentes quatro elementos fundamentais: (i) um sujeito ativo, titular ou beneficiário principal da relação; (ii) um sujeito passivo, que é o devedor da prestação principal; (iii) o vínculo de atributividade, capaz de ligar de forma objetiva o sujeito ativo e o sujeito passivo, e (iv) o objeto, caracterizado como a razão de ser do vínculo constituído18.

No caso da relação jurídica obrigacional do precatório, eis os seus elementos: o sujeito ativo é o credor originário, o sujeito passivo é a Fazenda Pública, o objeto é a obrigação a ser satisfeita (precatório) e o vínculo de atributividade é a norma jurídica que tornou essa obrigação exigível. Quando se opera a cessão do direito pelo titular, há uma alteração no polo ativo desta relação jurídica, de modo que a titularidade do direito ao crédito passa a ser do cessionário. No entanto, essa modificação não altera a natureza da obrigação e, por isso, o precatório mantém sua classificação jurídica.

Contudo, a relação jurídico-tributária que tem por objeto a incidência do IRRF só se constitui quando o precatório é efetivamente pago19. Isso porque a legislação que estabelece a incidência na fonte define o pagamento do precatório como o momento da ocorrência do fato gerador. É neste instante que se deve identificar quem é o titular do rendimento, sendo neste momento que se deve verificar a existência de norma de isenção que desobrigue o titular do rendimento de ser tributado pelo respectivo imposto. Com a cessão, é o cessionário, novo titular do direito ao recebimento, que recebe o pagamento, figurando este como titular do rendimento para efeito do fato gerador do IRRF e, consequentemente, figura como beneficiário do rendimento no momento da ocorrência do fato gerador. É dizer de forma mais singela: o titular da renda é o cessionário, quando recebe os rendimentos de natureza judicial (fato previsto na legislação como hipótese de incidência de IRRF, conforme o art. 27 da Lei n. 10.833/2003 ou o art. 12-A da Lei n. 7.713/1988).

Trata-se, aqui, da correta – e necessária – identificação do critério pessoal da obrigação tributária, que indica a pessoa que praticará a manifestação da riqueza a ser tributada20. No caso em questão, embora a cessão de direitos não tenha alterado a natureza do crédito cedido, ela modificou a sujeição ativa da relação obrigacional, o que necessariamente repercute na definição do sujeito passivo da obrigação tributária que se formará com a ocorrência do pagamento ao cessionário. Assim, será o cessionário titular do rendimento desafiado pelo IRRF. E, conforme abordado no tópico anterior, a isenção técnica destinada aos rendimentos auferidos pelas carteiras de fundos de investimento possui caráter subjetivo e deve ser aferida à luz da qualificação do titular da renda que pratica o fato gerador. Essa análise não implica alteração da natureza do crédito cedido, mas sim da sua tributação.

Em resumo, o problema todo se dá quando a jurisprudência judicial e a própria RFB (na Solução de Consulta n. 208/2017) tentam aplicar um critério legal objetivo (atinente à inalterabilidade do objeto da relação obrigacional do precatório) para afastar regras tributárias cuja aplicação se fundamenta não em critérios objetivos, mas sim em critérios subjetivos, vinculados à qualificação do titular da renda auferida.

Com base em um raciocínio de tal ordem, no sentido de que a mera cessão sobre a titularidade de um recebível seria capaz de manter o regime jurídico tributário aplicável ao cedente originário para a tributação da renda auferida pelo cessionário, inúmeras outras teratologias poderiam ser chanceladas indevidamente.

Para ilustrar, consideremos o exemplo de um pagamento a ser efetuado por pessoa jurídica brasileira a uma entidade não residente, situada em país que não se qualifica como jurisdição de tributação favorecida, pois não se enquadra na hipótese do art. 24 da Lei n. 9.430/199621. Na ausência de tratado para evitar a dupla tributação, a alíquota do IRRF incidente sobre tais rendimentos será de 15%, conforme dispõe o art. 28 da Lei n. 9.249/199522. Contudo, caso o credor estrangeiro originário ceda, antes da ocorrência do fato gerador do IRRF, o seu direito ao recebimento a outra pessoa jurídica, essa estabelecida em jurisdição de tributação favorecida, a alíquota aplicável nesse caso seria de 25%, nos termos do art. 8º da Lei n. 9.779/199923.

Se adotássemos para o exemplo acima o raciocínio exposto pela RFB na Solução de Consulta Cosit n. 208/2017 e pelos tribunais pátrios na jurisprudência em exame, concluiríamos, de forma igualmente equivocada, que a alíquota do IRRF permaneceria em 15%, mesmo que o beneficiário final estivesse localizado em uma jurisdição de tributação favorecida. Esse exemplo nos revela um grande equívoco metodológico: busca-se justificar a inaplicabilidade da regra tributária específica, que é positivada com base em aspectos subjetivos do titular da renda, adotando-se equivocadamente critérios objetivos ligados à natureza do crédito cedido. Em última análise, ignora-se a norma legal tributária que, grande parte das vezes, estabelece a incidência do IRRF com base em qualificações subjetivas do beneficiário do rendimento. Nesses casos, ignorar-se-ia um dos elementos centrais do regime de tributação na fonte, que é a identificação do efetivo beneficiário, titular da renda no momento do fato gerador 24.

Outros exemplos podem ser utilizados para ilustrar de forma clara o equívoco metodológico apontado. Supondo que uma entidade imune, como uma instituição filantrópica ou uma fundação sem fins lucrativos, ceda um direito creditório a uma pessoa jurídica tributada pelo lucro real. A Receita Federal aplicaria o mesmo raciocínio adotado na Solução de Consulta Cosit n. 208/2017 e permitiria que a imunidade da cedente fosse estendida ao cessionário, mantendo-o fora da tributação sobre os seus rendimentos recebidos? Evidentemente, essa interpretação seria insustentável, pois, nesse exemplo, a imunidade é de natureza subjetiva, conforme o art. 150, inciso VI, alínea c, da Constituição Federal. Assim, sua aplicação está condicionada à qualificação do beneficiário do rendimento (critério subjetivo), e não à natureza do crédito cedido.

Demonstrado o erro metodológico incorrido pela jurisprudência e pela RFB ao aplicar a tese da inalterabilidade da natureza do crédito cedido para afastar a isenção destinada subjetivamente à carteira dos fundos de investimento, no próximo bloco iremos abordar o argumento relacionado ao art. 123 do CTN, invocado muitas vezes por decisões judiciais e utilizado, igualmente, como fundamento pela RFB para fixar seu entendimento na Solução de Consulta Cosit n. 208/2017.

5.2. O art. 123 do CTN e as implicações tributárias decorrentes da alteração e titularidade sobre o recebível

Outro fundamento frequentemente invocado pelos Tribunais e pela RFB para justificar a manutenção das regras tributárias aplicáveis ao cedente em relação ao cessionário isento – e, assim, tributar este último com o IRRF sobre os valores recebidos em razão da titularidade do crédito adquirido – é o art. 123 do CTN. Tal dispositivo determina que toda e qualquer espécie de pacto celebrável entre pessoas a respeito da responsabilidade pelo pagamento de tributos não pode ser oponível à Fazenda Pública (sujeito ativo da relação jurídico-tributária), para modificar a definição legal do sujeito passivo e das obrigações tributárias correspondentes. Assim, por exemplo, as partes de um contrato de locação imobiliária pactuam entre si que a responsabilidade pelo pagamento do IPTU é do locatário e não do locador, tal pacto não poderá ser oponível ao Município competente, caso ele exija do locador o pagamento pelo imposto.

Isso se dá pelo fato de que, como já mencionado alhures, a relação jurídico-tributária decorre da Lei – e não da vontade dos particulares. Daí decorre que os sujeitos passivos de relações obrigacionais tributárias não podem transferir para terceiros essa condição que a Lei lhes imputou25. A aplicação desse dispositivo ao caso em análise resulta, mais uma vez, de um equívoco metodológico que a RFB e os Tribunais têm incorrido, na distinção entre a relação jurídica obrigacional inerente ao pagamento do precatório e a relação jurídico-tributária que incide sobre esse pagamento.

A cessão do precatório, por si só, não tem como objeto, direta ou indiretamente, a alteração da responsabilidade pelo pagamento do IRRF, uma vez que, no momento da cessão, o fato gerador desse tributo sequer ocorreu. O que acontece, na realidade, é a modificação da titularidade do direito ao crédito cedido, decorrente da alteração no polo ativo da relação obrigacional associada ao precatório. Como consequência, no momento do pagamento desse crédito, o novo titular da renda cuja tributação dá ensejo ao IRRF. Vale novamente pontuar que o fato gerador do imposto de renda na fonte em questão ocorre com o pagamento do precatório e, na hipótese analisada neste artigo, a cessão de crédito ocorre necessariamente antes desse pagamento e, portanto, antes da concretização do fato gerador.

Não se trata, portanto, de mudar a sujeição passiva por disposição contratual, pois a sujeição passiva só existe após a ocorrência do fato gerador. Logo, a obrigação tributária surge com a ocorrência do fato gerador quando o FIDC já figura como titular do crédito e não há que se falar em mudança de sujeito passivo. A corroborar esse entendimento, o art. 144 do CTN dispõe que o lançamento se reporta à data da ocorrência do fato gerador e se rege pela legislação vigente naquele momento, ainda que posteriormente modificada ou revogada26. Embora trate expressamente da lei aplicável, essa regra também consagra, de forma implícita, o princípio de que todos os elementos da obrigação tributária – inclusive a identificação do titular da renda – devem ser aferidos conforme a realidade existente no momento do fato gerador.

Os eventos indicados pela legislação infralegal – como pagamento, crédito, entrega, emprego ou remessa – embora sirvam para fixar o momento em que a retenção se torna devida pela fonte pagadora, refletem, em verdade, a própria ocorrência do fato gerador do IRRF, nos termos do art. 43 do CTN, que o define como a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica da renda27.

Ainda se refuta o argumento que, nos casos em que a cedente é uma pessoa jurídica sujeita ao regime de competência, o fato gerador do imposto de renda já teria ocorrido antes mesmo da cessão do precatório. Isso ocorre, por exemplo, no caso de indébitos tributários, em que os juros são reconhecidos como receita tributável para fins de IRPJ e CSLL no momento do trânsito em julgado da decisão que fixa o montante a ser restituído (Solução de Consulta Cosit n. 308/2023). O mesmo entendimento se aplica ao recebimento de precatórios (Solução de Consulta Cosit n. 183/2024).

Embora esta afirmação possa ser considerada, esta é uma situação peculiar, própria apenas das pessoas jurídicas sujeitas ao regime de competência. Jamais deve ser considerada na hipótese de pessoas físicas, sempre sujeitas ao regime de caixa, ou mesmo de outras pessoas jurídicas que optem pela tributação com base no regime de caixa, por exemplo, no caso de optantes pelo lucro presumido. Logo, qualquer ponderação a respeito da ocorrência do fato gerador do imposto de renda por ocasião do trânsito em julgado deve ficar limitada aos casos de créditos detidos por pessoas jurídicas sujeitas ao regime de competência, não podendo ser essa questão invocada como argumento para a aplicação do art. 123 do CTN de forma geral.

E mesmo na hipótese das pessoas jurídicas sujeitas ao regime de competência, é importante verificar que esta incidência ocorre em relação ao imposto corporativo por elas devido e não propriamente em relação ao IRRF em questão neste ensaio. Ou seja, o rendimento oriundo do precatório passa a compor o resultado do exercício para efeito de apuração do imposto de renda corporativo, juntamente com outras receitas e despesas, sendo assim oferecido à tributação.

Nesses casos, a incidência do IRRF, segundo as normas já citadas neste trabalho, vai ocorrer, se ocorrer, somente no pagamento do precatório, como já visto. Trata-se de arcabouço normativo distinto. É outro fato gerador do imposto de renda, sujeito a regras próprias. O fato de o rendimento já ter sido oferecido à tributação em momento anterior pela pessoa jurídica não interfere na discussão quanto à aplicação do art. 123 do CTN ao presente caso, por se tratar de regras de incidência distintas. Logo, o rendimento já ter sido oferecido à tributação pela pessoa jurídica sujeita ao regime de competência não torna a cessão de crédito um acordo particular destinado à mudança da sujeição passiva do imposto nos termos do referido dispositivo.

Na realidade, o fenômeno da tributação anterior em questão somente interfere no tema objeto do presente artigo para confirmar a não incidência do IRRF. Isso porque, em casos como este, de incidência com base no regime de competência, a tributação na fonte se dá como antecipação do tributo devido pelo beneficiário. Esse é o caso, por exemplo, do art. 27, § 2º, da Lei n. 10.833/2003, que trata dos precatórios federais. Ora, sendo a tributação na fonte mera antecipação do imposto devido (em oposição à tributação exclusiva ou definitiva na fonte), é ainda mais evidente o descabimento da tributação quando o rendimento já foi oferecido à tributação pelo beneficiário por conta da aplicação do regime de competência. Realmente, sendo antecipação, não haveria que se falar mais em recolhimento de qualquer valor antecipado, já que o próprio rendimento já foi computado na apuração do imposto pelo beneficiário. A tributação é na fonte descabida, pois não há mais o que antecipar. O pressuposto da retenção não mais se apresenta. Assim, mesmo que estivesse correto o posicionamento da RFB e de alguns precedentes judiciais, no sentido de que a incidência na fonte deve observar o tratamento aplicável ao credor original (cedente), a retenção seria totalmente descabida no caso de o beneficiário já ter oferecido o rendimento à tributação pelo regime de competência, dada a natureza de antecipação da retenção em questão.

Ainda na temática da aplicação ao art. 123 do CTN, outras variáveis podem ocorrer, a depender do momento em que se dá a cessão de créditos. De fato, é bastante comum que a cessão dos créditos ocorra ainda no curso da ação judicial, quando sequer se pode considerar adquirido o direito ao crédito, muito antes, portanto, da expedição de qualquer precatório. Em negociações como estas, o cessionário aliena um direito potencial, incerto, e os riscos de um desfecho desfavorável na ação acabam sendo considerados na valoração do negócio.

Nestas situações, chega a ser impensável cogitar a aplicação do art. 123 do CTN, pois a cessão é de um direito futuro e ocorre muito antes da própria materialização do direito ao crédito. Quando ocorrer a conclusão da ação, o crédito já surge na titularidade do fundo, não havendo como cogitar de alteração na sujeição passiva pela cessão.

Portanto, quando avaliada a questão também sob a égide do critério temporal de incidência do IRRF, fica clara a ilegalidade do entendimento que estende o regime tributário do cedente ao cessionário, quando apenas este último que é titular do rendimento no momento da ocorrência do fato gerador que se concretiza apenas com o pagamento do precatório.

6. Conclusão

Como se pôde verificar neste estudo, não é devida a tributação na fonte no pagamento de precatórios detidos por fundo de investimentos e adquiridos por operações de cessão de crédito validamente implementadas. De fato, mesmo que a cessão não altere a natureza jurídica do crédito, está na essência desse negócio jurídico a alteração da titularidade do direito creditório.

Após a cessão de crédito, o titular do rendimento oriundo dos precatórios é o fundo de investimento. Considerando que o fato gerador do IRRF ocorre no momento do pagamento do precatório, a fonte pagadora deve verificar quem é o titular do rendimento a ser pago para efeito de cumprir o seu dever. Sendo o titular do rendimento uma pessoa isenta, como é o caso do fundo, não deve haver retenção na fonte. Por mais que sejam aplicáveis as considerações no sentido de que a natureza jurídica do crédito não se altera, é igualmente certo que a cessão resulta em mudança de titularidade do crédito, razão pela qual deve a fonte pagadora identificar as condições pessoais do titular do crédito para efeito de tributação.

Sendo este titular uma entidade isenta, não deve haver tributação, sob pena de violação da norma de isenção. O raciocínio inverso igualmente se aplica. Se o cedente original era uma pessoa isenta e alienar o direito para uma pessoa não isenta, a tributação da fonte deve ocorrer porque, no momento da ocorrência do fato gerador do IRRF, deve-se identificar as condições subjetivas do titular da renda e não as do credor original. A jurisprudência e o entendimento da RFB merecem ser reformados.

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1 IBDT – Mesa de Debates n. 1.799. Disponível em: https://www.youtube.com/playlist?list=PLo-STP9TMbud0D4RykezO9lquUBU7D8y8. Acesso em: 10 mar. 2025.

2 IBDT – Mesa de Debates n. 1.800. Disponível em: https://www.youtube.com/playlist?list=PLo-STP9TMbud0D4RykezO9lquUBU7D8y8. Acesso em: 10 mar. 2025.

3 BRASIL. Lei n. 10.833/2003: “Art. 27. O imposto de renda sobre os rendimentos pagos, em cumprimento de decisão da Justiça Federal, mediante precatório ou requisição de pequeno valor, será retido na fonte pela instituição financeira responsável pelo pagamento e incidirá à alíquota de 3% (três por cento) sobre o montante pago, sem quaisquer deduções, no momento do pagamento ao beneficiário ou seu representante legal.”

4 BRASIL. Lei n. 14.754/2023: “Art. 16, parágrafo único. Ficam isentos do imposto sobre a renda os rendimentos, inclusive os ganhos líquidos, dos títulos e valores mobiliários e demais aplicações financeiras integrantes das carteiras dos fundos de investimento.”

5 SCHOUERI, Luís Eduardo; GALDINO, Guilherme. A isenção técnica do Imposto de Renda nos Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs) e os ganhos de capital na alienação de quotas de outros FIIs. Revista Direito Tributário Atual v. 51. São Paulo: IBDT, 2022, p. 251-297. DOI: 10.46801/2595-6280.51.10.2022.2165. Disponível em: https://revista.ibdt.org.br/index.php/RDTA/article/view/2165. Acesso em: 5 mar. 2025.

6 BRASIL. Lei n. 13.874/2019. Até a edição da Lei da Liberdade Econômica existia divergência doutrinária a respeito do tema. De um lado, respeitáveis posições no sentido de que o fundo de investimento teria (ou quase chegaria a ter) personalidade jurídica. Nesse sentido: WALD, Arnoldo. Da natureza jurídica do fundo imobiliário. Revista de Direito Mercantil n. 80, 1990, p. 17 e 23.

7 SCHOUERI, Luís Eduardo; GALDINO, Guilherme. A isenção técnica do Imposto de Renda nos Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs) e os ganhos de capital na alienação de quotas de outros FIIs. Revista Direito Tributário Atual v. 51. São Paulo: IBDT, 2022, p. 251-297. DOI: 10.46801/2595-6280.51.10.2022.2165. Disponível em: https://revista.ibdt.org.br/index.php/RDTA/article/view/2165. Acesso em: 5 mar. 2025.

8 BRASIL. STF, Tema 1.099, RE n. 1.125.133/SP, Rel. Min. Dias Toffoli. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verPronunciamento.asp?pronunciamento=11567216. Acesso em: 20 mar. 2025. Esclareça-se que a jurisprudência do STF não trata de isenção técnica, mas de escolha técnica em política fiscal. O STF entendeu não fazer sentido tributar a saída da mercadoria de estabelecimento de mesmo titular, por incoerência sistêmica.

9 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. Vol. III: Os Direitos Humanos e a Tributação: Imunidades e Isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, p. 360 e ss.

10 COSTA, Alcides Jorge. Estudos sobre o Imposto de Renda (em memória de Henry Tilbery). Coordenação: Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: Resenha Tributária, 1994, (19/31) p. 20-23.

11 MITA, Enrico de. Appunti di diritto tributario, II, 1, Le Imposte Sui Redditi: Las Struttura. Milão: Dott. A. Giuffrè, 1994, p. 140.

12 MACHADO, Brandão. Breve exame crítico do art. 43 do CTN. Estudos sobre o Imposto de Renda (em memória de Henry Tilbery). Coordenação: Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: Resenha Tributária, 1994, (107/124) p. 119.

13 MACHADO, Brandão. Imposto de Renda. Ganho de capital. Promessa de venda de ações. Decreto-lei n. 1.510 de 1976. Revista Direito Tributário Atual v. 11/12, 1992, (3181/3220) p. 3.181. Disponível em: https://revista.ibdt.org.br/index.php/RDTA/article/view/2165. Acesso em: 5 mar. 2025.

14 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Agravo em Recurso Especial n. 1.602.143/RJ, Rel. Min. Paulo Sérgio Domingues, julgado em 26 abr. 2024; BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Precatório n. 9.280/DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 10 mar. 2023; BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Agravo de Instrumento n. 5001807-08.2024.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Sérgio Nascimento, julgado em 6 fev. 2024; BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Agravo de Instrumento n. 5029726-06.2023.4.03.0000, Rel. Des. Fed. Inês Virgínia, julgado em 10 abr. 2024; BRASIL. Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Apelação n. 5017733-72.2018.4.03.6100, Rel. Des. Fed. Consuelo Yoshida, julgado em 30 ago. 2024; BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Mandado de Segurança Cível n. 2142579-97.2024.8.26.0000, Rel. Des. Figueiredo Gonçalves, julgado em 9 out. 2024; BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Mandado de Segurança Cível n. 2348776-84.2024.8.26.0000, Rel. Des. Ademir Benedito, julgado em 19 fev. 2025; BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Mandado de Segurança Cível n. 2155676-67.2024.8.26.0000, Rel. Des. Gomes Varjão, julgado em 13 nov. 2024.

15 BRASIL. Constituição Federal de 1988: “Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

§ 1º Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo.

§ 2º Os débitos de natureza alimentícia cujos titulares, originários ou por sucessão hereditária, tenham 60 (sessenta) anos de idade, ou sejam portadores de doença grave, ou pessoas com deficiência, assim definidos na forma da lei, serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, até o valor equivalente ao triplo fixado em lei para os fins do disposto no § 3º deste artigo, admitido o fracionamento para essa finalidade, sendo que o restante será pago na ordem cronológica de apresentação do precatório.”

16 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil: teoria geral das obrigações. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1990. v. II, p. 246 e 256. Como confirma Caio Mário da Silva Pereira, neste negócio jurídico, “a soma dos poderes e das faculdades inerentes à razão creditória, sem modificação no conteúdo ou natureza da obligatio, deslocam-se da pessoa do cedente para a daquele que lhe ocupa o lugar na relação obrigacional”. E, em outra passagem, o mesmo jurista ainda aponta que: “Sendo o credor, como efetivamente é, livre de dispor de seu crédito, não necessita da anuência do devedor para transferi-lo a terceiro, porque o vínculo essencial da obrigação sujeita-o a uma prestação, e não existe modificação na sua substância se, em vez de pagar ao primitivo sujeito ativo, tiver de prestar a um terceiro em que se sub-rogam as respectivas qualidades, sem agravamento da situação do devedor”. Vide ainda nesse mesmo sentido: SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de direito civil. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1955. v. II, p. 519.

17 COSTA, Alcides Jorge. Contribuição ao estudo da obrigação tributária. São Paulo: IBDT, 2003, p. 24.

18 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1976, p. 213.

19 Afinal, conforme preleciona Alcides Jorge Costa: “a relação jurídica tributária não existe antes da ocorrência do fato gerador.” (COSTA, Alcides Jorge. Contribuição ao estudo da obrigação tributária. São Paulo: IBDT, 2003)

20 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2023, p. 601.

21 BRASIL. Lei n. 9.430/1996: “Art. 24. As disposições previstas nos art. 1º a 37 da lei decorrente da conversão da Medida Provisória n. 1.152, de 28 de dezembro de 2022, aplicam-se também às transações efetuadas por pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil com qualquer entidade, ainda que parte não relacionada, residente ou domiciliada em país que não tribute a renda ou que a tribute à alíquota máxima inferior a 17% (dezessete por cento).”

22 BRASIL. Lei n. 9.249/1995: “Art. 28. A alíquota do imposto de renda de que tratam o art. 77 da Lei n. 3.470, de 28 de novembro de 1958 e o art. 100 do Decreto-lei n. 5.844, de 23 de setembro de 1943, com as modificações posteriormente introduzidas, passa, a partir de 1º de janeiro de 1996, a ser de quinze por cento.”

23 BRASIL. Lei n. 9.779/1999: “Art. 8º Ressalvadas as hipóteses a que se referem os incisos V, VIII, IX, X e XI do art. 1º da Lei n. 9.481, de 1997, os rendimentos decorrentes de qualquer operação, em que o beneficiário seja residente ou domiciliado em país que não tribute a renda ou que a tribute à alíquota máxima inferior a vinte por cento, a que se refere o art. 24 da Lei n. 9.430, de 27 de dezembro de 1996, sujeitam-se à incidência do imposto de renda na fonte à alíquota de vinte e cinco por cento.”

24 Como demonstrado neste estudo, muitas hipóteses de incidência do IRRF são determinadas com base em características subjetivas dos titulares da renda. No entanto, esse não é o único critério adotado pelo legislador. Em alguns casos, a alíquota aplicável varia conforme o critério objetivo da natureza do rendimento. Um exemplo é o art. 1º da Lei n. 9.481/1997, que reduz a 0% a alíquota do IRRF sobre rendimentos pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos ao exterior, dependendo da justificativa jurídica e contratual do rendimento.

25 MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Atlas, 2004. v. II, p. 441.

26 BRASIL. Código Tributário Nacional: “Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada.”

27 PINTO, Alexandre Evaristo; BOZZA, Fábio Piovesan. “Crédito” para fins de determinação do critério temporal do IRRF. Consultor Jurídico, São Paulo, 12 fev. 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-fev-12/direto-carf-credito-fins-determinacao-criterio-temporal-irrf/. Acesso em: 1º maio 2025.