Os Direitos Fundamentais dos Contribuintes e o Suposto Dever Fundamental de pagar Tributos

The Fundamental Rights of Taxpayers and the Alleged Fundamental Duty to pay Taxes

Fernando Facury Scaff

Professor Titular de Direito Financeiro da Universidade de São Paulo. Advogado. E-mail: scaff@silveiraathias.com.br.

https://doi.org/10.46801/2595-6280.59.28.2025.2750

Resumo

O texto afirma que o bem protegido pelo direito tributário é a propriedade privada dos cidadãos, o que se constitui em um dos direitos fundamentais dos contribuintes, e afasta o conceito de que existe um dever fundamental de pagar tributos.

Palavras-chave: direitos fundamentais, contribuintes, direito tributário, dever fundamental.

Abstract

The text asserts that the asset protected by tax law is the private property of citizens, which constitutes one of the fundamental rights of taxpayers, and dismisses the concept that there is a fundamental duty to pay taxes.

Keywords: fundamental rights, taxpayers, tax law, fundamental duty.

Introdução

01. Existem dois conceitos que são arraigados na doutrina: o de que o bem protegido pelo direito tributário é a liberdade dos cidadãos, cujo esteio doutrinário pode ser encontrado na obra de Ricardo Lobo Torres, e o de que existe um dever fundamental de pagar tributos, ancorado na doutrina de Casalta Nabais.

Este artigo contesta estas duas assertivas, afirmando que o bem protegido pelo direito tributário é a propriedade privada dos indivíduos, pessoas físicas ou jurídicas, que se constitui em um dos direitos fundamentais dos contribuintes, e nega existir a categoria jurídica de dever fundamental de pagar tributos, afastando tanto a ideia de dever quanto a de fundamentalidade para essa relação, que, a rigor técnico-jurídico, se constitui em uma obrigação – a obrigação tributária de pagar tributos.

I. Os direitos fundamentais são dos contribuintes e o bem protegido é a propriedade privada

02. A expressão “contribuinte” representa o polo passivo da relação tributária, isto é, aquela pessoa que, por força de lei, é obrigada a contribuir para a sustentação da dinâmica dos governos, organizados sob a estrutura do Estado. Nessa relação entre fisco e contribuintes não existem direitos fundamentais do Estado e muito menos dos governos, que gerenciam os fiscos. Só os contribuintes possuem direitos fundamentais, sejam pessoas físicas ou jurídicas.

O bem protegido pelos direitos fundamentais nessa relação é a propriedade privada dos contribuintes, que é parcialmente retirada pelos governos, de conformidade com o ordenamento jurídico vigente. Tal propriedade dos contribuintes se caracteriza como uma parcela de sua renda, de seu patrimônio ou do preço que é praticado nas relações de consumo.

São de fácil percepção as duas primeiras bases econômicas das quais é retirada parte da propriedade dos contribuintes, renda e patrimônio.

Para analisar a terceira base econômica, o consumo, é necessário relembrar a distinção entre contribuinte de fato e contribuinte de direito, fruto da repercussão econômica dos tributos indiretos, basicamente aqueles que incidem sobre essa base. O contribuinte de direito é aquele que a legislação tributária define como responsável legal pelo recolhimento do tributo e aparece como sujeito passivo na relação jurídico-tributária como formalmente obrigado a pagar o tributo ao governo. Contribuinte de fato é quele que suporta economicamente o encargo do tributo, porque seu custo é repassado a ele, geralmente como parte do preço de bens ou serviços, embora não tenha a obrigação legal de recolhê-lo1. Logo, uma parte do preço do bem ou do serviço comercializado contém uma parcela de tributo sobre o consumo, sendo o contribuinte de fato obrigado a recolhê-lo aos cofres públicos, reduzindo assim o valor de sua propriedade, caracterizada pelo preço do bem ou serviço comercializado2. Sendo assim, parte do preço do bem (propriedade privada) é composta de tributo. Inexistisse a tributação do consumo, o preço praticado seria integralmente destinado ao bolso privado, sem que nenhuma parcela fosse redirigida aos cofres públicos.

Desta forma, o bem protegido pelos direitos fundamentais dos contribuintes é a propriedade privada dos indivíduos, pessoas físicas ou jurídicas, em face dos governos.

Registra-se, embora não seja necessário ao leitor atento, que esta análise é realizada exclusivamente no âmbito tributário, que envolve as relações fisco-contribuinte, não se referindo às demais relações jurídicas, inclusive as de direito financeiro, que possuem outro enquadramento.

03. Neste passo é necessário fazer um contraponto com a ideia de que o tributo é a expressão da liberdade, o que se encontra disseminado na doutrina, tendo como destaque no Brasil a obra de Ricardo Lobo Torres.

Lobo Torres afirma em diversas partes de sua enciclopédica obra em cinco volumes3 que o tributo libertou a humanidade da servidão, que se caracterizava pelo Estado Patrimonial, correspondente histórico do feudalismo e do absolutismo, em que o poder dos senhores feudais e dos monarcas sobre a vida das pessoas era completo. Afirma que, com o advento do Estado Fiscal, baseado na arrecadação dos tributos, a humanidade se libertou e passou a ter essas relações reguladas pelo Direito, delimitando o poder do monarca.

Para compreensão deste contraponto é necessário dar um passo atrás e entender que a grande distinção histórica, da qual decorreu a criação da tributação, foi a modificação na estrutura da propriedade durante o período absolutista, e que, com as revoluções burguesas se transformou em propriedade privada individual, e, após, com a revolução industrial, foi criada nova dinâmica econômica baseada não mais na conservação da propriedade, mas em sua circulação. Tudo isso impactou fortemente a forma pela qual foi realizada a arrecadação para sustentação do Estado ao longo do tempo4.

O foco deste contraponto, portanto, é centrado na modificação do sistema de propriedade, ao invés de o fazer na liberdade decorrente da criação da tributação, analisando a relação de causa e efeito, sendo a alteração do sistema de propriedade a causa, e a instituição do sistema de tributação seu efeito5. O modelo de propriedade em cada fase histórica do Estado é que determina a arrecadação para sua sustentação, sendo que a tributação surge na passagem do Estado Absoluto (Estado Moderno) para o Estado Liberal6, daí advindo o Estado de Direito.

No período absolutista, ainda em decorrência da anterior fase feudal, pertenciam ao monarca todas as propriedades existentes em seu reino, sendo admitido que a nobreza e o clero também dispusessem da propriedade mais importante de todas, que era a das terras. Aos camponeses não era permitido ter propriedades, e trabalhavam nas terras de seus senhores, constituindo-se em seus súditos, aos quais deviam servidão e para os quais pagavam em trabalho ou em produtos que cultivavam em troca de proteção contra a ameaça de outros soberanos, de outros senhores feudais, ou ainda, de bandidos7.

Não se nega que a limitação do poder dos soberanos absolutos foi um passo importante para a civilização, e que a criação de mecanismos de contenção de seu poder de arrecadar foi muito relevante, se afigurando como essencial a concordância da assembleia dos súditos para vários dos poderes absolutos que os soberanos exerciam, como se vê na Magna Carta, de 1215 e nos documentos históricos dos direitos fundamentais que se lhe seguiram. Nesse período se encontra o embrião do princípio da legalidade e, por conseguinte, do Estado de Direito.

Posteriormente, o que era uma assembleia da nobreza passou a ser de representantes do povo, tendo sido instituídos mecanismos jurídicos mais completos e complexos para regular diversas matérias, concentradas na Constituição, instituto criado pelos norte-americanos nos albores de sua independência, há pouco mais de dois séculos, e que se configurou como um marco no surgimento do Estado Liberal.

Considerando os documentos históricos dos direitos fundamentais, a afirmação da propriedade privada como um direito individual surge na Declaração de Direitos da Virgínia, ocorrida em 1776, em seu art. 6º, ao firmar que “... todos os homens que possuam consciência suficiente do permanente interesse comum e dedicação à comunidade têm o direito de sufrágio e não podem ser tributados ou privados de sua propriedade para fins de interesse público, sem o seu próprio consentimento ou de seus representantes eleitos...”.

É obvio que existia propriedade privada individual antes dessa Declaração, como se pode ver nos debates teóricos acerca do tema, por exemplo, entre Locke8 e Rousseau9. A novidade dessa Declaração foi sua afirmação por colonos que declaravam seu território independente da Inglaterra, isto é, contra o poder soberano da monarquia britânica.

Logo após, em 1789, os franceses proclamam por meio da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, ser a propriedade um direito inviolável e sagrado10. Observe-se que esta proclamação não se refere ao povo francês, mas a todos os homens. E nem decorre de uma declaração de independência contra o jugo de outra nação, como ocorreu com os norte-americanos, cuja afirmação foi fruto de um confronto com a nação colonizadora. Esta Declaração surge como uma afirmação de um direito de todos os homens, individualmente considerados.

É nesse período que surgem os direitos fundamentais como direitos que possuem um status superior dentro dos ordenamentos jurídicos, conforme Dieter Grimm: “É precisamente esta a tarefa que desempenham os direitos fundamentais: outorgam ao direito ordinário, produto da ordem burguesa, uma garantia adicional de que o Estado não apenas a imponha frente a pessoas privadas, mas também que ele mesmo a respeite.”11

Feita essa breve exposição se pode concluir esse contraponto, retornando ao pensamento de Ricardo Lobo Torres, quando afirma que a criação do tributo foi um instrumento de liberdade, sendo este autor apenas uma das múltiplas referências nesse sentido.

Trata-se de afirmação imprecisa, pois não coloca o foco no aspecto fundamental dessa trajetória histórica, que é a modificação do sistema de propriedade entre o período do Estado Absoluto e o do Estado Liberal, tendo como cerne a revolução norte-americana de 1776 e a Revolução Francesa de 1789, com suas respectivas declarações de direitos, ambas se constituindo em duas das principais revoluções burguesas da história. A modificação no sistema arrecadatório para sustentação do Estado ocorreu nessa fase histórica, não pela criação do sistema tributário, que surgiu como um subproduto da modificação do sistema de propriedade, que passou a normativamente assegurar e proteger a propriedade privada individual.

A dinâmica da circulação da propriedade foi intensificada durante a revolução industrial, influenciando, por conseguinte, a tributação das riquezas e da propriedade, modificando a sistemática da arrecadação.

Essa trajetória histórica demonstra que uma das formas de resguardar a propriedade privada dos cidadãos foi a de estabelecer mecanismos limitados para a arrecadação aos cofres reais, que se tornaram cofres públicos, por meio de normas jurídicas que delimitassem esse poder e carreassem os recursos para o erário, para uso em prol da sociedade e não do governante de plantão. Afinal, ao longo das revoluções burguesas e com o advento do constitucionalismo monárquico, até mesmo o Rei passou a ser obrigado a respeitar a constituição de seu país e as leis que dela adviessem. Esse papel central da Constituição como delimitador do poder é destacado por Misabel Derzi, que aponta a necessária subsunção do Poder Judiciário como um elemento central do Estado Democrático de Direito12.

Para delimitação do poder do Estado sobre a propriedade privada é que, em decorrência, foram criados os mecanismos tributários, que se agregaram a outros institutos jurídicos para garantia do conjunto das liberdades consagradas e delimitadas pelas Constituições, sendo uma delas a de usar, gozar e dispor de sua propriedade privada, podendo defendê-la contra todos.

04. Foi essa modificação no sistema de propriedade, e na delimitação dos poderes por parte das Constituições, que se configurou efetivamente o Estado de Direito e, com isso, a separação da propriedade real absoluta, posteriormente transformada em propriedade pública, da propriedade privada, devendo os indivíduos contribuírem para o custeio dos serviços governamentais por meio da tributação, e não pela imposição forçada decorrente do poder absoluto dos monarcas. Posteriormente se chegou ao Estado Democrático de Direito, com o advento de outros institutos e direitos ao sistema.

Exatamente por isso que se deve ter cautela quando contemporaneamente se classifica as receitas públicas em originárias, decorrentes da exploração do patrimônio do Estado, e derivadas, como aquelas que decorrem do poder de império do Estado – esta afirmação requer como complemento que tal poder é exercido “de conformidade com o ordenamento jurídico existente”, e não por meio do vetusto conceito de “poder de império”, abandonado desde a queda do modelo de Estado Absoluto.

Como afirmado, o bem protegido pelos direitos fundamentais dos contribuintes é a propriedade privada, sendo a tributação uma decorrência, delimitada pelos direitos fundamentais, e pelas demais normas que regulam as relações fisco-contribuintes13, conforme afirmado por Soler Roch14:

“Em definitivo: Não se pode, simplesmente, deslegitimar o imposto com base na defesa do direito de propriedade, mas tampouco pode-se deixar de analisar a legislação tributária desde a perspectiva desse direito.”

Nada obsta que se alinhe a tributação à defesa das liberdades, ao invés da defesa da propriedade privada, mas esta decorre de uma conclusão inafastável à luz do direito posto, uma vez que os direitos fundamentais são dos contribuintes, e visam defendem seu patrimônio, isto é, sua propriedade privada.

É óbvio que no sistema vigente nos países ocidentais, a defesa da propriedade privada se insere como uma defesa das liberdades, mas são dois passos distintos, pois uma coisa é defender a propriedade privada, e outra coisa é considerar que ser livre é ter o direito de poder ser proprietário de algo, e dele usar, gozar e dispor. Os direitos fundamentais dos contribuintes impõem limites ao poder do Estado para que exerça o poder de tributar, retirando parcela da propriedade privada das pessoas físicas ou jurídicas.

O fato é que não é apenas a propriedade privada que faz o homem ser livre. O tributo delimita o espaço entre o reconhecimento da propriedade privada e a receita pública, que é a arrecadação do Estado. Essa delimitação decorre do Estado Democrático de Direito, sendo o tributo um elemento de todo esse conjunto. Ser livre decorre de outros fatores, estudados por Amartya Sen15, e passa pela análise de outras disciplinas jurídicas, que envolvem liberdade e igualdade16. O tributo, como instrumento de contenção do poder estatal em face dos governos, é um dos múltiplos institutos fundamentais para o exercício dessa liberdade, como contenção do poder governamental sobre a propriedade privada dos indivíduos.

II. Não existe dever fundamental de pagar tributos, mas obrigação tributária

05. José Casalta Nabais, em obra seminal intitulada O dever fundamental de pagar impostos17, que obteve ampla repercussão doutrinária, apresenta no capítulo preliminar de seu livro as razões pelas quais decidiu pesquisar a matéria. Constatou se tratar de “um tema (relativamente) esquecido“, e que a Constituição Italiana de 1947, a Lei Fundamental da República Federal da Alemanha de 1948, a Constituição Portuguesa de 1976 e a Constituição Espanhola de 1978 preocuparam-se de uma maneira dominante, ou mesmo praticamente exclusiva, com os direitos fundamentais ou com o limite ao(s) poder(es) em que estes se traduzem, deixando por conseguinte, ao menos aparentemente, na sombra os deveres fundamentais, esquecendo assim a responsabilidade comunitária que faz dos indivíduos seres simultaneamente livres e responsáveis, ou seja, pessoas18.

Uma pista para seu entendimento sobre essa omissão nos referidos textos constitucionais se identifica quando afirma que

“Constituindo os deveres fundamentais uma exigência estrutural de qualquer constituição, essa desconsideração pode ser explicada com base na ideia de que as normas constitucionais relativas aos deveres, mais do que visarem os comportamentos dos particulares, constituem a legitimação para a intervenção dos poderes públicos em determinadas relações sociais ou em certos âmbitos da autonomia pessoal dos cidadãos, e uma tal legitimação resultar amplamente da determinação dos objetivos para o poder público decorrente da atual fórmula ‘estado social’.”19

Em diversas partes do texto, Nabais demonstra sua preocupação com a inexistência de paralelismo no tratamento jurídico, que é destacado para os direitos fundamentais, porém omisso quanto aos deveres fundamentais. Daí constrói sua teoria buscando tal paralelismo, supondo que, para cada direito fundamental existe um dever fundamental. Isso fica translúcido no seguinte trecho:

“Os deveres fundamentais constituem uma categoria constitucional própria, expressão imediata ou direta de valores e interesses comunitários diferentes e contrapostos aos valores e interesses individuais consubstanciados na figura dos direitos fundamentais. O que não impede, e embora isso pareça paradoxal, que os deveres fundamentais ainda integrem a matéria dos direitos fundamentais, pois que, constituindo eles a ativação e a mobilização constitucionais das liberdades e patrimônio dos titulares dos direitos fundamentais para a realização do bem comum ou do interesse público (primário), se apresentam, em certa medida, como um conceito corelativo, contraste, delimitador do conceito de direitos fundamentais.”20

Ao lado do paralelismo entre direitos e deveres fundamentais, Nabais revela a finalidade buscada por sua tese:

“Não há lugar a qualquer (pretenso) direito fundamental de não pagar impostos […]. Há, isso sim, o dever de todos contribuírem, na medida de sua capacidade contributiva, para as despesas a realizar com as tarefas do estado. Como membros da comunidade, que constitui o estado, ainda que apenas em termos econômicos (e não políticos), incumbe-lhes, pois, o dever fundamental de suportar os custos financeiros da mesma.”21

Registra-se que o art. 31.1 da Constituição Espanhola de 197822 determina que “todos contribuirão para a sustentação dos gastos públicos…”, o que poderia dar a entender que se trata de um dever fundamental de pagar tributos, mas isso é mitigado pelas frases sequenciais da mesma norma, ao determinar que tal contribuição ocorrerá “… de acordo com sua capacidade econômica mediante um sistema tributário justo inspirado nos princípios de igualdade e progressividade que, em nenhum caso, terá alcance confiscatório”.

María Teresa Soler Roch, ao analisar essa norma, afirma:

“Não é correta, a meu juízo, uma conceituação de dever de contribuir entendido como limite ao exercício dos direitos fundamentais, porque, ao invés, a premissa é contrária: os direitos dos contribuintes (incluindo o de ser tributado de acordo com a capacidade econômica) constituem um limite ao dever de contribuir.”23

Lida em sua completude, e não de forma fatiada, essa norma da Constituição da Espanha consagra a isonomia, sob a vertente da capacidade contributiva que deve ser aplicada nas relações entre fisco e contribuintes, e não um “dever fundamental” de pagar tributos.

Bodo Pieroth e Bernhard Schlink declaram explicitamente que “não têm fundamento no texto da Constituição os deveres de pagar imposto [...] por vezes referido como obrigações fundamentais; embora se possa dizer que a República Federal da Alemanha depende deles, isso carece afinal do legislador, que os introduz e conforma.” Afinal, arrematam, “A ideia de um dever de cumprir deveres é tão estranha como a de um direito de exercer direitos [...]. Essa duplicação de deveres por um dever fundamental não traz quaisquer reconhecimentos jurídicos adicionais.”24

De forma contrária, Ingo Sarlet acata a existência de deveres fundamentais, dentre eles o de pagar impostos, caracterizando-o como um dever autônomo, que seriam aqueles que “não estão relacionados diretamente à conformação de nenhum direito subjetivo”, tal como o de colaborar na administração eleitoral e o de prestar serviço militar25.

Cristina Pauner Chulvi em instigante obra sobre esse tema, afirma que “não há correlação necessária entre os deveres e os direitos estabelecidos pela Constituição, ainda que esta autonomia dos deveres fundamentais frente aos direitos fundamentais não signifique uma total desvinculação destas figuras, já que os primeiros gravitam forçosamente em torno dos segundos, porque ambas categorias identificam o estatuto constitucional do indivíduo em um Estado democrático de Direito. […] Em caso de descumprimento de um dever constitucional por parte de um sujeito obrigado a ele, não haverá possibilidade de que outro indivíduo exija sua realização, pois não se encontra legitimado para isso”26.

Especificamente sobre a questão tributária, Pauner Chulvi menciona que, ante o dever de concorrer aos gastos públicos,correlativo ao poder tributário, ocorrendo o fato imponível, “o dever cede e surge a obrigação ou nasce o direito a exigir o pagamento do tributo”27. Nesse sentido, a Constituição impõe deveres aos cidadãos que, com a mediação da lei, se concretizam como obrigações específicas. E arremata: “não parece que se possa estabelecer a correlação entre o dever do cidadão de ingressar uma quantidade de dinheiro no cumprimento de suas obrigações tributárias, com um suposto direito subjetivo da Administração de a exigir, e, muito menos, o direito subjetivo de outros cidadãos a que o obrigado cumpra seu pagamento”28.

06. A despeito do apreço por seu autor, na obra de Nabais há uma imprecisão que decorre, ao que tudo indica, da busca pelo paralelismo conceitual entre direitos e deveres fundamentais.

Esta imprecisão se identifica no uso da expressão dever. A relação fisco-contribuinte é uma relação obrigacional, e não um dever.

Para compreensáo da diferença entre estes conceitos, utiliza-se a doutrina de Santi Romano, que aponta distinções conceituais entre poder, direito subjetivo, obrigações, dever e ônus.

Para Santi Romano, poder são aqueles “de desenvolvimento da capacidade jurídica, qualificada numa das suas direções ou aspectos genéricos”, tais como o poder de legislar ou de normatizar, o poder punitivo, o poder de polícia, o de prestar serviço militar, ou ainda, no âmbito privado, o poder de fazer testamento. Já os direitos subjetivos “são os poderes que se desenvolvem numa particular e concreta relação jurídica”, ambos regulados pelo ordenamento jurídico29. Existem direitos subjetivos que surgem após a manifestação de um poder, como

“o direito de crédito do Estado (após) exercer seu poder de impor tributos. Nestes casos, o poder é um momento intermediário entre a capacidade e o direito (subjetivo); é consequente à primeira e mais restrito, mas precede o segundo sendo mais amplo que este”30.

Assim, em um primeiro passo de compreensão, pode-se afirmar que existe um poder de impor tributos, exercido de conformidade com o ordenamento jurídico, do qual surge um direito subjetivo de crédito ao Estado. “O direito (subjetivo) implica sempre uma determinada relação e dela é elemento; o poder pode compreender-se em relações, mas permanece fora delas”31.

Semelhante ao conceito de direito subjetivo, mas não simétrico a ele, é o de dever, que se caracteriza como uma obrigação, segundo Santi Romano. O direito subjetivo se expressa por meio do exercício de uma vontade, enquanto o dever é um vínculo da vontade que obriga o sujeito a uma ação, ou a uma omissão ou ao reconhecimento de uma determinada situação. E arremata: “Nem sempre a um direito corresponde um dever específico, ou vice-versa.” Exemplifica o autor mencionando os direitos reais, que são direitos sobre um objeto, aos quais “não corresponde nenhuma obrigação de sujeitos determinados, mas apenas o dever genérico de alterum non laedere (não prejudicar o outro)”32.

Em um segundo passo de compreensão, identifica-se que os deveres são obrigações que surgem de direitos subjetivos, mas que com estes não se identificam plenamente, pois: (1) os direitos subjetivos são exercidos por meio de uma vontade, pois pertencem ao seu titular, enquanto (2) os deveres obrigam o sujeito a uma ação ou omissão ou ao reconhecimento de terminada situação.

Santi Romano menciona ainda que “a um poder podem associar-se deveres”, que segue a linha conhecida doutrinariamente como “poder-dever”, mas, mesmo nesta hipótese, surgiriam de forma correspondente, direitos correlatos, que seriam “direitos contra poderes”, que o autor exemplifica com o voto do cidadão em um sistema de voto obrigatório, pois este tem o dever de votar, mas pode fazer em quem desejar33.

Classificando estes direitos subjetivos quanto ao conteúdo, surge a categoria dos direitos públicos a prestação, dentre os quais “o direito do Estado aos tributos”, considerando que “quando tais direitos têm caráter patrimonial se diz direito de crédito”34.

Existe ainda outra importante distinção entre obrigação e ônus, pois este existe “quando se coloca um ato a cargo de alguém, não o obrigando a cumpri-lo, mas estabelecendo que, se não o cumprir, correrá o risco de perder ou de não conseguir um efeito útil.”35

Deste modo, buscando sintetizar o pensamento de Santi Romano sobre o tema, e relacionando-o ao objeto sob análise, pode-se afirmar que existe uma distinção entre poder, direito subjetivo, obrigação e dever no âmbito tributário. Existe o poder de tributar, que é exercido de conformidade com o ordenamento jurídico. Decorrente do exercício do poder de tributar surge uma obrigação tributária vinculando o Estado (sujeito ativo da relação) com o contribuinte (sujeito passivo). Essa obrigação acarreta direitos e deveres recíprocos, limitados pela lei. Logo, juridicamente existem deveres dos contribuintes dentro de uma relação obrigacional, não como um dever decorrente da singela existência do Estado. É no seio da obrigação legal que surgem os deveres dos contribuintes, e não como uma força ontológica decorrente da existência do Estado.

Esse aspecto é de fundamental importância, pois, uma coisa é um dever, considerado de forma abstrata e sem vínculos obrigacionais, outra coisa é afirmar que todas as pessoas, indistintamente consideradas, têm o dever de pagar tributos apenas por serem habitantes de certo território no qual o Estado exerce seu poder de tributar. O elemento diferencial é o conceito de obrigação, no caso, de obrigação legal, que vincula esse dever de uma específica quantidade de pessoas, qualificadas como contribuintes nessa relação obrigacional estabelecida por força de lei. Perder de vista esse elemento obrigacional é retornar ao tempo histórico da plena sujeição das pessoas aos amplos poderes do Estado Absoluto.

Esta distinção entre dever e obrigação é exposta por Eros Roberto Grau com precisão36:

“O dever jurídico consubstancia precisamente uma vinculação ou limitação imposta à vontade de quem por ele alcançado. Definido como tal pelo ordenamento jurídico, o dever há de ser compulsoriamente cumprido, sob pena de sanção jurídica – o seu não atendimento configura comportamento ilícito.

A obrigação ‘consubstancia’ (no sentido estrito) um vínculo em razão do qual uma pessoa (devedor) deve a outra (credor) o cumprimento de uma certa prestação. A obrigação consubstancia um direito relativo, na medida em que o crédito que dela decorre apenas pode ser exigido, pela pessoa ou pluralidade de pessoas dele titular, contra a pessoa ou pluralidade de pessoas na situação de devedor.

Assim ocorre na relação jurídico-tributária, que é de natureza obrigacional: o pagamento do tributo, pelo particular, implica satisfação de interesse do Estado.”

Nesse sentido, a obrigação tributária decorre de lei, e o credor é o Estado, representado pelo governo, que gerencia o fisco. Apenas utilizando-se abstrações jurídicas inadequadas, seria possível dizer que o destinatário dessa arrecadação será, em última instância, a sociedade; porém, em sentido técnico, não se pode afirmar que a sociedade é credora dos contribuintes, mas sim o fisco/governo/Estado.

07. Por outro lado, supondo-se que a relação tributária não seja obrigacional, mas decorra de um dever, será esse fundamental, no âmbito arrecadatório? Da mesma forma entende-se que não. Há um dever fundamental com relação aos gastos públicos, às prestações civilizatórias que os governos devem executar e cujo destinatário será a sociedade, com especial ênfase à sua parcela hipossuficiente, mas não no âmbito arrecadatório, em que os contribuintes se encontram em uma relação obrigacional para com o Estado, representado pelo governo, que gerencia os fiscos.

Pode-se falar também de certo paralelismo entre direitos e deveres entre o contribuinte e os governos/fisco, no sentido de que aos direitos fundamentais dos contribuintes há uma correspondência do dever fundamental do fisco de se ater aos limites normativamente estabelecidos à cobrança dos tributos, porém, mesmo aqui, será um dever do fisco, e não dos contribuintes. Não há um dever genérico, ainda mais que se possa denominar de fundamental, no sentido de pagar tributos, ainda mais alicerçado em critérios que devem ser subsumidos à estrita reserva legal, como o da solidariedade, da isonomia e da progressividade.

Usando expressões atécnicas pode-se dizer que há um “dever geral e abstrato dos indivíduos de pagar os tributos”, mas não se pode falar de forma técnica que exista (1) um dever (2) que seja fundamental de pagamento de tributos. Se tanto, e quando muito, seria possível admitir a tese de Nabais considerando a existência de um dever fundamental de pagar tributos, apenas se for utilizada em um sentido macrojurídico37, isto é, em busca de uma sociedade mais justa, na qual todos devem contribuir de forma progressiva de conformidade com sua capacidade contributiva, a qual corresponde a um dos aspectos das capacidades financeiras, cujo reverso é a capacidade receptiva38. Nesse sentido, na busca de uma sociedade mais justa, pode-se cogitar do uso atécnico da expressão dever, sem conjugá-la com a expressão fundamental, e sem a efetiva cogência que se identifica presente na obra de Nabais.

Não há dúvida de que a sociedade deve contribuir para a sustentação do Estado – aliás, essa é a principal razão da existência de um ramo específico do direito denominado de direito tributário. É também indene de dúvidas que as prestações civilizatórias (gastos públicos) realizadas pelo Estado Social decorrem da arrecadação tributária, que há de ser prévia aos dispêndios.

É também indubitável que essa dinâmica se insere em um contexto de solidariedade social considerada de forma macrojurídica. Todas essas conclusões estão de conformidade com a frase proferida em 1904 por Oliver Wendell Holmes Jr., Presidente da Suprema Corte norte-americana: Tributos são o preço que pagamos por uma sociedade civilizada39. Observe-se que a frase vincula os dois lados das operações financeiras, o da arrecadação e o do gasto.

A mesma linha é identificada em Rubens Gomes de Sousa, para quem ”a tributação deixa de ser uma limitação da propriedade e dos direitos dela decorrentes, para ser apenas uma condição de seu exercício, imposta pelo interesse coletivo”, pois o direito tributário “corresponde à consciência coletiva: se esta considera necessária a existência do Estado tem que admitir também a necessidade dos tributos, porque o Estado precisa de meios financeiros para realizar seus fins”40. Apenas nesse sentido teórico é que se poderá dizer que há concordância com Nabais, cuja obra, ao que tudo indica, também se alinha com o pensamento desses autores, embora siga além deles41.

Quem possui direitos que são fundamentais são os contribuintes. A essa categoria dogmática não corresponde seu reverso tributário, a dos deveres fundamentais dos contribuintes para com o fisco/governo/Estado. O fisco possui direitos, é bem verdade, de acordo com o ordenamento jurídico de cada país e dentro de uma relação obrigacional legalmente estabelecida, e de conformidade com os contornos constitucionais, que também impõe ao fisco deveres em relação aos contribuintes, dentre eles o de cobrar os tributos de forma isonômica, sob pena de violação concorrencial envolvendo empresas e nos limites impostos pela lei. Porém, no âmbito arrecadatório, não se identifica nenhum dever que seja fundamental vinculando os contribuintes em relação ao fisco.

Conclusões

08. Em apertada síntese, conclui-se que:

– O bem protegido pelo direito tributário é a propriedade privada das pessoas físicas e jurídicas em face do poder arrecadatório dos governos, organizados de conformidade com a estrutura de Estado em cada ordenamento jurídico, e não a liberdade dessas pessoas;

– Não existe uma categoria jurídica que identifique um dever fundamental de pagar tributos sob a ótica das relações entre fisco e contribuintes, mas uma obrigação dos contribuintes de pagar tributos, a qual é despida do atributo de fundamentalidade, característica de certos direitos consagrados por cada ordenamento jurídico, constituindo-se em direitos fundamentais, atributo pertinente aos indivíduos, e que configuram parte do que se denomina de Estado Democrático de Direito.

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SCAFF, Fernando Facury. Uma introdução à análise macro e microjurídica e as políticas públicas. In: LAVOURAS, Matilde et al. Boletim de Ciências Económicas v. 66, t. 3. Coimbra, Portugal, 2023, p. 2.925-2.952. Edição especial em homenagem ao Prof. Doutor Manuel Carlos Lopes Porto.

SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

SOLER ROCH, María Teresa. Deber de contribuir y derecho de propiedad en el ámbito de protección de los derechos humanos. In: GARCÍA BERRO, Florián (org.). Derechos fundamentales y Hacienda Pública: una perspectiva europea. Navarra: Civitas, 2015, p. 23-51.

SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de legislação tributária. São Paulo: Resenha tributária, 1975.

TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional, financeiro e tributário. 5 volumes. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

WEISMAN, Steven R. Great tax wars. New York: Simon & Schuster Paperbacks, 2004.

1 Usa-se esta distinção pois é útil para a exposição, embora exista uma correta crítica a ela, que reside no fato de que toda a carga tributária sobre as empresas é repassada aos consumidores de seus produtos, sejam bens ou serviços, caso, ao final de um período ela tenha obtido lucro. Nesse sentido, ver Brandão Machado. Repetição do indébito no direito tributário. In: BRANDÃO MACHADO (coord.). Estudos em homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 61-106.

2 É irrelevante se o tributo sobre o consumo está embutido ou destacado nas operações. De qualquer modo, o preço do bem será acrescido do valor do imposto.

3 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional, financeiro e tributário. 5 volumes. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

4 Nesse sentido, ver GALGANO, Francesco. Historia del derecho mercantil. Barcelona, 1980.

5 De certo modo se encontra esse mesmo contraponto em SCHOUERI, Luís Eduardo (Direito tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2018, p. 24 e ss), ao vincular a liberdade ao exercício do direito de propriedade ao longo de uma trajetória histórica, tendo por base a revolução liberal inglesa de 1689.

6 A despeito do fenômeno da arrecadação para sustentação do Estado ser muito anterior, conforme exposto por Fernando Facury Scaff nos itens 1.5 e 1.6 da obra Orçamento republicano e liberdade igual – ensaio sobre direito financeiro, República e direitos fundamentais no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2018.

7 Nesse sentido, consultar SCAFF, Fernando Facury. Responsabilidade do Estado por intervenção no domínio econômico. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

8 Em 1689 Locke afirmou sobre a propriedade da terra: “na realidade, a cerca que um indivíduo colocasse em seu benefício não reduziria nunca a parte dos outros” (LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. Le Books Editora Digital, 2018, Capítulo V, p. 64).

9 Em 1754, Rousseau afirmou que: “O primeiro que, ao cercar um terreno, teve a audácia de dizer, ‘isto é meu’, e encontrou gente bastante simples para acreditar nele, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras e assassinatos, quantas misérias e horrores teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas e cobrindo o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: ‘Não escutem esse impostor! Estarão perdidos se esquecerem que os frutos são de todos e a terra é de ninguém’.” (ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Traduzido por Paulo Neves. Porto Alegre: L&PM, 2013, p. 80)

10 Ver Capítulo 2. “Art. 17. Como a propriedade é um direito inviolável e sagrado, ninguém dela pode ser privado, a não ser quando a necessidade pública legalmente comprovada o exigir e sob condição de justa e prévia indenização.”

11 Idem, p. 101.

12 DERZI, Misabel Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. 2. ed. São Paulo: RT, 2007, capítulo 4.

13 De certa forma, Martha Toribio Leão conurba os dois conceitos, ao afirmar que “o direito tributário possui vínculo direto com os direitos fundamentais, na medida em que sua atuação age diretamente sobre a liberdade e o direito de propriedade dos contribuintes.” (LEÃO, Martha Toribio. O direito fundamental de economizar tributos – entre legalidade, liberdade e solidariedade. São Paulo: Malheiros, 2018, p. 44). Na verdade, a autora destaca a liberdade em sua obra, como se verifica no título e no item 1.4.4, que é dirigido à proteção da liberdade, embora afirme que “a garantia da propriedade deve ser a linha a ser observada no exercício do poder de tributar (p. 89).

14 Soler Roch, María Teresa. Deber de contribuir y derecho de propiedad en el ámbito de protección de los derechos humanos. In: GARCÍA BERRO, Florián (org.). Derechos fundamentales y Hacienda Pública: una perspectiva europea. Navarra: Civitas, 2015, p. 23-51, p. 26.

15 SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

16 Nesse sentido, ver SCAFF, Fernando Facury. Da igualdade à liberdade: considerações sobre o princípio jurídico da igualdade. Belo Horizonte: D’Plácido Editora, 2022.

17 NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 1988.

18 NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 1988, p. 17-18.

19 NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 1988, p. 19.

20 NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 1988, p. 37-38.

21 NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 1988, p. 186.

22 “Artículo 31.1. Todos contribuirán al sostenimiento de los gastos públicos de acuerdo con su capacidad económica mediante un sistema tributario justo inspirado en los principios de igualdad y progresividad que, en ningún caso, tendrá alcance confiscatorio.”

23 Soler Roch, María Teresa. Deber de contribuir y derecho de propiedad en el ámbito de protección de los derechos humanos. In: GARCÍA BERRO, Florián (org.). Derechos fundamentales y Hacienda Pública: una perspectiva europea. Navarra: Civitas, 2015, p. 23-51, p. 24.

24 PIEROTH, Bodo; SCHLINK, Bernhard. Direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p. 119.

25 SARLET, Ingo. A eficácia dos direitos fundamentais. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010, p. 228.

26 PAUNER CHULVI, Cristina. El deber constitucional de contribuir al sostenimiento de los gastos públicos. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2001, p. 35.

27 PAUNER CHULVI, Cristina. El deber constitucional de contribuir al sostenimiento de los gastos públicos. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2001, p. 37.

28 PAUNER CHULVI, Cristina. El deber constitucional de contribuir al sostenimiento de los gastos públicos. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2001, p. 65.

29 ROMANO, Santi. Princípios de direito constitucional geral. Tradução de Maria Helena Diniz. São Paulo: RT, 1977, p. 139.

30 ROMANO, Santi. Princípios de direito constitucional geral. Tradução de Maria Helena Diniz. São Paulo: RT, 1977, p. 140, parêntesis apostos.

31 ROMANO, Santi. Princípios de direito constitucional geral. Tradução de Maria Helena Diniz. São Paulo: RT, 1977, p. 141, parêntesis apostos.

32 ROMANO, Santi. Princípios de direito constitucional geral. Tradução de Maria Helena Diniz. São Paulo: RT, 1977, p. 142, parêntesis apostos.

33 ROMANO, Santi. Princípios de direito constitucional geral. Tradução de Maria Helena Diniz. São Paulo: RT, 1977, p. 143.

34 ROMANO, Santi. Princípios de direito constitucional geral. Tradução de Maria Helena Diniz. São Paulo: RT, 1977, p. 148-149.

35 ROMANO, Santi. Princípios de direito constitucional geral. Tradução de Maria Helena Diniz. São Paulo: RT, 1977, p. 153.

36 GRAU, Eros Roberto. Nota sobre a distinção entre obrigação, dever e ônus. (1982). Revista da Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, 77, 177-183. P. 178-179.

37 Nesse sentido, ver SCAFF, Fernando Facury. Uma introdução à análise macro e microjurídica e as políticas públicas. In: LAVOURAS, Matilde et al. Boletim de Ciências Económicas v. 66, t. 3. Coimbra, Portugal, 2023, p. 2.925-2.952. Edição especial em homenagem ao Prof. Doutor Manuel Carlos Lopes Porto.

38 SCAFF, Fernando Facury. Orçamento republicano e liberdade igual – ensaio sobre direito financeiro, República e direitos fundamentais no Brasil. Belo Horizonte: Fórum, 2018.

39 “Taxes are what we pay for civilized society” (Weisman, Steven R. Great tax wars. New York: Simon & Schuster Paperbacks, 2004, p. 2-3).

40 SOUSA, Rubens Gomes de. Compêndio de legislação tributária. São Paulo: Resenha Tributária, 1975, p. 55-56.

41 Embora o texto se oriente para as questões referentes à interpretação das normas antielisivas, há uma crítica acerba à teoria do dever fundamental de pagar tributos na obra de LEÃO, Martha Toribio. O direito fundamental de economizar tributos – entre legalidade, liberdade e solidariedade. São Paulo: Malheiros, 2018.