A Imunidade Tributária do IPTU nas Concessões de Aeroportos: Análise do Tema 1.297 (RE n. 1.479.602)
Property tax Immunity for Airport Concessions: Analysis of Theme 1,297 (Extraordinary Appeal 1.479.602)
João Paulo Pessôa Pereira Lustosa
Mestre em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco – Unicap. Pós-graduado pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Pós-graduando pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Graduado pela Unicap. Advogado. E-mail: jpl@martorelli.com.br.
Paulo Rosenblatt
Doutor em Direito Tributário pela Universidade de Londres. Mestre e Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do Recife (FDR/UFPE). Professor de Direito Tributário da Universidade Católica de Pernambuco. Procurador do Estado de Pernambuco. Advogado. E-mail: paulorosenblatt@hotmail.com.
https://doi.org/10.46801/2595-6280.59.30.2025.2752
Resumo
A pesquisa analisa os critérios de aplicação da imunidade tributária recíproca nos aeroportos concedidos a particulares, a partir da divergência jurisprudencial que culminou na afetação do Tema 1.297 (RE n. 1.479.602) pelo Supremo Tribunal Federal. Para abordar essa questão, foi necessário: (i) conceituar a imunidade tributária recíproca (art. 150, VI, a, da CF); (ii) analisar a natureza jurídica e a composição dos aeroportos; (iii) extrair possíveis critérios de aplicabilidade da imunidade tributária recíproca nos aeroportos concedidos a particulares. A metodologia utilizada foi dogmática, de natureza descritiva e exploratória, realizada através de revisão bibliográfica e estudo de caso. Consideradas as diversas áreas que compõem os aeroportos (art. 39 do CBA), conclui-se a existência de imunidade recíproca apenas nas áreas afetadas ao serviço público stricto sensu, enquanto as demais áreas podem estar sujeitas ao IPTU.
Palavras-chave: imunidade tributária recíproca, IPTU, aeroportos, concessão a particular, serviço público stricto sensu, Tema 1.297 (RE n. 1.479.602).
Abstract
This paper examines the criteria for applying reciprocal tax immunity in airports leased to private entities, considering the divergent case law that lead to its examination in Theme 1.297 (RE 1.479.602) by the Supreme Federal Court. To address the issue, it was necessary to: (i) define tax immunity (Article 150, VI, a, of the Federal Constitution); (ii) analyze the legal nature and composition of airports; (iii) extract possible criteria for the applicability of reciprocal tax immunity at airports granted to private entities. The methodology employed was descriptive and exploratory, carried out through literature review and case study. Considering the various areas within the airports (Article 39 of the CBA), it is concluded that reciprocal immunity is applied only on areas affected by public service stricto sensu, while others may be subject to the property tax.
Keywords: reciprocal tax immunity, Urban Property Tax (IPTU), airports, private concession, public service stricto sensu; Theme 1.297 (RE 1.479.602).
1. Introdução
O presente trabalho apresenta uma pesquisa dogmática acerca dos critérios que poderiam determinar a aplicação ou não da imunidade tributária nos aeroportos concedidos a particulares para a exploração do serviço público aeroportuário.
A problemática emergiu da divergência jurisprudencial no reconhecimento ou não da imunidade tributária recíproca dos aeroportos concedidos a particulares, que culminou na afetação da matéria no Recurso Extraordinário n. 1.479.602 (Tema 1.297) pelo Supremo Tribunal Federal, existindo 3 (três) correntes alternativas: (i) há imunidade dos aeroportos, ainda que concedidos aos particulares para a exploração do serviço público; (ii) haverá a incidência do IPTU sobre todo o aeroporto, em virtude dos lucros aferidos pelos particulares com a prestação dos serviços públicos; e (iii) algumas áreas gozarão da imunidade tributária, enquanto outras serão passíveis de incidência do IPTU, tendo-se como hipótese inicial a impossibilidade de cobrança do IPTU sobre os aeroportos.
A relevância da pesquisa reside no resultado do RE n. 1.479.602 (Tema 1.297), dado que tanto as concessionárias quanto os municípios sofrerão significativo impacto financeiro com a eventual fixação da tese jurídica de efeito vinculativo.
Para tanto, inicialmente será realizada a revisão bibliográfica acerca dos regramentos relativos à imunidade tributária recíproca contida nas alíneas do art. 150, VI, a, da Constituição Federal (CF), especialmente àqueles fixados em caráter vinculante pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Posteriormente, será analisada a natureza jurídica e a composição dos aeroportos à luz das legislações cível, tributária e aeronáutica, identificando discriminadamente cada área que compõe o sítio aeroportuário.
Em seguida, será realizada uma análise jurisprudencial acerca dos critérios de aplicabilidade ou não da imunidade tributária recíproca nos aeroportos concedidos a entidades privadas. Isso será feito por meio do estudo dos Temas 385, 437, 508 e 1.140 da repercussão geral do STF, juntamente com o estudo de caso do RE n. 1.479.602 (Tema 1.297).
A partir disso, será possível verificar se a imunidade tributária se aplica ou não aos aeroportos concedidos a particulares para exploração do serviço público aeroportuário, possibilitando a resposta ao problema de pesquisa proposto.
2. A imunidade tributária recíproca (art. 150, VI, a, da CF)
O poder de tributar é uma prerrogativa estatal exercida sob a égide da soberania e essencial para a sustentação financeira do Estado, cuja principal fonte de receitas consiste nos tributos, definidos pelo art. 3º do Código Tributário Nacional (CTN) como “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.
Contudo, o constituinte optou por eleger certos bens, serviços, sujeitos ou circunstâncias objetivas, em razão de sua relevância social ou econômica, como vedados ou limitados à incidência do poder de tributar, cujas determinações encontram-se compreendidas no texto constitucional1.
Assim, a imunidade tributária é uma limitação ao poder de tributar estabelecida constitucionalmente, que proíbe a tributação em determinados casos para proteger valores constitucionais e assegurar direitos fundamentais, configurando um direito público subjetivo2.
Já Regina Helena Costa3 define a imunidade tributária como uma exoneração expressamente prevista na Constituição, que impede a atribuição de competência tributária em situações especificadas pelo constituinte.
Por outro lado, Aliomar Baleeiro4 conceitua a imunidade tributária como a vedação absoluta ao poder de tributar certas pessoas (subjetivas) ou bens (objetivas) e, às vezes, uns e outros. Sobre tais pontos, haveria uma espécie de “intributabilidade”, ou seja, a delimitação do campo tributável posto à disposição do ente tributante5, considerando serem situações em que o constituinte teve o intuito de salvaguardar situações ligadas a valores constitucionalmente protegidos6.
A melhor definição coube a José Souto Maior Borges7, para quem a imunidade é uma “hipótese de não incidência constitucionalmente qualificada”. Logo, para fins do presente trabalho, adotar-se-á essa definição de imunidade tributária como limitação ao poder de tributar, prevendo situações de não incidência tributária, em razão de delimitação constitucional das competências tributárias, a partir da presença de critérios objetivos ou subjetivos expressamente previstos.
Dentre as inúmeras imunidades tributárias preconizadas no texto constitucional, o presente capítulo busca, sem teor exaustivo, estudar a imunidade tributária contida no art. 150, VI, a, da Constituição Federal (imunidade recíproca), relacionada à impossibilidade de tributar por impostos o patrimônio, a renda e os serviços, entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Nessa tipificação alinear, denota-se que a imunidade tributária foi conferida em virtude da personalidade envolvida (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), caracterizados por serem entes públicos stricto sensu. Isso ocorre tendo em vista o princípio federativo (art. 1º, caput, da CF), e em virtude do caráter horizontal empregado em relação às referidas entidades8, sem qualquer hierarquia entre eles.
Portanto, a imunidade tributária recíproca se fundamenta no princípio republicano. Se fosse possível a tributação entre os entes públicos stricto sensu, os de maior força política, como a União, poderiam sobrepujar os outros, Estados e Municípios. Isso violaria também a isonomia das pessoas políticas e comprometeria a autonomia de competências estabelecida no pacto federativo9.
Não obstante, o art. 150, § 2º, da CF prevê a extensão da imunidade recíproca às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. Logo, a limitação ao poder de tributar abrange não só os entes públicos stricto sensu, como também aos lato sensu.
Entretanto, a Constituição previu limitações às imunidades tributárias. Segundo o seu art. 150, § 3º, os entes públicos lato sensu que desempenham “exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel”.
Além disso, afastou privilégios fiscais a empresas públicas e sociedades de economia mista que não sejam extensivas às empresas do setor privado, nos termos do art. 173, § 2º, da CF.
Diante do exposto, para se qualificar na imunidade tributária constante da alínea a do art. 150, VI, da CF, é necessário considerar o critério da personalidade, aqui entendido como entes públicos stricto ou lato sensu, exceto nos casos em que o ente público explore atividades econômicas regidas pelo direito privado, em concorrência com os particulares, ou em que haja o pagamento de tarifas.
3. A natureza jurídica e a composição dos aeroportos
Além do poder de tributar, também é uma prerrogativa estatal, exercida sob a égide da soberania, o exercício exclusivo de certas atividades ou serviços, revestidos de relevância social por expressa disposição legal ou constitucional.
“O regime de privilégio, típico dos serviços públicos, supõe o exercício de atividade econômica pelo Estado com exclusividade em relação aos particulares e em relação aos demais entes federativos não titulares. Opera verdadeiro monopólio de uma dada atividade econômica. Daí que o mesmo regime imposto ao Estado para o fim de monopolizar uma determinada atividade econômica é também aplicável para as hipóteses de criação de novo serviço público.”10
Nesse contexto, o art. 21, XII, alínea c, da Constituição Federal atribui competência à União para exploração, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, da navegação aérea, aeroespacial e da infraestrutura aeroportuária.
Em relação à infraestrutura aeroportuária da União, foi criada a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária – Infraero, vinculada ao Ministério da Aeronáutica, para implantar, administrar, operar e explorar industrial e comercialmente a infraestrutura aeroportuária, conforme o art. 2º da Lei n. 5.862/1972 (Lei da Infraero).
Por outro lado, no intuito de fiscalizar as atividades da Infraero e do setor aeroportuário, a União instituiu a Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC, entidade integrante da Administração Pública Federal indireta, responsável por regular e fiscalizar as atividades de aviação civil e de infraestrutura aeronáutica e aeroportuária, conforme os arts. 1º, caput, e 2º da Lei Federal n. 11.182/2005 (Lei da ANAC).
Com base em tais assertivas, a Infraero – mediante autorização da ANAC – realizou a concessão de vários aeroportos para a prestação dos serviços públicos aeroportuários por particulares, conforme permissivo constitucional do art. 21, XII, alínea c, da CF. Há hoje um total de 51 (cinquenta e um) aeroportos concedidos: Alta Floresta (MT), Altamira (PA), Aracaju (SE), Bagé (RS), Bacacheri (PR), Belém (PA), Boa Vista (RR), Brasília (DF), Campina Grande (PB), Campo de Marte (SP), Campo Grande (MS), Congonhas (SP), Corumbá (MS), Cruzeiro do Sul (AC), Cuiabá (MT), Curitiba (PR), Foz do Iguaçu (PR), Goiânia (GO), Guarulhos (SP), Imperatriz (MA), Jacarepaguá (RJ), Joinville (SC), João Pessoa (PB), Juazeiro do Norte (CE), Londrina (PR), Macaé (RJ), Macapá (AP), Maceió (AL), Manaus (AM), Marabá (PA), Montes Claros (MG), Navegantes (SC), Palmas (TO), Parauapebas (PA), Pelotas (RS), Petrolina (PE), Ponta Porã (MS), Porto Velho (RO), Recife (PE), Rondonópolis (MT), Salvador (BA), Santarém (PA), São Luís (MA), Sinop (MT), Tabatinga (AM), Tefé (AM), Teresina (PI), Uberaba (MG), Uberlândia (MG), Uruguaiana (RS) e Vitória (ES)11.
Isso se dá pelo intuito do ente público em incentivar o financiamento alternativo das atividades através de sua concessão ao setor privado, de modo que “quanto maior for a arrecadação alternativa, menor poderá ser a tarifa cobrada dos usuários”12.
Ocorre que, mesmo concedidos a particulares, os aeroportos mantêm sua natureza jurídica de bem público federal, ainda que por equiparação, conservando tal revestimento jurídico enquanto mantida a sua destinação específica, conforme o art. 38, caput, da Lei n. 7.565/1986 – Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA) c/c o art. 99, II, do Código Civil, respectivamente:
“Art. 38. Os aeroportos constituem universalidades, equiparadas a bens públicos federais, enquanto mantida a sua destinação específica, embora não tenha a União a propriedade de todos os imóveis em que se situam.
Art. 99. São bens públicos:
II – os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;”
A natureza jurídica de bem público federal não está afetada à propriedade do aeroporto em si, mas sim ao serviço público desempenhado, de modo que, ainda que cedido a particulares, os aeroportos mantêm o mesmo status.
Em paralelo à sua natureza jurídica de bem público federal, os aeroportos são compreendidos como áreas delimitadas em terra ou na água, destinadas total ou parcialmente à chegada, partida e movimentação de aeronaves, suas cargas e passageiros, compreendendo na sua composição os elementos descritos no art. 39 do CBA. Esses elementos incluem pistas de pouso e decolagem, terminais de passageiros, áreas de carga, hangares e outras infraestruturas essenciais para operações aeroportuárias:
“Art. 39. Os aeroportos compreendem áreas destinadas:
I – à sua própria administração;
II – ao pouso, decolagem, manobra e estacionamento de aeronaves;
III – ao atendimento e movimentação de passageiros, bagagens e cargas;
IV – aos prestadores de serviços aéreos;
V – ao terminal de carga aérea;
VI – aos órgãos públicos que, por disposição legal, devam funcionar nos aeroportos internacionais;
VII – ao público usuário e estacionamento de seus veículos;
VIII – aos serviços auxiliares do aeroporto ou do público usuário;
IX – ao comércio apropriado para aeroporto.”
A administração do aeroporto (inciso I) consiste no espaço operacional que concentra as atividades gerenciais e administrativas que garantem o funcionamento eficiente do aeroporto. Isso inclui o controle de tráfego aéreo, segurança, recursos humanos e financeiros.
As áreas de pouso, decolagem, manobra e estacionamento (inciso II) englobam as pistas de pouso e decolagem, taxiways, hangares, seus espaços circunscritos e também locais para que as aeronaves possam ser estacionadas e preparadas para voos subsequentes.
Por sua vez, as áreas destinadas às movimentações de passageiros, bagagens e cargas (inciso III) compreendem os terminais de passageiros e de carga, check-in, áreas de segurança, portões de embarque e facilidades para retirada de bagagem.
Já as áreas de prestadores de serviços aéreos (inciso IV) seriam os locais onde as empresas aéreas e eventuais terceirizadas que lhes prestam serviços funcionam, realizando manutenção, reparos, abastecimento ou catering13 das aeronaves.
O inciso V prevê as áreas do terminal de carga como componentes do aeroporto, o que englobaria as esteiras de bagagens, os depósitos de armazenamento, manuseio e guarda, além das áreas de transferência e locomoção das bagagens entre as aeronaves e os meios de transporte terrestres.
As áreas destinadas aos órgãos públicos que, por disposição legal, devam funcionar nos aeroportos internacionais (inciso VI) constituem os locais utilizados por órgãos como Polícia Federal, Receita Federal, Bombeiros ou ANAC, destinados a realizar funções de segurança, controle de fronteiras (nacionais ou internacionais) ou fiscalização.
As áreas destinadas ao uso público e estacionamento (inciso VII) compreendem espaços acessíveis ao público geral, incluindo estacionamentos de veículos, áreas de espera, lojas, restaurantes e outras comodidades que atendem às necessidades dos viajantes e visitantes, facilitando o acesso e a mobilidade dentro do complexo aeroportuário.
As áreas destinadas aos serviços auxiliares (inciso VIII) consistem nas localidades afetadas aos serviços que aprimoram a experiência dos usuários, como limpeza, manutenção das instalações, banheiros ou assistência a passageiros com necessidades especiais.
Por fim, as áreas destinadas ao comércio apropriado para aeroporto (inciso IX) compreendem lojas e estabelecimentos considerados apropriados ao contexto aeroportuário, tais como as lojas internacionais ou Duty-Free.
Diante do exposto, conclui-se que a navegação aérea e aeroespacial, e a infraestrutura aeroportuária são de competência exclusiva da União (art. 21, XII, c da CF). Essas atividades são exploradas diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, por intermédio da Infraero (art. 2º da Lei da Infraero), regulada e fiscalizada pela ANAC (art. 2º da Lei da ANAC).
Os aeroportos possuem natureza jurídica de bem público federal (art. 38, caput, do CBA c/c o art. 99, II, do CC), definidos como áreas delimitadas em terra ou na água, destinadas total ou parcialmente à chegada, partida e movimentação de aeronaves, suas cargas e passageiros. Essas áreas são organizadas (art. 39, I ao IX, do CBA) em: (i) administrativa; (ii) pouso, decolagem, manobra e estacionamento de aeronaves; (iii) atendimento e movimentação de passageiros, bagagens e cargas; (iv) prestadores de serviços aéreos; (v) terminal de carga aérea; (vi) órgãos públicos; (vii) circulação e estacionamento dos passageiros e seus veículos; (viii) serviços auxiliares do aeroporto ou do público; e (ix) comércio apropriado para aeroporto, existindo 51 (cinquenta e um) aeroportos concedidos a entidades particulares no país.
4. Delimitação e implicações jurisprudenciais até a afetação do RE n. 1.479.602 (Tema 1.297)
A despeito das discussões doutrinárias e conceituais anteriormente abordadas, frequentemente o Supremo Tribunal Federal (STF) é instado a se manifestar sobre a extensão da imunidade tributária recíproca, bem como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) é provocado a se posicionar, enquanto intérprete máximo da legislação infraconstitucional – art. 105, III, da CF14, acerca das normas gerais a respeito do IPTU e seus fatos geradores.
Nesse contexto, o STF fixou as seguintes teses sobre a imunidade recíproca relativas ao objeto de estudo:
Tema 385: “A imunidade recíproca, prevista no art. 150, VI, a, da Constituição não se estende a empresa privada arrendatária de imóvel público, quando seja ela exploradora de atividade econômica com fins lucrativos. Nessa hipótese é constitucional a cobrança do IPTU pelo Município.”
Tema 437: “Incide o IPTU, considerado imóvel de pessoa jurídica de direito público cedido a pessoa jurídica de direito privado, devedora do tributo.”
Tema 508: “Sociedade de economia mista, cuja participação acionária é negociada em Bolsas de Valores, e que, inequivocamente, está voltada à remuneração do capital de seus controladores ou acionistas, não está abrangida pela regra de imunidade tributária prevista no art. 150, VI, ‘a’, da Constituição, unicamente em razão das atividades desempenhadas.”
Tema 1.140: “As empresas públicas e as sociedades de economia mista delegatárias de serviços públicos essenciais, que não distribuam lucros a acionistas privados nem ofereçam risco ao equilíbrio concorrencial, são beneficiárias da imunidade tributária recíproca prevista no artigo 150, VI, a, da Constituição Federal, independentemente de cobrança de tarifa como contraprestação do serviço.”
A partir das teses fixadas em repercussão geral acima, verifica-se que poderia haver a cobrança do IPTU em relação aos imóveis de propriedade de entes públicos quando: (i) houver o seu arrendamento para exploração de atividade econômica com fins lucrativos; (ii) cessão a particulares; (iii) cessão a sociedades de economia mista que tenham como objetivo primordial a remuneração de seus controladores ou acionistas, o que se presume por serem negociadas na Bolsa de Valores; e (iv) os arrendatários não distribuírem lucro a acionistas privados e nem oferecerem risco ao equilíbrio concorrencial.
Por outro lado, o STJ reconheceu a não incidência do IPTU sobre imóveis considerados bens públicos cuja administração foi concedida, com base em contrato de concessão de direito real de uso, a condomínio privado e fechado, entidade civil sem fins lucrativos, sob a fundamentação de que a posse advinda da relação estabelecida é precária e não possui animus domini15.
Ocorre que os referidos precedentes não dizem respeito diretamente ao reconhecimento ou não da imunidade tributária do IPTU de imóveis públicos concedidos aos particulares para a prestação de serviços públicos.
A esse respeito, o STF reconheceu a repercussão geral e afetou a matéria no RE n. 1.479.602 (Tema 1.297), cuja decisão de afetação assim dispôs:
“7. A primeira tese afirma que a imunidade tributária recíproca não se aplica a empresa privada, arrendatária de imóvel público, que explora atividade econômica com fins lucrativos (Tema 385/RG). A segunda orienta que incide IPTU sobre imóvel de pessoa jurídica de direito público cedido a pessoa jurídica de direito privado (Tema 437/RG). A terceira disciplina que a sociedade de economia mista, cujos ativos são negociados em Bolsas de Valores e que distribui lucro, não está abrangida pela regra de imunidade tributária (Tema 508/RG). A quarta dispõe que as empresas públicas e as sociedades de economia mista delegatárias de serviços públicos essenciais, que não distribuam lucros a acionistas privados nem ofereçam risco ao equilíbrio concorrencial, são beneficiárias da imunidade tributária recíproca (Tema 1.140/RG). Nenhuma delas, no entanto, trata especificamente da manutenção da imunidade sobre bens públicos afetados a serviço público outorgado a particular. [...]
12. Diante disso, em relação aos bens públicos afetados à prestação de serviço público explorado por concessionária, há tanto decisões que afirmam a existência de imunidade tributária recíproca, como aquelas que concluem pela incidência tributária.
[...]
14. Há, ainda, decisões em que o STF estabeleceu distinção entre as parcelas do bem público verdadeiramente afetadas à prestação do serviço público, às quais se reconheceu a aplicação da imunidade tributária recíproca, e aquelas destinadas à exploração de atividades econômicas acessórias, sobre as quais incidiria o IPTU
[...]
16. Diante do exposto, manifesto-me no sentido de reconhecer a repercussão geral da seguinte questão constitucional: saber se a concessão de serviço público afasta a imunidade tributária recíproca para fins de incidência de IPTU sobre bens públicos afetados à prestação do serviço.”
Segundo essa decisão de afetação do RE n. 1.479.602 (Tema 1.297), a aplicação equivocada do Tema 385/RG foi identificada devido à atividade econômica com fins lucrativos exercida no imóvel, situado em área portuária pertencente à União e arrendada a uma sociedade de economia mista, interferindo na livre concorrência (art. 170, IV, da CF).
Por outro lado, a imprecisão do Tema 437/RG decorreu da desvinculação do imóvel de suas eventuais finalidades públicas, ocasionada pela concessão a um particular para uso ou prestação de serviços particulares, também sujeitos à livre concorrência (art. 170, IV, da CF).
Já a divergência com o Tema 508/RG surgiu pela impossibilidade de extensão da imunidade tributária às sociedades de economia mista que, embora prestassem serviços públicos, realizassem a distribuição de lucros na Bolsa de Valores, impactando o mercado concorrencial.
Anteriormente, o próprio STF havia reconhecido a imunidade tributária nos casos de empresas públicas, como nos casos da ECT (2004), da Infraero (2007) e Caerd (2007), dando relevo à circunstância de prestarem serviços públicos16, reforçando que o critério adotado para fins do Tema 508/RG foi a interferência no plano concorrencial.
Além disso, a inexatidão do Tema 1.140/RG relacionava-se com o perfil do ente envolvido na discussão originária (empresas públicas e sociedade de economia mista), ao passo que o Tema 1.297/RG trata da concessão a particulares.
Tais fatores se demonstram ainda mais relevantes dentro de um sistema jurídico hierarquizado, dado que para assegurar a legitimidade e racionalidade da interpretação jurídica pelos magistrados, se deve levar em conta as consequências práticas que sua decisão produzirá no mundo dos fatos17, em virtude da abrangência das temáticas julgadas sob a repercussão geral.
Posteriormente à afetação, o RE n. 1.479.602 (Tema 1.297) foi distribuído à relatoria do Ministro André Mendonça que, analisando pedidos formulados no leading case, determinou a “suspensão, em todo território nacional, dos feitos judiciais e administrativos pendentes, individuais ou coletivos” envoltos na discussão sobre o reconhecimento da imunidade tributária recíproca do IPTU às concessionárias de serviços públicos, notadamente quando prestadas por particulares.
Paralelamente ao RE n. 1.479.602 (Tema 1.297), o STF analisou processo específico do setor aeroportuário, envolvendo o Aeroporto de Natal/RN (Agravo Regimental na Reclamação n. 60.726, oriundo da Ação Ordinária n. 0104326-87.2017.8.20.0129). Nesse caso, a Suprema Corte afastou a incidência dos Temas 385, 437, 508 e 1.140 da repercussão geral, e reconheceu a imunidade tributária das áreas dedicadas aos serviços públicos essenciais, definidos como serviço público stricto sensu:
“2. No caso em julgamento, as circunstâncias fáticas não permitem seja reconhecida a imunidade tributária em relação a todos os segmentos do complexo aeroportuário. Conquanto seja inconteste a existência de atividades obrigatórias, vinculadas diretamente ao serviço público de infraestrutura aeroportuária, também existem atividades acessórias, que consistem na exploração de atividades econômicas por empresas privadas, com nítida finalidade lucrativa, realizadas no complexo aeroportuário e que estão dissociadas da prestação do serviço público essencial.
3. A partir do julgamento dos paradigmas dos Temas 385 e 437, esta Corte fixou entendimento no sentido da incidência de IPTU em relação a imóveis públicos cedidos ou arrendados a particulares para exploração de atividade econômica com intuito de lucro. Precedentes. A partir do julgamento dos paradigmas dos Temas 385 e 437, esta Corte fixou entendimento no sentido da incidência de IPTU em relação a imóveis públicos cedidos ou arrendados a particulares para exploração de atividade econômica com intuito de lucro. Precedentes.
4. Nesse contexto, devem ser excluídos da imunidade tributária recíproca quanto ao IPTU os imóveis pertencentes ao complexo aeroportuário cedidos a particulares para a exploração de atividade econômica com intuito de lucro, e que sejam alheios ao serviço público stricto sensu de infraestrutura aeroportuária.”
Diante do exposto, os Temas 385, 437, 508 e 1.140 da repercussão geral não abordam diretamente a questão do reconhecimento ou não da imunidade tributária do IPTU de imóveis públicos concedidos aos particulares para a prestação de serviços públicos. Por esse motivo, o STF reconheceu a repercussão geral e afetou a matéria no RE n. 1.479.602 (Tema 1.297). Além disso, em outro julgamento paralelo, sem repercussão geral ou efeitos vinculantes, do setor aeroportuário, referente ao Aeroporto de Natal/RN (Ag. Reg. na Rcl. n. 60.726), reconheceu a imunidade tributária das áreas afetadas ao serviço público stricto sensu, afastando-a dos demais espaços contidos ou vinculados ao conjunto do aeroporto.
5. A imunidade recíproca e os aeroportos concedidos a particulares
A exploração da navegação aérea e aeroespacial, bem como da infraestrutura aeroportuária, é de competência exclusiva da União (art. 21, XII, c, da CF), que poderá fazê-lo diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, de modo que o reconhecimento ou não de imunidade tributária não teria nenhum tipo de interferência na livre concorrência (art. 170, IV, da CF).
Por outro lado, a incidência do IPTU nos aeroportos objetos de contratos de concessão aos particulares poderia afetar negativamente o usuário ou o próprio serviço público, do ponto de vista econômico, considerando: (i) provável aumento das tarifas para os usuários; (ii) potencial inviabilidade econômico-financeira do projeto; e (iii) diminuição da atratividade e, eventualmente, da concorrência18.
Tais situações ocorrem porque os contratos de concessão consistem em instrumentos, geralmente firmados por longo prazo, entre um ente público e uma parte privada para o desenvolvimento, gestão de bem ou de serviço público, por meio do qual a parte privada arca com risco significativo e responsabilidade pela gestão ao longo da vida do contrato, sendo comum que a remuneração esteja vinculada ao desempenho19, servindo para a concretização de trocas econômicas e de interesses, possibilitando a transferência de titularidade dos recursos entre os agentes econômicos envolvidos, com o fim de maximizar o bem-estar e promover eficiência20.
Estima-se que o impacto financeiro seria o seguinte:
Custo anual com IPTU (MM R$) |
Cenário Base |
Cenário Alternativo 2 |
||||||
2022 |
2025 |
2035 |
2050 |
2022 |
2025 |
2035 |
2050 |
|
SBCT |
0,85 |
0,91 |
0,99 |
1,13 |
10,86 |
10,98 |
10,99 |
10,99 |
SBFI |
0,30 |
0,46 |
0,56 |
0,83 |
5,44 |
6,57 |
6,76 |
6,90 |
SBNF |
0,21 |
0,34 |
0,43 |
0,62 |
7,15 |
7,98 |
8,35 |
8,55 |
SBLO |
0,41 |
0,47 |
0,47 |
0,50 |
4,00 |
4,45 |
4,45 |
4,40 |
SBJV |
0,09 |
0,16 |
0,16 |
0,18 |
3,28 |
3,89 |
3,89 |
3,89 |
SBBI |
1,35 |
1,37 |
1,37 |
1,37 |
2,45 |
2,49 |
2,49 |
2,52 |
SBPK |
0,03 |
0,04 |
0,04 |
0,05 |
3,11 |
3,18 |
3,18 |
3,18 |
SBUG |
0,01 |
0,06 |
0,06 |
0,06 |
1,78 |
1,98 |
1,98 |
1,98 |
SBBG |
0,01 |
0,03 |
0,03 |
0,03 |
3,73 |
3,88 |
3,88 |
3,88 |
SBEG |
2,04 |
2,07 |
2,11 |
2,19 |
41,86 |
41,73 |
41,74 |
41,75 |
SBPV |
0,08 |
0,11 |
0,12 |
0,13 |
9,22 |
9,20 |
9,26 |
9,27 |
SBRB |
0,38 |
0,39 |
0,39 |
0,40 |
11,22 |
11,45 |
11,45 |
11,45 |
SBBV |
0,22 |
0,25 |
0,25 |
0,26 |
8,59 |
8,86 |
8,86 |
8,86 |
SBCZ |
0,07 |
0,08 |
0,08 |
0,08 |
10,16 |
10,19 |
10,19 |
10,19 |
SBTT |
0,01 |
0,01 |
0,01 |
0,02 |
1,98 |
1,98 |
1,98 |
1,98 |
SBTF |
0,02 |
0,03 |
0,03 |
0,04 |
2,92 |
2,92 |
2,92 |
2,93 |
SBGO |
0,61 |
0,64 |
0,74 |
0,78 |
4,36 |
4,35 |
4,44 |
4,46 |
SBSL |
0,31 |
0,52 |
0,55 |
0,60 |
11,76 |
11,94 |
12,04 |
12,15 |
SBTE |
0,08 |
0,44 |
0,44 |
0,49 |
3,24 |
3,85 |
3,85 |
3,93 |
SBPJ |
0,16 |
0,20 |
0,23 |
0,25 |
15,56 |
15,66 |
15,66 |
15,66 |
SBPL |
0,09 |
0,16 |
0,16 |
0,18 |
9,32 |
9,79 |
9,79 |
9,79 |
SBIZ |
0,20 |
0,26 |
0,26 |
0,30 |
7,40 |
7,75 |
7,75 |
7,75 |
Tabela 1: Custo anual com IPTU, por aeroporto para anos selecionados – Cenário Base e Cenário Alternativo 221. Fonte: ÁVILA; DIAS, 2021, p. 74-75.
Com isso, embora ainda não haja um entendimento vinculante do STF sobre o reconhecimento ou não da imunidade tributária do IPTU sobre imóveis públicos concedidos aos particulares para a prestação de serviços públicos (Tema 1.297/RG), pode-se extrair do processo envolvendo o Aeroporto de Natal/RN (Ag. Reg. na Rcl. n. 60.726) que haveria a imunidade tributária das áreas afetadas ao serviço público stricto sensu, afastando-a das demais localidades.
“Dada a complexidade da tarefa e da inexistência de um posicionamento específico do STF em relação ao tema (pois, como se viu, os casos analisados não tratam especificamente da concessão de serviço da administração aeroportuária), é impossível apresentar uma conclusão definitiva que se aplique à generalidade dos casos. O que se pode afirmar é que, de um modo geral, a tendência da Corte tem sido a de diferenciar atividades econômicas em sentido estrito (lucrativas, concorrenciais e, portanto, sujeitas à tributação regular) das prestações de serviços públicos (que, mesmo lucrativos, não são concorrenciais e preservam sua natureza pública, resguardando-se da tributação através da imunidade recíproca).”22
Esse entendimento está alinhado com as fundamentações construídas pelo STF na fixação dos Temas 385, 437, 508 e 1.140 da repercussão geral, considerando-se a inexistência de interferência no mercado concorrencial (art. 170, IV, da CF) e a atividade pública exclusiva desempenhada, ainda que em regime de concessão (art. 21, XII, c, da CF).
A partir do critério eleito para o reconhecimento da imunidade tributária recíproca – afetação da área ao serviço público stricto sensu –, consequentemente, as demais localidades, embora estejam nos limites espaciais dos aeroportos, encontram-se explorando atividades econômicas (como áreas comerciais) distintas do serviço público aeroportuário em si, ocasionando o não reconhecimento da imunidade e a incidência do IPTU para tais áreas, sob pena de interferência no mercado concorrencial (art. 170, IV, da CF).
Tal critério se estende também aos aeroportos operados pela Infraero, visto que esta concede suas áreas comerciais para a exploração de atividades econômicas diversas do serviço público aeroportuário em si. Embora a Infraero seja uma empresa pública, a exploração de atividades comerciais atrai a disposição do art. 150, § 3º23, da CF, dado que a imunidade tributária não pode se estender às demais empresas privadas, o que poderia interferir no mercado concorrencial (art. 170, IV, da CF).
De igual modo, caso a Infraero venha a se tornar sociedade de economia mista, ainda que sob o controle majoritário da União, o que já foi ventilado no passado e pode vir a ocorrer24, mantém-se a aplicabilidade do mesmo critério – imunidade tributária das áreas afetadas ao serviço público stricto sensu – considerando que embora parte das receitas obtidas pela exploração do serviço público venha a remunerar os acionistas privados, inexiste qualquer interferência no mercado concorrencial dado o serviço público aeroportuário ser exclusivo da União (art. 21, XII, c, da CF), desde que não haja negociações na Bolsa de Valores em observância ao Tema 508/RG.
6. Conclusão
Em resumo, nos capítulos deste trabalho, verificou-se que as imunidades tributárias consistem em limitações constitucionais ao poder de tributar e que configuram a própria dimensão negativa da competência tributária, ou hipóteses de não incidência constitucionalmente qualificada, na precisa denominação de José Souto Maior Borges. Desse modo, para que seja reconhecida a imunidade tributária recíproca (art. 150, VI, a, da CF), é necessário observar o aspecto subjetivo, que se refere aos entes públicos stricto sensu ou lato sensu, exceto nos casos que explorem atividades econômicas regidas pelo direito privado, explorada pelos particulares ou em que haja o pagamento de tarifas.
Quanto à navegação aérea e aeroespacial, e a infraestrutura aeroportuária, estas são de competência exclusiva da União (art. 21, XII, c, da CF), explorada diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão. Essas áreas possuem a natureza jurídica de bem público federal (art. 38, caput, do CBA c/c o art. 99, II, do CC) e são delimitadas em terra ou na água, e destinadas total ou parcialmente à chegada, partida e movimentação de aeronaves, suas cargas e passageiros, cujas áreas são organizadas conforme o art. 39, I ao IX, do CBA. Atualmente, existem 51 (cinquenta e um) aeroportos concedidos a entidades particulares no país.
A partir disso, o STF veio a reconhecer a repercussão geral e afetar o reconhecimento ou não da imunidade tributária do IPTU de imóveis públicos concedidos aos particulares para a prestação de serviços públicos no RE 1479602 (Tema 1.297). Paralelamente, realizou o julgamento de processo envolvendo o Aeroporto de Natal/RN (Ag. Reg. na Rcl. 60726), e nele reconheceu a imunidade tributária das áreas afetadas ao serviço público stricto sensu, diferenciando-as das demais localidades, e fazendo distinções em relação às teses fixadas nos Temas 385, 437, 508 e 1.140 da repercussão geral.
Com isso, verificou-se que o critério para o reconhecimento da imunidade tributária recíproca seria a afetação da área ao serviço público stricto sensu. Aplicando esse critério às áreas que compõem os aeroportos (art. 39 do CBA25), observou-se o seguinte:
a) Áreas afetadas ao serviço público stricto sensu = Imunes: (i) administrativas (art. 39, I); (ii) pouso, decolagem, manobra e estacionamento de aeronaves (art. 39, II); (iii) atendimento e movimentação de passageiros, bagagens e cargas (art. 39, III); (iv) prestadores de serviços aéreos (art. 39, IV); (v) terminal de carga (art. 39, V); (vi) órgãos públicos (art. 39, VI); e (vii) serviços auxiliares do aeroporto ou do público (art. 39, VIII);
b) Áreas comerciais localizadas nos aeroportos = passíveis de incidência do IPTU: (viii) público usuário e estacionamento de seus veículos (art. 39, VII); e (ix) comércio apropriado para aeroporto (art. 39, IX).
Por fim, é importante destacar que a distinção entre as áreas destinadas ao atendimento e movimentação de passageiros, bagagens e cargas (art. 39, III – imune ao IPTU) e as de uso público e estacionamento (art. 39, VII – sujeitas ao IPTU) reside no fato de que as primeiras compreendem os terminais de passageiros e de carga, check-in, áreas de segurança, portões de embarque e facilidades para retirada de bagagem, enquanto a segunda engloba áreas de lojas, restaurantes, comércios e prestadores de serviços que não estejam atrelados ao serviço público exclusivamente.
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1 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 176.
2 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 622-623; CARRIJO, Artur de Sousa. A extensão da imunidade tributária a sociedade de economia mista que presta serviços públicos: Análise a partir do tema 508 da Repercussão Geral do STF. Revista Digital de Direito Administrativo 7(2), p. 1-36. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2319-0558.v7i2p1-36, 2020, p. 12.
3 COSTA, Regina Helena. Imunidades tributárias. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 58.
4 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 84.
5 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 288.
6 LAURINDO, Deise Saccaro. Imunidade tributária do ITBI e os reflexos do Tema 796 de Repercussão Geral. Revista Direito Tributário Atual v. 47. São Paulo: IBDT, 2021, p. 150.
7 BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.
8 CARRIJO, Artur de Sousa. A extensão da imunidade tributária a sociedade de economia mista que presta serviços públicos: Análise a partir do tema 508 da Repercussão Geral do STF. Revista Digital de Direito Administrativo 7(2), p. 1-36. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2319-0558.v7i2p1-36, 2020, p. 13.
9 CARVALHO, Ivo César Barreto de. Imunidade tributária na visão do STF. Revista de Direito Público v. 1, n. 33. Instituto Brasiliense de Direito Público, maio-jun. 2010, p. 68-86. DOI: http://dx.doi.org/10.11117/22361766.33.01.04, 2010, p. 75.
10 AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social dos serviços públicos. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 129.
11 BRASIL. Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). Concessões de aeroportos. 2024. Disponível em: https://www.gov.br/anac/pt-br/assuntos/concessoes. Acesso: 23 abr. 2024.
12 SUNDFELD, Carlos Ari. Estudo jurídico sobre o preço de compartilhamento de infraestrutura de energia elétrica. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico n. 4. Salvador, Bahia, novembro/dezembro de 2005/janeiro de 2006, p. 8.
13 O catering é um serviço que fornece os insumos necessários para a alimentação em um evento. No caso das empresas aéreas, seriam os fornecedores dos alimentos (insumos) a serem consumidos durante o voo (evento).
14 LUSTOSA, João Paulo Pessôa Pereira. A Súmula 106/STJ e o Recurso Especial Repetitivo n. 1.340.553/RS: qual o entendimento do STJ sobre a prescrição intercorrente em execução fiscal? In: RODRIGUES, Tereza Cristina Tarragô Souza; OLIVEIRA NETTO, Pedro Dias de (coord.). Embates contemporâneos do direito processual tributário. São Paulo: Dialética, 2022. ISBN 978-65-252-4987-2, p. 395.
15 STJ, REsp n. 1.091.198/PR 2008/0219692-5; NOGUEIRA, Rafael Coelho Pacheco. Aspectos gerais e polêmicos do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana. Revista Direito Tributário Atual v. 45. São Paulo: IBDT, 2020, p. 396.
16 CARRIJO, Artur de Sousa. A extensão da imunidade tributária a sociedade de economia mista que presta serviços públicos: Análise a partir do tema 508 da Repercussão Geral do STF. Revista Digital de Direito Administrativo 7(2), p. 1-36. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2319-0558.v7i2p1-36, 2020, p. 3.
17 BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). Revista de Direito Administrativo 240:1-42. Rio de Janeiro, abr./jun. 2005, p. 15.
18 ÁVILA, Natália Resende Andrade; DIAS, Tiago Linhares. A (não) cobrança de IPTU em contratos de concessão sob a perspectiva da análise econômica do direito: um estudo de caso no setor de aviação civil brasileiro. Publicações da Escola Superior da AGU v. 13, n. 4, pt. 1, 2021. Disponível em: https://revistaagu.agu.gov.br/index.php/EAGU/article/view/3010. Acesso em: 27 abr. 2024, p. 77.
19 ÁVILA, Natália Resende Andrade; DIAS, Tiago Linhares. A (não) cobrança de IPTU em contratos de concessão sob a perspectiva da análise econômica do direito: um estudo de caso no setor de aviação civil brasileiro. Publicações da Escola Superior da AGU v. 13, n. 4, pt. 1, 2021. Disponível em: https://revistaagu.agu.gov.br/index.php/EAGU/article/view/3010. Acesso em: 27 abr. 2024, p. 62.
20 AGRA, João Naylor Villas-Bôas. Contrato incompleto: a eficiência entre a vontade e o oportunismo das partes. Revista Jurídica Luso-Brasileira (RJLB) ano 6, n. 4, 2020, p. 1.547.
21 Para fins do estudo desenvolvido, os autores consideraram: (i) Cenário Base dos estudos de viabilidade – custo do IPTU calculado com base nas áreas destinadas a atividades econômicas não sujeitas a tarifação; (ii) Cenário Alternativo 1 – não há a incidência de IPTU; e (iii) Cenário Alternativo 2 – a cobrança de IPTU se dá sobre toda a área do sítio aeroportuário (ÁVILA; DIAS, 2021, p. 74).
22 GRAVA, Guilherme Saraiva; PASSOS, Ana Beatriz Guimarães. STF e imunidade do IPTU em aeroportos. In: WERNECK, Leandro Aragão et al (org.). Temas gerais de direito tributário e processo tributário atual. São Bernardo do Campo: SP, MC.o, 2020, p. 186-187.
23 “§ 3º As vedações do inciso VI, ‘a’, e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.”
24 FERNANDES, Rayneider Brunelli Oliveira. O iminente fim da imunidade tributária da Infraero (?). Revista da Faculdade de Direito da UERJ – RFD n. 21, 2012. DOI: 10.12957/rfd.2012.1616. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/rfduerj/article/view/1616. Acesso em: 9 maio 2024, p. 20.
25 “Art. 39. Os aeroportos compreendem áreas destinadas: I – à sua própria administração; II – ao pouso, decolagem, manobra e estacionamento de aeronaves; III – ao atendimento e movimentação de passageiros, bagagens e cargas; IV – aos prestadores de serviços aéreos; V – ao terminal de carga aérea; VI – aos órgãos públicos que, por disposição legal, devam funcionar nos aeroportos internacionais; VII – ao público usuário e estacionamento de seus veículos; VIII – aos serviços auxiliares do aeroporto ou do público usuário; IX – ao comércio apropriado para aeroporto.”