Legalidade Tributária e Delegação Legislativa
Legality in Taxation and Delegation of Legislative Powers
Sergio André Rocha
Professor Titular de Direito Financeiro e Tributário da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Diretor Vice-Presidente da ABDF. Parecerista. E-mail: sergio.andre@sarocha.com.br.
https://doi.org/10.46801/2595-6280.59.32.2025.2754
Resumo
O propósito deste artigo é analisar se a Constituição Federal autoriza a delegação, do Poder Legislativo para o Poder Executivo, da competência para editar atos normativos que disciplinem algum elemento da hipótese de incidência do tributo, ou algum aspecto estrutural da relação jurídico-tributária. Nossa conclusão foi no sentido de que não há impedimento constitucional para que o Poder Legislativo utilize delegações legislativas condicionadas no campo tributário.
Palavras-chave: legalidade tributária, delegação legislativa, extrafiscalidade, leis delegadas, flexibilização da legalidade tributária.
Abstract
The purpose of this article is to analyze whether the Federal Constitution authorizes the delegation, from the Legislative Branch to the Executive Branch, of powers to issue normative acts that discipline some element of tax-triggering events, or some structural aspect of the relationship between the State and the taxpayer. We concluded that there is no constitutional impediment for the Legislative Branch to use conditioned legislative delegations in the tax field.
Keywords: tax legality, delegation of legislative powers, inducing tax rules, delegated laws, flexibilization of tax legality.
1. Introdução
A legalidade tributária é um dos pilares do Sistema Tributário Nacional. Ela concretiza o princípio da segurança jurídica e está prevista explicitamente no art. 150, I, da Constituição Federal (CF) e no art. 97 do Código Tributário Nacional (CTN).
O estudo da legalidade tributária foi marcado pela publicação, em 1978, do livro Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação, de Alberto Xavier1. Esta obra pautou o debate sobre o tema por décadas, podendo ser apontada, até hoje, como a mais relevante do seu campo teórico.
O livro de Alberto Xavier, assim como outras obras importantes que abordaram o tema logo em seguida2, foi editado no contexto da ditadura militar, tendo, portanto, como referência um Estado de Exceção3.
Uma das características principais dessas abordagens teóricas, que consideraremos adiante, é a premissa de que absolutamente todos os elementos essenciais da regra de incidência tributária deveriam estar explicita e integralmente previstos em lei, o que impediria a delegação ao Poder Executivo de competência para integrar a lei tributária por meio de atos administrativos.
Após a Constituição Federal de 1988, começaram a surgir autores que apresentavam visões distintas sobre o alcance da legalidade tributária, notadamente Ricardo Lobo Torres, em seu livro sobre interpretação das normas tributárias, publicado em 19914, e Marco Aurélio Greco, que em 1998 já trouxe as bases do que posteriormente se tornaria o seu clássico livro sobre planejamento tributário5, em que sustenta uma leitura crítica da teoria então prevalescente sobre a legalidade tributária.
É importante destacar que nenhum desses autores, nem aqueles que foram influenciados por eles e seguiram suas abordagens teóricas, nega a relevância da legalidade tributária e a sua normatividade. O que tivemos, a partir da década de 1990, foi a consolidação de doutrinas divergentes sobre o conteúdo e o alcance da legalidade em matéria fiscal, a partir do que dispõe o texto constitucional.
O propósito deste estudo não é apresentar a evolução das posições doutrinárias sobre o tema. Nosso foco é a análise da legalidade tributária a partir da Constituição Federal e do Código Tributário Nacional, centrada em uma questão específica: a lei enquanto veículo introdutor de deveres jurídicos tributários e a existência de competências normativas que possam ser exercidas pelo Poder Executivo neste campo.
Dessa forma, o tema central deste artigo será a possibilidade de delegações legislativas em matéria tributária. Temos conhecimento de que esta matéria foi objeto de algumas decisões do Supremo Tribunal Federal recentemente. Contudo, não é nosso propósito comentar essas decisões, mesmo que sejam feitas referência a elas em algumas passagens. O que buscamos, neste estudo, é apresentar nossa interpretação dos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais relevantes neste campo, apresentando conclusões a partir da Constituição Federal.
2. Legalidade e o veículo introdutor de deveres tributários
Em seu sentido mais intuitivo, a legalidade tributária determina que somente a lei pode estabelecer uma regra de incidência e os elementos estruturantes da relação jurídico-tributária6. Segundo o art. 150, I, da Constituição Federal, “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios [...] exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. O art. 97 do Código Tributário Nacional prevê com mais detalhe os elementos que devem ser estabelecidos por lei, nos seguintes termos:
“Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:
I – a instituição de tributos, ou a sua extinção;
II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos arts. 21, 26, 39, 57 e 65;
III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do art. 52, e do seu sujeito passivo;
IV – a fixação de alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos arts. 21, 26, 39, 57 e 65;
V – a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;
VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.
§ 1º Equipara-se à majoração do tributo a modificação da sua base de cálculo, que importe em torná-lo mais oneroso.
§ 2º Não constitui majoração de tributo, para os fins do disposto no inciso II deste artigo, a atualização do valor monetário da respectiva base de cálculo.”
Note-se que tanto a CF quanto o CTN utilizam o verbo estabelecer ao disciplinar a legalidade tributária. Caberia ao legislador, assim, “estabelecer a instituição ou majoração do tributo”, assim como as demais matérias previstas no art. 97 antes transcrito.
No vernáculo, o verbo estabelecer significa “fazer vigorar, instituir, determinar, [...] fazer ter começo, instaurar, principiar, criar” etc.7 É possível, portanto, estabelecer, sem muita dúvida, que em seu sentido mais óbvio a legalidade tributária determina que o dever de pagar tributo só pode ser instituído, criado por lei.
A própria definição de tributo encontrada no art. 3º do CTN vai prever que ser “instituído por lei” é inerente ao “ser tributo”8. Mesmo a definição de tributo do art. 9º da Lei n. 4.320/1964 estabelece que o tributo é um dever instituído “nos termos da Constituição e das leis vigentes”9. A seu turno, o art. 114 do CTN conceitua a expressão fato gerador da obrigação principal como “ a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência”10.
Percebe-se, assim, que não há dúvidas de que a regra geral do Sistema Tributário Nacional é que os elementos estruturantes da norma de incidência devem estar previstos em lei para que surja uma relação jurídica válida entre o sujeito ativo e o sujeito passivo, da mesma forma que os elementos estruturantes da própria relação jurídico-tributária devem estar estabelecidos em lei.
Entretanto, por mais óbvia que seja essa conclusão inicial, ela não esclarece um aspecto fundamental da legalidade tributária, que pode ser subdividido nos seguintes temas: (i) o papel dos atos administrativos normativos na integração das leis e (ii) a constitucionalidade da delegação de competências legislativas ao Poder Executivo. Por exemplo, se a lei estabelecer que a alíquota de determinado tributo será de 10%, mas prever a competência do Poder Executivo para reduzir e restaurar esta alíquota até este limite, a alíquota do tributo terá deixado de ser estabelecida em lei?
Cabe-nos debater, nesse contexto, o papel da delegação legislativa no Direito Tributário.
3. Legalidade tributária e delegação legislativa
As questões que queremos responder nas próximas seções são as seguintes: (i) o Poder Legislativo pode transferir para o Poder Executivo competências normativas para a delimitação de elementos da hipótese de incidência ou da relação jurídico-tributária subjacente? (ii) em caso positivo, em que situações e sob quais condições tal delegação seria possível?
Antes de chegarmos às respostas a estas questões precisamos definir o que estamos chamando de delegação legislativa. Vejamos.
3.1. O conceito de delegação legislativa
A noção de delegação legislativa não é precisa nem unívoca, de modo que é importante, desde já, delimitar conceitualmente o sentido com que esta expressão será utilizada adiante.
Em seu estudo sobre delegações legislativas, André Cyrino faz uma distinção entre delegações em sentido estrito, que são “cessões explícitas de funções normativas ao Administrador Público” e delegações legislativas em sentido amplo, que ocorrem “quando o legislador se vale de linguagem vaga; de termos de conotação imprecisa, ambígua, ou meramente exemplificativa, que acabam por abrir ao Administrador a possibilidade de, ao regulamentar a matéria, direcionar a vontade legislativa, ou mesmo estendê-la”11.
Neste artigo estaremos preocupados, exclusivamente, com as delegações legislativas em sentido estrito, as quais podem ser subdivididas em duas outras categorias: delegações amplas e incondicionadas e delegações restritas e condicionadas12.
A delegação ampla e incondicionada transfere do Poder Legislativo para o Poder Executivo a competência para regular determinada matéria sem que sejam estabelecidos critérios e condições para o exercício da competência delegada. Já na delegação restrita e condicionada, o mérito da regulação jurídica é definido pelo Poder Legislativo, cabendo ao Poder Executivo apenas editar atos normativos que materializem os critérios e respeitem as condições previstas em lei.
Reiteramos que neste texto trataremos apenas da delegação legislativa em sentido estrito em matéria tributária, ou seja, das situações nas quais o Poder Legislativo transfere de forma explícita, através de dispositivo previsto em lei, competência para que o Poder Executivo discipline algum elemento da hipótese de incidência do tributo, ou algum aspecto estrutural da relação jurídico-tributária.
Em outras palavras, utilizando os elementos da regra de incidência amplamente conhecidos a partir das obras de autores como Geraldo Ataliba13, Paulo de Barros Carvalho14 e Sacha Calmon Navarro Coêlho15, interessa-nos determinar se o Poder Legislativo pode transferir ao Poder Executivo a competência para disciplinar, no todo ou em parte, os elementos material, espacial, temporal, pessoal ou quantitativo da regra de incidência tributária.
Para responder as questões que apresentamos acima, em primeiro lugar devemos verificar se existem limitações constitucionais à delegação legislativa em sentido estrito em matéria tributária, nos termos que delineamos nos parágrafos anteriores. Vejamos.
3.2. Possibilidade constitucional da delegação legislativa em matéria tributária
O primeiro requisito da delegação legislativa consiste em sua possibilidade jurídica, ou seja, ser permitida ou ao menos não ser expressa nem implicitamente vedada pela Constituição Federal.
Devemos reconhecer, de início, que a CF não tem uma regra geral de indelegabilidade de competências entre Poderes, como encontrávamos no art. 6º da Constituição Federal de 1967, em redação que foi mantida pela Emenda Constitucional n. 1/1969 (EC n. 1/1969):
“Art. 6º São Poderes da União, independentes e harmônicos, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Parágrafo único – Salvo as exceções previstas nesta Constituição, é vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições; o cidadão investido na função de um deles não poderá exercer a de outro.” (Destaque nosso)
Embora haja autores, como Paulo Rosenblatt, que sustentam que a exclusão deste dispositivo não seria relevante, vez que a indelegabilidade seria inerente à separação dos Poderes16, parece-nos mais razoável a posição oposta, no sentido de que as Constituições não incluem dispositivos inúteis ou meramente didáticos, de modo que ausente a restrição, seria possível, em princípio, a delegação de competências.
Tanto a CF de 1967, inclusive pós 1969, quanto a CF de 1988 previram expressamente a existência de leis delegadas.
Na CF de 1967 as leis delegadas, previstas nos arts. 52 e seguintes da redação posterior à EC n. 1/1969, eram uma exceção autorizada expressamente pelo art. 6º daquele texto constitucional, antes transcrito.
A redação da Constituição de 1988, que em seu art. 68 autoriza as leis delegadas, foi claramente inspirada nos dispositivos da Constituição anterior. Vejamos a sua redação:
“Art. 68. As leis delegadas serão elaboradas pelo Presidente da República, que deverá solicitar a delegação ao Congresso Nacional.
§ 1º Não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional, os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, a matéria reservada à lei complementar, nem a legislação sobre:
I – organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros;
II – nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais;
III – planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos.
§ 2º A delegação ao Presidente da República terá a forma de resolução do Congresso Nacional, que especificará seu conteúdo e os termos de seu exercício.
§ 3º Se a resolução determinar a apreciação do projeto pelo Congresso Nacional, este a fará em votação única, vedada qualquer emenda.”
Como bem observou Virgílio Afonso da Silva, a competência para a edição de leis delegadas “praticamente nunca foi exercida”17. Afinal, como destaca o mesmo autor, “em um sistema em que o presidente da República tem a possibilidade de editar medidas provisórias com força imediata de lei, como é o caso do Brasil, não há incentivos para o uso das leis delegadas”18.
Mesmo que não sejam comuns em nossa realidade legislativa, a previsão constitucional das leis delegadas é bastante relevante para o tema de que nos ocupamos.
Com efeito, o art. 68 da CF estabelece, de forma expressa, as situações nas quais não é permitida a delegação legislativa ali prevista:
a) atos de competência exclusiva do Congresso Nacional;
b) atos de competência privativa da Câmara dos Deputados;
c) atos de competência privativa do Senado Federal;
d) matéria reservada à lei complementar;
e) legislação sobre organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros;
f) legislação sobre nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais; e
g) legislação sobre planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos.
A leitura desta lista indica que não há, no art. 68 da CF, qualquer restrição para que o Congresso Nacional delegue ao Poder Executivo a competência para a elaboração de uma lei sobre matéria tributária, salvo no caso de reserva de lei complementar.
Nessa linha de ideias, temos uma conclusão e uma pergunta. A conclusão: a Constituição Federal não veda a transferência de competências legislativas em matéria tributária para o Poder Executivo na hipótese de lei delegada editada segundo o seu art. 68. Por outro lado, a pergunta: a delegação por meio da lei delegada afastaria a possibilidade de delegação legislativa que não estivesse explicitamente autorizada no texto constitucional?
Paulo Arthur Cavalcante Koury sustenta que, uma vez que a CF estabelece a possibilidade jurídica de leis delegadas, não é possível qualquer outra forma de delegação legislativa – salvo se explicitamente prevista no texto constitucional. Em suas palavras, não é possível “a delegação direta e absolutamente inespecífica de competência legal para competência regulamentar, ainda que se trate de matéria que recaia sob o escopo da legalidade genérica (CF/88, art. 5º, II), haja vista que a Constituição prevê procedimento específico para tanto (art. 68), deixando clara a não recepção de leis que deleguem competências, salvo as exceções previstas no próprio texto constitucional (art. 25 do ADCT)”19.
Essa não nos parece, contudo, a interpretação mais adequada do texto constitucional. Com efeito, as leis delegadas são um instrumento específico de delegação legislativa por meio do qual o Presidente da República solicita uma delegação de competências ao Congresso Nacional. A existência de tais leis, contudo, não afasta a possibilidade de o próprio Congresso Nacional delegar competências normativas condicionadas.
Este é um aspecto importante que desenvolveremos adiante. Uma das condições de validade das delegações legislativas em matéria tributária requer que o Poder Legislativo estabeleça o critério de exercício da competência delegada. Dessa forma, o mérito da regulação legal segue sendo de competência exclusiva do legislador, que transfere ao Poder Executivo uma competência para a concretização dos objetivos que foram definidos pelo Poder Legislativo.
Assim sendo, entendemos que a existência de um mecanismo constitucional para que o Poder Executivo requeira a delegação de competências legislativas ao Congresso Nacional não afasta a possibilidade de que este último edite uma lei delegando as mesmas atribuições.
Uma vez que, segundo a posição que estamos defendendo, somente seriam possíveis delegações condicionadas, cremos que as restrições previstas no § 1º do art. 68 da CF e o requisito estabelecido em seu § 2º, segundo o qual o Congresso Nacional “especificará seu conteúdo e os termos de seu exercício”, poderiam ser consideradas referências para qualquer delegação – mesmo fora do contexto das leis delegadas.
Se não existe uma vedação genérica à delegação legislativa em matéria tributária nos dispositivos constitucionais fora do capítulo dedicado ao Sistema Tributário Nacional, cabe-nos questionar se existiria uma tal limitação nos artigos que integram a Constituição Tributária.
O primeiro dispositivo a ser considerado seria o próprio inciso I do art. 150 da CF de 1988, segundo o qual “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios [...] exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”.
É possível que a maioria dos autores e autoras que trataram da matéria vejam neste dispositivo uma restrição à delegação legislativa em matéria tributária20. Contudo, como já apontamos, não nos parece que este seja o caso.
De acordo com a posição que defendemos, o que este dispositivo proíbe é que o Poder Legislativo delegue integralmente sua competência normativa para o Poder Executivo sem estabelecer o critério de exercício da competência delegada. Por outro lado, em um cenário no qual a lei de delegação preveja as condições e os critérios da atividade normativa do Poder Executivo, os quais não podem exceder os limites legais, não cremos que seja possível argumentar que o legislador tenha deixado de estabelecer os elementos estruturais da hipótese de incidência e da relação jurídico-tributária, de modo que o art. 150, I, da Constituição Federal permaneceria íntegro e plenamente observado.
Um último aspecto a ser examinado em relação à compatibilidade constitucional da delegação legislativa em matéria tributária é o argumento de que o art. 153, § 1º, da CF, impediria a delegação de outras competências normativas além daquelas expressamente previstas neste dispositivo.
Como se sabe, segundo o § 1º do art. 153 da CF “é facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V”. Estamos tratando do Imposto de Importação, do Imposto de Exportação, do IPI e do IOF21.
O argumento que se apresenta é no sentido de que essas seriam as únicas situações em que a Constituição Federal autorizaria uma delegação de competências legislativas ao Poder Executivo, de modo que qualquer outra teria sido implicitamente vedada pelo texto constitucional22.
Nada obstante, como nos casos anteriores, cremos que esta linha de interpretação extrapola o alcance do § 1º do art. 153 da CF. Como se sabe, esses quatro impostos federais são usualmente identificados como tributos com função preponderantemente extrafiscal. Embora qualquer tributo possa ser utilizado com finalidades indutoras, em relação a esses quatro a própria Constituição reconhece, ao lhes atribuir um regime jurídico próprio, que a função indutora lhes é típica.
Essa é a razão para a Constituição Federal estabelecer que para o Imposto de Importação, o Imposto de Exportação, o IPI e o IOF a ação legislativa do Poder Executivo é a regra, não a exceção, já prevendo que as suas alíquotas poderão ser alteradas por atos administrativos.
Contudo, da mesma forma que o § 2º do art. 68, o § 1º do art. 153 da CF, parece-nos, confirma que a Constituição previu a delegação legislativa em matéria tributária. O fato de esses dispositivos tratarem de situações específicas de delegação, cuja previsão explícita se justifica, não significa que outras delegações seriam incompatíveis com o texto constitucional.
Ademais, o § 1º do art. 153 da CF reforça que a delegação legislativa, legítima segundo a própria Constituição Federal, é uma delegação de concretização de decisões legislativas cujo mérito foi delimitado pelo Poder Legislativo, ou seja, uma delegação restrita e condicionada. A decisão finalística sobre os objetivos a serem alcançados segue sendo do legislador. Não é por outra razão que o mencionado § 1º prevê que a competência delegada naquele dispositivo deve atender “as condições e os limites estabelecidos em lei”23.
Segundo vimos defendendo desde que escrevemos pela primeira vez sobre o tema em 200824, embora a delegação legislativa seja possível no Direito Tributário, ela não é equivalente a uma transferência ampla e irrestrita de competências legislativas e, exatamente por essa razão, ao delegar competências normativas ao Poder Executivo, o Poder Legislativo não deixa de estabelecer os critérios da hipótese de incidência e da relação jurídica que se instaura com a ocorrência do fato gerador25.
Dessa forma, é possível estabelecer que a delegação legislativa está pautada por uma série de condições de validade conforme analisaremos adiante.
3.3. Requisitos de validade da delegação legislativa
A legitimidade da delegação de competências legislativas para o Poder Executivo depende: (a) de sua previsão no ordenamento jurídico ou, ao menos, sua não vedação; (b) da existência de ato específico que, de forma expressa, concretize a delegação; (c) da determinação, pelo Poder delegante, dos limites de atuação do ente delegatário; (d) da revogabilidade e indelegabilidade dos poderes delegados; (e) da preservação de igual competência pelo Poder delegante; e (f) do controle dos atos emitidos pelo delegatário pelo Poder delegante e pelo Poder Judiciário26. Tais requisitos serão analisados a seguir:
a) Possibilidade jurídica da delegação legislativa
O primeiro requisito da delegação legislativa consiste em sua possibilidade jurídica, ou seja, em ser a mesma permitida ou ao menos não expressamente nem implicitamente vedada pela Constituição Federal. Tratamos deste tema na seção anterior.
b) Previsão de limites ao exercício da competência delegada em ato delegatório específico
Como concluímos acima, as delegações legislativas em matéria tributária só serão compatíveis com a Constituição se forem restritas e condicionadas. Dessa forma, a delegação de competências normativas deve ser estabelecida por ato específico, emanado do Poder delegante, o qual estabelecerá os limites em que será legítima a atuação do ente delegatário.
A previsão dos limites da atuação normativa do ente delegatário é exigência do princípio democrático, na medida em que os entes delegatários recebem atribuição de competência para exercer uma discricionariedade técnica a fim de adotar as ações que melhor se prestem à consecução dos fins insculpidos nas normas legais. Uma vez que o legislador não tem como identificar antecipadamente a melhor solução a ser adotada nos casos concretos, delega ao Executivo uma competência limitada para estabelecer tais regras.
Dessa forma, pode-se aduzir que a atuação dos entes delegatários é atividade infralegal, devendo pautar-se pelos standards previstos na norma delegatória, bem como nas demais normas que compõem o ordenamento jurídico.
Em consonância com a lição de Laurence H. Tribe, a previsão dos standards para a legítima atuação dos entes delegatários resguarda, ainda, a possibilidade de seu controle, uma vez que será possível verificar: (1) se o seu agir está compreendido na competência que lhe foi delegada; (2) se tal competência é detida pelo Poder delegante; e (3) se ela está inserida no campo de competências delegáveis pelo Poder Legislativo27.
c) Revogabilidade, indelegabilidade e reserva de iguais atribuições pelo Poder delegante
Tendo em vista que o Poder Executivo recebe uma competência normativa limitada, é óbvio que o Poder delegante (o Poder Legislativo) permanece com a competência plena para editar regras acerca das matérias afetas à competência do Executivo e pode, a qualquer momento, excluir sua competência normativa.
Sendo certo que o poder delegante permanece munido da competência transferida, é igualmente certo que após a delegação tal competência deve ser exercida de forma a proteger as situações jurídicas criadas pela edição das regras por parte do delegatário.
Essa questão torna relevante a discussão sobre o fenômeno da “relegificação”, que ocorre quando o poder delegante resolve, posteriormente à delegação, editar norma contrária à editada pelo ente delegatário, sendo necessária a definição de mecanismos para proteção da eficácia das normas por este editadas.
Por outro lado, tendo em vista que o ente delegatário exerce uma competência normativa alheia, ele não pode transferi-la para outrem, sendo indelegável a competência recebida por intermédio de delegação legislativa.
d) Possibilidade de controle
Por fim, a legitimidade da delegação legislativa depende da existência de mecanismos para o controle da atividade delegada.
Tal controle pode e deve ser exercido pelo Poder delegante, que, se entender que os atos praticados pelo ente delegatário não estão atingindo as finalidades legais pretendidas, pode, simplesmente, retirar-lhe tais prerrogativas ou editar atos contrários aos expedidos pelo Executivo.
Contudo, é importante que o controle possa ser exercido pelos órgãos do Poder Judiciário, mediante a iniciativa da parte interessada (a Administração Direta ou o Administrado).
O controle exercido pelo Poder delegante engloba aspectos de legalidade e mérito dos atos normativos editados pelos entes delegatários (caso em que é possível que haja a interferência de interesses políticos sobre sua atuação técnica); a seu turno, o controle judicial volta-se principalmente à análise da legalidade de tais atos, sendo o controle de mérito limitado ao exame quanto à congruência entre o conteúdo dos atos praticados e os padrões previstos em lei.
3.4. Delegação legislativa e funções fiscal e extrafiscal da tributação
Se considerarmos a finalidade precípua e mais intuitiva dos tributos, teremos que eles servem para que o Estado obtenha os recursos necessários para fazer face aos gastos públicos. Vemos, aqui, a usualmente chamada função fiscal da tributação. Pode-se mesmo afirmar que esta é a finalidade típica, essencial, da tributação: arrecadar. Um tributo que não arrecade receitas derivadas definitivas para os cofres públicos deixa de ser tributo. Não é por outra razão que parece correto rejeitar a caracterização dos empréstimos compulsórios como tributos, como o faz Hugo de Brito Machado, por exemplo28.
A arrecadação tributária é sempre instrumental. Não se cobra tributos pela arrecadação em si mesma, mas em função dos gastos exigidos para o financiamento da atividade estatal.
Nada obstante, a esta altura não há mais dúvidas de que, juntamente com esta função arrecadatória, os tributos também se tornaram instrumentos para que se alcancem outras finalidades constitucionalmente relevantes. Entra em cena, então, a figura da extrafiscalidade, a qual “traduz-se no conjunto de normas que, embora formalmente integrem o direito fiscal, têm por finalidade principal ou dominante a consecução de determinados resultados econômicos ou sociais através da utilização do instrumento fiscal e não da obtenção de receitas para fazer face às despesas públicas. Trata-se assim de normas (fiscais) que, ao preverem uma tributação, isto é, uma ablação ou amputação pecuniária (impostos), ou uma não tributação, ou uma tributação menor à requerida pelo critério da capacidade contributiva, isto é, uma renúncia total ou parcial a essa ablação ou amputação (benefícios fiscais), estão dominadas pelo intuito de atuar diretamente sobre os comportamentos econômicos e sociais dos seus destinatários, desincentivando-os, neutralizando-os nos seus efeitos econômicos e sociais ou fomentando-os, ou seja, de normas que contêm medidas de política econômica e social.”29
A questão que se coloca nesta seção é: as delegações legislativas só são possíveis no exercício da função extrafiscal da tributação?
A resposta positiva é quase intuitiva, mas nossas primeiras reações às vezes podem se mostrar equivocadas.
Existe uma inquestionável conexão entre delegações legislativas e extrafiscalidade, principalmente porque, se analisarmos, o § 1º do art. 153 da CF trouxe esta relação de forma explícita.
De fato, ao delegar competências para o Poder Executivo alterar as alíquotas do Imposto de Importação, do Imposto de Exportação, do IPI e do IOF, o referido § 1º trouxe o debate da delegação legislativa para o centro do regime jurídico desses tributos que têm forte função extrafiscal. Ademais, ao estabelecer que o Poder Executivo deve observar as condições previstas em lei, o dispositivo vincula o exercício da competência delegada à observância dos critérios indutores previstos pelo legislador30.
Além disso, como vimos na seção anterior, pensamos que a previsão, pelo Poder Legislativo, dos critérios de exercício da competência delegada ao Poder Executivo é um requisito de validade da própria delegação legislativa. Via de regra, tais critérios estarão vinculados à função extrafiscal do tributo, com a transferência de uma discricionariedade técnica para que o Poder Executivo regule certas matérias à luz dos fins legais.
Parece inquestionável que a delegação legislativa em matéria tributária será comumente utilizada no contexto da função extrafiscal, estabelecendo a lei induções positivas ou negativas desejáveis que seriam materializadas pela ação do Poder Executivo.
Nada obstante, a despeito desta conclusão, resta a pergunta: haveria uma vedação à delegação legislativa no âmbito da função fiscal dos tributos? Cremos que não.
Imaginemos a seguinte situação, empiricamente distante de nossa realidade fiscal atual, mas teoricamente possível: o Município XPTO altera a lei que rege o ISS, incluindo um dispositivo que, ao estabelecer a alíquota geral máxima deste imposto (no caso, 5%), delega competência ao Poder Executivo para reduzir e restaurar tal alíquota, considerando a alíquota mínima de 2%, tendo em vista a situação das contas públicas. Teríamos uma abordagem próxima à da antiga regra da anualidade, com a previsão de uma revisão anual da necessidade de arrecadação da receita tributária máxima de cada tributo.
Uma delegação legislativa como essas, segundo vemos, atenderia os requisitos que examinamos nas seções anteriores, sendo, portanto, constitucional. Trata-se de uma delegação relacionada ao exercício da função fiscal da tributação, e não a um objetivo indutor.
Nessa linha de ideias, não cremos que seja correto limitar a delegação legislativa ao exercício da função extrafiscal. O que é absolutamente necessário, como vimos dizendo e repetindo, é que a lei estabeleça os critérios de exercício da competência delegada. Assim, por mais que as delegações legislativas sejam mais comuns no campo da extrafiscalidade, este não é o único campo em que ela é válida e legítima.
3.5. Delegação legislativa e “flexibilização” da legalidade tributária
Recentemente, tornou-se corriqueira a referência a uma suposta “flexibilização” da legalidade tributária. O termo não foi cunhado pela doutrina31, mas vem sendo por ela repetido de forma insistente e crítica, como se tal “flexibilização” resultasse em uma redução da função protetora da liberdade que é uma das funções da legalidade tributária.
A referência à “flexibilização” da legalidade tributária foi feita pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.277 e no Recurso Extraordinário n. 1.043.313.
Apresentaremos alguns breves comentários sobre esses casos adiante32. Para os propósitos desta seção basta fazermos referência à tese de repercussão geral fixada pelo STF, segundo a qual “é constitucional a flexibilização da legalidade tributária constante do § 2º do art. 27 da Lei n. 10.865/04, no que permitiu ao Poder Executivo, prevendo as condições e fixando os tetos, reduzir e restabelecer as alíquotas da contribuição ao PIS e da Cofins incidentes sobre as receitas financeiras auferidas por pessoas jurídicas sujeitas ao regime não cumulativo, estando presente o desenvolvimento de função extrafiscal” (destaque nosso).
Como veremos, neste caso debatia-se exatamente um caso de delegação legislativa, prevista no § 2º do art. 27 da Lei n. 10.865/2004, que o Supremo Tribunal Federal entendeu que era compatível com a Constituição Federal.
No vernáculo, “flexível” significa “que pode ser dobrado ou curvado, sem quebrar”, “que tem elasticidade”, “fácil de ser manobrado, de ser convencido”33. Ao estabelecer que a decisão nos referidos casos tinha se baseado em uma “flexibilização da legalidade tributária”, a posição do STF sofreu uma série de críticas – que deveriam ser esperadas –, no sentido de que a Corte estava reduzindo o alcance da proteção oferecida pela legalidade de forma não prevista na Constituição Federal34.
A suposta “flexibilização da legalidade tributária” neste caso seria ainda mais grave uma vez que se estaria “dobrando” a legalidade sem que houvesse qualquer valor, princípio ou interesse constitucionalmente protegido a ser ponderado do outro lado, uma vez que se tratava de uma simples delegação legislativa de PIS e Cofins desconectada de interesses constitucionais superiores.
Segundo vemos, o STF se equivocou de forma significativa e com grandes efeitos sistêmicos ao fazer esta referência à “flexibilização da legalidade tributária”.
Temos insistido na existência do que podemos chamar de princípio da instrumentalidade decisória, com o qual queremos nos referir à necessidade de que a fundamentação das decisões em processos tributários (1) se atenha ao necessário para a solução da situação concreta posta à análise do órgão de aplicação do Direito; e (2) evite, o máximo quanto possível, a referência a teorias, doutrinas e fundamentos secundários que não só ponham em xeque a autoridade da decisão, mas contribuam para um ambiente de insegurança jurídica.
A nossa hipótese é de que as decisões administrativas e judiciais são cada vez mais relevantes como fonte do Direito Tributário, sendo que muitas vezes elas geram insegurança jurídica muito mais em razão dos seus fundamentos do que da decisão em si.
Ora, se o STF decidiu que não havia na Constituição restrições à delegação legislativa implementada neste caso, bastava reconhecer que a delegação prevista no § 2º do art. 27 da Lei n. 10.865/2004 era constitucional. Fim da história.
Era absolutamente desnecessário para a decisão do caso concreto que se fizesse referência a uma suposta flexibilização da legalidade tributária – que, diga-se de passagem, não existiu. Está implícito na fundamentação dessa decisão, transplantada para a tese de repercussão geral, que existia um tipo de legalidade “plena” e que ela estava sendo “flexibilizada” para se tornar uma legalidade “suficiente”, “bastante”, “possível”.
Não surpreende, portanto, que essa decisão tenha sido alvo de tantas críticas, ou mesmo que tenha sido referida como uma espécie de ponto de inflexão das garantias e liberdades fundamentais dos contribuintes, como se o STF tivesse deliberada e intencionalmente reduzindo a amplitude da proteção que havia sido garantida pela Constituição Federal aos contribuintes. Uma fundamentação mais contida e focada no ponto controvertido – em vez da referência a uma suposta superação parcial da legalidade tributária – certamente teria causado menos ruídos.
Nada obstante, não nos parece que exista no Brasil qualquer “flexibilização” da legalidade tributária. O que se passa é que o STF reconheceu que a delegação de competências legislativas em matéria tributária é compatível com o princípio da legalidade.
Do modo como vemos, é possível que tenhamos três posições distintas sobre este tema: ou a delegação legislativa é sempre constitucional; ou ela é constitucional em alguns casos; ou ela é sempre inconstitucional, salvo quando explicitamente autorizada pela Constituição Federal.
As três posições são interpretações da Constituição Federal de certo modo possíveis. Como vimos sustentando, a interpretação que defendemos é a intermediária, que reconhece que a delegação legislativa é possível, mesmo quando não explicitamente autorizada, contudo, ela está condicionada ao atendimento de certos requisitos de legitimidade.
É possível que no plano doutrinário um defensor ou uma defensora da terceira posição argumente que as outras duas representam uma garantia de legalidade “fraca”, na medida em que reconhecem a possibilidade de uma maior assessoriedade administrativa35 no campo tributário.
Esse tipo de colocação só tem espaço no debate doutrinário. Uma vez que o órgão de aplicação do Direito apresenta a interpretação constitucional sobre o alcance da legalidade tributária, estaremos diante da legalidade tributária na Constituição Federal. Ela não será flexível, fraca nem débil. É simplesmente a legalidade tributária conforme prevista na CF de 1988.
Isso não quer dizer, obviamente, que, em termos teóricos, a decisão do STF não possa seguir sendo criticada pela doutrina, na expectativa de que haja uma alteração de interpretação futura. O que não faz sentido, segundo vemos, é o próprio Tribunal estabelecer que está interpretando a Constituição Tributária, na parte da garantia da liberdade dos contribuintes, de forma “flexível”.
3.6. Delegação legislativa e a equivalência entre incidência e desoneração
A doutrina tributária brasileira por vezes parece funcionar em uma chave binária que distingue “pró-contribuinte” e “anticontribuinte”. Essa posição talvez tenha origem em uma certa visão bipolar do princípio da segurança jurídica.
Com efeito, um dos princípios que mais frequentam os debates sobre tributação é o princípio da segurança jurídica. Mesmo sem uma pesquisa empírica, arriscaria dizer que nenhum outro é tão mencionado nos diálogos tributários quanto ele.
De fato, não pode ser questionada nessa quadra histórica a noção de que qualquer ordenamento jurídico num estado democrático de direito deva ter como fim se alicerçar sobre textos normativos, o mais inteligíveis quanto possível, que possibilitem uma previsibilidade suficiente do futuro e uma razoável estabilidade do passado.
Contudo, há tempos, notamos um equívoco nas discussões sobre segurança jurídica em âmbito tributário que apequena o princípio e gera uma incapacidade em alguns atores de acompanhar a sua aplicação concreta, notadamente pelo Poder Judiciário. Refiro-me à visão de que o princípio da segurança jurídica apenas se aplica em benefício do sujeito passivo de deveres tributários, e não dos interesses da sociedade que se corporificam no Estado.
Essa visão, parcial e incompleta, do princípio da segurança jurídica sugere que apenas o sujeito passivo tributário pode argumentar com base nele para defender suas pretensões, enquanto a instabilidade e a imprevisibilidade podem perfeitamente estar presentes nas situações em que interesses públicos estejam em questão.
Em trabalhos recentes36, tratamos brevemente das origens do Direito Tributário brasileiro e de como o seu desenvolvimento dogmático, na época da ditadura militar, pode ter influenciado este tipo de postura e nos legado essa visão do Direito Tributário como o estatuto de defesa do sujeito passivo contra o Estado.
Ora, nenhum estudo jurídico pode ser feito desconsiderando o contexto histórico em que textos normativos foram editados e as teorias, desenvolvidas. Portanto, não nos parece que posturas teóricas elaboradas no contexto de um estado de exceção possam ser simplesmente transplantadas para o âmbito dos debates em um estado democrático de direito.
Consequentemente, cremos ser evidente que o princípio da segurança jurídica não pode ter o mesmo perfil pré e pós-1988.
Pois bem. Da mesma maneira que a Constituição Federal claramente alçou a segurança jurídica a um dos pilares do Sistema Tributário Nacional, prevendo regras de competência com materialidades mais ou menos delimitadas para diversos tributos e veiculando regras como a legalidade, a anterioridade e a irretroatividade, o texto constitucional incluiu diversos dispositivos que estabelecem como fim uma segurança financeira pautada pelos mesmos requisitos de previsibilidade e estabilidade que vimos acima.
A Constituição Orçamentária está alicerçada em três pilares, refletidos em nível infraconstitucional no art. 1º, § 1º, da Lei de Responsabilidade Fiscal – a transparência, o planejamento e o equilíbrio orçamentário. Toda a lógica estabelecida pelo art. 165 da Constituição para o Direito Orçamentário parte da premissa de que a lei vai veicular o planejamento financeiro do Estado de longo, médio e curto prazo, de modo que haja previsibilidade e estabilidade da arrecadação e do gasto públicos.
A esta altura, é inegável que o princípio do equilíbrio orçamentário é uma das pedras angulares da Constituição Financeira. Não desconhecemos as muitas polêmicas que existem sobre as demandas por equilíbrio fiscal e austeridade, nem que muitos autores e autoras importantes defendem que países soberanos monetariamente não precisam pautar o gasto público pela arrecadação de tributos. Nada obstante, é só vermos a pauta dos governos, independentemente do matiz ideológico, para notarmos que a lógica que se impôs é a do equilíbrio orçamentário.
Cremos ser absolutamente inquestionável, portanto, que a segurança orçamentária é um princípio constitucional irmão do princípio da segurança jurídica tributária. Da conjugação de ambos temos o princípio da segurança da atividade financeira do Estado.
A incapacidade de compreensão de que a segurança jurídica não é um princípio de polaridade única deixa muitos operadores e operadoras do Direito Tributário confusos quanto ao direcionamento das instituições que atuam neste campo, notadamente no que se refere às decisões dos Tribunais Superiores.
Com efeito, uma parcela de nossa teoria tributária, firme na premissa de que tributos, por natureza, restringem o direito de propriedade dos sujeitos passivos, vê, nas regras que materializam a segurança jurídica tributária, mandamentos de aplicação incontestável e absoluta que não podem ser ponderados com outros interesses socialmente relevantes.
Essa será a verdade na maioria das situações. Porém, em alguns casos difíceis, essa visão unidimensional da segurança jurídica não conduz à melhor interpretação da Constituição Federal.
Voltarmos aos casos julgados na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.277 e no Recurso Extraordinário n. 1.043.313, pelos quais passamos na seção anterior, ajudará a compreender melhor o que estamos defendendo.
Sabemos que, desde 2004, o art. 27, § 2º, da Lei n. 10.865 estabelece uma delegação legislativa para que o Poder Executivo reduza e reestabeleça a alíquota do PIS e da Cofins não cumulativos incidentes sobre receitas financeiras37. Após mais de uma década reduzidas a zero, em 2015 tais alíquotas foram previstas em 0,65% e 4%, respectivamente, pelo Decreto n. 8.42638.
O reestabelecimento dessas alíquotas gerou grande controvérsia, o que não é o foco de nossa discussão. O ponto a que queríamos chegar refere-se à edição do Decreto n. 11.322, de 30 de dezembro de 2022, que reduziu a alíquota do PIS de 0,65% para 0,33% e a da Cofins de 4% para 2%. Logo no dia 1º de janeiro de 2023, este ato foi revogado pelo Decreto n. 11.374, que repristinou expressamente as alíquotas previstas pelo Decreto n. 8.426/2015.
Este é o que podemos chamar de um caso difícil de aplicação da regra da anterioridade e do princípio da segurança jurídica. A eficácia do Decreto n. 11.374/2023 estaria pautada pela anterioridade nonagesimal que rege as contribuições de financiamento da seguridade social?
Um defensor ou defensora da segurança jurídica unidimensional, escudo do contribuinte, provavelmente diria que sim. Há um ato emitido pela autoridade formalmente competente para a sua emissão, o então Presidente da República. Este ato foi revogado, e uma nova tributação instituída já em janeiro de 2023. Consequentemente, não haveria dúvidas quanto à necessidade de proteção da expectativa criada nos contribuintes pelo Decreto n. 11.322/2022.
Nada obstante, não nos parece que a resposta seja tão simples.
Com efeito, a partir do momento em que entendemos a segurança jurídica como um princípio da atividade financeira do Estado, que também protege a expectativa de arrecadação, percebemos que situações como esta não podem ser examinadas de uma perspectiva essencial e exclusivamente formal.
De fato, considerando a situação das contas públicas, a decisão do então Presidente da República, num governo que estava em seu penúltimo dia, pela redução de uma fonte de arrecadação relevante tem que ser considerada de um ponto de partida substantivo, o de suas motivações e justificativas, e não de uma perspectiva apenas formal da existência ou não de competência para a edição do ato administrativo.
Nessa toada, um ato claramente atentatório à segurança orçamentária, editado sem qualquer motivação ou justificativa legítimas, parece, em si, um não ato, um decreto praticado, ao que tudo indica, com a finalidade última de criar embaraços financeiros para o governo que se iniciaria em janeiro e, consequentemente, para toda a sociedade.
Só por isso já seria justificável repensarmos se este seria, de fato, um caso de aplicação da regra da anterioridade nonagesimal39. Mas não é só. Também a própria anterioridade deve ser interpretada considerando o princípio da segurança jurídica da atividade financeira do Estado.
Em verdade, como vimos, o princípio da segurança jurídica tem como uma de suas vertentes a previsibilidade dos deveres tributários aos quais estão submetidos os sujeitos passivos. Portanto, uma regra como esta da anterioridade tem como fim evitar a surpresa decorrente da instituição ou majoração de tributos.
A todas as luzes, surpresa quanto à incidência não foi o que se passou neste caso. Se houve alguma surpresa, foi com o decreto editado no ocaso do governo passado, em 30 de dezembro de 2022.
Assim sendo, uma interpretação teleológica da própria regra da anterioridade põe em xeque a pretensão de se transformar um decreto maculado por claro desvio de finalidade em ato gerador de expectativas legítimas.
A compreensão do princípio da segurança jurídica desta perspectiva bidimensional normalmente gera reações enérgicas e inconformadas, como se estivéssemos, de alguma maneira, ressuscitando as teorias da prevalência do interesse público sobre o privado. Certamente não é isso que estamos defendendo.
É importantíssimo deixar bem claro que não estamos propondo que a segurança orçamentária tenha prevalência ou precedência sobre a segurança jurídica dos sujeitos passivos de deveres tributários. Não é isso que estamos dizendo.
O que estamos sustentando é que a segurança jurídica não é um princípio unidimensional e que, em alguns casos, a segurança jurídica orçamentária entrará em colisão com a segurança jurídica tributária. Nesses casos difíceis, que são a exceção, as condições de precedência serão definidas de modo casuístico.
É comum que este tipo de visão, como a que estamos defendendo, seja tido como antagônico aos interesses dos sujeitos passivos. Não nos parece que assim o seja.
Há muitos anos vimos denunciando os malefícios das posições binárias absolutas que pautam a doutrina tributária40. Uma das suas principais desvantagens é a incapacidade de criar pautas para a solução dos problemas concretos que desafiam a inteligência dos órgãos de aplicação do Direito nos dias de hoje.
Esses comentários aplicam-se perfeitamente ao exame da legalidade na desoneração tributária. Segundo o § 6º do art. 150 da CF, “qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2º, XII, g”.
Note-se, portanto, que, da mesma forma que a Constituição previu que a lei seja o veículo introdutor de deveres jurídicos referentes ao pagamento de tributos, ela também estabeleceu que somente a lei pode conceder desonerações tributárias. Portanto, a legalidade tributária não é unidimensional, ela é bidimensional.
Somos, há muito, defensores da noção de que o dever tributário é um dever de cidadania, tendo fundamento constitucional. Esta premissa atribui relevância à renúncia de receita tributária e ao equilíbrio orçamentário.
O que estamos argumentando nesta seção é a equivalência entre a “legalidade-imposição” e a “legalidade-desoneração”, de modo que, no que se refere à delegação legislativa, deveria haver coerência no exame do seu cabimento em matéria tributária.
Em outras palavras, se considerarmos as três posições teóricas possíveis que apresentamos anteriormente –a delegação legislativa seria sempre constitucional; ou seria constitucional em alguns casos; ou seria sempre inconstitucional, salvo quando explicitamente autorizada pela Constituição Federal –, cremos que essas interpretações deverão ser aplicadas de forma coerente, seja a delegação legislativa referente a uma regra impositiva, seja ela referente a uma regra desonerativa.
4. Conclusão
Nessa linha de ideias, cremos ser possível concluir o seguinte:
a) ao contrário da CF de 1967, em seu texto original e em sua versão após a EC n. 1/1969, que continha uma vedação geral de delegação de competências entre Poderes, a CF de 1988 não possui igual restrição;
b) não nos parece que a delegação condicionada do exercício de competências legislativas possa ser considerada contrária à separação dos Poderes, como sugerem alguns autores, e cremos ser possível estabelecer a premissa de que, além de não existir na CF de 1988 uma vedação explícita à delegação legislativa, não existe uma vedação implícita no texto constitucional a que a mesma ocorra;
c) o fato de a Constituição Federal prever a figura das leis delegadas confirma que a transferência de competências legislativas para o Poder Executivo convive com a separação dos Poderes. Por outro lado, a existência das leis delegadas no art. 68 da CF, por meio do qual o Poder Executivo pode solicitar que lhe sejam transferidas competências legislativas, não limita a possibilidade de o Poder Legislativo decidir delegar tais competências ao Poder Executivo;
d) se não encontramos uma vedação geral à delegação legislativa na Constituição, também não encontramos no capítulo dedicado ao Sistema Tributário Nacional;
e) com efeito, o art. 150, I, da CF, ao prever a regra da legalidade tributária, requer que os elementos estruturantes da hipótese de incidência e da relação jurídico-tributária sejam estabelecidos em lei. A posição que defendemos é que, sempre que temos uma delegação legislativa restrita e condicionada, tais elementos não deixam de estar estabelecidos em lei, uma vez que foram delimitados em termos finalísticos pelo legislador;
f) por outro lado, é possível concluir que uma delegação legislativa ampla e incondicionada, na qual o Poder Legislativo simplesmente transferisse sua competência normativa para o Poder Executivo, sem estabelecer quaisquer requisitos e condições de exercício, seria inconstitucional;
g) não nos parece que o fato de o art. 153, § 1º, da CF prever a possibilidade de as alíquotas do Imposto de Importação, do Imposto de Exportação, do IPI e do IOF serem alteradas pelo Executivo signifique uma vedação implícita à delegação de competências em relação a esses e a outros tributos. Com efeito, o que a CF faz é reconhecer a natureza preponderantemente extrafiscal desses tributos, atribuindo-lhes um regime próprio como regra geral. Contudo, isso não significa que em relação aos demais tributos a delegação legislativa seja proibida;
h) como apontamos acima, um aspecto importantíssimo que decorre da leitura tanto do art. 68 quanto do art. 153, § 1º, da CF de 1988 é o reconhecimento de que as delegações legislativas constitucionalmente possíveis no Brasil são as delegações restritas e condicionadas, nas quais o mérito da decisão administrativa é predeterminado pelo legislador. Acreditamos que ambos os dispositivos podem ser aplicados a delegações que não estejam ali previstas, servindo de base para a necessidade de observância de condições previstas pelo Poder Legislativo para a legitimidade da delegação;
i) outra restrição prevista no art. 68 da CF que acreditamos ser aplicável por analogia a outras delegações é a vedação da transferência de competências normativas referentes a matérias reservadas a lei complementar.
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1 XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: RT, 1978.
2 Ver, por exemplo: DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. 4. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2021; DERZI, Misabel Abreu Machado. Direito tributário, direito penal e tipo. São Paulo: RT, 1988; CARRAZZA, Roque Antonio. O regulamento no direito tributário brasileiro. São Paulo: RT, 1981; MACHADO, Hugo de Brito. Princípio da legalidade. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Princípio da legalidade. São Paulo: Resenha Tributária, 1981; MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Princípio da legalidade. São Paulo: Resenha Tributária, 1981.
3 Ver: GRECO, Marco Aurélio. Crise do formalismo no direito tributário brasileiro. In: RODRIGUEZ, José Rodrigo et al. (org.). Nas fronteiras do formalismo. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 230.
4 TORRES, Ricardo Lobo. Normas de interpretação e integração do direito tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1991; TORRES, Ricardo Lobo. Normas de interpretação e integração do direito tributário. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2024.
5 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento fiscal e interpretação da lei tributária. São Paulo: Dialética, 1998; GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. 4. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2019.
6 Observava Hugo de Brito Machado que “a rigor, o que a lei deve prever não é apenas a hipótese de incidência, em todos os seus aspectos. Deve estabelecer tudo quanto seja necessário à existência da relação obrigacional tributária. Deve prever, portanto, a hipótese de incidência e o consequente mandamento. A descrição do fato temporal e da correspondente prestação, com todos os seus elementos essenciais, e ainda a sanção, para o caso de não prestação” (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 41. ed. São Paulo: Malheiros, 2020. p. 33). Como veremos adiante, a grande questão que fica em aberto, a partir da lição do saudoso mestre é: o que é estabelecer a hipótese de incidência tributária e os elementos estruturais da relação jurídica dela decorrentes?
7 ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Dicionário escolar da língua portuguesa. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2008, p. 541.
8 “Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”
9 “Art. 9º Tributo é a receita derivada instituída pelas entidades de direito público, compreendendo os impostos, as taxas e contribuições nos termos da Constituição e das leis vigentes em matéria financeira, destinando-se o seu produto ao custeio de atividades gerais ou específicas exercidas por essas entidades.”
10 “Art. 114. Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência.”
11 CYRINO, André. Delegações legislativas, regulamentos e Administração Pública. Belo Horizonte: Fórum, 2018, p. 42-43.
12 André Zancanaro Queiroz e Gustavo Ferreira Ribeiro publicaram interessante estudo sobre tema que foge às nossas considerações neste texto, referente aos aspectos políticos que podem estar por trás das delegações legislativas. Ver: QUEIROZ, André Zancanaro; RIBEIRO, Gustavo Ferreira. Legalidade e deslegalização tributária: o mercado da política e as escolhas realizadas pelo Poder Judiciário para definir as suas regras. Revista da AGU v. 18, n. 4. Brasília, out./dez. 2019, p. 17-54.
13 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 76-108.
14 CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária. São Paulo: Max Limonad, 1998, p. 124-178.
15 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Teoria geral do tributo e da exoneração tributária. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 109-120.
16 ROSENBLATT, Paulo. Competência regulamentar no direito tributário brasileiro. São Paulo: MP, 2009, p. 170-171.
17 SILVA, Virgílio Afonso da. Direito constitucional brasileiro. São Paulo: EDUSP, 2021, p. 537.
18 SILVA, Virgílio Afonso da. Direito constitucional brasileiro. São Paulo: EDUSP, 2021, p. 538.
19 KOURY, Paulo Arthur Cavalcante. Competência regulamentar em matéria tributária. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 42.
20 Ver, por exemplo: MACHADO, Hugo de Brito. Princípios jurídicos da tributação da Constituição de 1988. 5. ed. São Paulo: Dialética, 2004, p. 30-32; CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 280-283; KOURY, Paulo Arthur Cavalcante. Competência regulamentar em matéria tributária. Belo Horizonte: Fórum, 2019, p. 56; LEÃO, Martha Toribio. O direito fundamental de economizar tributos: entre legalidade, liberdade e solidariedade. São Paulo: Malheiros, 2018, p. 67-68; CARVALHO, João Rafael L. Gândara de. Forma e substância no direito tributário: legalidade, capacidade contributiva e planejamento fiscal. São Paulo: Almedina, 2016, p. 113.
21 Sobre o tema, ver: ROCHA, Sergio André. Fundamentos do direito tributário brasileiro. 3. ed. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2024, p. 122-127.
22 Ver, por exemplo: FOSSATI, Gustavo. Constituição Tributária comentada. São Paulo: RT, 2020, p. 156-157.
23 Cf. ROCHA, Sergio André. Fundamentos do direito tributário brasileiro. 3. ed. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2024, p. 122-127.
24 ROCHA, Sergio André. A delegação legislativa no direito tributário brasileiro contemporâneo: segurança jurídica, legalidade, conceitos indeterminados, tipicidade e liberdade de conformação da Administração Pública. In: RIBEIRO, Ricardo Lodi; ROCHA, Sergio André (coord.). Legalidade e tipicidade no direito tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 220-259.
25 Esta mesma posição foi defendida por Daniel Lannes, em estudo monográfico no qual o autor focou sua atenção na delegação legislativa para a atuação do Executivo na graduação de alíquotas. Veja-se a sua conclusão: “A função normativa do Estado em matéria tributária é monopólio do Poder Legislativo? Não. Admitindo-se a distinção entre a função legislativa (essa, sim, privativa do parlamento) e a função normativa, a Administração Pública pode atuar na graduação de alíquota de tributos, desde que o Parlamento delegue expressamente essa possibilidade ao Poder Executivo no bojo da lei, estabelecendo de antemão critérios e parâmetros de controle da atividade normativa. [...].” (LANNES, Daniel. Legalidade tributária. São Paulo: Quartier Latin, 2018, p. 285)
26 Cf. CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O Congresso e as delegações legislativas. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 95.
27 TRIBE, Laurence H. American Constitutional Law. 2. ed. New York: The Foundation Press, 1988, p. 364. Segundo Alexandre Santos de Aragão, “não é suficiente, contudo, apenas a previsão legal da competência da Administração Pública para editar normas sobre determinado assunto. Mister se faz que a lei estabeleça também princípios, finalidades, políticas públicas ou standards que propiciem o controle do regulamento (intelligible principles doctrine), já que a atribuição de poder normativo sem que se estabeleçam alguns parâmetros para o seu exercício não se coadunaria com o Estado Democrático de Direito, que pressupõe a possibilidade de controle de todos os atos estatais.” (ARAGÃO, Alexandre Santos de. Direito dos serviços públicos. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 329). No mesmo sentido, negando a legitimidade de delegações abertas de competências legislativas, ver: PIERCE JR., Richard J., SHAPIRO, Sidney A.; VERKUIL, Paul R. Administrative law and process. 3. ed. New York: The Foundation Press, 1999, p. 36. Para um estudo mais aprofundado da questão relacionada à previsão de standards para a validade de delegações legislativas, ver: BARBER, Sotirios. The Constitution and the delegation of congressional power. Chicago/London: The University of Chicago Press, 1975, p. 72-107.
28 Cf. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 64-66.
29 NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra: Almedina, 1998, p. 630. Sobre o tema, ver, também: SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 32-34; BOMFIM, Gilson. Incentivos tributários: conceituação. Limites e controle. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 29-39.
30 Cf. ROCHA, Sergio André. Fundamentos do direito tributário brasileiro. 3. ed. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2024, p. 122-127.
31 Importante mencionarmos aqui que referências à “relativização” e mesmo à “flexibilização” da legalidade tributária, mais como um alerta do que em sua defesa, já eram encontradas na tese de Fábio Pallaretti Calcini. Ver: CALCINI, Fábio Pallaretti. Princípio da legalidade: reserva legal e densidade normativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 257-259. Ainda antes, e em um contexto um pouco distinto, Fernando Zilveti também havia feito referência a uma “flexibilização da legalidade. Ver: ZILVETI, Fernando Aurelio. Globalização e regulação – flexibilização do princípio da legalidade. Revista Direito Tributário Atual n. 21. São Paulo: IBDT, 2007, p. 233-253.
32 Como destacamos na introdução, não temos o objetivo de analisar detalhadamente as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal sobre o tema. Nosso propósito, neste artigo, é a apresentação de uma teoria sobre a interpretação dos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais relevantes. Desse modo, as referências a decisões do STF servem apenas de pano de fundo para a discussão proposta neste estudo.
33 ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS. Dicionário escolar da língua portuguesa. 2. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2018, p. 594.
34 Ver, por exemplo: SCHOUERI, Luís Eduardo; FERREIRA, Diogo Olm; LUZ, Victor Lyra Guimarães. Legalidade tributária e o Supremo Tribunal Federal: uma análise sob a óptica do RE n. 1.043.313 e da ADI n. 5.277. São Paulo: IBDT, 2021.
35 A expressão assessoriedade administrativa é mais utilizada no Direito Penal, no contexto do estudo das “normas penais em branco”. Cremos que pesquisas interdisciplinares neste campo ainda são incipientes na literatura pátria e seriam bastante esclarecedoras para a melhor compreensão da legalidade tributária. Sobre o tema recomendamos o excelente estudo de Chiavelli Facenda Falavigno (FALAVIGNO, Chiavelli Facenda. A deslegalização do direito penal: leis penais em branco e demais formas de assessoriedade administrativa no ordenamento punitivo brasileiro. Florianópolis: Emais Academia, 2020).
36 Ver, por exemplo: ROCHA, Sergio André. Tributação, finanças públicas e desenvolvimento (ensaios). Belo Horizonte: Casa do Direito, 2023, p. 172-173.
37 Esta delegação legislativa foi analisada por Marciano Seabra de Godoi, que entendeu que ela seria incompatível com a Constituição Federal pela falta de critérios previstos na lei para o exercício da competência delegada (cf. GODOI, Marciano Seabra de. Legalidade tributária: duas visões e suas respectivas consequências – comentários aos acórdãos do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário n. 1.043.313 e na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.277. In: OLIVEIRA, Ricardo Mariz de et al. (coord.). Anais do VII Congresso Brasileiro de Direito Tributário Atual IBDT/AJUFE/AJUFESP/DEF-FD-USP. São Paulo: IBDT, 2021, p. 108-122). Foi a mesma posição que sustentei em artigo escrito em coautoria com Maurine Morgan (ROCHA, Sergio André; FEITOSA, Maurine Morgan P. PIS/Cofins sobre o etanol e o princípio da legalidade: uma análise à luz da ADI 5.277/DF. Revista Fórum de Direito Tributário n. 100. Belo Horizonte, jul./ago. 2019, p. 49-50).
38 Sobre este tema, ver: ROCHA, Sergio André; FEITOSA, Maurine Morgan P.. PIS/Cofins sobre o etanol e o princípio da legalidade: uma análise à luz da ADI 5.277/DF. Revista Fórum de Direito Tributário n. 100. Belo Horizonte, jul./ago. 2019, p. 33-52.
39 A matéria foi analisada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade n. 84, tendo a Corte adotado interpretação em linha com o que estamos sustentando neste artigo.
40 Ver: ROCHA, Sergio André. Os contribuintes perderam o bonde da história? Revista Fórum de Direito Tributário n. 81. Belo Horizonte, maio/jun. 2016, p. 73-76.