Discurso para a posse de Luís Eduardo Schoueri
na presidência do IBDT
[Agradecimentos]
Encontro-me hoje diante da difícil e honrosa tarefa de prestar homenagem a Ricardo Mariz de Oliveira pelo brilhante período em que esteve na presidência do Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Ao fazê-lo, busco inspiração na origem e no significado do nome “Ricardo” e em duas ilustres figuras históricas que compartilham esse nome: São Ricardo de Chichester e David Ricardo.
O nome Ricardo tem sua origem na antiga língua germânica, derivado do termo “Ricohard”. “Rik” significa “líder, rei, príncipe ou governante” e “hard” significa “forte, corajoso, resistente”. O nome Ricardo carrega consigo o sentido de um líder forte e corajoso, de alguém que conduz com firmeza, sabedoria e integridade. Nada poderia representar melhor o caráter e a trajetória de Ricardo Mariz, que, em sua jornada profissional e acadêmica, demonstrou precisamente essas qualidades. Durante sua presidência no IBDT, Ricardo fez jus ao nome que carrega, liderando nosso instituto de maneira ética e grandiosa.
Ao voltarmos nosso olhar à história, encontramos São Ricardo de Chichester, cuja vida foi marcada pela austeridade, devoção e sabedoria acadêmica. Nascido em 1197, Ricardo de Chichester enfrentou grandes adversidades desde muito jovem: perdeu seus pais ainda criança e experimentou a pobreza desde cedo. Contudo, jamais permitiu que tais circunstâncias limitassem sua busca pelo saber. Pelo contrário, dedicou-se intensamente aos estudos, destacando-se como professor e posteriormente como reitor na Universidade de Oxford. Sua brilhante carreira acadêmica foi coroada com sua ordenação sacerdotal e nomeação como bispo de Chichester, tornando-se um exemplo notável de liderança moral, ética e espiritual.
Como São Ricardo, Ricardo Mariz trilhou sua trajetória singular e admirável no Direito Tributário pautado por valores morais fortes. Embora, em razão de sua notável modéstia, nunca tenha aceitado o título de professor – que lhe é imputado pelo devido mérito –, todos aqueles que tiveram a oportunidade de acompanhar suas aulas magnas sabem que seu ensino extrapola a mera transmissão de conhecimento. Ricardo transforma suas aulas em momentos únicos de reflexão profunda, em que a clareza, o rigor científico e a integridade intelectual são a base para diálogos enriquecedores, permeados por sua inconfundível capacidade argumentativa.
Ricardo é daqueles raros indivíduos que conseguem equilibrar perfeitamente o saber técnico com a sabedoria humanística. Para dar um exemplo, não falo das suas inigualáveis produções jurídicas, em que trata de temas extremamente complexos com profundidade invejável. Refiro-me, porém, a outra obra, que, embora menos conhecida, revela muito de seu caráter e personalidade. Em seu livro “Jesus de Nazaré – o Pregador do Amor”, com precisão e capacidade argumentativa excepcional, apresenta um estudo tocante sobre a natureza divina e a essência amorosa da figura histórica de Jesus Cristo. Nesse trabalho, vemos a face profundamente católica e espiritual que permeia sua personalidade, reflexo da ética moral que lhe é intrínseca.
Ética esta que não se reflete apenas em seu lado devoto, mas está igualmente presente em sua jornada profissional. Sua atuação como advogado sempre inspirou muitos, não apenas pela qualidade e rigor técnico de suas defesas ou pela excelência de suas sustentações, aptas a atrair dezenas de profissionais ao redor, que ali se dirigem para escutar suas verdadeiras aulas. Mas, principalmente, pelo exemplo de advogado ético e sério que Ricardo sempre foi. Alguém que nunca se permitiu defender uma tese em que não acreditasse verdadeiramente, por mais que tivesse plena capacidade de fazê-la convencer. Ricardo nos deixará um legado não só por suas inigualáveis contribuições para o Direito Tributário a partir de obras como Fundamentos do Imposto de Renda – que, sem qualquer dúvida, foram essenciais –, mas também pelo exemplo do caráter inegociável de sua integridade profissional.
David Ricardo é outra figura histórica relevante que inspira essa homenagem. Economista britânico do século XIX, David Ricardo revolucionou o pensamento econômico com suas teorias sobre o comércio internacional e a distribuição de renda. Sua obra mais famosa, “Princípios de Economia Política e Tributação”, introduziu conceitos fundamentais que moldaram significativamente a ciência econômica moderna, como a teoria das vantagens comparativas e o princípio da renda diferencial. David Ricardo destacou-se pela clareza e originalidade em suas análises econômicas, sempre buscando entender e explicar os mecanismos fundamentais da economia com objetividade e profundidade.
Da mesma forma que David Ricardo foi essencial para o desenvolvimento da ciência econômica, Ricardo Mariz o foi para o Direito Tributário brasileiro. Seu livro Fundamentos do Imposto de Renda, referência incontestável na matéria, estabeleceu as bases da teorização sobre o Imposto de Renda. Com um raciocínio meticuloso, embasado em profundo conhecimento jurídico e econômico, Ricardo trata de questões basilares do Imposto sobre a Renda, como a identificação de mutações patrimoniais e a desnecessidade de elemento volitivo para revelação de capacidade contributiva; ou acerca da validade constitucional das normas que cerceiam a dedutibilidade do Imposto.
Ambos Ricardos. Ambos líderes fortes e corajosos. Um está para a economia, enquanto o outro está para o Direito. Mas foram igualmente fundamentais em suas respectivas áreas – e, neste último caso, ainda continua sendo. Ricardo Mariz, com suas análises jurídicas caracterizadas por um equilíbrio rigoroso entre a teoria e a prática, refletindo sua habilidade singular em conciliar profundidade técnica com pragmatismo jurídico, trouxe contribuições que jamais serão esquecidas.
Como presidente do IBDT, Ricardo Mariz fez jus ao significado de seu nome. Foi o líder forte, corajoso e determinado de que o IBDT precisa e merece. Entre 2011 e 2025, período em que Ricardo ocupou a posição de Presidente do instituto, o IBDT não foi apenas um dos muitos palcos pelos quais brilhou nosso grande líder. Também se desenvolveu sob sua liderança. Ricardo teve uma história de grandeza, repleta de inspiração ética e profissional. O IBDT, durante seu mandato, pôde crescer junto com ele.
Logo no seu segundo ano de mandato, o IBDT conquistou o primeiro lugar no Tax Moot Court Competition do Observatório Ibero-americano de Tributação Internacional, em Santiago no Chile – feito que foi repetido em anos posteriores, com frequentes distinções individuais dos oradores que representaram o IBDT. Não há aqui uma feliz coincidência, mas um reflexo da dedicação e do apoio que Ricardo sempre conferiu à nova geração, incentivando seu desenvolvimento e aprendizado. Esse mesmo apoio à juventude é que explica o apoio do IBDT não só a sua equipe, como também à da USP naquelas competições. Ainda fruto de tal postura, cito a participação da equipe do IBDT anualmente em competição organizada pelo IBFD (International Bureau of Fiscal Documentation) em Leuven, Bélgica, onde nossa equipe recentemente se sagrou vitoriosa.
Esse entusiasmo de Ricardo Mariz com a juventude não vem de hoje. Lembro que assim agiu comigo. Assim que voltei da Alemanha, em 1992, fui convidado pelo Prof. Ruy Barbosa Nogueira para me sentar à Mesa de Debates. Quando me dei conta, o gigante Ricardo descia do pedestal – que lhe era atribuído por mérito, mas que, por modéstia, nunca foi por ele aceito – e me instava ao debate. Esse exemplo é ilustrativo de que não importa a distância que haja entre Ricardo e a pessoa que está ingressando no Direito Tributário. Ele sempre trata a todos com humildade e oferece oportunidades. Lembra-me o dia da minha assunção à Cátedra da Faculdade de Direito da USP, quando Ricardo Mariz se revelou um dos mais entusiasmados. Disse-me que via aquele como um dos principais movimentos por que passava a nossa Faculdade. Desnecessário dizer o quanto essas palavras pesaram sobre meus ombros.
Mesmo no auge de sua carreira acadêmica e profissional, Ricardo sempre teve como uma de suas prioridades criar oportunidades para que os outros pudessem chegar até onde ele mesmo chegou. Não é o tipo de pessoa que “chega no topo e chuta a escada”, mas alguém que, quando chega no topo, oferece a mão para que os outros o alcancem também. Foi por esse motivo que, em 2021, sob a direção de Ricardo, foi implementado o IBDT Jovem, grupo de pesquisa voltado para jovens profissionais interessados em desenvolver pesquisa científica em Direito Tributário, como forma preparatória para o futuro ingresso em programas de pós-graduação e para o desenvolvimento de atividades acadêmicas. Muitos desses jovens encontram no IBDT Jovem sua primeira oportunidade de se apresentar em público.
Esses são apenas alguns dos muitos exemplos que mostram que, sob a liderança de Ricardo, o IBDT teve como uma de suas preocupações garantir às gerações mais jovens a oportunidade de se destacarem no Direito Tributário e, talvez um dia, tornarem-se grandes referências, como o mestre que, até hoje, liderou a todos nós.
Mas sua contribuição não parou no incentivo à nova geração. Em 2017, a Mesa de Debates n. 1.500 inaugurou o Auditório Professor Ruy Barbosa Nogueira, doado pelo IBDT à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, em uma edição comemorativa do 190º aniversário do Decreto Imperial de 11 de agosto de 1827, que fundou os cursos jurídicos no Brasil. Exemplo de como, seguindo os princípios e a ética de Ricardo, o IBDT continuou contribuindo para o desenvolvimento da academia brasileira.
Sob sua gestão, o IBDT tornou-se referência em internacionalização. Desde 2011, o IBDT consolidou sua participação no Observatório Ibero-americano de Tributação Internacional, como membro fundador juntamente com outras Universidades de vários países ibero-americanos e da Flórida. Desde 2014, foi criado e mantido o convênio com o International Bureau of Fiscal Documentation – IBFD –, além dos Protocolos de Cooperação com a Universidade do Minho, em Portugal. Essas iniciativas evidenciam que Ricardo não cresceu sozinho, mas levou o IBDT consigo, tornando-o instituição de relevância internacional.
Dedicando-se de corpo e alma ao IBDT, Ricardo garantiu um crescimento nunca visto da nossa instituição. Ricardo Reis, heterônimo de Fernando Pessoa, ensinou-nos que “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”. A determinação e a excelência com que Ricardo conduziu o IBDT nesses últimos anos, depositando a integralidade de seus esforços na promoção do conhecimento e na construção do futuro das novas gerações do Direito Tributário, mostram-nos que a alma de Ricardo não é pequena: é tão grande que não pode ser expressa em palavras.
Permitam-me retomar alguns fatos que marcaram a gestão de Ricardo Mariz de Oliveira. Em 2011, quando Ricardo assumiu a presidência, estávamos ainda na Mesa de Debates 1.257. Como hoje estamos na de número 1.808, são 551 Mesas sob sua batuta. Naquele ano de 2011, teríamos o IV Congresso de Direito Tributário Internacional; no ano passado, tivemos sua décima edição, totalizando, pois, 7 edições sob o comando de Ricardo. Com relação ao crescimento do Congresso, vale lembrar que, naquela época, o Congresso contou com um público de 350 participantes; na edição do ano passado, tivemos público recorde de 480 participantes. Intercalados, tivemos os congressos de Direito Tributário brasileiro, que experimentaram igual crescimento sob a coordenação científica de Ricardo Mariz.
Ainda mais impressionante foi o crescimento de alunos e associados durante a presidência de Ricardo. No seu primeiro ano de mandato, o IBDT contou com 130 alunos matriculados. A partir de então, o crescimento foi exponencial, atingindo 978 alunos em 2024. Um número 7,5 vezes maior! O aumento dos associados é igualmente notável, começando com apenas 483 associados no final de 2011 que, ao final de 2024, tornaram-se 1.555.
A gestão de Ricardo Mariz enfrentou as dificuldades da pandemia. Mas Ricardo é daqueles que saem mais fortes dos desafios que lhe são impostos. Foi a pandemia que forçou a transmissão ao vivo das Mesas de Debates, tornando-as de alcance nacional (ou mesmo internacional, já que sabemos que contamos com participantes no exterior). Hoje, retomadas as atividades presenciais, o alcance nacional das Mesas é conquista da qual não se recua. No mesmo sentido, devem ser mencionados os cursos de extensão, que tomaram a forma virtual, alcançando o público nacional. Até mesmo o tradicional Curso de Introdução e Atualização em Direito Tributário ganhou formato virtual, formando gerações de tributaristas em todo o território brasileiro.
Não posso deixar de mencionar o trabalho da gestão de Ricardo no fortalecimento de parcerias. Cito, dentre outras, aquela com o Instituto de Estudos Tributário, do Rio Grande do Sul, com o qual vêm sendo realizados diversos cursos de extensão; com a FIPECAFI, com Mesas de Debates conjuntas e cursos de extensão e, mais recentemente, com o Women in Tax, também com Mesas de Debates bastante concorridas.
As publicações do IBDT também merecem destaque, a começar pela nossa Revista Direito Tributário Atual, que ganhou o respeito da comunidade acadêmica, aumentando sua periodicidade e elevando sua pontuação na CAPES. Ganhando acesso livre, na forma on-line, tornou-se possivelmente o mais festejado repertório de Direito Tributário no País. Sua coirmã, a Revista Direito Tributário Internacional Atual, colhe o que melhor se produz em Direito Tributário Internacional, hoje contando também com autores estrangeiros renomados. Os livros do IBDT, na Série Doutrina Tributária, são referência obrigatória. Somem-se a Série Doutrina Tributária Aplicada, os Anais dos Congressos, os livros do NUPEM e outras publicações isoladas, que confirmam a vocação do IBDT para a divulgação das pesquisas de Direito Tributário.
Em 2017, tivemos o começo do Mestrado Profissional do IBDT, inicialmente na linha de Direito Tributário Internacional e hoje também em Direito Comparado. Seus egressos ocupam funções relevantes nos setores público e privado, o que evidencia a efetiva contribuição do IBDT para a nossa sociedade. Os já mencionados grupos do NUPEM vêm produzindo pesquisa de qualidade, reunindo não só os alunos do Mestrado como também membros da comunidade, em efetiva atividade de extensão universitária.
Também é mérito da gestão de Ricardo Mariz de Oliveira a ousadia da mudança para a sede onde ora nos encontramos. É a essas novas instalações que acorrem estudantes de todo o País, merecendo destaque aqueles do mestrado profissional, propositadamente organizado com aulas às sextas e sábados, quinzenalmente, para que possamos acolher alunos de diversas partes do País. Também nessas novas instalações, foi possível acolher, além da biblioteca de Ruy Barbosa Nogueira, outras novas coleções, que aqui chegaram na gestão de Ricardo Mariz de Oliveira. Conto, aqui, as bibliotecas de Alcides Jorge Costa, Brandão Machado, Gerd Willi Rothmann e Alberto Xavier. Merece especial destaque a biblioteca de Klaus Vogel, meu mestre de Munique. Ricardo envidou todos os esforços para conseguir importar, em estado impecável, esse importante acervo. O resultado – todos podem testemunhar – é a mais relevante biblioteca da América Latina especializada em Direito Tributário. Todo esse material é colocado, sem qualquer ônus, à disposição de pesquisadores do País ou do exterior. Não é incomum encontrarmos pesquisadores dos mais diversos rincões, que aqui acorrem com a certeza de que encontrarão farto material para sua pesquisa.
Ricardo também não é o tipo de pessoa que, ao chegar no topo, se esquece daqueles que lhe possibilitaram chegar lá. É daqueles que jamais deixam de reverenciar seus mestres. Consagrado com a presidência do IBDT, Ricardo sucedeu a gigantes no Direito Tributário, como Ruy Barbosa Nogueira, Alcides Jorge Costa e Paulo Celso Bergstron Bonilha, os quais sempre tratou com gratidão e reverência. Agora, cabe a mim a honra de suceder a mais um dos gigantes do Direito Tributário, exemplo de ética e seriedade.
Não se trata de uma despedida. Nosso mestre Ricardo Mariz estará sempre conosco, pois estatutariamente, é elevado à condição de conselheiro vitalício. Nessa posição, poderá velar pelo exemplo de ética, disciplina e excelência que nos deixou.
Olhando para o futuro do IBDT, não posso deixar de lembrar a figura de seu fundador, o Professor Catedrático Ruy Barbosa Nogueira. Muitos dos que hoje militam no IBDT encontram, na figura do Mestre, inspiração. Lembro-me de seu velório, pranteado no Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP. Ali acorreram centenas de pessoas, não só tributaristas renomados, mas funcionários da Faculdade que tiveram o privilégio de servir quando o Catedrático acumulava, junto com a posição de Presidente do nosso IBDT, a de diretor das Arcadas. Conversei com várias pessoas, todas ávidas por partilhar algum momento em que tiveram ajuda decisiva do Mestre em suas carreiras.
Não é diferente o meu caso. Ainda era estudante terceiro-anista, quando, instado por uma colega na Fundação Getulio Vargas que tinha contato pessoal com o Catedrático, fui procurá-lo em seu escritório. A empatia foi imediata. O Mestre recebeu-me em sua sala e conversamos por muito tempo. Sim, aquele advogado ocupado colocava, antes de mais nada, seu amor pela docência. Sua missão era conquistar novos tributaristas, infundindo-lhes o amor pelo Direito Tributário. O contágio foi imediato, facilitado não só pela energia do Catedrático, como por sua técnica de não me deixar sair sem que levasse algumas publicações (separatas de seus artigos, que ainda guardo com carinho). O Mestre me incentivou a voltar, o que fiz várias vezes, sempre recebido com igual acolhimento (e sempre recebendo novas publicações). Naquele ano de 1985, fora lançada coletânea em sua homenagem, um “Festschrift”, coordenada por ninguém menos que Brandão Machado. A obra continha 20 monografias e, naquela ocasião, o tradicional Curso de Atualização em Direito Tributário, que enchia o Salão Nobre da Faculdade de Direito aos sábados, teve um programa extraordinário: foram 10 semanas em que se discutiram, a cada encontro, duas das monografias daquela coletânea. O Prof. Ruy Barbosa Nogueira incentivou-me a me inscrever no curso, o que fiz. Foi imenso o choque, já que eu sequer conhecia a expressão “fato gerador” e de repente tinha contato com monografias como a de Brandão Machado, sobre repetição de tributos indiretos, substituição tributária, imposto de renda sobre ganhos de capital e decadência e prescrição no direito tributário. Estou seguro de que foi naquele período, quando somava às visitas ao Catedrático as aulas na Atualização, que me surgiu a paixão pelo Direito Tributário. No ano seguinte, voltei a cursar a Atualização em Direito Tributário aos sábados, já com o programa tradicional, e passei a estagiar na área de impostos da Arthur Andersen (naquela época, dizíamos “Big 8”, sendo a Arthur Andersen das mais relevantes).
O contato com a prática da tributação somava-se às leituras e, mesmo quarto-anista, tive até mesmo a ousadia de publicar monografia na área. Durante meu quinto ano na Faculdade, valendo-me do fato de ser diplomado em Administração (cujo curso era só de quatro anos), consegui ser admitido como aluno especial na pós-graduação, em disciplinas ministradas pelo Prof. Ruy Barbosa Nogueira. Formado, quis imediatamente ingressar no mestrado. O nosso Catedrático não tinha vagas, mas me procurou e disse que já havia conversado com o Prof. Gerd Rothmann, que de bom grado me aceitaria como seu orientando. Foi muita sorte a minha, pois meu orientador era o pioneiro, no Brasil, na área de Direito Tributário Internacional, pela qual passava a me interessar e sobre a qual eu queria escrever. Durante o meu mestrado, o Prof. Ruy Barbosa Nogueira me estimulou a converter meus estudos para o doutorado. Na época, eu só havia prestado proficiência em inglês. O Catedrático me estimulou a prestar proficiência nos demais idiomas. Fiquei feliz por ter sido aprovado nas três provas, mas o que me marcou foi a aprovação em alemão – na época, o idioma era pouco conhecido entre os estudantes e fui o único aprovado naquele ano. Isso foi razão suficiente para que Ruy Barbosa Nogueira festejasse. Em plena aula de pós-graduação, interrompeu sua preleção para comunicar aos estudantes que eu havia sido aprovado em alemão. Enalteceu a doutrina alemã e a importância de conhecer o idioma para se ter acesso ao que se produzia naquele país. Em seguida, deu-me o seu exemplar da clássica obra de Klaus Tipke, que lhe fora presenteada pelo autor, com dedicatória. O nosso catedrático fez uma segunda dedicatória, desta vez para mim, registrando o presente. Guardo com muito carinho aquela obra.
Concluídos os créditos do doutorado e identificando a escassa bibliografia, no Brasil, na área de Direito Tributário Internacional, tive a ousadia de considerar ir para a Alemanha. Conversei com nosso Catedrático, que não hesitou em apoiar minha iniciativa, dirigindo carta a ninguém menos que Klaus Vogel, catedrático de Munique e, sem dúvida, o maior nome do Direito Tributário Internacional. Estou convicto de que não foi o projeto que apresentei ao Prof. Vogel que o levou a me aceitar como pesquisador de seu instituto. Tratava-se de texto elaborado por quem não tinha a mínima noção da riqueza que o Direito Tributário Internacional oferecia. Klaus Vogel recebeu-me, sim, por conta de sua amizade com Ruy Barbosa Nogueira.
Este pioneirismo de Ruy Barbosa Nogueira deve ser ressaltado. Para os jovens que hoje vivem na era da comunicação instantânea na internet, devo dar o depoimento de que no século passado, uma viagem internacional era um acontecimento. Famílias acompanhavam os viajantes até Viracopos para se despedir; viagens eram sempre longas. Ruy Barbosa Nogueira havia aprendido com Tulio Ascarelli sobre a importância do Direito Comparado, em especial do estudo do direito alemão. Escrevia a mestres como Klaus Tipke, Klaus Vogel, Franz Von Myrbach-Rheinfeld e Hugo Von Wallis e os visitava. Formava, assim, verdadeiros vínculos de amizade. Muitos desses mestres tornaram-se sócios honorários do nosso IBDT. Lembro-me de Klaus Vogel mencionar com orgulho essa honraria.
Pois bem. Como último ponto a justificar a lembrança do nosso Catedrático, rememoro a noite em que, tendo vencido o concurso para a titularidade em nossa Faculdade, recebi mais de uma centena de pessoas em minha casa para a devida comemoração. O primeiro a chegar foi Ruy Barbosa Nogueira. Entrando, olhou-me com aquele sorriso nos olhos característico e pronunciou palavras que explicam esse momento: “Schoueri, agora você tem a minha cátedra. O Instituto vai continuar”.
A profecia do Catedrático tornou-se, para mim, um compromisso. Claro que já me dedicava ao IBDT, mas com a promessa que me exigiu o catedrático, o IBDT tornou-se missão de vida. É assim que venho me dedicando ao IBDT, tendo tido a honra de compor as Diretorias de Alcides Jorge Costa, Paulo Celso Bergstron Bonilha e, nos últimos 14 anos, Ricardo Mariz de Oliveira. É chegada a hora de assumir a presidência do IBDT, honrando o legado dos que me antecederam. Contando com uma diretoria formada pelos mais renomados tributaristas que reúnem a característica comum de uma dedicação desinteressada ao IBDT, posso firmar, neste momento, o compromisso com os associados do IBDT e com a comunidade dos tributaristas.
Em primeiro lugar, a internacionalização ainda mais robusta do nosso instituto. Embora o IBDT já tenha desenvolvido importantes parcerias internacionais ao longo dos anos, é necessário avançar ainda mais. Pretendemos fortalecer os vínculos já estabelecidos e, na medida do possível, firmar novos acordos de cooperação científica com instituições de referência em Direito Tributário no cenário internacional. A meta será, sempre, fortalecer a posição do IBDT como referência mundial. Não se busca apenas o intercâmbio acadêmico e a participação em eventos internacionais, mas também o desenvolvimento de projetos conjuntos de pesquisa e a publicação de obras e periódicos internacionais.
Oxalá se torne o IBDT referência, pelo menos para os tributaristas latino-americanos, que haverão de se sentir bem-vindos para aqui desenvolverem suas pesquisas. O intercâmbio com esses tributaristas, cuja tradição é muito próxima à nossa, haverá de produzir uma doutrina que, conquanto respeite o pensamento europeu ou norte-americano, consiga enxergar diferenças de perspectiva e possa buscar soluções para nossas necessidades. De modo concreto, a promoção de cursos em língua inglesa, voltados ao público internacional, poderá estimular esse objetivo.
Será promovida maior integração com universidades e instituições acadêmicas das diversas regiões do Brasil. É fundamental ampliar a diversidade regional nas discussões acadêmicas do Direito Tributário, assegurando que as perspectivas das diferentes regiões brasileiras sejam adequadamente representadas e valorizando nossa atuação em âmbito nacional. Para isso, é necessário firmar novos protocolos de cooperação acadêmica com universidades ao longo de todo o país. Devemos trabalhar para uma ampliação significativa na troca de conhecimentos e experiências, enriquecendo o debate tributário brasileiro.
A ampliação da base associativa é outra meta estratégica crucial para o futuro do IBDT. Embora já tenhamos experimentado crescimento significativo do número de associados nos últimos anos, especialmente após as iniciativas digitais introduzidas durante a pandemia, é vital continuar atraindo novos membros, que nos agregam valor. Há formas diversas de atrair novos associados, seja por meio de benefícios exclusivos ou oportunidades únicas de networking com profissionais e acadêmicos renomados, mas o principal diferencial do IBDT é – e deve continuar sendo – a qualidade do ensino e da pesquisa acadêmica que promovemos. Os jovens estudantes nos procuram, pois sabem que aqui terão a oportunidade de aprender verdadeiramente o Direito Tributário, diretamente com os grandes mestres, como Ricardo Mariz.
É com esse espírito que devemos expandir os programas direcionados ao público jovem. O IBDT Jovem já demonstrou seu potencial ao atrair talentos emergentes interessados no estudo e prática do Direito Tributário. Para reforçar essa iniciativa, planejamos ampliar a frequência e a variedade dos eventos e cursos voltados especificamente para jovens estudantes e recém formados, criando uma verdadeira incubadora de talentos tributários que possam, futuramente, se tornar referências na área. Devemos continuar incentivando e promovendo competições acadêmicas, moot courts e aulas com profissionais experientes e renomados.
Vivemos em uma nova era tecnológica. O advento da inteligência artificial tem sido disruptivo na forma com que lidamos com o trabalho profissional e a pesquisa acadêmica. Esses novos instrumentos não podem ser vistos como inimigos a serem afastados, mas devem ser tratados como ferramentas ao nosso dispor. O IBDT precisará reforçar sua infraestrutura tecnológica, incorporando a inteligência artificial em seu sistema digital, assegurando que seus associados e colaboradores tenham acesso às mais avançadas plataformas digitais para pesquisa, ensino e interação acadêmica.
Ferramentas estas que podem, inclusive, ser utilizadas na ampliação e modernização da nossa biblioteca. Importa organizar e sistematizar o material de que já dispomos, criando mecanismos de pesquisa para facilitar seu acesso, não apenas para nossos associados, mas para toda a comunidade jurídica.
Não posso deixar de mencionar o quanto prezo pelos esforços para consolidar as publicações científicas do IBDT, buscando sempre elevar a qualidade de nossas produções, de modo que continuem sendo referências fundamentais na pesquisa acadêmica tributária. Em 2024, a edição n. 57 da Revista Direito Tributário Atual alcançou a Qualis B1, sendo qualificada como produção de excelência nacional. Já tivemos um avanço considerável na qualidade de nossas produções. Devemos, agora, continuar prezando por essa qualidade e buscar a excelência internacional. A internacionalização do IBDT continua sendo fundamental. As séries Doutrina Tributária e Doutrina Tributária Aplicada já estão consolidadas. Que venham novos títulos, com igual qualidade!
Para além de um centro de pesquisa e desenvolvimento científico consolidado, o IBDT deve tornar-se uma entidade com influência nacional na definição da política fiscal do país. Desde a Emenda Constitucional n. 132 e a Lei Complementar n. 214, estamos vivendo a maior Reforma Tributária do Brasil dos últimos 60 anos, em que ainda há muito a se discutir, principalmente enquanto estiver em tramitação o PLP n. 108, que regula o Comitê Gestor do IBS. Apesar das muitas mudanças positivas, a Reforma Tributária trouxe uma série de problemas, os quais não podem deixar de ser debatidos publicamente. Este é apenas um dos muitos exemplos em que o IBDT deve tomar uma participação proeminente nos debates sobre políticas públicas tributárias, ampliando seu papel como “think tank” na formulação de políticas fiscais. Não se trata – deixo isso claro – de participação política ou de grupo de interesse; ao contrário, o IBDT cumpre melhor seu papel ao oferecer um espaço neutro para a discussão dos temas tributários.
Trouxe aqui algumas ideias e metas que pretendo implementar na minha presidência, seguindo a inspiração do nosso ilustre mestre Ricardo Mariz. Sua trajetória repleta de ética e admiração, tal qual São Ricardo, e suas profundas contribuições para o Direito Tributário, tal qual David Ricardo para a economia, hão de me nortear nesta nova jornada. Inspiro-me em meu antecessor, não só para manter a excelência do Instituto Brasileiro de Direito Tributário, mas para aprimorá-lo ainda mais.
Concluo agradecendo profundamente ao professor, ao advogado, ao amigo e ao líder Ricardo Mariz de Oliveira, por tudo que já nos ofereceu e continua oferecendo em seu caminho de excelência ética, acadêmica, profissional e espiritual. Que seu exemplo continue a inspirar muitas gerações futuras, perpetuando, assim, o verdadeiro significado de seu nome e legado.
Minhas últimas palavras se dirigem aos nossos associados, que me honram ao confiar o legado dos grandes Mestres. Confio em que a Diretoria e o Conselho que me acompanham saberão honrar a tradição do IBDT e perpetuar sua contribuição para o Direito Tributário.