Acórdão comentado

Rhode Lucy de Souza Ramos Von Jess Krause

Pós-graduada em Direito Tributário pela FGV. Advogada. E-mail: rhodevjk@gmail.com.

Carlos Renner Cardoso Bentes Costa

Advogado. E-mail: carlosrennerbentes@gmail.com.

Processo: Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI n. 4.927

Plenário do Supremo Tribunal Federal

Data de divulgação de julgamento: 27/03/2025

Relator: Ministro Luiz Fux

Ementa ainda não publicada, após decisão unânime do Tribunal

Em 25 de março de 2013, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – CFOAB propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI n. 4.927. A ADI indicou como os dispositivos legais questionados os itens 7, 8 e 9 do inciso II, b, do art. 8º da Lei n. 9.250/1995, após a redação dada pela Lei n. 12.469/2011.

A Lei n. 12.469/2011 acrescentou os dispositivos acima citados para dispor sobre o gasto do contribuinte e/ou com seus dependentes com instrução (“educação”) que são dedutíveis da base de cálculo do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física. Essas normas estabelecem os limites dedutíveis para os anos-calendário de 2012, 2013 e a partir de 2014.

O Proponente alega a ofensa a diversos dispositivos constitucionais. São eles: conceito de renda (art. 153, III), capacidade contributiva (art. 145, § 1º), não confisco tributário (art. 150, IV) e o direito à educação (arts. 6º, caput, 23, V, 205, 208, 209 e 227). De acordo com o Conselho Federal da OAB, há uma insuficiência quantitativa em relação às despesas autorizadas para dedução de gastos com educação, pois os limites são “claramente irrealistas”.

A Ação adota duas premissas importantes. A primeira delas é a educação como um direito social conferido a todos os cidadãos, que se traduz em um dever da família, do Estado e da sociedade civil (arts. 6º, 205 e 2207 da CRFB/1988). E há uma atribuição comum às três ordens de governo (federal, estadual e municipal) de assegurar tal direito.

A segunda premissa é a insuficiência – qualitativa e quantitativa – da educação pública. O setor privado representa entre 12,6% (anos finais do ensino médio) e 56,3% (educação profissional) nas faixas de educação básica, de acordo com informações do Ministério da Educação (2011) apresentadas na Petição Inicial da ADI. No ensino superior, o percentual seria ainda maior, com 70% dos alunos em instituições privadas.

Sob a perspectiva factual, o Proponente argumenta que os custos com educação particular, especialmente se consideradas as instituições com melhor desempenho, é muito superior aos limites de dedutibilidade contidos na Lei n. 12.469/2011. E, ao instituir valores dedutíveis inferiores ao real custo da educação do contribuinte e dependentes, há a violação à indisponibilidade do mínimo para subsistência própria e da família.

Argumenta-se que “a dedutibilidade das despesas com instrução da base de cálculo do IRPF não é favor fiscal sujeito ao alvedrio do legislador, mas consequência direta e inafastável, pelo menos, dos seguintes comandos constitucionais [...]”. E aduz ainda que:

“[...] enquanto não se concebe uma lei de IRPF no Brasil sem estabelecimento de um valor mínimo intributável, de um desconto-padrão por dependente ou de faixas de renda para a aplicação da tabela progressiva, não existe imperativo lógico ou jurídico quanto à fixação de um limite de desconto das despesas com educação [...]”

A partir desse raciocínio, alega a ofensa ao conceito de renda, que pressupõe núcleo mínimo que não pode ser suprimido. Esse núcleo contempla despesas essenciais à existência digna do contribuinte e seus dependentes.

A consequência da violação ao conceito de renda é a ofensa aos comandos constitucionais de respeito à capacidade contributiva e ao não confisco tributário. De acordo com o Proponente, quando o legislador violou esses conceitos constitucionais nas circunstâncias tratadas na ADI, afrontou o direito fundamental à educação (pública ou privada) e a dignidade humana, da qual a educação é promotora.

O Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, conheceu da Ação e declarou a improcedência dos seus pedidos. Constou no voto do Ministro Relator que: “[...] não há que se impor um limite específico ao Poder Legislativo, que possui a atribuição constitucional de regulamentar o imposto sobre a renda [...]”. E nessa competência está a fixação dos valores a serem deduzidos da base de cálculo.

Entendeu a Corte que a imunidade contida no art. 150, IV, c, da Constituição é materializada com o incentivo à atuação de instituições de ensino sem fins lucrativos. Porém, dessa norma, não é possível extrair qualquer obrigatoriedade de um limite mais alto para os gastos com educação que seriam dedutíveis da base de cálculo do Imposto sobre a Renda da pessoa física.

Ao enfrentar a argumentação de ofensa à capacidade contributiva, o Tribunal consignou que esse princípio é observado no sistema tributário a partir da incidência de alíquotas progressivas sobre a renda auferida. E a incidência escalonada serve, inclusive, ao subsídio das despesas públicas (também com a educação), de acordo com a disponibilidade econômico-financeira de cada indivíduo. Transcreve-se:

“Na realidade, a dedução ilimitada de despesas com educação iria de encontro à progressividade, por permitir uma maior desoneração parcial dessa carga tributária àqueles que possuem maior renda. Vale lembrar que a população que possui baixa renda é contemplada pela isenção do imposto de renda e, assim, não é beneficiada com as deduções de sua base de cálculo.”

O trecho acima sintetiza uma das principais razões do voto. O Tribunal reconheceu que há um núcleo mínimo que deverá ser resguardado da incidência do imposto sobre a renda da pessoa física – essa é a motivação para o legislador fixar a faixa de isenção desse tributo.

A consequência desse raciocínio é a inexistência de violação ao princípio do não confisco. Tomou-se como paradigma para a conclusão a ADI n. 2.010, sob relatoria do Ministro Celso de Mello, em que se questionara a validade da integralidade da Lei n. 9.783/1999, concluindo-se, assim, que o confisco tributário se materializa quando há uma injusta apropriação estatal, a partir da qual se verifica que a totalidade dos tributos suportados pelo contribuinte afeta o exercício do direito à existência digna.

Noutros termos, afirmou-se, pelo voto, que a mera existência de limitações à dedução não importa em produção de efeitos confiscatórios.

O direito à educação, assegurado na Constituição, não tem a consequência de invalidar as decisões do Poder Legislativo em fixar patamares máximos de dedução do IRPF com gastos dessa natureza. Também foi rechaçada a ofensa à dignidade humana. Do contrário, a conclusão seria no sentido de que o ensino público não tem capacidade de materializar esse fundamento constitucional (“dignidade da pessoa humana”).

Constou do voto que a atividade legislativa possui deveres e poderes. Entre as atribuições, está o exercício legítimo de escolhas, igualmente defensáveis, por uma maior tributação dos indivíduos, aplicados os recursos em ações de desenvolvimento social, ou uma exação mais restrita, por meio da qual determinados comportamentos e setores econômicos são fomentados (a exemplo do gasto com educação).

E a Corte possui o dever de respeitar o campo legítimo de atuação do Poder Legislativo, com o prestígio ao teor das leis que representem opções compatíveis com a Constituição. Caso não haja violação a direitos e preceitos fundamentais, ao Poder Judiciário não incumbe a intervenção.

Registra-se o acerto da decisão do Supremo Tribunal Federal. Com efeito, o entendimento ali firmado invoca um exame integrado dos direitos básicos do cidadão, notadamente no âmbito de políticas fiscais – o que se perfaz, no caso em análise, pelo equilíbrio entre o direito à educação e as restrições orçamentárias do Poder Público.

De tal forma, a Corte Suprema reconhece que incentivos fiscais se prestam à necessidade de fomentar comportamentos, ao passo que não devem colocar em xeque a viabilidade de políticas públicas.

Caso oportuno, o aumento dos valores dos gastos dedutíveis com educação do contribuinte e/ou dos seus dependentes da base de cálculo do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física tem como foro de discussão – e proposição – o Congresso Nacional. Sem efetiva violação a conceitos constitucionais, é legítimo que a decisão venha ao encontro do propósito constitucional que embasa as políticas públicas.