A Individualização da Pena no Direito Tributário Sancionador – Competência para a Graduação da Penalidade Fiscal e Princípios e Direitos que autorizam tal Atividade
The Individualization of Punishment in Tax Law – Competence to graduate Tax Penalty – Principles and Rights which authorize the Graduation
Fabiana Carsoni Alves Fernandes da Silva
Mestranda em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP). Graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUC/SP. Especialista em Direito Tributário pela GVLaw. LLM em Direito Societário pelo Insper/IBMEC. Professora Convidada nos Cursos de Especialização e Atualização do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT. Advogada em São Paulo (SP). E-mail: fcf@marizsiqueira.com.br.
Resumo
Este artigo tem por objetivo analisar como o direito à individualização da pena é aplicado no âmbito do Direito Tributário Penal. Será analisado se as autoridades administrativas têm autorização legal para graduar a pena, ou se tal tarefa compete apenas ao Poder Judiciário. Também será analisado como a vedação ao confisco, o direito à propriedade, a capacidade contributiva, a proporcionalidade e a razoabilidade limitam a atividade sancionadora, funcionando, pois, como critérios mínimos de individualização da pena.
Palavras-chave: individualização da pena, confisco, proporcionalidade, razoabilidade, devido processo legal substantivo.
Abstract
This paper aims to examine how the individualization of punishment is applied on Taw Law. This paper will analyze if tax authorities can graduate fiscal penalties, or if this activity is attributable to our judicial courts. This paper will also examine how confiscation prohibition, fundamental right of property, contributive capacity and proportionality can limit or bar tax penalties, representing minimum criteria of individualization of punishment.
Keywords: individualization of punishment, confiscation, proportionality, substantive due process of law.
1. Colocação do Tema
Qualquer que seja o campo em que aplicada, a sanção tem diferentes funções, como o caráter pedagógico, de repressão ou de incentivo ao cumprimento da lei. Na seara tributária, além de cumprir estas funções, a sanção dá efetividade à norma, (i) prevenindo comportamentos evasivos que tragam prejuízos aos cofres públicos ou que dificultem a atividade do Estado; e (ii) assegurando a integridade dos bens jurídicos tutelados, seja o próprio tributo, seja a atividade de fiscalização1.
Sob o ponto de vista do infrator, a sanção não pode ser cominada, tampouco aplicada sem limites ou critérios mínimos. O exagero e a desproporção na punição não são tolerados pelo ordenamento jurídico, nem mesmo sob o pretexto de que a sanção deve cumprir suas funções e assegurar a efetividade da norma tributária.
Se isso é verdade, quais são as barreiras à atividade sancionadora, especificamente em matéria tributária? Há espaço para a individualização da pena conforme as circunstâncias do fato e as características do infrator, seja no processo de cominação da penalidade, seja no processo de sua aplicação pela autoridade fiscal, ou no processo de revisão da pena por parte da autoridade julgadora ou do Poder Judiciário?
No presente estudo, buscaremos encontrar respostas a esses questionamentos. Para isto, analisaremos a correlação entre o Direito Tributário e o Direito Penal e seus (sub) ramos, o que será útil para a identificação dos princípios e direitos que devem reger a atividade sancionadora na esfera tributária, notadamente aqueles que autorizam a graduação da pena. Em seguida, verificaremos se o direito à individualização da penalidade tem aplicação no campo fiscal e, em caso positivo, quem estaria autorizado a efetuar a graduação da penalidade: a autoridade fiscal, a autoridade julgadora ou o Poder Judiciário. Analisaremos também quais são os limites mínimos à atividade sancionadora encontrados no ordenamento jurídico e as dificuldades encontradas em sua aplicação.
Eis o que passaremos a tratar a seguir.
2. O Direito Tributário Penal e o Direito Penal Tributário
É comum apontar-se, em doutrina, a existência de dois ramos que mesclam normas tributárias e penais, a saber: o Direito Tributário Penal e o Direito Penal Tributário. Trata-se de um só ramo do direito, ou de ramos distintos?
Antes de responder à indagação acima, cabe mencionar que a divisão do direito em ramos é teórica e didática, uma vez que as normas, necessariamente, se entrelaçam, devendo formar um ordenamento coeso, harmônico e subsumido às normas e princípios gerais de estatura constitucional. A divisão do direito em ramos, neste contexto, tem alta utilidade científica e conveniência pedagógica, constituindo os elementos de cada ramo parte do sistema constitucional total, desempenhando cada um sua função coordenada com a função dos outros2.
Assim, com objetivos científicos e pedagógicos, a doutrina faz distinções e separações conforme as normas e os princípios aplicáveis ou direcionados a cada área. Daí a existência de diversos ramos do direito.
Para fins do presente estudo, como dito, a doutrina invoca dois ramos: o Direito Tributário Penal e o Direito Penal Tributário. Respondendo à pergunta anterior, cuida-se de ramos distintos. No Direito Penal Tributário, há normas de natureza criminal que erigem delitos de fundo fiscal com as respectivas penas. Por sua vez, no Direito Tributário Penal, estudam-se as normas sancionadoras das infrações tributárias não delituosas3. Mas, afinal, qual é a importância da identificação desses dois ramos?
A identificação desses ramos traz à tona a discussão sobre os pontos de aproximação e de distanciamento de cada um. Tal discussão é relevantíssima, na medida em que permite definir o regime jurídico de cada um e, mais, permite definir se determinados princípios ou regras de repressão, basilares do Direito Penal, e regentes do Direito Penal Tributário, podem nortear, também, o Direito Tributário Penal.
O Direito Tributário Penal tem inegável inspiração nas normas de Direito Penal, tendo em vista que:
– o Direito Penal está subsumido ao princípio da legalidade, na forma do art. 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal e do art. 1º do Código Penal (Decreto-lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940), o primeiro com a seguinte redação: “Art. 5º, XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”4; no Direito Tributário Penal não é diferente, pois tanto o tributo como a penalidade requerem prévia cominação em lei, em atenção ao princípio da legalidade, nos termos do art. 150, inciso I, da Constituição Federal e do art. 97, inciso V, do Código Tributário Nacional, o último redigido nos seguintes termos: “Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: V – a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas”;
– no Direito Penal vigora a regra da retroatividade benigna (comumente chamada de princípio da “lex mitior”), pela qual “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu” (art. 5º, XL, da Constituição Federal; na mesma linha: art. 2º do Código Penal); no Direito Tributário Penal, à semelhança do que ocorre no Direito Penal, a lei retroage, tratando-se de ato não definitivamente julgado: (a) quando deixe de defini-lo como infração; (b) quando deixe de tratá-lo como contrário a qualquer exigência de ação ou omissão, desde que não tenha sido fraudulento e não tenha implicado falta de pagamento de tributo; (c) quando lhe comine penalidade menos severa que a prevista na lei vigente ao tempo da sua prática, nos termos do art. 106, inciso II, do Código Tributário Nacional;
– no Direito Penal, vigora o princípio da presunção de inocência, segundo o qual “Art. 5º, LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (art. 5º, inciso LVII, da Constituição Federal); deste princípio decorre outro, qual seja, o princípio “in dubio pro reo”, pelo qual a interpretação deve favorecer o acusado em caso de dúvida; encampando este princípio, o Código Tributário Nacional adotou o que se pode chamar de “in dubio pro contribuinte”, ao estabelecer que a lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades5, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto: I – à capitulação legal do fato; II – à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos; III – à autoria, imputabilidade, ou punibilidade; IV – à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação (art. 112 do Código Tributário Nacional); e
– no Direito Penal, privilegia-se o infrator que demonstra arrependimento, de modo que (i) o agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados (art. 15 do Código Penal – desistência voluntária e arrependimento eficaz); e (ii) nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena é reduzida de um a dois terços (art. 16 do Código Penal – arrependimento posterior); no Direito Penal Tributário, a punibilidade dos crimes definidos na Lei n. 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na Lei n. 4.729, de 14 de julho de 1965, é extinta quando o agente promove o pagamento do tributo, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia (art. 34 da Lei n. 9.249, de 26 de dezembro de 1995)6; no crime de apropriação indébita previdenciária, a punibilidade também é extinta quando ocorre o pagamento das contribuições antes do início da ação fiscal (art. 168-A, § 2º, do Código Penal7)8; no âmbito fiscal, o Código Tributário Nacional, ao tratar da responsabilidade por infrações, importou essa ideia arraigada no Direito Penal, estabelecendo que o contribuinte faltoso tem a faculdade de denunciar espontaneamente infrações por ele cometidas à legislação tributária, ficando, assim, isento de responsabilidade quando pagar o tributo e os juros moratórios. Trata-se de norma voltada a prestigiar o contribuinte que, antecipando-se a qualquer medida de fiscalização tendente a apurar o cumprimento, ou não, de deveres fiscais, autodenuncia sua infração à legislação tributária, ficando isento de pena, nos termos do art. 138 do Código Tributário Nacional.
Outros pontos de contato poderiam ser invocados para demonstrar a correlação e a inspiração do legislador tributário-penal no Direito Penal. No entanto, para fins do presente estudo, basta ter em mente que diversos princípios ou regras que balizam a atividade repressiva do Estado têm aplicação, também, em matéria tributária, mais precisamente no Direito Tributário Penal (ou Sancionador).
E quanto aos distanciamentos existentes entre o Direito Tributário Penal e o Direito Penal Tributário? Muitos são os distanciamentos. Muitos, porque as premissas, os interesses e os bens jurídicos tutelados em cada ramo nem sempre são coincidentes. Daí por que, mesmo em relação aos pontos de contato acima elencados, não há transposição integral e irrestrita dos princípios e regras do Direito Penal ao Direito Tributário Penal. Requer-se, como é de se imaginar, adaptação, de modo que estes princípios e regras sejam validamente aplicados no âmbito tributário.
Exemplo dessa adaptação está relacionado ao princípio da retroatividade benigna, o qual, na seara fiscal, aplica-se ao ato não definitivamente julgado9, ao passo que, no campo penal, alcança até mesmo o condenado por sentença já transitada em julgado, de acordo com o art. 2º do Código Penal10.
Por outro lado, algumas penas criminalmente admitidas, como a privação ou restrição da liberdade, autorizada pelo art. 5º, inciso XLVI, “a”, da Constituição Federal, não são admitidas no âmbito fiscal, a revelar que não há coincidência entre os postulados, as premissas e as regras do Direito Penal e aqueles do Direito Tributário Penal. Até mesmo a pena de suspensão ou interdição de direitos, prevista no art. 5º, inciso XLVI, “e”, da Constituição Federal, tem sua aplicação, senão vedada, certamente limitada na seara fiscal. Prova disto é o óbice, reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, à imposição de sanções políticas pelas autoridades fiscais, que atentem contra a livre iniciativa e a livre concorrência, consagradas no art. 170 da Constituição Federal, o que, inclusive, culminou na edição de três diferentes súmulas11.
Este não é o espaço para identificarmos cada diferenciação entre um e outro regime jurídico. Para os fins deste estudo, interessa-nos, após verificar alguns pontos de contato e de distanciamento entre o Direito Tributário Penal e o Direito Penal Tributário, saber se o direito à individualização da pena, previsto no art. 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal, e aplicável no âmbito penal, autoriza a graduação da penalidade fiscal, seja pelas autoridades administrativas, seja pelo Poder Judiciário.
Esse é o tema do próximo tópico.
3. A Individualização da Pena
A Constituição assegura ao infrator a individualização da pena, quando estatui, em seu art. 5º, inciso XLVI, que “a lei regulará a individualização da pena [...]”12. A individualização da pena decorre dos princípios da culpabilidade e da igualdade, pois, a partir dela, procura-se identificar uma pena que se amolde às circunstâncias de cada conduta delituosa13 e às características de cada infrator, não havendo espaço, assim, para padronização de penalidades14.
Trata-se, como apontado por José Afonso da Silva, de direito individual que busca dar concretude ao princípio da justiça, de modo que se distribua “a cada um o que lhe cabe, de acordo com as circunstâncias do seu agir – o que em matéria penal significa a aplicação da pena levando em conta não a norma penal em abstrato, mas, especialmente, os aspectos subjetivos e objetivos do crime”15 (destaques do original).
O mesmo autor, considerando que a individualização da pena é condição sine qua non para que se faça justiça, ainda explicou que, conquanto constitua norma de eficácia limitada e de aplicação concreta diferida, na medida em dependente de lei que discipline o tema, o inciso XLVI do art. 5º não representa norma de caráter programático, porquanto “A individualização da pena é uma garantia constitucional inafastável. A lei já existe [...], mas se não existisse nem por isso estaria o juiz exonerado de fazer justiça concreta, dando a cada réu sob seu julgamento o que lhe cabe em razão das circunstâncias do crime, sua personalidade etc.”16
Nessas condições, pode-se afirmar que a pena, sempre que possível, deve ser individual, levando-se em consideração as circunstâncias da infração e as características do infrator, que justificam a aplicação dessa ou daquela penalidade, ou sua graduação dessa ou daquela forma.
No campo penal, a individualização da pena constitui garantia criminal repressiva, voltada a atender ao postulado básico de justiça. Esta garantia materializa-se no plano legislativo pela descrição das sanções cabíveis (privação ou restrição da liberdade; perda de bens; multa; prestação social alternativa; ou suspensão ou interdição de direitos); no plano judicial pelo emprego do prudente arbítrio e discrição do juiz (em atenção aos limites máximos e mínimos fixados em lei, às circunstâncias agravantes e atenuantes e às causas de aumento e diminuição da pena); e no plano executório, quando ocorre o cumprimento da pena17, momento em que pode haver até mesmo a progressão de regime conforme o comportamento do infrator.
No campo fiscal, a aplicação do art. 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal suscita controvérsias, não porque a graduação da pena seja vedada nesta seara, mas porque não há consenso em relação à competência para fazê-lo. Explica-se.
É inconteste que a graduação – corolário do direito à sua individualização ‒ tem espaço no Direito Tributário. O art. 112 do Código Tributário Nacional, por exemplo, admite, como demonstrado no tópico 2, que a lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, seja interpretada da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto à graduação da penalidade (inciso IV). Além disso, no plano da legislação ordinária, há normas estabelecendo critérios para a dosimetria, conforme será mencionado adiante. Ou seja, o próprio legislador – ordinário e complementar –reconhece que a calibração da pena tem lugar em matéria de infrações fiscais, a demonstrar que o direito à individualização da pena norteia tanto o Direito Penal, como o Direito Tributário Penal.
Ocorre que, para alguns autores, a individualização da pena tem sua aplicação limitada no Direito Tributário Sancionador, eis que as autoridades fiscais e julgadoras não possuem liberdade para a graduação da sanção. O principal fundamento daqueles autores que assim se pronunciam está relacionado à natureza do lançamento tributário. Sendo a atividade de lançamento vinculada, nos termos do art. 142 do Código Tributário Nacional, não caberia às autoridades administrativas agir de forma discricionária, nem mesmo na aplicação da penalidade, porque, como dito anteriormente, as penas também estão submetidas ao princípio da legalidade (art. 150, inciso I, da Constituição Federal e art. 97, inciso V, do Código Tributário Nacional).
Gustavo Masina, por exemplo, sustenta que a pena fiscal é matéria reservada à lei, cumprindo ao Poder Legislativo descrevê-la minuciosamente no texto legal, sem margem a avaliações do Poder Executivo. Realmente, para o autor, o aspecto quantitativo da norma que disciplina as multas deve ser pormenorizadamente estabelecido pela lei, para que se saiba qual valor será devido na hipótese de infração à legislação tributária. Não se admite, segundo o autor, que o Poder Legislativo apenas fixe limites e critérios, delegando ao Poder Executivo a tarefa de completar a norma. Ou seja, a lei não pode estabelecer multas que variem entre dois valores e/ou dois percentuais, deixando ao campo discricionário da Administração Pública a fixação casuística da punição18.
A despeito da divergência acerca da matéria, para nós, as autoridades fiscais (e também as julgadoras) podem, sim, avaliar e dosar a pena. É que, mesmo nos juízos discricionários, a autoridade administrativa está jungida à lei, por força do princípio da legalidade, inclusive aos limites mínimos e máximos porventura existentes na norma, não havendo, neste contexto, ofensa aos art. 150, inciso I, da Constituição Federal e art. 97, inciso V, do Código Tributário Nacional.
De fato, a atividade discricionária, assim como a vinculada, exige observância do princípio da legalidade, tendo em vista que a Administração Pública só age em conformidade com o disposto em lei, nos termos do art. 37 da Constituição Federal. Daí que, quando o legislador autoriza que a autoridade fiscal gradue a pena dentro dos limites e critérios previamente estabelecidos, ele não permite que isto seja feito de forma aleatória ou arbitrária. Na verdade, em decorrência do direito à individualização da pena, e dos princípios da culpabilidade e da isonomia que com ele se relacionam, bem assim em virtude do princípio da legalidade, a autoridade fiscal deve identificar e justificar sua proposição, demonstrando os motivos de fato e as circunstâncias que ensejam essa e não aquela penalidade, pautando sua atuação, em qualquer caso, nos critérios definidos em lei19.
Em matéria de graduação das penas fiscais, a discricionariedade não figura como um “defeito da lei”, mas como um mecanismo de promoção da justiça, pelo qual é encontrada “uma solução normativa para o problema da inadequação do processo legislativo. O legislador não dispõe de condições para prever antecipadamente a solução mais satisfatória para todos os eventos futuros.”20 Por isso é que “A discricionariedade é uma solução normativa orientada a obter a melhor solução possível, a adotar a disciplina jurídica mais satisfatória e conveniente para resolver o caso concreto.”21 A discricionariedade, nessas condições,constitui instrumento necessário para dar concretude à individualização da pena, permitindo a adequação da sanção a cada situação concreta.
Essas afirmações não conflitam com o art. 142, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, o qual define que o lançamento tributário é atividade vinculada. Na verdade, tais afirmações encontram fundamento no próprio art. 142, pois tal dispositivo determina que, sendo o caso de punir o sujeito passivo, o agente fiscal deve “propor” a penalidade. Quer dizer, cabe ao agente fiscal apresentar, sugerir, a penalidade, quando a lei contiver elementos mínimos de dosimetria. Veja-se a redação do art. 142:
“Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.” (Destacou-se)
Trata-se de demonstração de que o Código Tributário Nacional admitiu que a autoridade fiscal avalie a penalidade a ser aplicada, conforme as circunstâncias de cada caso concreto, em atenção à individualização da pena.
Se, por um lado, o termo “propor” encontra respaldo no direito à individualização da pena, por outro, é possível que ele tenha, também, uma justificativa histórica. Isto porque, no anteprojeto que redundou na edição do Código Tributário Nacional, idealizou-se a criação de normas – verdadeiramente inspiradas no Direito Penal – que orientassem a graduação das penas em matéria fiscal, mediante a delimitação de circunstâncias agravantes e atenuantes.
Ocorre que essas normas acerca da graduação de penalidades não restaram codificadas, tendo Tito Rezende opinado por sua não aprovação, diante da complexidade de sua aplicação, consoante revela a seguinte manifestação:
“Artigos 276 a 281 – Circunstâncias agravantes e atenuantes.
Mais uma noção de direito penal, que o Projeto quer transplantar para o campo do direito fiscal.
Regras que podem parecer simples no papel, mas são de aplicação prática dificílima.
Já o velho Macedo Soares observava (‘Código Penal’, 6ª edição, pág. 96): ‘A teoria das agravantes e atenuantes é uma das mais complexas do Direito criminal’.
Até agora, ela não perturbava a imposição das multas fiscais: normalmente, são elas aplicadas no mínimo; sê-lo-ão no máximo se bem caracterizado o dolo, ou mesmo a reincidência, sendo que a lei do imposto de consumo (art. 191) manda que esta última circunstância leve a multa ao dobro.
Ao nosso ver, pois, devem ser repudiadas todas as normas do Código, sobre o assunto.”22
O regramento do anteprojeto em matéria de infração era, de fato, complexo, tanto que buscava incorporar ao Direito Tributário Penal temas como imputabilidade, autoria, coautoria, cumplicidade e extinção da punibilidade23, próprios do Direito Penal. Contudo, a dosimetria da pena proposta pelo anteprojeto continha valiosos instrumentos voltados à sua individualização, conforme demonstram os arts. 294 a 297, que cuidavam das circunstâncias agravantes e atenuantes:
“Art. 294. Salvo para as infrações de dispositivos da legislação tributária referentes a obrigações tributárias acessórias, a lei tributária fixará o mínimo e o máximo da multa aplicável, designando-os expressamente pela indicação de quantias certas de dinheiro, ou de porcentagens a serem calculadas sobre o tributo devido.
Art. 295. A graduação da multa pela autoridade julgadora obedecerá aos seguintes critérios, observado ainda o disposto nos arts. 296 e 297:
I. Ocorrendo apenas circunstâncias atenuantes, a multa será aplicada no mínimo;
II. Ocorrendo apenas circunstâncias agravantes, a multa será aplicada no máximo;
III. Na ausência de circunstâncias tanto atenuantes como agravantes, a multa será aplicada na média do mínimo com o máximo;
IV. Concorrendo circunstâncias atenuantes e agravantes, a multa será fixada em quantia intermediária entre o mínimo e a média do mínimo com o máximo, se preponderarem as atenuantes; ou em quantia intermediária entre o máximo e a média do mínimo com o máximo, se preponderarem as agravantes; prevalecendo, para a conceituação da preponderância, a natureza das circunstâncias, quer atenuantes quer agravantes, sobre o seu número;
V. Nos casos de reincidência específica, concorrendo qualquer das demais circunstâncias agravantes previstas no art. 276, a multa poderá ser elevada até o dobro do máximo.”
“Art. 296. Quando seja aplicada, cumulativamente com a multa, uma ou mais de uma das outras penalidades previstas no art. 292, a multa será reduzida:
I. De um terço, se for cumulada com mais uma penalidade;
II. De metade, se for cumulada com mais duas penalidades;
III. De dois terços, se for cumulada com mais de duas penalidades.”
“Art. 297. Nos casos de infração continuada, aplicam-se cumulativamente as penalidades cominadas a cada uma das ações ou omissões que concorram para a sua consumação, desde que constituam isoladamente infrações.”
Muito embora essas normas não tenham sido positivadas, elas acabaram norteando a elaboração de leis que autorizaram a dosimetria da penalidade fiscal. Um exemplo disto é a Lei n. 4.502, de 30 de novembro de 1964, a qual, antes da edição do Código Tributário Nacional – mas muito provavelmente inspirada nos debates que deram origem àquele Codex24 – estabeleceu critérios de graduação da penalidade fiscal, ao disciplinar o antigo imposto de consumo, determinando que a autoridade julgadora fixe a pena atendendo a circunstâncias diversas, cominadas em lei, sejam elas atenuantes ou agravantes, à semelhança do que se encontra regulado no Código Penal. Eis o que dispõem alguns dispositivos da Lei n. 4.502 a propósito da graduação e, pois, da individualização da pena25:
“Art. 67. Compete à autoridade julgadora, atendendo aos antecedentes do infrator, aos motivos determinantes da infração e à gravidade de suas consequências efetivas ou potenciais;
I – determinar a pena ou as penas aplicáveis ao infrator;
II – fixar, dentro dos limites legais, a quantidade da pena aplicável.”
“Art. 68. A autoridade fixará a pena de multa partindo da pena básica estabelecida para a infração, como se atenuantes houvesse, só a majorando em razão das circunstâncias agravantes ou qualificativas provadas no processo.
§ 1º São circunstâncias agravantes:
I – a reincidência;
II – o fato de o imposto, não lançado ou lançado a menos, referir-se a produto cuja tributação e classificação fiscal já tenham sido objeto de decisão passada em julgado, proferida em consulta formulada pelo infrator;
III – a inobservância de instruções dos agentes fiscalizadores sobre a obrigação violada, anotada nos livros e documentos fiscais do sujeito passivo;
IV – qualquer circunstância que demonstre a existência de artifício doloso na prática da infração, ou que importe em agravar as suas consequências ou em retardar o seu conhecimento pela autoridade fazendária.
§ 2º São circunstâncias qualificativas a sonegação, a fraude e o conluio.”
Como se observa, a Lei n. 4.502 buscou dar efetividade à individualização das penalidades. Outras normas, além daquelas constantes da Lei n. 4.502, igualmente buscaram atingir este desiderato.
O Decreto-lei n. 37, de 18 de novembro de 1966, em seus arts. 97, 98 e 99, refletindo, em parte, as normas da Lei n. 4.502, contém disposições autorizando que as autoridades fiscais e julgadoras promovam a graduação da pena, desde que obedecidos os parâmetros legais. Veja-se:
“Art. 97. Compete à autoridade julgadora:
I – determinar a pena ou as penas aplicáveis ao infrator ou a quem deva responder pela infração, nos termos da lei;
II – fixar a quantidade da pena, respeitados os limites legais.”
“Art. 98. Quando a pena de multa for expressa em faixa variável de quantidade, o chefe da repartição aduaneira imporá a pena mínima prevista para a infração, só a majorando em razão de circunstância que demonstre a existência de artifício doloso na prática da infração, ou que importe agravar suas consequências ou retardar seu conhecimento pela autoridade fazendária.”
“Art. 99. Apurando-se, no mesmo processo, a prática de duas ou mais infrações pela mesma pessoa natural ou jurídica, aplicam-se cumulativamente, no grau correspondente, quando for o caso, as penas a elas cominadas, se as infrações não forem idênticas.
§ 1º Quando se tratar de infração continuada em relação à qual tenham sido lavrados diversos autos ou representações, serão eles reunidos em um só processo, para imposição da pena.
§ 2º Não se considera infração continuada a repetição de falta já arrolada em processo fiscal de cuja instauração o infrator tenha sido intimado.”
Na esfera estadual, a Lei n. 6.374, de 1º de março de 1989, do Estado de São Paulo é um importante exemplo da intenção do legislador em dar concretude ao princípio da justiça em matéria de penalidades fiscais, tendo em vista a autorização que seu art. 9226 conferiu aos órgãos julgadores administrativos para reduzir ou mesmo relevar multas, desde que a infração não tenha sido praticada com dolo, fraude ou simulação e que não tenha implicado falta de pagamento do ICMS27. O mesmo dispositivo estatuiu também que a avaliação do julgador não pode prescindir, dentre outras coisas, do porte econômico do contribuinte, o que, ao menos em tese, abre espaço para o sujeito passivo combater a imposição de penalidades confiscatórias e, pois, atentatórias ao direito de propriedade e à capacidade contributiva28.
Um critério, ainda que mínimo, embora insuficiente, de individualização da pena também pode ser encontrado na Lei n. 9.430, cujo art. 4429 admite a elevação da multa nos casos de sonegação, fraude ou conluio, ou quando o sujeito passivo não apresentar determinados arquivos, documentos e informações.
Os exemplos acima citados revelam que, para o legislador, o emprego da sanção deve ser sopesado à luz das circunstâncias individuais de cada caso concreto, de modo que a pena seja consentânea com a gravidade da infração e com a situação do infrator, promovendo-se, assim, a justiça punitiva.
Essa calibração pode ser feita tanto em sede de revisão do lançamento tributário, administrativa ou judicial, como também pela própria autoridade fiscal. A autorização para que isto ocorra está contida no art. 142 do Código Tributário Nacional, quando determina que o agente fiscal deve “propor” a penalidade. Quer dizer, o lançamento é atividade vinculada, nos termos do art. 142, parágrafo único, mas, se houver espaço para a autoridade dosar a aplicação da pena, ela terá autorização para fazê-lo, desde que obedeça aos limites e critérios fixados em lei.
O termo “propor”, embora se justifique, historicamente, pelos debates que antecederam a promulgação do Código Tributário Nacional, também é motivado pelo direito à individualização da pena, acolhido pelo legislador ao editar o art. 142. Aliás, a redação do art. 168 do anteprojeto do Código Tributário Nacional, que culminou no art. 142 do Código atual, não contemplava o termo “propor”30, mais uma demonstração de que o legislador quis conceder autorização – como de fato concedeu – para que as autoridades administrativas graduassem a pena quando a legislação infraconstitucional estabelecesse critérios ou parâmetros mínimos para tanto.
Em suma, o legislador não só pode como deve, em atenção à individualização da pena, criar normas que permitam a graduação das penalidades conforme as circunstâncias de cada caso, atendendo à situação de fato e às características pessoais do infrator. E a autoridade administrativa, inclusive a julgadora, em cumprimento a essas normas, deve dosar a pena, à luz dos critérios legais e das circunstâncias fáticas de cada caso, vinculada que está ao cumprimento da lei, e também à promoção da justiça em matéria de penalidade fiscal.
No mais, o controle das penas aplicadas pelas autoridades administrativas (fiscais e julgadoras) pode ser efetuado pelo Poder Judiciário, enquanto guardião da lei e da Constituição e, pois, enquanto protetor do direito constitucional à individualização da pena e das normas infraconstitucionais que dele espraiam31.
Assim, em que pesem os embates doutrinários, a nosso ver, o princípio da individualização da pena tem plena aplicação no Direito Tributário Sancionador, existindo autorização (i) para que a autoridade administrativa proceda à calibração da penalidade fiscal, propondo-a em cada caso concreto, desde que obedeça a critérios e parâmetros fixados em lei, bem como existindo autorização (ii) para que essa proposição seja revisitada pelas autoridades julgadoras e pelo Poder Judiciário.
Mas, afinal, em qual medida e sob quais circunstâncias a dosimetria pode acontecer? Ela pode ocorrer quando a lei estabelecer limites e critérios objetivos (alíquotas mínimas e máximas ou progressivas, ou valores mínimos e máximos ou progressivos, conforme a gravidade da infração e as características do agente), bem como quando a lei dispuser sobre circunstâncias atenuantes e agravantes (reincidência, conluio, fraude, interpretação razoável da legislação32, infração continuada etc.).
Além da observância a regras previamente estabelecidas, a exemplo de circunstâncias atenuantes e agravantes, como os antecedentes, a reincidência etc., e de limites mínimos e máximos fixados em lei, outros princípios e direitos podem autorizar a graduação da penalidade tributária em cada caso concreto.
Eis o que será analisado no próximo tópico, no qual se buscará demonstrar que a punição do sujeito passivo não pode ser desmedida, extravagante, ou exorbitante. Estes, em resumo, os limites mínimos de dosimetria, necessários a dar concretude à individualização da pena. Vejamos.
4. Os Princípios e Direitos que devem nortear a Graduação das Penalidades em Matéria Tributária e sua Concreção
4.1. Os princípios e direitos individuais que devem nortear a atividade sancionadora no Direito Tributário
A atividade das autoridades fiscais de apurar os fatos e quantificar, quando for o caso, a matéria tributável, aplicando a sanção cabível, com esteio no art. 142 do Código Tributário Nacional, encontra limites não apenas na lei, por força do princípio da legalidade (art. 150, inciso I, da Constituição Federal e art. 97 do Código Tributário Nacional), como também em princípios e direitos de estatura constitucional que não admitem atos excessivos, exorbitantes ou desmedidos.
Esses princípios serão examinados abaixo sob a ótica da atividade sancionadora no Direito Tributário. Comecemos, então, pelo princípio que veda a atuação confiscatória dos agentes fiscais.
O princípio do não confisco está previsto no art. 150, inciso IV, da Constituição Federal, constituindo limitação negativa ao poder de tributar e, mais, direito fundamental do contribuinte, com status de cláusula pétrea, impassível que é de supressão.
Dúvidas poderiam surgir a respeito da aplicação do princípio da vedação ao confisco às multas, pois as multas não possuem natureza de tributo, como se infere do art. 3º do Código Tributário Nacional, segundo o qual: “Art. 3º Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”
Sabe-se, contudo, que a obrigação tributária principal tem por objeto não apenas o pagamento de tributo, como também de penalidade pecuniária. Sabe-se também que a obrigação tributária acessória, quando descumprida, converte-se em principal relativamente à penalidade pecuniária, de acordo com o art. 113 do Código Tributário Nacional33.
Esse fato não tem o condão de transmudar a natureza das penalidades, as quais não passam a ser tributos, por força do que prevê o art. 3º do Código Tributário Nacional. Esse fato também não altera a natureza das penalidades, enquanto instrumentos pedagógicos, ou de estímulo ao cumprimento regular de obrigações tributárias, sejam elas principais ou acessórias, ou de reprimenda ao cometimento de infrações. Mas esse fato é relevante, na medida em que autoriza a aplicação de algumas regras ou princípios tributários às multas. Se, de um lado, essa assertiva não é irrestrita e ilimitada, de outro, pode-se afirmar que ela tem validade em relação ao princípio constitucional da vedação ao confisco, extensível que ele é, também, às multas.
Isso é assim não apenas porque as penalidades pecuniárias, tal como os tributos, constituem objeto da obrigação tributária principal, mas também em decorrência do ideal subjacente e imanente ao princípio da vedação ao confisco. É que o direito a cuja proteção o constituinte visou, buscando afastar ou mitigar a ação confiscatória estatal, tem sua sede material no caput do art. 5º e no seu inciso XXII, como também no inciso II do art. 170, ambos da Constituição Federal.
Em outros dizeres, a vedação ao confisco é corolário do direito à propriedade, assegurado constitucionalmente, o qual não pode ser tolhido nem mesmo pela ação estatal de cobrar tributos ou penalidades derivadas do descumprimento da legislação tributária. Quer dizer, ainda que o constituinte originário nada tivesse dito quanto à proibição da atividade confiscatória na seara fiscal, a atividade estatal de tributar e de impor as correlatas penalidades necessariamente estaria adstrita à observância do não confisco, de modo a preservar o direito à propriedade.
Assim, independentemente de qualquer discussão em torno da natureza das penalidades em matéria tributária, há de se reconhecer que sua instituição e sua cobrança devem obedecer, em qualquer caso, ao princípio que veda a ação confiscatória, face ao direito de propriedade que lhe é subjacente. Neste sentido, merecem destaque os ensinamentos de Humberto Ávila, para quem:
“Aquilo que os tributaristas chamam de confisco é a invasão do núcleo essencial pela instituição de um tributo excessivo que viola o direito de propriedade. A multa, porém, mesmo não sendo tributo, restringe o mesmo direito fundamental, que é o da propriedade e da liberdade. Por isso, pouco importa que o art. 150, IV, da CF/1988 faça referência a tributos. Pelo próprio direito fundamental, chega-se à proibição de excesso, que, no caso de instituição de tributos, se chama proibição de confisco.”34
A punição confiscatória, além de encontrar obstáculo no direito de propriedade, ainda é limitada pela capacidade contributiva, a qual obsta a imposição de penas que exorbitem da capacidade econômica dos indivíduos35. De fato, pelo princípio da capacidade contributiva, veda-se a imposição de sanções fiscais que impliquem desrespeito ao mínimo existencial, ou que comprometam o regular desempenho de atividades econômicas, devendo haver, para evitar estes excessos, graduação das penalidades segundo a capacidade econômica de cada infrator36.
Essa correlação entre o princípio do não confisco, o direito de propriedade e o princípio da capacidade contributiva é importantíssima, seja porque previne o contribuinte contra a atividade estatal abusiva na tributação, inclusive em matéria de penalidade, seja porque auxilia o intérprete e o aplicador da lei a definir quando se está diante do confisco, embora não espanque toda sorte de dúvidas e conflitos, conforme será mais bem detalhado no tópico vindouro.
Portanto, o não confisco, associado ao direito de propriedade e ao princípio da capacidade contributiva, constitui balizas mínimas capazes de dosar a aplicação de penalidades em matéria tributária, em atenção ao direito à individualização da pena.
A par desses princípios e direitos, o controle das multas também pode ser feito à luz de outros princípios, notadamente os da razoabilidade e da proporcionalidade, cuja estatura também é constitucional, por constituírem facetas de outros princípios de igual estatura, dentre eles o devido processo legal substantivo.
A razoabilidade exige que as circunstâncias de cada caso concreto sejam sopesadas na aplicação da norma, sem generalizações indevidas. A proporcionalidade, por sua vez, desdobra-se em três aspectos: (a) adequação (compatibilidade entre meio e fim); (b) necessidade (o meio não pode impingir sacrifício desnecessário, excessivo ou demasiadamente restritivo); e (c) proporcionalidade em sentido estrito (as vantagens obtidas pelo fim devem ser compatíveis com o meio ou com a coerção adotada)37.
Na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.158, a qual objetava lei estadual que concedia gratificação de férias a servidores inativos, o Ministro Celso de Mello, ao analisar, em 19 de dezembro de 1994, o pedido liminar formulado nos autos, tratou do princípio da razoabilidade, enquanto faceta do devido processo legal substantivo, destacando, com acuidade e precisão, que ambos obstam o abuso na função legislativa, ou do desvio do poder de legislar, impedindo que o Estado, ao legislar, atue de maneira ilimitada, imoderada e irresponsável. Veja-se:
“Refiro-me, nesse específico contexto, à questão pertinente ao abuso da função legislativa.
Todos sabemos que a cláusula do devido processo legal – objeto de expressa proclamação pelo art. 5º, LIV, da Constituição – deve ser entendida, na abrangência de sua noção conceitual, não só sob o aspecto meramente formal, que impõe restrições de caráter ritual à atuação do Poder Público, mas, sobretudo, em sua dimensão material, que atua como decisivo obstáculo à edição de atos legislativos de conteúdo arbitrário ou irrazoável.
A essência do substantive due processo of law reside na necessidade de proteger os direitos e as liberdades das pessoas contra qualquer modalidade de legislação que se revele opressiva ou, como no caso, destituída do necessário coeficiente de razoabilidade.
Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe de competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal.” (Destaques do original)
A função legislativa, como se observa das precisas lições do Ministro Celso de Mello, encontra limites, não podendo prescindir, em qualquer caso, do princípio do devido processo legal, em seu aspecto material.
Não é diferente no caso das sanções tributárias cominadas em lei: deve-se obediência aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, de modo que a atividade de legislar, no particular aspecto de instituir penalidades, não se revele opressiva, imoderada e absurda.
Mas não é apenas o Poder Legislativo que se submete aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. As autoridades administrativas igualmente estão jungidas a esses princípios, tanto que a Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 199938, ao regular o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, anuncia em seu art. 2º que aquelas autoridades devem atender à razoabilidade e à proporcionalidade, sendo-lhes vedada a imposição de sanções superiores ao estritamente necessário ao atendimento do interesse público (inciso VI).
Para saber se a sanção cominada no texto legal é razoável, o aplicador da lei deve investigar, em linhas gerais, se a multa é consentânea com a gravidade da infração cometida pelo agente, sopesando as circunstâncias de cada situação concreta.
Já a sanção desproporcional é aquela que se apresenta como um instrumento (meio) excessivo para atingir o espírito da lei (fim), consistente no desencorajamento da prática de novas infrações, ou no estímulo à pontualidade e ao cumprimento de deveres principais e acessórios, ou na repressão de condutas contrárias à lei, todas as finalidades voltadas a preservar o funcionamento do sistema tributário39. Em outros dizeres, na punição considerada desproporcional, a intensidade da pena supera os fins da norma que a comina40.
Em suma, o controle da atividade sancionadora em matéria fiscal decorre do direito constitucional à individualização da pena, de que trata o art. 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal, podendo ser feito à luz:
– do art. 150, inciso IV, da Constituição Federal, que veda a ação confiscatória do ente tributante, em sintonia com o direito de propriedade, constitucionalmente assegurado pelos arts. 5º, inciso XXII, e 170, inciso II, e com o princípio da capacidade contributiva, estatuído no art. 145, § 1º, da Constituição Federal; e
– dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade que devem nortear a atividade estatal.
Sem dúvida alguma, o controle da atividade sancionadora é efetuado em maior medida e extensão pelo Poder Judiciário, enquanto órgão protetor da lei e da Constituição. No entanto, as autoridades fiscais também podem invocar aqueles mesmos princípios e direitos quando, por exemplo, necessitarem fundamentar a graduação da penalidade nos casos em que a lei estabelecer limites mínimos e máximos para a punição. Nem mesmo o legislador pode olvidar destes princípios e direitos em sua tarefa de legislar acerca da pena fiscal, dado que eles funcionam como freios à função legislativa abusiva ou exorbitante. Logo, a vedação ao confisco, o direito à propriedade, a capacidade contributiva, a razoabilidade e a proporcionalidade atuam como barreiras nas três esferas de poder.
Sendo esses os limites mínimos para a aplicação de sanções na seara fiscal, vejamos abaixo as dificuldades encontradas no seu balizamento.
4.2. Os parâmetros para o controle da atividade sancionadora em matéria fiscal
Não há, no texto constitucional, quando cuida do princípio da proibição ao confisco, as balizas ou os critérios mínimos que extremam a atividade regular da confiscatória. O constituinte, neste particular, limitou-se a dizer que os entes da Federação estão impedidos de utilizar os tributos com efeito de confisco.
Constata-se, pois, uma indeterminação nesse princípio, a qual não é despropositada ou despicienda: a aferição do que é confiscatório é casuística, variando de uma circunstância para outra.
Pode uma multa de 50% do valor declarado pelo contribuinte, aplicável em decorrência do atraso na entrega de declarações, revelar-se abusiva, confiscatória, se ela implicar a exigência de quantia estratosférica, milionária, mesmo que a mora do contribuinte perdure, por exemplo, por um único mês, ou por pouquíssimos dias. Por outro lado, a princípio, não padeceria do mesmo vício a multa de 50% calculada sobre o montante de R$ 10,00, declarado pelo contribuinte, cuja impontualidade no cumprimento de obrigações acessórias é contumaz, porque suas declarações são costumeiramente entregues após o transcurso de longos meses ou mesmo anos.
O caráter casuístico do tema da vedação ao confisco vem sendo proclamado em alguns julgados do Supremo Tribunal Federal, como é o caso do Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 769.089, julgado em 5 de fevereiro de 2013 pela 1ª Turma, o qual manteve decisão que negou o processamento de recurso extraordinário, sob o fundamento de que a aferição do efeito confiscatório de penalidade depende do exame de fatos, na medida em que se faz necessário efetivar juízo de proporcionalidade entre o ilícito e a penalidade.
Como é possível perceber, a aferição do confisco não é simples, tampouco está sujeita a um critério objetivo e predefinido. À luz dessa indeterminação, um critério seguro, mas mínimo, do que seja confisco consiste na compreensão dos danos que a atividade estatal causa, ou tem o potencial de causar, ao direito de propriedade do sujeito passivo.
Por esse raciocínio, será confiscatória a multa que exceder os limites do direito de propriedade, isto é, que interferir de maneira invasiva e desmedida na propriedade do sujeito passivo a ponto de absorvê-la em sua inteireza, ou de prejudicá-la consideravelmente, afetando a liberdade individual ou econômica. A proibição do confisco busca assegurar ao sujeito passivo um mínimo existencial, de difícil determinação, mas identificável em apreciações aproximadas, feitas a partir de juízo de equidade e com base em considerações sobre pobreza, miséria, riqueza, necessidades básicas e outras matérias sociológicas41. Luís Eduardo Schoueri explica que, por um critério qualitativo, o confisco se relaciona com o caráter insuportável da tributação. O autor destaca que, na Alemanha, adota-se a expressão “imposto sufocante”, a qual denota “a situação de desespero daquele que, por conta da tributação excessiva, fica desestimulado de continuar sua atividade produtiva, ou vê desestruturada sua vida pessoal ou familiar”42.
Ou seja, o confisco deve ser medido, aferido, à luz dos limites que cercam o direito de propriedade, sem prescindir dos direitos à dignidade, à liberdade e à livre iniciativa (art. 1º, inciso III, art. 5º, “caput”, art. 170, parágrafo único, da Constituição Federal), porque o excesso de punição pode desencorajar o sujeito passivo, tanto em sua atividade profissional, como em sua vida pessoal. Esses, enfim, os parâmetros mínimos para a definição do que representa atividade confiscatória.
Ainda no controle da atividade sancionadora fiscal e, mais, para atender ao direito à individualização da pena, a multa não deve ultrapassar um patamar razoável, sob pena de haver distorção entre a sanção e o comportamento do infrator. Deve-se, portanto, analisar a situação individual do sujeito passivo, de modo a verificar se a norma legal atende à gravidade da infração.
Como ensina Humberto Ávila: “a razoabilidade exige a consideração do aspecto individual do caso nas hipóteses em que ele é sobremodo desconsiderado pela generalização legal. Para determinados casos, em virtude de determinadas especificidades, a norma geral não pode ser aplicável, por se tratar de caso anormal.”43
A aferição da razoabilidade demanda racionalidade e adoção de padrões comuns na apreciação das situações concretas, obstando-se, desta maneira, subjetivismos impróprios ou interpretações que variem conforme interesses individuais, incompatíveis com a legalidade, a impessoalidade, a boa-fé e a moralidade (art. 37 da Constituição).
Deveras, as multas cominadas em lei e aplicadas pelos agentes fiscais devem estar em compasso com os critérios aceitáveis do ponto de vista racional e do senso comum, de tal sorte que a intensidade da punição não prescinda, em qualquer hipótese, da gravidade do ilícito praticado pelo sujeito passivo. Preserva-se, assim, a necessária razoabilidade que a punição deve guardar em relação ao ilícito, em atenção ao direito à individualização da pena.
Quanto à proporcionalidade, trata-se de valoração entre os meios e o fim que se pretende alcançar. Cuida-se, portanto, de juízo sobre a adequação da multa ao espírito da lei que comina a sanção, sobre a necessidade do gravame e sobre sua compatibilidade com os danos ou desvantagens que provoca. Em outros dizeres, a multa deve guardar proporção com o efeito desencorajador, pedagógico, ou repressivo da prática de infrações, que a lei cominatória da penalidade busca alcançar, sem impingir ao infrator um gravame em intensidade superior aos direitos e valores tutelados pela ordem constitucional ou incompatível com a finalidade da norma.
No mesmo exemplo citado anteriormente a propósito das multas aplicadas pela impontualidade no cumprimento de obrigações acessórias, a desproporção pode ser flagrante (além de confiscatória) se o contribuinte tiver de arcar com multa elevada pelo atraso de um único dia na entrega de declaração de tributos; mas a mesma desproporção possivelmente não atingirá o sujeito passivo que estiver obrigado ao pagamento de tributo em cifras milionárias (ausência de confisco, inclusive diante dos signos presuntivos de riqueza, que se mostram adequados ao princípio da capacidade contributiva), e que recalcitrar no cumprimento de suas obrigações acessórias, eis que, neste caso, a multa cumprirá seu fim, espraiando sobre o infrator seu efeito educador e repressor.
Tudo isso é importante para a aferição do caráter extravagante, irrazoável, desproporcional, ou confiscatório das penalidades, mas não suficiente para eliminação de dúvidas e controvérsias. De fato, não obstante os limites do direito de propriedade, assim como a capacidade contributiva, a razoabilidade e a proporcionalidade auxiliem a investigação daquilo que é, ou não, confiscatório, desmedido, ou excessivo, esses parâmetros não trazem objetividade bastante para se traçar um critério material do que seja, ou não, abusivo. Trata-se, ainda assim, de elementos mínimos, que balizam a atividade do intérprete e aplicador da lei.
O Supremo Tribunal Federal, há décadas, busca delinear os critérios para graduação de penalidades. No julgamento do Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 727.872/RS, em 28 de abril de 2015, o Ministro Luís Roberto Barroso assentou que a vedação ao confisco não tem linhas demarcatórias objetivamente definidas, de modo que o seu conteúdo vem sendo circunstancialmente construído ao longo do tempo. Para ele, “permanece sem definição quantitativa a medida que pode ser considerada exacerbada ao ponto de comprometer o patrimônio e a renda, de modo a ultrapassar os limites da capacidade contributiva do contribuinte”. Apesar de reconhecer que o efeito confiscatório é um conceito aberto, o Ministro buscou traçar premissas e critérios capazes de auxiliar tal dimensionamento, tendo concluído que: “As multas moratórias possuem como aspecto pedagógico o desestímulo ao atraso. As multas punitivas, por sua vez, revelam um caráter mais gravoso, mostrando-se como verdadeiras reprimendas. Não é razoável punir em igual medida o desestímulo e a reprimenda.” Por este motivo, invocando outras decisões em igual sentido44, o Ministro decidiu que a multa moratória de 30% é confiscatória, reduzindo-a para 20%45, no que foi acompanhado, por unanimidade, em sessão da 1ª Turma.
No que tange à multa de ofício, o Supremo Tribunal Federal vem afirmando que a penalidade aplicada em patamar superior ao montante do tributo representa coerção atentatória ao patrimônio do indivíduo, distanciando-se da finalidade para a qual está voltada, qual seja, reprimir e desencorajar o indivíduo a praticar atos contrários às prescrições da lei tributária46. É o caso, por exemplo, do Agravo Regimental em Recurso Extraordinário n. 833.106/GO, de 25 de novembro de 2014, no qual a 1ª Turma reduziu multa de ofício de 120% para 100% do tributo.
A alusão a essas decisões, existentes em meio a outras sobre o tema, revela que o Supremo Tribunal Federal tem buscado definir critérios mínimos para o dimensionamento e a graduação das multas fiscais47. Quando assim se manifesta, o Tribunal não legisla positivamente, tampouco promove ativismo judicial atentatório à separação dos poderes48. Atua, isto sim, como guardião da Constituição Federal, assegurando que a vedação ao confisco, o direito à propriedade, a capacidade contributiva, a proporcionalidade e a razoabilidade sejam cumpridos em cada caso, de tal sorte a coibir excessos na atividade sancionadora e, assim, dar concretude ao direito à individualização da pena.
5. Conclusões
O Direito Tributário Penal, na disciplina das infrações e sanções à legislação tributária, adota determinados princípios ou regras próprios do Direito Penal, a exemplo da retroatividade benigna e da interpretação mais favorável ao contribuinte em matéria de infrações.
Também é aplicável ao Direito Tributário Sancionador a norma do art. 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal, o qual assegura a individualização da pena. Pela individualização, requer-se, sempre que possível, a identificação das circunstâncias da infração e das características do infrator. Esta análise, conquanto lastreada em juízo discricionário da autoridade fiscal, não fere o art. 142 do Código Tributário Nacional, uma vez que este dispositivo admite que a penalidade seja “proposta” por aquela autoridade. A proposição da pena não é aleatória, devendo estar baseada nos critérios e balizas fixados em lei, dado que os agentes fiscais estão submetidos, em qualquer caso, ao princípio da legalidade.
Em matéria fiscal, dá-se concretude ao direito à individualização da pena não apenas quando a lei tributária estabelece parâmetros mínimos de dosimetria da penalidade, mas também pela aplicação da vedação ao confisco, do direito de propriedade, da capacidade contributiva, da proporcionalidade e da razoabilidade, todos de estatura constitucional. A aplicação destes princípios e direitos, contudo, não é tarefa fácil, na medida em que nenhum deles está assentado em critérios objetivos.
Nota-se, assim, a dificuldade do tema, a recomendar, “de lege ferenda”, a edição de norma de caráter geral que estabeleça limites mínimos e máximos para multas moratórias e de ofício (alíquotas mínimas e máximas ou progressivas, ou valores mínimos e máximos ou progressivos, conforme a gravidade da infração e as características do agente), bem como circunstâncias atenuantes e agravantes (reincidência, conluio, fraude, interpretação razoável da legislação, infração continuada etc.), que igualmente contribuam para a dosimetria da pena e, pois, para a garantia de sua individualização, como fizeram, por exemplo, a Lei n. 4.502 e o Decreto-lei n. 37.
Com isso, resolver-se-iam – ou mitigar-se-iam – as iniquidades decorrentes da imposição de altíssimas penalidades, sem qualquer consideração quanto às circunstâncias do fato e do agente, em decorrência da violação a deveres instrumentais. Também seriam resolvidas as iniquidades derivadas da imposição de sanções pela mera divergência de interpretação da legislação tributária, o que tem sido cada vez mais frequente em matéria de planejamento fiscal.
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3 SILVA, Paulo Roberto Coimbra. Direito tributário sancionador. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 202.
4 A legalidade penal está contida no art. 8º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, como seja: “Art. 8º Ninguém pode ser punido senão em virtude de uma lei estabelecida e promulgada anteriormente ao delito e legalmente aplicada.”
5 Luís Eduardo Schoueri entende que o art. 112 não institui o preceito “in dubio pro contribuinte”, mas, sim, “in dubio pro reo”, pois ele não autoriza uma tributação mais amena, alcançando, apenas, as infrações (SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 743). Mais do que uma discussão terminológica, esse tema deságua em debate sobre o alcance do art. 112, isto é, se abrange apenas as infrações e penalidades, ou também a tributação. Há decisões judiciais afastando julgamentos desfavoráveis aos contribuintes, ocorridos no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, que mantiveram autuações fiscais, inclusive o tributo lançado, por voto de qualidade (ou desempate). Estas decisões judiciais estão assentadas no art. 112, como se verifica, por exemplo, no Mandado de Segurança n. 0013044-60.2015.4.03.6105, em trâmite na 8ª Vara da Subseção Judiciária de Campinas/SP, no qual foi afirmado que: “A dúvida objetiva sobre a interpretação do fato jurídico tributário, por força da Lei de normas gerais, não poderia ser resolvida por voto de qualidade, em desfavor do contribuinte.” No mesmo sentido, cite-se a decisão proferida no Mandado de Segurança n. 0041376-24.2016.4.01.3400, da 2ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, como seja: “[...] a regra que deve prevalecer é aquela prevista no art. 112, inciso II do CTN, eis que se instalou naquele órgão julgador verdadeira dúvida quanto aos fatos em discussão e seus efeitos legais. Ademais, não há que se falar em voto de qualidade do presidente do colegiado,que estaria votando duas vezes sem previsão legal e contrariamente ao desiderato do legislador do CTN, que procura beneficiar o contribuinte na aplicação da lei diante da dúvida quanto ao alcance dos seus institutos.”
6 No caso de parcelamento, extingue-se a punibilidade quando a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos (art. 83, § 4º, da Lei n. 9.430, de 27 de dezembro de 1996).
7 O § 3º do mesmo dispositivo legal ainda acrescenta ser facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, e desde que: (a) tenha promovido, após o início da ação fiscal e antes de oferecida a denúncia, o pagamento da contribuição social previdenciária, inclusive acessórios; ou (b) o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.
8 A jurisprudência de nossos Tribunais tem estendido a extinção da punibilidade quando verificado pagamento dos tributos mesmo após o recebimento da denúncia. Neste sentido, cabe citar, por exemplo, o Habeas Corpus n. 36.628/DF, de 15 de fevereiro de 2005, da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça; o Habeas Corpus n. 85.452/SP, de 17 de maio de 2005, da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal; e o Habeas Corpus n. 81.929/RJ, de 16 de dezembro de 2003, da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal. No citado Habeas Corpus n. 81.929/RJ, foi afirmado que “O pagamento do tributo, a qualquer tempo, ainda que após o recebimento da denúncia, extingue a punibilidade do crime tributário”, afirmação essa feita com fundamento no art. 9º, § 2º, da Lei n. 10.684, de 30 de maio de 2003 (“Art. 9º. § 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios”), sustentando-se que esta norma, embora editada no âmbito de programa de parcelamento, teria passado a permitir a extinção da punibilidade pelo pagamento realizado a qualquer tempo pelo infrator.
9 Sobre o tema, Luís Eduardo Schoueri esclarece que a jurisprudência do Superior de Justiça vem alargando tal preceito, ao admitir a retroatividade mesmo depois de concluído o processo de conhecimento (SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 761). É o caso, por exemplo, do Recurso Especial n. 200.781/RS, de 12 de junho de 2001, da 1ª Turma, e os Embargos de Divergência no Recurso Especial n. 184.642/SP, de 26 de maio de 1999, da 1ª Seção.
10 “Art. 2º Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. Parágrafo único. A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.”
11 Súmula n. 70 do STF: “É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.” Súmula n. 323 do STF: “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.” Súmula n. 547 do STF: “Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.”
12 Já era assim na Constituição Federal de 1967, cujo art. 150, § 13, dispunha que: “Nenhuma pena passará da pessoa do delinquente. A lei regulará a individualização da pena.”
13 FAJERSZTAJN, Bruno. Multas tributárias – regime jurídico, fundamentação e limites. Dissertação (Mestrado em Direito Econômico, Financeiro e Tributário). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2016, p. 112.
14 CEZAROTI, Guilherme. Individualização das penas e aplicação do art. 49 do Código Penal: novos limites para a imposição de multas tributárias. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 208. São Paulo: Dialética, 2013, p. 62.
15 SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 145.
16 Op. cit., p. 145.
17 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 309-310.
18 MASINA, Gustavo. Sanções tributárias – definição e limites. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 213-214.
19 Nas palavras de Luís Eduardo Schoueri ao analisar o tema: “Discricionariedade, insista-se, não se confunde com arbítrio, já que se fala em limites legais e em circunstâncias agravantes e atenuantes definidas pela lei.” (SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 774).
20 Cf. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 11. ed. São Paulo: RT, 2015, p. 225.
21 Idem, ibidem.
22 TROIANELLI, Gabriel Lacerda. Planejamento tributário e multa qualificada. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Grandes questões atuais do direito tributário. São Paulo: Dialética, 2011. v. 15, p. 64.
23 Alguns desses temas foram incorporados, em menor extensão, ao Código Tributário Nacional. É o caso, por exemplo, da denúncia espontânea da infração, tratada no anteprojeto como uma das hipóteses de extinção da punibilidade.
24 Gabriel Lacerda Troianelli observou que o sistema de aplicação e graduação de penalidades, previsto nos arts. 67 a 79 da Lei n. 4.502, refletia a tendência do anteprojeto de Rubens Gomes de Sousa, que destinava um livro (o Livro VII), composto por 31 artigos, às infrações e penalidades, inspirado em grande parte no Código Penal, tendo sido a maioria dessas regras retiradas do Projeto que deu origem ao Código Tributário Nacional, dada a complexidade de sua aplicação (op. cit., p. 64-65).
25 Sobre a vigência desses dispositivos até os dias atuais e sobre a sua aplicabilidade a outros tributos, além do IPI, são preciosas as considerações de Ricardo Mariz de Oliveira no estudo: Cabimento e dimensionamento das penalidades por planejamentos fiscais inaceitáveis (breves notas). Revista Dialética de Direito Tributário, n. 197. São Paulo: Dialética, 2012, p. 138-153.
26 “Artigo 92. Salvo disposição em contrário, as multas aplicadas nos termos do artigo 85 podem ser reduzidas ou relevadas pelos órgãos julgadores administrativos, desde que as infrações tenham sido praticadas sem dolo, fraude ou simulação e não impliquem falta de pagamento do imposto. § 1º Na hipótese de redução, deve ser observado o limite mínimo previsto no § 7º do artigo 85. § 2º Não poderão ser relevadas, na reincidência, as penalidades previstas na alínea ‘a’ do inciso VII e na alínea ‘x’ do inciso VIII do artigo 85. § 3º Para efeitos deste artigo, serão, também, examinados o porte econômico e os antecedentes fiscais do contribuinte.”
27 A moderação sancionatória, autorizada pela legislação estadual, confere, nas palavras de Eduardo Perez Salusse, “uma maior adequação da sanção ao caso concreto, observando os critérios de necessidade e proporcionalidade que jamais poderiam ser previstos pelo legislador à luz de incontáveis variáveis perceptíveis somente na análise do caso concreto” (SALUSSE, Eduardo Perez. Moderação sancionatória no processo administrativo tributário paulista: uma análise empírica e teórica. São Paulo: Quartier Latin, 2016, p. 112).
28 Falaremos a respeito desse tema no tópico seguinte.
29 “Art. 44. Nos casos de lançamento de ofício, serão aplicadas as seguintes multas: I – de 75% (setenta e cinco por cento) sobre a totalidade ou diferença de imposto ou contribuição nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, de falta de declaração e nos de declaração inexata; [...] § 1º O percentual de multa de que trata o inciso I do caput deste artigo será duplicado nos casos previstos nos arts. 71, 72 e 73 da Lei n. 4.502, de 30 de novembro de 1964, independentemente de outras penalidades administrativas ou criminais cabíveis. § 2º Os percentuais de multa a que se referem o inciso I do caput e o § 1º deste artigo serão aumentados de metade, nos casos de não atendimento pelo sujeito passivo, no prazo marcado, de intimação para: I – prestar esclarecimentos; II – apresentar os arquivos ou sistemas de que tratam os arts. 11 a 13 da Lei n. 8.218, de 29 de agosto de 1991; III – apresentar a documentação técnica de que trata o art. 38 desta Lei.”
30 FAJERSZTAJN, Bruno. Multas tributárias – regime jurídico, fundamentação e limites. Dissertação (Mestrado em Direito Econômico, Financeiro e Tributário). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2016, p. 131.
31 O controle judicial de atos administrativos discricionários é tema controvertido no âmbito do Direito Administrativo, não existindo consenso sobre a possibilidade de revisão do mérito do ato, ou sobre a extensão desta revisão. Para nós, no plano da graduação das multas fiscais, há espaço para tal controle, de modo a evitar arbítrios e excessos das autoridades administrativas, atentatórios a direitos fundamentais, a princípios constitucionais ou mesmo aos limites relacionados à autorização conferida pelo legislador para a calibração da pena. Sobre o controle judicial de atos discricionários, vide: MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 817-851; e JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 11. ed. São Paulo: RT, 2015, p. 240-241.
32 A interpretação razoável da legislação, enquanto circunstância atenuante da penalidade, é medida recomendável, especialmente na conjuntura atual, em que as autuações fiscais envolvendo planejamento tributário geralmente vêm acompanhadas de multa agravada e de representação fiscal para fins penais, sob a alegação de prática dolosa. Ora, não há dolo quando existe dúvida sobre a interpretação dos dispositivos legais que tratam da determinada matéria. Nestes casos, tem lugar o chamado “erro de proibição”, previsto no art. 21 do Código Penal, o qual afasta a pena quando o autor do ilícito supõe estar agindo dentro da lei. É interessante notar que a jurisprudência administrativa já adotou a tese do erro de proibição para afastar o agravamento da multa, como revela, dentre outros, o Acórdão n. 101-95537, de 24 de maio de 2006, do antigo 1º Conselho de Contribuintes, em que foi analisada a dedutibilidade de despesa com amortização de ágio. Sobre a impossibilidade de o planejamento tributário lícito ser considerado atividade dolosa e, pois, criminosa, vide: ROTHMANN, Gerd Willi. Afinal, o planejamento tributário pode ser criminoso? In: PRETO, Raquel Elita Alves. Tributação brasileira em evolução: estudos em homenagem ao Professor Alcides Jorge Costa. São Paulo: IASP, 2015, p. 695-698.
33 Lembre-se também que o crédito tributário decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta, nos termos do art. 139 do Código Tributário Nacional.
34 ÁVILA, Humberto. Multa de mora: exames de razoabilidade, proporcionalidade e excessividade. In: Humberto Ávila (org.). Fundamentos do Estado de Direito – estudos em homenagem ao Professor Almiro do Couto e Silva. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 162.
35 Cf. DÓRIA, Sampaio. Direito constitucional tributário e due process of law. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986, p. 201.
36 IBRAIM, Marco Túlio Fernandes. A conformação das sanções fiscais pela observância da capacidade econômica dos contribuintes: análise segundo o princípio da capacidade contributiva. In: SILVA, Paulo Roberto Coimbra (coord.). Grandes temas do direito tributário sancionador. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 373.
37 A diferenciação entre razoabilidade e proporcionalidade e, mais, os diversos aspectos ou acepções destes princípios foram minuciosamente apresentados por Humberto Ávila (ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 194-217). Marçal Justen Filho apresentou a definição e as acepções destes princípios, defendendo que eles funcionam como técnicas hermenêuticas (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 11. ed. São Paulo: RT, 2015, p. 148-151). Celso Antônio Bandeira de Mello, após conceituar os referidos princípios, afirmou que “o princípio da proporcionalidade não é senão uma faceta do princípio da razoabilidade” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 101). Roque Antonio Carrazza, por sua vez, afirmou que o princípio da proporcionalidade é também conhecido como princípio da razoabilidade ou da proibição do excesso (Übermassverbot) (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 578). Fernando Aurelio Zilveti trata proporcionalidade e razoabilidade como sinônimas (ZILVETI, Fernando Aurelio. Princípios de direito tributário e a capacidade contributiva. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 305-311). Isso mostra que o tema é controvertido na doutrina, não havendo consenso sobre a definição destes princípios. Para nós, tem lugar a diferenciação acima proposta, a qual pode ser analisada com detalhes na obra de Humberto Ávila citada acima.
38 Esclareça-se que o Decreto n. 7.574, de 29 de setembro de 2011, reconhece a aplicação subsidiária da Lei n. 9.784/1999 aos processos administrativos federais em matéria tributária.
39 Joachim Englisch explica que, na Alemanha, a proporcionalidade funciona como freio à imposição de multas na esfera fiscal, porquanto, por este princípio, não se admite que a penalidade prejudique o exercício de liberdades fundamentais, como o direito à propriedade; tampouco se admite desequilíbrio entre os efeitos e a gravidade da sanção comparativamente aos valores por ela tutelados, os quais, no âmbito fiscal, correspondem à garantia de um sistema tributário justo, marcado pela igualdade e pela observância da capacidade contributiva (ENGLISCH, Joachim. Infracciones y sanciones tributarias administrativas y sus implicaciones constitucionales em Alemania. In: SILVA, Paulo Roberto Coimbra (coord.). Grandes temas do direito tributário sancionador. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 255). Note-se que, ao tratar do tema da proporcionalidade aplicado às sanções fiscais, o autor condensa outras garantias e princípios, como o direito à propriedade e a capacidade contributiva. Isto mostra que, no tema da graduação das penalidades, esses princípios e direitos estão entrelaçados.
40 Conforme ensina Roque Antonio Carrazza, para atender ao disposto no art. 112 do Código Tributário Nacional e, assim, interpretar a legislação tributária de forma mais favorável ao sujeito passivo em matéria de infração, deve-se observância à proporcionalidade e à individualidade das sanções, para que estas sejam menos gravosas (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 581-582), impingindo somente a restrição necessária e suficiente para o alcance do desiderato legal.
41 ZILVETI, Fernando Aurelio. Princípios de direito tributário e a capacidade contributiva. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 216.
42 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 344.
43 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 196.
44 É o caso do Recurso Extraordinário n. 582.461/SP, julgado em 18 de maio de 2011, pelo Tribunal Pleno, sob a sistemática da repercussão geral. Registre-se ainda a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 551/RJ, na qual o Tribunal Pleno declarou inconstitucionais, porquanto confiscatórias, multa de mora no valor de 200% do tributo e multa de ofício no valor de 500% do tributo, a última sendo devida quando constatada sonegação.
45 A Constituição de 1934 estabelecia, em seu art. 184, parágrafo único, que “As multas de mora, por falta de pagamento de impostos ou taxas lançadas, não poderão exceder de dez por cento sobre a importância em débito”. A Constituição de 1988 não contém norma de igual teor, ficando a matéria, assim, sob os cuidados do legislador infraconstitucional.
46 No Recurso Extraordinário n. 640.452/RG, afetado ao regime de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal decidirá se a multa de 40% sobre o valor da operação, aplicada na hipótese de descumprimento de dever instrumental, desacompanhada do tributo, tem caráter confiscatório e desproporcional.
47 Renato Lopes Becho e Danilo Barth Pires entendem que a aferição do confisco ocorre “a posteriori”, isto é, à luz de casos concretos, exigindo análise fática e conjuntural, a qual pode ser alterada por circunstâncias econômicas e sociais, não cabendo ao legislador, nestas condições, fixar “a priori” os limites do não confisco. Por este motivo, os autores criticam a posição do Supremo Tribunal Federal de balizar, “a priori”, os critérios para a definição do efeito confiscatório das multas (BECHO, Renato Lopes; PIRES, Danilo Barth. As multas tributárias e o princípio do não confisco na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Revista Direito Tributário Atual, v. 36. São Paulo: IBDT, 2016, p. 293-308). Para nós, a posição da Corte Suprema é correta, na medida em que busca dar mínima concretude ao princípio constitucional, obstando a atividade legislativa considerada claramente atentatória à vedação ao confisco, sem impedir que o princípio continue a ser aplicado em cada caso concreto.
48 Como ensina Humberto Ávila, “Só haverá ativismo judicial se o exercício da função judicial for incompatível com o espaço normativo deixado pela Constituição.” (ÁVILA, Humberto. Ativismo judicial e direito tributário. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Grandes questões atuais do direito tributário. São Paulo: Dialética, 2011. v. 15, p. 153). Não é este o caso dos princípios e direitos ora analisados, os quais contêm elevado grau de abstração, não tendo sido delimitados pelo legislador infraconstitucional.