Seletividade em Função da Essencialidade: ICMS e Energia Elétrica1

Selectivity Based on the Essenciality: ICMS and Electric Power

João de Souza Alho Neto

Mestrando em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo – USP. Especialista em
Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Pará – UFPA. Membro do IBDT. Colaborador de pesquisa da
Revista Direito Tributário Internacional Atual. Pesquisador do Núcleo de Estudos Fiscais –
NEF/FGV Direito SP. E-mail: joaoalhoneto@usp.br/joao.neto@fgv.br.

Resumo

Este artigo tem como objetivo analisar a regra da seletividade no ICMS, conforme prevê o art. 155, § 2º, III, da Constituição. Neste desiderato, será feito o cotejo da doutrina para explicar a forma de aplicação da seletividade com base em seu critério de validação: a essencialidade, no ordenamento jurídico vigente, demonstrando os conceitos, limites e controle desta aplicação, bem como sua relação com a igualdade, capacidade contributiva e extrafiscalidade. Verificar-se-á o emprego da regra no caso da energia elétrica, com vistas a demonstrar o flagrante desrespeito ao ditame constitucional quando da ampla utilização de alíquotas majoradas para este item de natureza essencial à dignidade humana. Por fim, será abordada a discussão judicial em torno da matéria, que se encontra em sede de repercussão geral reconhecida pelo STF no Recurso Extraordinário n. 714.139/SC.

Palavras-chave: seletividade, essencialidade, ICMS e energia elétrica.

Abstract

The purpose of thispaperis to analyze the ICMS (state’s Valued Added Tax) selectivity rule, as provided in Article 155, § 2, III, of the Brazilian Constitution. The paper offers a comparision of the doctrine with the intent of explaining the selection application based on its validation criterion: the essentiality, within the current legal order, by examining the concepts, limits and controls of the application, as well as its relation to equality, ability to pay and overtaxation. Also, the paper will verify the implementation of present rule in regards to electric power, in order to show the blatantdisrespect of constitutional decrees in terms of increased tax rates on an item so essential to basic human dignity. Finally, the paper presents a judicial discussion on the matter addressed, which is with general repercussion recognized by the Supreme Court (STF) in Extraordinary Appeal n. 714.139/SC.

Keywords: selectitvity, essenciality, ICMS and electric power.

1. Introdução

A Constituição de 1988 inaugurou uma nova forma de pensar o ICMS, convalidando em apenas um tributo o antigo ICM e diversos outros impostos únicos que eram de competência da União. Ainda, ratificou o apreço pela neutralidade do imposto ao confirmar a sua não cumulatividade e, principalmente, ao proclamar sua seletividade em função da essencialidade do produto ou do serviço (art. 155, § 2º, III), anteriormente cabível apenas ao IPI.

O exame preliminar desta regra parece-nos informar que os produtos e serviços de natureza essencial devem ter suas alíquotas de incidência do ICMS mitigadas em comparação a outros produtos e serviços que não estão revestidos da mesma essencialidade para consecução da dignidade humana, de modo que a variação das alíquotas se dê na forma inversa da essencialidade: quanto maior for esta, necessariamente menores deverão ser aquelas.

No entanto, não é isto o que se tem visto na prática. Os Estados e o Distrito Federal, competentes na forma da Constituição para instituir, por intermédio de lei, o ICMS, em alguns momentos não estão verificando a essencialidade do produto ou do serviço para então selecionar a alíquota adequada. O maior exemplo é a energia elétrica, tema deste estudo.

Na maioria das Unidades da Federação, costuma-se coexistir nas legislações locais três faixas de alíquotas do ICMS: a primeira, de 7 a 12% para produtos básicos, via de regra do setor alimentício; a segunda, entre 17 e 18% aplicáveis à generalidade das mercadorias; e a terceira, com alíquotas de aproximadamente 25%, chegando por vezes até a casa dos 30%, para os produtos considerados supérfluos e para energia elétrica, telecomunicações e combustíveis.

Em Minas Gerais, e.g., a energia elétrica para uso residencial é tributada na ordem dos 30%, enquanto que a gasolina se sujeita à alíquota de 29%, óleo diesel a 15%, bebidas alcoólicas a 30%, cerveja alcoólica a 18%, alimentos industrializados, calçados, roupas, medicamentos a 18%, automóveis a 12%, materiais de construção a 12% e granitos e mármores a 7%. O mesmo fato curioso se repete nos demais Estados: em Santa Catarina aplica-se a alíquota de 25% para o ICMS-energia elétrica, enquanto que brinquedos, joias e fogos de artifício enquadram-se na alíquota geral de 17%.

A relevância deste tema é proeminente, pois revela uma incongruência impactante. Na sociedade atual, a maior parte das residências e atividades empresariais utiliza a energia elétrica de maneira ampla para as mais variadas tarefas cotidianas, o que a torna elemento indispensável à sobrevivência digna do ser humano e ao exercício das atividades produtivas. Apesar disso, trata-se de um item que compõe o rol de setores altamente sobretaxados pelos Fiscos, em virtude do seu grande potencial arrecadatório e baixo custo de fiscalização.

Isto, inclusive, faz da energia elétrica um elemento de consumo visado nos processos de reestruturação das finanças públicas que os Estados brasileiros atualmente enfrentam. Como exemplo disto, temos o caso do Rio de Janeiro, que recentemente aprovou o aumento da alíquota do ICMS-energia elétrica em seu território para níveis que chegam a 32%.

A matéria encontra-se em sede de repercussão geral reconhecida no Supremo Tribunal Federal (Recurso Extraordinário n. 714.139/SC) e possui relação intricada com institutos relevantes de nosso ordenamento, tais como a igualdade, a capacidade contributiva e a extrafiscalidade. É o que se passa a investigar de forma mais profunda a partir de agora.

2. Análise da regra da seletividade na Constituição de 1988

2.1. Premissa básica: seletividade como norma-regra

Antes de analisarmos a seletividade em função da essencialidade do ICMS na Constituição de 1988 e seus desdobramentos, precisamos registrar uma breve digressão acerca da espécie normativa desta norma em específico: se regra ou princípio.

Humberto Ávila estabelece três critérios de dissociação entre as espécies normativas2. Uma vez analisada a norma sob este prisma procedimental chegar-se-á a conclusão se ela é regra ou princípio. São os critérios: (i) critério da natureza do comportamento prescrito, isto é, a averiguação da proximidade de sua relação, imediata ou mediata, com fins que devem ser atingidos e com condutas que devem ser adotadas; (ii) critério da natureza da justificação exigida, quer dizer, a análise da correspondência do enunciado prescritivo e a sua justificação preliminar, antes da aplicação da norma; e (iii) critério da medida de contribuição para a decisão, ou seja, o grau de contribuição da norma para a decisão do exegeta acerca de sua aplicabilidade3.

Diante dos critérios objetivos, Ávila traça os conceitos de regra e princípio, destacando que aquela possui o dever imediato de adoção da conduta descrita na norma e o dever mediato de manter fidelidade à sua finalidade subjacente e aos princípios superiores; enquanto que este se constitui como um promovente de um estado ideal de coisas e, portanto, possui o dever de adotar a conduta necessária para cumprir o objetivo que lhe couber. Por conseguinte, aquela se justifica na correspondência entre o conceito da norma e o conceito do fato; ao passo em que este está fundado na correlação entre os efeitos da conduta e o estado ideal de coisas. Em última análise, a regra é uma norma com pretensão de decidibilidade e abrangência; enquanto que o princípio não se caracteriza pela pretensão decisiva, mas ao invés disso, pela complementariedade e parcialidade, pois visa contribuir, juntamente com outras razões, para a tomada de decisão do intérprete4.

Justamente por trazer essas características, Ávila remarca que as regras possuem um grau de superabilidade muito menor que os princípios, constituindo-se em verdadeiras trincheiras, quase que intransponíveis pelos fatos e condutas apresentados diante de um caso concreto. Excetuam-se da rigidez regrativa os casos excepcionais em que existam razões relacionadas tanto à promoção do valor subjacente à regra (valor substancial específico) quanto à realização do valor formal subjacente às regras (valor formal de segurança jurídica), de modo a prestigiar o “equilíbrio pretendido pelo sistema jurídico entre justiça geral e justiça individual”5. Esclarecida a distinção das funções exercidas por regras e princípios, bem como levando em consideração sua complementariedade, pode-se afirmar que: perante a ocorrência de um conflito normativo entre regra e princípio de mesma posição hierárquica, deve prevalecer a regra, por ser esta travestida de maior decidibilidade e superabilidade mais rígida6.

Ao perscrutar a norma constitucional que institui a seletividade em função da essencialidade no ICMS, percebemos que se trata de uma regra7: em primeiro lugar, por ser norma descritiva e não finalística, pois estabelece uma obrigação (ou uma permissão, dependendo da posição que se adote acerca da expressão poderá do art. 155 da Constituição, como será abordado logo em seguida) ao contrário dos princípios que estabelecem um estado ideal de coisas; em segundo lugar, pelo fato de que a justificação necessária à sua aplicação está jungida à finalidade que lhe dá suporte, quer dizer, há correspondência entre o conteúdo semântico da norma e os princípios superiores que lhe dão guarida, em especial o princípio da igualdade, como se verá adiante; em terceiro lugar, por ser norma preliminarmente decisiva e abrangente e não requerer complementariedade, isto é, a norma em comento é terminativa e possui o condão de gerar uma solução específica para a questão, qual seja a de adotar o critério da essencialidade para caracterização da seletividade do tributo.

A importância desse estudo preliminar está sedimentada nas próprias características da espécie normativa regra (intensa decidibilidade e superabilidade mitigada), que reforçam o argumento de que a regra da seletividade não pode ser esvaziada pela alegação, em geral, da prevalência da aplicação do princípio da separação dos poderes, cuja verificação ensejaria uma suposta autonomia aos legisladores estaduais que, muito embora tivessem optado pela seletividade, poderiam escolher em promovê-la ou não com base no critério da essencialidade dos produtos e dos serviços. Com efeito, uma vez feita a opção pela seletividade esta implicará necessariamente na utilização da essencialidade como critério de validação, o que será mais bem explicado a seguir.

2.2. Aparente dicotomia no tratamento constitucional da seletividade: IPI vs. ICMS

O ICMS e o IPI, ao certo, possuem grandes similaridades8, pois ambos são reconhecidos como impostos incidentes sobre o consumo, especificamente a produção e a circulação de produtos e serviços; via de regra não cumulativos; e indiretos9.

Na Constituição de 1988 essa similaridade se estreita, na medida em que se estabelece a regra da seletividade para os dois tributos da seguinte forma: o IPI será seletivo em função da essencialidade do produto (art. 153, § 3º, I)10, enquanto que o ICMS poderá ser seletivo em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços (art. 155, § 2º, III)11.

Essa aparente diferença de tratamento entre esses impostos não era vista na Constituição anterior de 1967/69, na qual o então “ICM” era um tributo de incidência proporcional em relação às materialidades por ele alcançadas. De outro giro, a alíquota era variável somente quanto à operação (se interna, interestadual, exportação ou importação), restando uniforme no que se refere às mercadorias.

Nesta época, já era característica do IPI a obrigatoriedade da seletividade em função da essencialidade do tributo (§ 4º do art. 22 da Constituição de 1967; e § 3º do art. 21 da Emenda Constitucional n. 01, de 1969). No entanto, foi na Constituição de 1946 (art. 15, § 1º) que pela primeira vez ficou prescrito no texto constitucional a seletividade, adotando a forma de isenção dos artigos de consumo que a lei ficaria responsável por “classificar”, em função da sua “indispensabilidade”, como básicos para “habitação, vestuário, alimentação e tratamento médico das pessoas de restrita capacidade econômica”.

Acima, quando se fez referência à “aparente” dicotomia de tratamento para o IPI e o ICMS na Constituição vigente, quis-se constatar que, ao fim e ao cabo, o constituinte não estabeleceu faculdade para o legislador estadual dispor a respeito da seletividade do ICMS.

Com efeito, Roque Antonio Carrazza assevera que neste ponto, na verdade, existe na Constituição uma norma cogente, de observância obrigatória, de modo que o “poderá equivale juridicamente a um peremptório deverá12-13. Assim, o autor pontifica: “o ICMS deverá ser seletivo em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços”14.

O texto constitucional, deveras, não exercita faculdades, mas sim estabelece deveres que somente poderão ser derrocados caso não existam as condições que o exijam e legitimem seu uso15.

A taxatividade de Carrazza é contraposta por Sacha Calmon Navarro Coêlho16 (juntamente com parte considerável da doutrina17), que aduz ser a seletividade do ICMS facultativa, enquanto que a do IPI é obrigatória. Não obstante, percebemos que a ponderada colocação de Hugo de Brito Machado Segundo exprime a lógica constitucional acertadamente. De fato, não existe obrigatoriedade na Constituição para que os Estados-membros e o Distrito Federal adotem a sistemática da seletividade na estrutura de seus ICMSs, contudo uma vez feita a opção pela instituição do imposto seletivo – e não há notícia de Unidade da Federação que não a tenha feito –, esta (seletividade) deverá, obrigatoriamente, operar em função da essencialidade das mercadorias e serviços. Pontua Machado Segundo:

“A Constituição facultou aos Estados a criação de um imposto proporcional, que representaria ônus de percentual idêntico para todos os produtos e serviços por ele alcançados, ou a criação desse mesmo imposto com caráter seletivo, opção que, se adotada, deverá guiar-se obrigatoriamente pela essencialidade dos produtos e serviços. A seletividade é facultativa. O critério da seletividade é obrigatório.”18-19

2.3. Seletividade e capacidade contributiva

Tanto o IPI quanto o ICMS possuem como predicado constitucional o repasse de sua carga tributária perante os entes da cadeia produtiva/consumerista até que seja totalmente suportada pelos consumidores finais20, funcionando estes como contribuintes de fato do tributo, o que dá ensejo à verificação do risco de regressividade.

Desta forma, o adquirente final é o ponto crucial de verificação da seletividade, sendo ele e sua capacidade contributiva a pedra de toque do manuseio das alíquotas desses impostos (IPI e ICMS) em função da essencialidade dos produtos e dos serviços. Caso assim não o fosse, inexistiria nexo em subtributar remédios e alimentos, por exemplo, que são produtos advindos muitas vezes de empresas multinacionais com intenso poder econômico21.

Luís Eduardo Schoueri explica que a regressividade se torna patente “quando se considera que o percentual de renda destinado ao consumo é decrescente, conforme incremente a riqueza do contribuinte”22. Realmente, o indivíduo com poucos recursos gasta boa parte de sua renda com produtos necessários a sua sobrevivência, revertendo-se, pois, proporcionalmente, montante considerável de seus ganhos em tributação do consumo (renda consumida); ao passo que o sujeito abastado tende a gastar, proporcionalmente, parcela bem menor de seus rendimentos em produtos de consumo, portanto não sendo fortemente alcançado por esta pesada tributação – seus bens, via de regra, estão alçados à outra espécie de tributação, no Brasil muito menos gravosa: renda e patrimônio.

Neste tocante, a disposição de imputar a regra da seletividade para os dois principais tributos incidentes sobre o consumo, em especial ao ICMS a partir da Constituição de 1988, está no desiderato de efetivar os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva – sendo este corolário daquele23 –, dado que seria impossível aplicar esses princípios de forma direta, tal qual ocorre no Imposto de Renda, por exemplo, pois abarcaria inúmeros e indeterminados contribuintes consumidores.

Misabel Abreu Machado Derzi, ao atualizar a obra de Aliomar Baleeiro, ressalta que a seletividade consagra o princípio da capacidade contributiva, sendo obrigatória sua observância sobre os bens ou serviços de primeira necessidade24. Não obstante, Fernando Zilveti adverte a clara dificuldade em se constatar a renda disponível do contribuinte, no entanto defende a possibilidade da aplicação da capacidade contributiva para os impostos indiretos25. Deste mesmo modo, Klaus Tipke e Joachim Lang lecionam no sentido de que a capacidade contributiva se verifica nos impostos indiretos uma vez que estes tributos significam a utilização da renda26.

Em contraponto, Humberto Ávila critica a conceituação da seletividade como um desdobramento da capacidade contributiva, pois, antes disso, aquela seria a “concretização tributária da igualdade de tratamento de acordo com o parâmetro da dignidade humana”27. Ávila argumenta que a capacidade contributiva do sujeito passivo só é verificada “depois que ele já gastou com a satisfação da sua existência mínima e da sua família e com a manutenção ativa da fonte produtora de seus rendimentos”28. Para o autor, se a seletividade incorresse da capacidade contributiva existiria uma contrariedade à ordem lógica do significado normativo desta última, que se iniciaria apenas depois do consumo pelo sujeito passivo, restando, por conseguinte, o embasamento da seletividade em outros parâmetros normativos constitucionais relacionados ao dever do Estado em “estimular a obtenção de bens que sejam necessários à proteção da dignidade humana”29. Em última análise, a seletividade se relaciona com a igualdade em sua descrição de norma metódica, ou seja, de postulado normativo estruturador e aplicador dos fundamentos prescritos no contexto constitucional.

Outrossim, a Constituição de 1988 sustenta a capacidade contributiva como uma regra geral de aplicação tributária, devendo ser buscada sempre que possível (art. 145, § 1º)30, o que Regina Helena Costa interpreta ser “sempre que a hipótese material de incidência permitir a consideração de elementos pessoais”31, excetuando-se à regra aqueles tributos desnaturados da pessoalidade e, em geral, caracterizados pela extrafiscalidade, principalmente o ICMS, o IPI e os impostos sobre o comércio exterior.

A este instituto constitucional, Regiane Binhara Esturilio denomina de capacidade contributiva genérica e conclui pela sua não aplicação – pelo menos necessariamente – aos tributos indiretos. Dentre as diversas razões apresentadas, a autora vislumbra que possa até haver a vontade legislativa em remarcar a capacidade contributiva manipulando as alíquotas nos produtos e nos serviços tidos como essenciais pela sociedade, todavia os fatores de mercado podem apontar pela não aplicabilidade econômica de fato desta demonstração (ou falta) de capacidade contributiva, maculando sua operacionalização por meio da seletividade. Fica mais evidente no caso de um produto, a princípio favorecido com alíquotas diminutas em razão de sua essencialidade, ter complicados fatores mercadológicos que perpassam, inclusive, pela concorrência dos agentes produtivos, acabar por não oferecer preço satisfatoriamente baixo vis à vis a capacidade contributiva de seus consumidores32-33.

Entretanto, mesmo percebendo o relevo dos argumentos em contraponto apresentados, aduzimos que a seletividade em função da essencialidade, em primeiro lugar, é um amplo desdobramento prático da igualdade, até mesmo como admite Ávila; e em segundo lugar, permite aferir a capacidade contributiva na tributação indireta, isto porque os produtos considerados essenciais são primordiais para a subsistência de uma parcela significativa da sociedade e pela seletividade, a priori, deveriam ter diminuto gravame tributário. Assim, quem consome produtos suntuosos ou supérfluos demonstra maior capacidade contributiva e, por conseguinte, encontra-se apto a ter imputada contra si carga tributária mais elevada.

De toda sorte, Marciano Seabra de Godoi assevera que “o dever de diferenciar entre ausência e presença de capacidade contributiva está no âmago do conteúdo normativo do princípio (da seletividade)”34, no entanto o que existe de característico na seletividade é que a capacidade contributiva em que se põe evidência não é a do contribuinte de direito e sim a de um terceiro, qual seja o consumidor do bem ou do serviço tributado pelo imposto indireto. Este, inclusive, é o posicionamento consubstanciado na decisão do Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da constitucionalidade da substituição tributária. Na oportunidade, a Corte ratificou o entendimento de que a capacidade contributiva no ICMS guarda relação com o consumidor final, por ser este o contribuinte de fato do tributo35.

2.4. Seletividade e extrafiscalidade

Essa análise imbricada entre seletividade, igualdade e capacidade contributiva em breves linhas apresentada no tópico anterior, nos leva a outra ponderação relevante acerca do ICMS: a sua característica fiscal e extrafiscal (norma tributária indutora), bem como a relação dessa classificação com as análises já suscitadas neste trabalho, em especial a capacidade contributiva.

De antemão, Schoueri afirma não caber esta classificação dos tributos, pois “todos os tributos têm efeitos arrecadatório (fiscal) e regulatório (extrafiscalidade) em maior ou menor grau”36. Sendo assim, se a natureza indutora que predica os tributos extrafiscais pode ser constatada em qualquer tributo37, não cabe a esta particularidade classificá-lo. Entretanto, Diego Bomfim alerta que a diferenciação entre fiscalidade e extrafiscalidade não está veiculada aos efeitos comportamentais, na medida em que “não é capaz de diferenciar as espécies do gênero, o que torna a classificação prejudicada”38. Deveras, somente a abordagem pragmática da norma pode revelar os reais efeitos por ela gerados, isto decorre da imprevisibilidade de configurações que a norma tributária pode assumir no ambiente complexo da realidade39.

Em linhas gerais, quando se atina à função fiscal de um tributo faz-se referência à característica arrecadatória de recursos financeiros para o Estado; ao passo que a função extrafiscal diz respeito à eficácia intervencionista do tributo no domínio econômico e social, ficando a fiscalidade renegada ao segundo plano, ou melhor, como mera consequência da intervenção estatal40.

Carrazza possui forte entendimento pela caracterização do ICMS como tributo de função extrafiscal, mesmo sendo este um dos impostos mais rentáveis no ordenamento jurídico brasileiro. Na opinião do autor, o imposto adquiriu esta função a partir da regra constitucional de 1988, que pela primeira vez lhe atribuiu subordinação à seletividade. Desta forma, ao mesmo tempo em que estimula “a fazer, bem entendido, o que atende ao interesse público”; desestimula “a não fazer o que, mesmo sem tipificar um ilícito, não é útil ou conveniente ao País”41.

A posição de Carrazza é amplamente criticada por outros autores, que não vislumbram na seletividade das alíquotas do ICMS esta pretensa adequabilidade aos interesses nacionais. Mas, ao invés disso, um simples “expediente para dividir com justiça o ônus da tributação, segundo a presumida capacidade econômica dos consumidores, de modo a exigir mais de uns e menos de outros. Isso é fiscalidade pura e simples.”42

Com efeito, Leonardo Buissa Freitas esclarece que à seletividade poderia ser atribuída certa extrafiscalidade em sentido lato, no entanto restaria prejudicada a definição de norma tributária indutora. Para o autor, a fiscalidade é a função preponderante que informa a seletividade, na medida em que decorre da própria essência do tributo, visando em primeiro plano arrecadar, mas, sobretudo, distribuir os encargos fiscais na medida da capacidade contributiva43.

Neste tocante, Humberto Ávila leciona que a capacidade contributiva perfaz a limitação ao poder de tributar naqueles tributos com função fiscal, ao passo que a proporcionalidade realiza este controle naqueles com função extrafiscal44. No entanto, Buissa Freitas traz importante conclusão acerca da aplicação da capacidade contributiva nas funções fiscal e extrafiscal da seletividade:

“A capacidade contributiva, princípio fundamental do sistema tributário pátrio e informador da seletividade conforme a essencialidade deve estar sempre presente. Assim, ou está presente porque a seletividade se revela predominantemente com função fiscal, garantidora da igualdade imprescindível à consecução da justiça fiscal, num contraponto à regressividade inerente à tributação sobre o consumo, ou está presente na função extrafiscal da seletividade que demanda o exercício da ponderação entre a capacidade contributiva e os princípios da ordem econômica no afã de realizar o teste de constitucionalidade, apurando se determinada medida extrafiscal se coaduna ou não com a igualdade.”45

No que é acompanhado por Martha Toribio Leão ao defender o vínculo da extrafiscalidade e capacidade contributiva, por ser esta última o critério que indicará a riqueza tributável sem afetar o mínimo existencial ou incorrer em confiscatoriedade46. Para Schoueri, a única saída cabível é “afirmar a aplicação dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva e buscar sua compatibilidade com as normas tributárias indutoras”47.

Por fim, constata-se que a seletividade seria o meio pelo qual, nos impostos em que a personalização é inexecutável – tal qual o ICMS –, se realizaria a isonomia possível, quer adequando a tributação à capacidade econômica do contribuinte (de fato), aferida indiretamente, quer atingindo finalidades extrafiscais48, quando o imposto estimula (ou desestimula) condutas em alguns casos, sendo exemplos marcantes o desincentivo ao fumo e às bebidas alcoólicas que apresentam efeitos nocivos à saúde humana.

3. Essencialidade: conceito, limite e controle

Dizer que o ICMS será seletivo em função da essencialidade do produto ou do serviço é afirmar que, em proporção inversa, o item que obtiver alta essencialidade para o consumo popular terá sua alíquota de incidência do imposto mitigada em comparação com aqueles produtos de natureza supérflua, isto é, que atendem ao consumo de poucos, geralmente de classes mais abastadas49.

No entanto, nota-se que a complexidade ou suntuosidade não será o ponto fundamental para remarcar a essencialidade de um produto ou serviço. Com efeito, produtos altamente complexos, como a energia elétrica ou medicamentos, que demandam primaz conhecimento técnico para sua comercialização, não são considerados supérfluos – ou pelo menos assim não deveriam ser –, por abrangerem uma infinidade de consumidores que a esses produtos atribuem a essencialidade primária para consecução de sua dignidade humana.

Conforme dito anteriormente, a Constituição de 1946 (art. 15, § 1º) foi o primeiro enunciado normativo a trazer balizas do conceito de essencialidade. Na época, o constituinte estabeleceu a isenção para “os artigos que a lei classificar como o mínimo indispensável à habitação, vestuário, alimentação e tratamento médico das pessoas de restrita capacidade econômica”. De lá para os dias de hoje, ganhamos pouca objetividade nos textos constitucionais sobre a matéria, que se limitaram a instituir o imposto seletivo na medida da essencialidade, sem dar o norte necessário para a definição do que é essencial.

Em 1976, tratando sobre a seletividade do IPI na Constituição vigente à época, Ruy Barbosa Nogueira defendeu o entendimento de que a regra da seletividade deveria estar voltada à “natureza principal do produto e a sua principal finalidade”, devendo o legislador excluir ou incluir o produto na tributação do imposto, ou ainda dosá-la conforme a natureza ou finalidade do bem. De acordo com o autor, deveriam existir ao menos quatro faixas de alíquotas: a primeira, de alíquota zero ou ínfima, para os produtos de consumo popular; a segunda, proibitiva, para os artigos viciantes ou indesejáveis; a terceira, “comportável”, para os artigos de luxo ou dispensáveis; e a quarta, moderada, para as matérias-primas50.

Sob o bojo da Constituição atual, o mesmo autor ressalta, já em relação ao ICMS, que a “consideração e decisão de essencialidade no caso é matéria de política fiscal do legislador” e que a “essencialidade de mercadorias e serviços deve estar a serviço do bem comum, cujo atendimento é missão do Estado em seu todo”. Neste sentido, argumenta que a manipulação das alíquotas conforme a essencialidade não pode ser efetivada isoladamente por um Estado-membro ou Distrito Federal, mas sim pensada nos termos da Lei Complementar n. 24, de 1975, ou seja, no âmbito do CONFAZ, por ser ele o órgão constitucionalmente competente para averiguar as isenções e desonerações do imposto em consideração51.

Todavia, antes de se passar à análise da visão de outras doutrinas, imperioso que se faça uma abordagem do conceito de essencialidade como critério informador da tributação. Desta maneira, quem primeiro contribuiu para o estudo da essencialidade na Constituição de 1988 de forma mais profunda foi Henry Tilbery em artigo publicado em 1990 a convite do Prof. Ruy Barbosa Nogueira52.

Tilbery estabelece que o conceito de essencialidade, conquanto sinônimo de necessidade e indispensabilidade, está atrelado à satisfação dos imperativos do ser humano e, portanto, varia conforme o tempo e o espaço; desta feita, extremamente mutável de acordo com o ambiente proporcionado pelas perspectivas das diversas ciências, não somente a jurídica. Para tanto, o autor coteja os ensinamentos filosóficos sobre a satisfação das necessidades humanas, valendo destacar o pensamento de Jean Jacques Rousseau, o qual apontou que as novidades corriqueiramente inventadas pelo homem para tornar sua vida mais agradável, inevitavelmente geram submissão do ser a esse novo estado de conforto, criando as condições ideais para a desigualdade entre as pessoas e, paulatinamente, inaugurando um novo estado de necessidade a cada novel avanço das tecnologias e do modo de viver dos seres humanos53.

Com efeito, os fatores temporal e espacial para caracterização da essencialidade ficam claros com o célebre exemplo de Adam Smith sobre a camisa de linho e o sapato de couro e a sua teoria sobre a existência de artigos de necessidade e artigos de luxo. Entende o autor serem os artigos de necessidade não somente indispensáveis para o sustento, “mas também tudo aquilo sem o que, por força do costume do país, é indigno passarem pessoas respeitáveis, mesmo da classe mais baixa”. No exemplo, Smith expõe que o linho ainda nem existia na época dos gregos e romanos, de modo que uma camisa de linho jamais poderia figurar como bem necessário naquele tempo; por outro lado, na Europa do século XVIII seria indispensável a um trabalhador, mesmo que de baixo escalão, não portar em público camisa que não fosse de linho, pois presumiria estado de pobreza desonroso para o indivíduo “malvestido”54. No que se permite traçar um paralelo com os dias contemporâneos, onde a camisa de linho, a rigor, faz parte de indumentárias mais suntuosas, de nenhuma forma taxada como indispensável pelo cidadão médio. Daí estabelecida a dicotomia dentro do aspecto temporal entre exatamente o mesmo bem e sua necessidade para as diferentes sociedades.

Não obstante, o mesmo paralelo pode ser traçado com os sapatos de couro, mas agora em relação ao aspecto espacial da necessidade. Vejamos, pois, que Adam Smith distingue o uso do referido bem em diversos países europeus da época: na Inglaterra, era artigo de necessidade para qualquer sexo, sendo sinônimo de vergonha vir a público sem eles; na Escócia, tratava-se de um bem necessário apenas para homens, sendo plenamente cabível uma mulher não os utilizar; já na França, nem homens nem mulheres utilizavam sapatos de couro, sendo mais comum os sapatos de madeira. Em resumo, conclui o autor a respeito dos bens essenciais:

“Por artigos de necessidade entendo, pois, não somente as coisas que por natureza são necessárias para a camada mais baixa da população, mas também as que o são em virtude de leis correntes da decência. Todas as demais coisas eu as denomino artigos de luxo, sem com este termo pretender lançar a mínima censura a quem deles faz uso moderado. Denomino artigos de luxo, por exemplo, a cerveja e a cerveja inglesa (sic), na Grã-Bretanha, e o vinho, mesmo nos países produtores desse artigo. Uma pessoa de qualquer classe, sem merecer nenhuma censura, pode abster-se totalmente dessas bebidas. Por natureza, elas não são necessárias para o sustento da vida e nem o costume faz com que em parte alguma seja indigno viver sem elas.”55

Tomando em mente as lições de Rousseau e Smith, podemos delinear a seguinte situação: em um país de dimensões continentais como o Brasil, pode ocorrer o fato curioso de que ao norte, onde as temperaturas são em geral elevadas, o aparelho de ar condicionado adquira contornos de essencialidade, pois permite a consecução da dignidade visto que o corpo humano não suporta temperaturas muito altas; enquanto que no sul, de clima temperado, em certas épocas do ano perfaz o aquecedor item indispensável para promoção da mesma dignidade humana, que não tolera temperaturas congelantes. Desta feita, a ampla utilização desses equipamentos em residências brasileiras, até mesmo em decorrência da popularização desses itens, poderia ensejar, em contraponto com o que prega o senso comum, o seu deslocamento do rol de artigos de luxo para a lista de artigos de necessidade elementar do cidadão comum.

Os exemplos de Smith são, mutatis mutandis, extremamente profícuos para o entendimento da seletividade em função da essencialidade nos dias atuais e sua conclusão em muito guarda relação com o posicionamento de Henry Tilbery:

“O conceito da ‘essencialidade’ não deve ser interpretado estritamente para cobrir apenas as necessidades biológicas (alimentação, vestuário, moradia e tratamento médico), mas deve abranger também aquelas necessidades que sejam pressupostos de um padrão de vida mínimo decente, de acordo com o conceito vigente da maioria.

Consequentemente, os fatores que entram na composição das necessidades essenciais, variam de acordo com o espaço (conforme países e regiões) e o tempo (grau de civilização e tecnologia).”56

Tilbery destaca, ainda, que deve ser levada em conta a orientação político-econômica do governo que atua em determinado país, e a sua visão sobre o equilíbrio entre necessidades coletivas e bem-estar individual. Por fim, relata que, no Brasil, a seletividade constitui instrumentalidade para anivelar diferenças excessivas no consumo de diversas classes em diversificadas zonas e alcançar o desiderato de redistribuição de rendas e maior aproximação da justiça fiscal57.

Na visão de Aliomar Baleeiro, a essencialidade pode ser analisada: (i) sobre um prisma econômico, no qual fica revelada sua inspiração na utilidade marginal; e (ii) sobre um prisma político, porquanto reflete as tendências democráticas do mundo contemporâneo. Contudo, ressalta que a essencialidade faz referência à adequação do produto à vida do maior número dos habitantes do país58, o que, em certa medida, é acompanhado por Carrazza, complementando o raciocínio ao esclarecer que o ICMS, na perspectiva da seletividade em função da essencialidade, deve ser dotado do condão de atingir os objetivos da Constituição, em especial aqueles relacionados ao bem-estar e à dignidade, que são de interesse da presente e das futuras gerações59.

A consecução desses objetivos, conforme Schoueri, está voltada para o atingimento do conceito de essencialidade do ponto de vista das necessidades coletivas, em determinado ponto sopesadas – conforme determina Tilbery – com o bem-estar individual. De acordo com o autor, a conceituação do essencial depende, sobretudo, do entendimento dos objetivos e valores constitucionais, em especial da erradicação da pobreza e da marginalização (art. 3º, III), e a garantia do desenvolvimento nacional (art. 3º, II)60.

Ávila, por sua vez, conceitua o essencial como aquilo de “importância decisiva”, isto é, para a garantia e desenvolvimento das decisões valorativas constitucionais, tendo em vista que são produtos e serviços essenciais para a dignidade humana, para a vida ou para a saúde do homem61. No sentir do autor, a limitação da essencialidade remonta ao princípio maior da igualdade, no entanto predica ao conceito inevitável apreciação discricionária62.

Todavia, conquanto leciona Brito Machado, a margem de discricionariedade do legislador resta adstrita ao exame da concreção jurídica, isto é, não se aventa poder discricionário à norma constitucional da seletividade, mas tão somente se permite determinada liberdade decorrente da análise da vagueza dos conceitos das normas63.

Com efeito, a essencialidade, mesmo que envolta de pretensa discricionariedade por parte do legislador, deve respeitar certos limites informadores do texto constitucional. Segundo Lobo Torres, a essencialidade encontra limitação nos “direitos fundamentais e no próprio princípio de capacidade contributiva que governa a incidência tributária, sintetizada na igualdade fiscal64. Neste diapasão, existem no mínimo duas fronteiras de ordem constitucional a limitar a discricionariedade legislativa na averiguação da seletividade em função da essencialidade: (i) proibição de incidência regressiva, tributando por alíquotas mais elevadas os produtos e serviços mais necessários ao consumo coletivo; e (ii) proibição de discriminação entre produtos semelhantes com base em critério diverso da essencialidade do consumo65.

Ademais, ainda que haja liberdade em razão da vagueza da dicção textual ou discricionariedade por efeito da norma, não se vislumbra outra forma de realização do controle absoluto da aplicação legislativa da seletividade senão pelo Poder Judiciário. Bottallo aponta o perigo de se ter como real a premissa de que o Poder Legislativo seria o destinatário exclusivo da regra da seletividade; isto afirmaria a incompetência do exercício da jurisdição e taxaria a referida norma com simples caráter de orientação para o legislador discricionário66. Enquanto que na verdade, o entendimento correto deve ser pela inafastabilidade do controle jurisdicional em investigar o alcance da expressão normativa, cabendo a este Poder “averiguar se os critérios adotados pelo legislador foram adequados e racionais, determinando, à luz das peculiaridades do caso concreto, a adoção das medidas voltadas à correção de eventuais distorções”67.

O que se depreende, pois, é que a essencialidade como baliza informadora da regra da seletividade no ICMS está sujeita às mutações da realidade do ambiente, sendo a ela afeitas intervenções de todas as ciências humanas. Esse plexo de variações, entretanto, possui limites que remontam à ordem constitucional e seus valores consagrados, além de estar, sobremaneira, jungido ao inafastável controle judicial.

3.1. Essencialidade e energia elétrica

Sem incorrer em delongas desnecessárias ao entendimento da matéria, podemos avalizar, neste momento, que os marcos estabelecidos acima – no que tange à caracterização da essencialidade em um determinado produto ou serviço – permitem assegurar que a energia elétrica é um bem de notória essencialidade para o ser humano, portanto um artigo de necessidade.

No mundo moderno, não se pode tolerar que exista vida digna sem geladeira, iluminação artificial, ferro elétrico, ou até mesmo um chuveiro elétrico para os dias mais frios, por exemplo. Ao certo, são itens que trazem o mínimo de conforto às pessoas e, sobretudo, dignidade para a existência cotidiana. A ponto de Machado Segundo afirmar que “sem energia não há vendas, prestação de serviços ou produção. Não se vive, apenas se sobrevive, e mal.”68

Destarte, o casuísmo que uma análise subjetiva – mesmo havendo a tentativa de esclarecer de forma minimamente objetiva o conceito e critérios da essencialidade acima – poderia levar acerca da indicação ou não da energia elétrica como bem essencial69; a Lei Federal n. 7.883, de 1989, diz claramente ser a energia elétrica (produção e distribuição) serviço ou atividade considerada essencial, devendo ficar resguardada a continuidade de seu fornecimento até em decorrência de greve70.

Consequentemente, não deve haver discrepância nas alíquotas incidentes na energia elétrica, pois não importa se é destinada à residência, comércio ou indústria: a “energia elétrica é sempre essencial”71, o que independe também da quantidade que é consumida. Resta, neste sentido, imprestável o argumento de que a progressividade seria o parâmetro da justiça fiscal e método a concretizar a capacidade contributiva neste caso, alijando a seletividade a um papel acessório72.

Pois bem, se isto é verdadeiro, sob qual embasamento jurídico se fundamentam os Estados-membros e o Distrito Federal para cobrarem alíquotas desarrazoadas de ICMS sobre a energia elétrica? A nosso ver, a energia elétrica, em virtude da regra constitucional da seletividade em função da essencialidade, não pode figurar na lista de produtos com alíquotas majoradas, eis que é atributo indispensável e de extrema necessidade para a existência e subsistência do cidadão contemporâneo. Para Schoueri, esta situação causa no mínimo “estranheza”73, justamente pelo fato de o ICMS ser o tributo que prevê alíquotas mais brandas para os produtos e serviços essenciais para o consumo popular.

Ao tentar explicar este fenômeno intrigante, Godoi aponta que a justificativa real da hipótese levantada guarda relação apenas reflexa com o mundo jurídico, mas está especialmente relacionada com o escrutínio econômico. Segundo o autor, as desonerações de ICMS em decorrência da guerra fiscal entre os entes federados fizeram com que eles perdessem boa parte de sua arrecadação. Isto voltou a atenção dos Estados para as chamadas blue chips (energia elétrica, combustíveis e telecomunicações), que são setores extremamente vascularizados, abrangendo uma infinidade – quase que totalidade – de pessoas, ao mesmo tempo em que possuem baixo índice de sonegação, posto que todo o recolhimento e fiscalização do ICMS está concentrado em um número ínfimo de contribuintes de direito74.

Desta forma, os Estados puderam aliar uma política de incentivos fiscais para atrair investimentos para os seus territórios, ao mesmo tempo em que paulatinamente aumentavam a carga tributária desses itens de primeira necessidade (blue chips)75, a nosso ver ferindo a regra constitucional da seletividade em função da essencialidade.

4. ICMS sobre energia elétrica e a repercussão geral reconhecida no STF

Inauguramos este tópico com as precisas palavras de Sacha Calmon Navarro Coêlho: “adotada que seja a seletividade, tem o contribuinte o direito de provocar o Judiciário para que declare, à luz de critérios técnicos e dos aspectos sociais da Nação, se esta ou aquela mercadoria é supérflua”76. Neste diapasão, se revela mais uma vez a inafastabilidade da jurisdição para dirimir dúvidas relativas à aplicação escorreita da seletividade em mercadorias e serviços sujeitos à incidência do ICMS.

Validamente, existem duas correntes que atuam sobre a matéria do controle judicial da seletividade. A primeira, pela negativa desse controle; e a segunda, pela total possibilidade. De certo, filiamo-nos com a última, no entanto mister se mostra averiguar, ainda que brevemente, as razões de ambas.

Aqueles que defendem a impossibilidade do Poder Judiciário de se imiscuir em deliberações dos outros Poderes (Executivo e Legislativo), em especial acerca da seletividade das alíquotas de ICMS, advogam no sentido de que se assim agisse, o Judiciário violaria a separação dos Poderes (art. 2º da Constituição) e decidiria sobre matéria de viés estritamente discricionário e de competência exclusiva do legislador. A este último – e somente a ele – caberia a análise dos fatores políticos, econômicos e comerciais na indicação da alíquota adequada para determinado produto ou serviço77.

Em contraponto, aqueles que apregoam ser dever institucional do Poder Judiciário a investigação da seletividade no caso concreto, partem, sobretudo, do princípio de que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (art. 5º, XXXV, da Constituição)78. A lógica é que, “este último não possui apenas o poder, mas sim o dever de zelar pela sua (da seletividade) aplicação por meio da correção de equívocos perpetrados pelos demais Poderes na fixação das alíquotas”79.

A existência de um conteúdo mínimo da essencialidade deve ser respeitada pelo legislador na edição de normas tributárias instituidoras de alíquotas do ICMS. Alguns defendem que este conteúdo está atrelado ao salário mínimo, da feita em que deve corresponder com um valor digno de suprir as necessidades básicas do cidadão com saúde, higiene, transporte etc.80

Em complemento, Machado Segundo defende veementemente a legitimidade ativa ad causam dos consumidores de energia elétrica em propor demandas judiciais que pleiteiem a melhor aplicação da regra da seletividade em função da essencialidade, eis que são eles os contribuintes de fato do tributo. Segundo o autor, “no caso específico da energia elétrica há ainda um detalhe, que torna mais evidente a legitimidade dos consumidores: o preço é tarifado, e o imposto é juridicamente cobrado como um ‘plus’”81, isto é, os valores arrecadados a título de ICMS na fatura de energia em nenhum momento representam custo da concessionária, mas sim verdadeiro repasse integral e destacado do montante que foi meramente adiantado pela fornecedora aos cofres estaduais. Ato contínuo, este argumento consubstancia a possibilidade dos consumidores de energia elétrica, mesmo que não contribuintes do ICMS, postularem em juízo a repetição dos indébitos no caso de haver reconhecida aplicação inconstitucional de alíquota majorada do imposto para este item, contrariando o critério da essencialidade82.

Constatamos, pois, que as posições adversas aqui apresentadas se confundem em boa medida com os mesmos argumentos trazidos anteriormente a respeito do entendimento da eficácia da expressão constitucional “poderá ser seletivo” (o ICMS). E da mesma forma como lá concluímos, aqui ratificamos o nosso posicionamento de que a Carta Maior impôs aos legisladores – e a quem quer que seja – uma ordem taxativa, uma verdadeira regra constitucional (de intensa decidibilidade e baixa superabilidade) no sentido de ser a essencialidade necessariamente observada quando da disposição da seletividade das alíquotas do ICMS e, por vias de consequência, submetida a um controle por parte do Judiciário em fazer valer a prescrição da Constituição.

Tanto isso é verdade que o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a repercussão geral do tema em comento por intermédio do Recurso Extraordinário n. 714.139/SC. Trata-se, na origem, de mandado de segurança impetrado em 2010 por uma grande rede varejista brasileira no qual contesta a alíquota aplicada de ICMS na energia elétrica e nos serviços de telecomunicações pelo Estado de Santa Catarina83.

A impetrante fundamenta seu pleito no suposto desrespeito à regra da seletividade em função da essencialidade, uma vez que a lei catarinense (Lei Estadual n. 10.297, de 1996) aplica alíquota de 25% para o ICMS na energia elétrica, ao passo que a alíquota ordinária estadual remonta à casa de 17%. Requer que seja aplicada a alíquota comum em seu consumo de energia, bem como a declaração do direito de repetir os indébitos tributários dos valores recolhidos com alíquota majorada nos últimos dez anos84.

Por outro lado, a Procuradoria-Geral do Estado alega que existe impossibilidade jurídica do pedido, uma vez que, caso o pedido fosse aceito, o Poder Judiciário estaria atuando como legislador positivo, o que é incabível conforme o princípio da separação dos Poderes. No mais, argumenta que não existe vício na alíquota majorada de ICMS, pois foi um ato discricionário do legislador catarinense e este, segundo afirma a Procuradoria, teria o poder de submeter-se ou não à regra da seletividade, pois a Constituição lhe faculta esta aplicação.

Tanto o magistrado de primeira instância quanto o Tribunal de Justiça catarinense, ladeados de parecer ministerial no mesmo sentido, denegaram a segurança pretendida pela contribuinte. Aduziram em suas decisões a tese da Procuradoria de Santa Catarina, apesar de afastar o argumento da ilegitimidade ativa do consumidor final de energia elétrica. Interessante ressaltar que a Corte de segunda instância fundamentou sua decisão também no reconhecimento do caráter extrafiscal do ICMS-energia elétrica em alíquota elevada para mitigar o desperdício do produto e evitar interrupções na distribuição da energia.

Para as instâncias judiciais catarinenses, não houve desrespeito à regra da seletividade, pois, ao fim e ao cabo, a regra visa promover a igualdade tributária e a capacidade contributiva. Deste modo, a previsão na legislação estadual de alíquotas menores (12%) para consumidores residenciais de até 150kWh e para produtores e cooperativas rurais naquilo que não ultrapassar 500kWh é suficiente para celebrar a realização desses princípios. Por outro giro, a essencialidade do bem (energia elétrica), na visão da Justiça de Santa Catarina, está voltada a determinado ramo de consumidores – aqueles de baixo consumo ou localizados em áreas rurais.

Com efeito, esta não é a análise correta. Conforme elucidamos acima, a essencialidade está voltada ao produto e sua finalidade. Uma vez ser impossível a constatação individualizada da capacidade contributiva dos contribuintes de fato nos impostos indiretos (tal qual o ICMS), a seletividade se presta a esta investigação pelo critério da essencialidade. Se a energia é um bem/produto de ampla utilização, até mesmo pelas classes menos favorecidas economicamente, a ela são atribuídas as propriedades da essencialidade e, por conseguinte, a preservação de alíquotas minoradas à sua utilização, não importando qual seja o consumidor.

Em outras palavras, um produto quando de consumo mais seleto, implica sua menor disponibilidade no mercado e, via de regra, seu consumo se dá por classes mais abastadas da sociedade, o que justifica a inserção de alíquotas elevadas sobre o consumo, em apreço à capacidade contributiva. No caso em comento, justamente por tratar-se de energia elétrica, esta assertiva não se constata. Na verdade, nem mesmo é possível graduar a faixa de alíquota do ICMS em relação ao nível de consumo ou ao perfil do consumidor, pois não é a ele que a seletividade estabeleceu o parâmetro da essencialidade, mas sim ao produto ou serviço.

Inaplicável, além disso, o argumento de que a alíquota de 25% para energia elétrica se presta a reduzir o seu consumo e, ao final do dia, evitar transtornos na distribuição da rede. A extrafiscalidade defendida pelo Tribunal não se apõe desta forma, ao alvedrio do legislador. Deve existir o mínimo de embasamento técnico que justifique a norma tributária indutora, não cabendo ao magistrado ventilar este tipo de argumento sem que haja consubstanciada comprovação da consecução, ou pelo menos da vontade legislativa, desta finalidade.

Ato contínuo, o Supremo Tribunal Federal, em 2014, com base no voto do Ministro Relator Marco Aurélio Mello, reconheceu a repercussão geral da matéria no sentido de que cumpre à Corte Superior “definir a espécie, sobretudo o alcance do disposto no artigo 155, § 2º, inciso III, da Constituição Federal”, ainda mais levando em consideração que o “quadro é passível de repetir-se em inúmeros processos considerada a prática de alíquotas diferenciadas quanto a energia elétrica e serviços de comunicação”85. Figuram como amicus curiae todos os Estados da Federação e o Distrito Federal, bem como o Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal – SINDITELEBRASIL, haja vista a repercussão nacional que a decisão do STF irá proporcionar.

Por fim, o Ministério Público Federal exarou parecer a favor do pleito do contribuinte, contudo opinando pela modulação de efeitos pro futuro para a repetição dos indébitos por colocar em risco a segurança jurídica e por apresentar excepcional interesse social. A manifestação ministerial fundamenta-se no entendimento de que a Constituição estabeleceu uma ordem ao legislador estadual em relação à seletividade do ICMS, pois caso não fosse assim, inexistiria nexo por parte do constituinte em alterar o descritivo da Constituição de 1967/69 que não albergava este mandamento. Conclui que, ao tributar sobremaneira o consumidor comum de energia, “o legislador estadual criou fator de discrímen que malfere o direito do contribuinte à facilitação do acesso a esses produtos/serviços (sic)”86.

5. Conclusão

Este artigo pretendeu demonstrar que a seletividade em função da essencialidade do ICMS é, em primeiro lugar, uma norma-regra revestida de alto poder decisório e diminuta possibilidade de superação. Desta forma, esta regra constitucional, uma vez adotada pela Unidade Federativa competente para legislar sobre o tributo, vincula o legislador local à necessária observância da essencialidade do produto ou serviço, devendo a partir daí selecionar as alíquotas do imposto.

Entendemos que esta norma constitucional promove, indubitavelmente, a igualdade tributária, pois revela a realização do subprincípio da capacidade contributiva de maneira que os produtos e serviços mais essenciais ao ser humano sejam privilegiados com alíquotas mitigadas; e estes itens, via de regra, são consumidos pela ampla maioria de contribuintes das diferentes classes sociais, o que colabora ainda para diminuição da regressividade do ICMS.

Ademais, a classificação da seletividade como norma de caráter fiscal ou extrafiscal não deve ser taxativa por uma ou outra espécie. À primeira vista, a seletividade deve ser entendida como uma norma de função fiscal, pois estabelece a técnica de tributação que compõe a própria estrutura do imposto, realizando-se na forma da capacidade contributiva de observância obrigatória a todos os tributos. Entretanto, quando visa mitigar determinados consumos prejudiciais à saúde, à vida ou à consecução dos objetivos da Constituição, desestimulando-os, revela-se o caráter extrafiscal que a seletividade também pode imprimir ao imposto.

A seletividade se concretiza de diversas formas, como na alteração de alíquotas, na concessão de incentivos fiscais, na redução da base de cálculo etc.; no entanto, sempre deve obedecer ao seu critério de validação: a essencialidade, que não se confunde com discricionariedade e exclusividade do legislador estadual. Outrossim, a seletividade possui limites claros que perpassam, a nosso ver, pelas seguintes demarcações: (i) análise das regras formais do modo de realização da seletividade, como por exemplo a necessidade de aprovação de alíquotas pelo CONFAZ; (ii) verificação da capacidade contributiva na sua função fiscal, e da proporcionalidade quando adquirir características extrafiscais; (iii) proibição da regressividade; e (iv) proibição da utilização de outro critério senão a essencialidade.

Por conseguinte, a regra da seletividade está sujeita ao controle inafastável do Poder Judiciário, cabendo a ele verificar se o legislador ordinário estadual ou distrital percutiu a essencialidade na adequação das alíquotas do ICMS escolhidas em determinado produto ou serviço. Esta essencialidade reporta-se às variações e peculiaridades do momento histórico, político, social e econômico de determinada sociedade, além, é claro, de guardar estreita relação com o lugar de sua realização. Somente o exame detalhado desses parâmetros permite a apropriada imputação de natureza essencial a um produto ou serviço.

Ainda assim, o escrutínio da seletividade e de seu critério informador está sendo corriqueiramente negligenciado no processo de elaboração das normas tributárias instituidoras das alíquotas do ICMS, em especial em relação à energia elétrica. O que nos remete ao postulado do legislador coerente, cuja aplicação pressupõe justamente o exercício da coerência e a isenção de contradições pelo poder legiferante. Ora, é inconsistente pensar que a mesma instituição que assumira o compromisso de cumprir a regra da seletividade em função da essencialidade para determinado tributo depois edite uma nova norma diametralmente oposta ao sentido e ao conjunto de finalidades que a primeira regra representa.

A verdade é que o legislador ao editar diplomas normativos deverá – ou ao menos deveria – estar incumbido do ordenamento jurídico como um todo, em especial das leis que a própria instituição a que está vinculado editou, garantindo ao máximo a continuidade do raciocínio jurídico e dos objetivos por trás das normas anteriormente promulgadas, sob pena de “não só violar à noção de igualdade, como também contrariar a própria ideia de Direito”87.

No mais, a matéria encontra-se em repercussão geral no Supremo Tribunal Federal e a qualquer momento poderá encontrar – pelo menos assim esperamos – o respaldo judicial imprescindível para impelir o retorno, ou início, da apreciação consciente da relevante norma-regra constitucional da seletividade com base na essencialidade no ICMS, em particular aquele incidente sobre a energia elétrica.

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1 Artigo originalmente apresentado como trabalho de conclusão do Curso de Especialização em Direito Tributário do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT, sob a orientação da professora-assistente Martha Toribio Leão.

2 O referencial teórico utilizado neste trabalho é a doutrina contemporânea de Humberto Ávila, no entanto cumpre ressaltar a existência dos métodos clássicos de dissociação das normas, que são aqueles defendidos por Dworkin e Alexy. Sobre este tema, as diferenças doutrinárias e a proposta de Ávila ver: ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2016.

3 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 95-102.

4 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 102.

5 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 146.

6 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 131.

7 Do mesmo modo: BAINY, Alexandre Feliciano. A seletividade em função da essencialidade no imposto sobre a circulação de mercadorias e serviços (ICMS). 105f. Dissertação (Mestrado). Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2012.

8 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. ICMS: leite, crediário e micro-empresa. Revista Direito Tributário Atual v. 10. São Paulo, 1990, p. 2.945.

9 Utilizar-se-á esta forma de classificação no intuito de indicar os tributos que possuem repercussão econômica entre o contribuinte de fato e o contribuinte de direito, recaindo economicamente sobre o primeiro a hipótese jurídica de incidência tributária que obriga o segundo ao recolhimento do tributo. Críticas, ver: SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 166.

10 “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

[...]

IV – produtos industrializados;

[...]

§ 3º O imposto previsto no inciso IV:

I – será seletivo, em função da essencialidade do produto.”

11 “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

[...]

II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

[...]

§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

[...]

III – poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços.”

12 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 537.

13 Neste ponto acompanha Carrazza a doutrina de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000, p 86).

14 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 538.

15 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 31-32.

16 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 326.

17 Dentre os quais: Ives Gandra da Silva Martins (Princípios constitucionais tributários. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Caderno de Pesquisas Tributárias v. 18. São Paulo, 1993, p. 14); Ruy Barbosa Nogueira (Curso de direito tributário. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 133); e Regina Helena Costa (Princípio da capacidade contributiva. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 94).

18 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. A tributação da energia elétrica e a seletividade do ICMS. Revista Dialética de Direito Tributário n. 62. São Paulo: Dialética, 2000, p. 72.

19 Neste ponto acompanha Machado Segundo a doutrina de Regiane Binhara Esturilio (A seletividade no IPI e no ICMS. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 115).

20 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. ICMS: leite, crediário e micro-empresa. Revista Direito Tributário Atual v. 10. São Paulo, 1990, p. 2.945.

21 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 166-167.

22 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 421.

23 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional, financeiro e tributário – valores e princípios constitucionais tributários. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. v. II, p. 337.

24 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. Atualizado por Misabel Abreu Machado Derzi. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 585.

25 ZILVETI, Fernando Aurelio. Princípios de direito tributário e a capacidade contributiva. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 278. Do mesmo modo: TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 19. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2013, p. 391.

26 TIPKE, Klaus; e LANG, Joachim. Direito tributário (Steuerrecht). 18. ed. alemã. Tradução de Luiz Dória Furquim. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2008. v. I, p. 220.

27 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 458.

28 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 458.

29 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 458.

30 “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

[...]

§ 1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.”

31 COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 88.

32 ESTURILIO, Regiane Binhara. A seletividade no IPI e no ICMS. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 65 e ss.

33 Neste mesmo sentido: MOREIRA, André Mendes; e MOTTA, Thelson Barros. Seletividade do IPI e controle jurisdicional: possibilidade e limites. Revista Dialética de Direito Tributário n. 239. São Paulo: Dialética, 2015, p. 41.

34 GODOI, Marciano Seabra de. Seletividade e ICMS: para onde a Constituição de 1988 apontou e para onde a política fiscal dos Estados realmente nos conduziu. In: COÊLHO, Sacha Calmon Navarro (coord.). Código Tributário Nacional 50 anos – estudos em homenagem à Professora Misabel Abreu Machado Derzi. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 423.

35 STF. Recurso Extraordinário n. 213.396/SP, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 01.12.2000.

36 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 168.

37 Neste sentido, Alfredo Augusto Becker já previa a coexistência dos caracteres fiscal e extrafiscal nos tributos, havendo, por vezes, prevalência de um ou de outro (Teoria geral do direito tributário. 6. ed. São Paulo: Noeses, 2013, p. 640).

38 BOMFIM, Daniel. Extrafiscalidade: identificação, fundamentação, limitação e controle. São Paulo: Noeses, 2015, p. 37.

39 LEÃO, Martha Toribio. Controle da extrafiscalidade. Série Doutrina Tributária v. XVI. São Paulo: Quartier Latin/IBDT, 2015, p. 123-125.

40 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 36. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 69.

41 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 537.

42 GODOI, Marciano Seabra de. Seletividade e ICMS: para onde a Constituição de 1988 apontou e para onde a política fiscal dos Estados realmente nos conduziu. In: COÊLHO, Sacha Calmon Navarro (coord.). Código Tributário Nacional 50 anos – estudos em homenagem à Professora Misabel Abreu Machado Derzi. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 429.

43 FREITAS, Leonardo Buissa. Tributação sobre o consumo no Estado Federal, indução econômica e integração. 290f. Tese (Doutorado). São Paulo: Universidade de São Paulo 2016, p. 254.

44 ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 165-168.

45 FREITAS, Leonardo Buissa. Tributação sobre o consumo no Estado Federal, indução econômica e integração. 290f. Tese (Doutorado). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2016, p. 262-263.

46 LEÃO, Martha Toribio. Controle da extrafiscalidade. Série Doutrina Tributária v. XVI. São Paulo: Quartier Latin/IBDT, 2015, p. 113.

47 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 277.

48 MELO, José Eduardo Soares de. ICMS: teoria e prática. 12. ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 360.

49 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional, financeiro e tributário – valores e princípios constitucionais tributários. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. v. II, p. 333.

50 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. 4. ed. São Paulo: IBDT, 1976, p. 107.

51 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de direito tributário. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 133.

52 TILBERY, Henry. O conceito de essencialidade como critério de tributação. Revista Direito Tributário Atual v. 10. São Paulo, 1990, p. 2.969-3.035.

53 ROUSSEAU, Jean Jacques. On the origin of inequality. Great Books of the Western World, Encyclopedia Britannica Inc. London, 1955. v. 35, p. 352, traduzido por G. D. H. Cole para o inglês. Apud TILBERY, Henry. O conceito de essencialidade como critério de tributação. Revista Direito Tributário Atual v. 10. São Paulo, 1990, p. 2.976.

54 SMITH, Adam. A riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. Tradução de Luiz João Baraúna. São Paulo: Nova Cultural, 1996. v. II, p. 322.

55 SMITH, Adam. A riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. Tradução de Luiz João Baraúna. São Paulo: Nova Cultural, 1996. v. II, p. 322.

56 TILBERY, Henry. O conceito de essencialidade como critério de tributação. Revista Direito Tributário Atual v. 10. São Paulo, 1990, p. 3.030.

57 TILBERY, Henry. O conceito de essencialidade como critério de tributação. Revista Direito Tributário Atual v. 10. São Paulo, 1990, p. 3.031.

58 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. Atualizado por Misabel Abreu Machado Derzi. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 495.

59 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 540.

60 SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 301.

61 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 457.

62 ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 459.

63 MACHADO, Hugo de Brito. O ICMS no fornecimento de energia elétrica: questões da seletividade e da demanda contratada. Revista Dialética de Direito Tributário n. 155. São Paulo: Dialética, 2008, p. 51.

64 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional, financeiro e tributário – valores e princípios constitucionais tributários. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. v. II, p. 337.

65 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional, financeiro e tributário – valores e princípios constitucionais tributários. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2014. v. II, p. 338.

66 BOTTALLO, Eduardo Domingos. O imposto sobre produtos industrializados na Constituição. In: TÔRRES, Heleno Taveira (coord.). Tratado de direito constitucional tributário: estudos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 634.

67 BOTTALLO, Eduardo Domingos. O imposto sobre produtos industrializados na Constituição. In: TÔRRES, Heleno Taveira (coord.). Tratado de direito constitucional tributário: estudos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 634.

68 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. A tributação da energia elétrica e a seletividade do ICMS. Revista Dialética de Direito Tributário n. 62. São Paulo: Dialética, 2000, p. 73.

69 CAMPOS, Marcelo Hugo de Oliveira. A seletividade do ICMS incidente sobre o fornecimento de energia e serviço de comunicação. Revista Dialética de Direito Tributário n. 239. São Paulo: Dialética, 2015, p. 109.

70 “Art. 10. São considerados serviços ou atividades essenciais: I – tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;”

71 BERGAMINI, Adolpho. O ICMS, o princípio da seletividade, os serviços de comunicação e o fornecimento de energia elétrica. In: CARVALHO, Antonio Augusto Silva Pereira de; e FERNÁNDEZ, German Alejandro San Martín (coord.). Estudos em homenagem a José Eduardo Monteiro de Barros: direito tributário. São Paulo: MP, 2010, p. 65.

72 Defende a progressividade nas alíquotas da energia elétrica: CONTINENTINO, Marcelo Casseb. A seletividade do ICMS incidente sobre energia elétrica e a constitucionalidade da graduação de alíquotas segundo o princípio da capacidade contributiva. Revista Dialética de Direito Tributário n. 141. São Paulo: Dialética, 2007, p. 115.

73 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 421.

74 GODOI, Marciano Seabra de. Seletividade e ICMS: para onde a Constituição de 1988 apontou e para onde a política fiscal dos Estados realmente nos conduziu. In: COÊLHO, Sacha Calmon Navarro (coord.). Código Tributário Nacional 50 anos – estudos em homenagem à Professora Misabel Abreu Machado Derzi. Belo Horizonte: Fórum, 2016, p. 438-439.

75 Godoi explica que “no Paraná, por exemplo, a arrecadação com combustíveis, energia e telecom representava 22% da arrecadação total em 1990, passando para 56% em 2005. No Brasil, a arrecadação com as blue chips representava 32% do total arrecadado em 1997, e mais de 45% do total arrecadado em 2007. Ainda, [...] cerca de 2/3 da receita do ICMS provém de atividades que respondem por algo em torno de 20% do PIB nacional [...] isso se tornou possível porque a carga tributária aplicada a essa parcela do PIB é maior do que o dobro da suportada pelas demais.” (Op. cit., p. 438)

76 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. 14. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 326.

77 MOREIRA, André Mendes; e MOTTA, Thelson Barros. Seletividade do IPI e controle jurisdicional: possibilidade e limites. Revista Dialética de Direito Tributário n. 239. São Paulo: Dialética, 2015, p. 45.

78 CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 542.

79 MOREIRA, André Mendes; e MOTTA, Thelson Barros. Seletividade do IPI e controle jurisdicional: possibilidade e limites. Revista Dialética de Direito Tributário n. 239. São Paulo: Dialética, 2015, p. 45.

80 MOREIRA, André Mendes; e MOTTA, Thelson Barros. Seletividade do IPI e controle jurisdicional: possibilidade e limites. Revista Dialética de Direito Tributário n. 239. São Paulo: Dialética, 2015, p. 45.

81 MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. A tributação da energia elétrica e a seletividade do ICMS. Revista Dialética de Direito Tributário n. 62. São Paulo: Dialética, 2000, p. 75.

82 MACHADO, Hugo de Brito. O ICMS no fornecimento de energia elétrica: questões da seletividade e da demanda contratada. Revista Dialética de Direito Tributário n. 155. São Paulo: Dialética, 2008, p. 55.

83 De antemão, traçamos duas premissas metodológicas: (i) esta análise não engloba o serviço de telecomunicações, haja vista o escopo principal do presente trabalho ser a energia elétrica, no entanto, grosso modo, entendemos que os argumentos elencados durante todo o texto poderiam ser aplicados a este setor também; e (ii) não é, de forma alguma, o intuito deste trabalho averiguar as questões processuais da demanda, fazendo referência apenas aos procedimentos indispensáveis ao entendimento do caso concreto pelo leitor.

84 STF. Recurso Extraordinário n. 714.139/SC, Rel. Min. Marco Aurélio. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=4307031>. Acesso em: 15 dez. 2016.

85 STF. Op. cit., DOC. 48. Acesso em: 20 dez. 2016.

86 STF. Op. cit., DOC. 59. Acesso em: 20 dez. 2016.

87 ÁVILA, Humberto. O “postulado do legislador coerente” e não-cumulatividade das contribuições. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Grandes questões atuais do direito tributário. São Paulo: Dialética, 2007, p. 179.