Utilização do Decreto como Veículo para reduzir e restabelecer as Alíquotas do PIS/PASEP e da COFINS sob o Prisma da Legalidade Tributária e da Segurança Jurídica

The Usage of Decrees as a Vehicle to reduce and re-establish the Rates of the Social Contributions PIS/PASEP and COFINS in the Light of Tax Legality and Legal Certainty

Fabrício José Polli Griebeler

Graduado em Direito pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT. Advogado em São Paulo (SP). E-mail: fabriciopolli@gmail.com.

Resumo

O presente artigo visa chamar a atenção dos intérpretes e aplicadores do Direito Tributário para a adoção, cada vez mais frequente, de medidas normativas sutis e insidiosas que acabam por colocar em risco uma das mais importantes garantias fundamentais dos contribuintes, o princípio da legalidade tributária, tomando por pano de fundo a majoração, pelo Decreto n. 8.426/2015, das alíquotas da contribuição ao PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de não cumulatividade das aludidas contribuições, bem como avaliar, in concreto, a possibilidade de atuação do Poder Judiciário para restaurar a situação de legalidade da exigência destas contribuições e, simultaneamente, resguardar a segurança jurídica, em sua dimensão de proteção da confiança legítima dos contribuintes.

Palavras-chave: princípio da legalidade tributária, segurança jurídica, contribuições, receitas financeiras, não cumulatividade.

Abstract

This article aims at calling tax law practitioners attention to the increasingly often adoption of subtle and insidious normative measures that are able to undermine one of the most important taxpayers guarantees, the principle of legality in tax matters, by taking as background the Federal Decree n. 8.426/2015, which increased the rates of the contributions PIS/PASEP and COFINS levied on financial revenues earned by legal entities that are subject to the non-cumulativeness regularion of these contributions, as well as concretely assessing the ability of Judiciary to restore the situation of legality on the charge of the alluded contributions, and simultaneously safeguard legal certainty in its dimension of protection of legitimate expectations of taxpayers.

Keywords: principle of legality in tax matters, legal certainty, contributions, financial revenues, non-cumulativeness.

Introdução

Em meio à grave situação econômica, financeira e orçamentária por que passa, contemporaneamente, o Estado brasileiro, amplamente noticiada nos mais diversos veículos de comunicação e de sobejo conhecido e sentido pelos cidadãos, o Poder Executivo federal editou o Decreto n. 8.426/2015, revogando o Decreto n. 5.442/2005, que havia determinado a redução a zero das alíquotas da contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/PASEP) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) incidentes sobre receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de não cumulatividade das aludidas contribuições – redução que já havia sido fixada anteriormente pelo Decreto n. 5.164/2004, embora de forma menos abrangente –, e, adicionalmente, fixando as alíquotas destas contribuições em 0,65% e 4%, respectivamente. O aumento de carga tributária gerado por tal ato normativo foi parte integrante do pacote de medidas do Governo Federal a que se deu a alcunha de “ajuste fiscal” das contas públicas, implementado com o objetivo precípuo de aumentar a arrecadação estatal e reduzir o déficit fiscal.

O manejo de alíquotas promovido pelo Poder Executivo federal através da edição dos Decretos em questão encontraria suposto fundamento de validade no art. 27, § 2º, da Lei n. 10.865/2004, dispositivo que facultou à Administração Pública reduzir e restabelecer, até o limite dos percentuais referidos nos incisos I e II do art. 8º do mesmo diploma legal1, as alíquotas do PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre as receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas submetidas ao regime de não cumulatividade destas contribuições, nas hipóteses a serem fixadas, de igual modo, pelo Poder Executivo federal.

Imediatamente após a edição do Decreto n. 8.426/2015, e mesmo antes do início da produção dos efeitos de suas disposições – o que se deu somente após o decurso de 90 dias da data da publicação deste ato normativo, em obediência à anterioridade nonagesimal (art. 195, § 6º, da Constituição Federal) –, diversas pessoas jurídicas que auferem receitas financeiras buscaram a proteção do Poder Judiciário, com o objetivo de não se sujeitarem ao aumento das alíquotas do PIS/PASEP e da COFINS promovido pelo aludido Decreto, bem como de manterem suas receitas financeiras livres de tributação, exatamente conforme dispunha o Decreto n. 5.442/2005. O principal fundamento para a tutela pretendida por tais contribuintes é a alegada violação ao princípio da legalidade tributária, insculpido no art. 150, inciso I, do texto constitucional, e detalhado no art. 97 do Código Tributário Nacional, cujo comando impediria o Poder Executivo de aumentar alíquotas de tributos mediante decretos regulamentares.

Instaurada a controvérsia entre os contribuintes e a Fazenda Pública federal, uma análise apressada poderia levar ao entendimento de que o problema seria imediata e facilmente solucionado pelos tribunais em favor dos primeiros, já que o Poder Executivo, de forma alguma, poderia se valer do decreto como instrumento para majorar a alíquota de contribuições sociais como o PIS/PASEP e a COFINS, dada a natureza tributária destas e a proibição cogente de que os entes tributantes venham a “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”, entendida tal lei como ato normativo emanado do Poder Legislativo ou como ato que, embora não emanado do legislador, seja dotado de força de lei – tal como a medida provisória.

Contudo, muito embora seja imediata, em nosso sentir, a constatação de que o aumento de alíquotas operado pelo Decreto n. 8.426/2015 implica severa vulneração do princípio da legalidade tributária, uma análise sistemática das normas jurídicas envolvidas e da evolução da tributação sobre as receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de não cumulatividade do PIS/PASEP e da COFINS revela que o tema, longe de ser facilmente solucionável, é dos mais intrincados do Direito Tributário brasileiro nos últimos tempos. Afinal, se a legalidade tributária, para além de representar forte limitação constitucional ao poder de tributar, exige que todos os critérios da regra-matriz de incidência tributária sejam descritos diretamente pelo Poder Legislativo, não seriam inconstitucionais, também, os Decretos n. 5.164/2004 e n. 5.442/2005, que fixaram a redução a zero das alíquotas dessas contribuições? Reconhecida a inconstitucionalidade desta redução, seria juridicamente possível que os contribuintes pleiteassem o retorno à situação de alíquota zero havida até o início da produção de efeitos do Decreto n. 8.426/2015? Haveria a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal pôr em prática o controle concentrado de constitucionalidade para expurgar da ordem jurídica todos esses Decretos, sem descurar da tutela da confiança dos contribuintes, que seguiram orientação normativamente fixada pela própria Administração?

É com o objetivo de responder criticamente a tais questionamentos que o presente estudo está dividido em três partes fundamentais.

Na primeira parte, analisar-se-á a evolução normativa da tributação pelo PIS/PASEP e pela COFINS não cumulativos, passando pelas modificações introduzidas na Carta Magna de 1988 e a edição das Leis n. 10.637/2002 e n. 10.833/2003, até se chegar à edição da Lei n. 10.865/2004, por meio da qual o legislador delegou ao Poder Executivo a aptidão para reduzir e restabelecer as alíquotas das referidas contribuições incidentes sobre receitas financeiras auferidas por pessoas jurídicas submetidas ao regime não cumulativo, o que foi posto em prática, posteriormente, com os Decretos n. 5.164/2004, n. 5.442/2005 e n. 8.426/2015.

A segunda parte deste estudo será voltada para a análise teórica do conteúdo do princípio da legalidade tributária no ordenamento jurídico-tributário brasileiro, com a oportuna menção a situações concretas em que o referido comando foi sutilmente violado por meio da delegação de competência legislativa acerca de aspectos que, obrigatoriamente, requerem a edição de lei. Neste momento, constatar-se-á que, ante a rígida separação de Poderes do Estado brasileiro, a legalidade tributária, mais do que exigir a criação de normas jurídicas gerais e abstratas para descrever os critérios do antecedente e do consequente da regra-matriz de incidência, implica verdadeira reserva absoluta de lei material e formal, de modo que somente leis emanadas do Poder Legislativo ou atos do Poder Executivo com força de lei terão aptidão para, validamente, dispor sobre a matéria tributária em caráter inovador.

Finalmente, na terceira e última parte do estudo, seguindo lição de Paulo de Barros Carvalho, para quem “qualquer trabalho jurídico de pretensões científicas impõe ao autor uma tomada de posição no que atina aos conceitos fundamentais da matéria em que labora, para que lhe seja possível desenvolver seus estudos dentro de diretrizes seguras e satisfatoriamente coerentes”2, esboçar-se-á uma proposta de solução aos intrincadíssimos questionamentos colocados acima, sem se deixar de apreciar a forma como a jurisprudência pátria vem se manifestando nos casos concretos envolvendo o Decreto n. 8.426/2015 levados ao Poder Judiciário. Por ora, adianta-se que, independentemente da solução a ser proposta, esta terá, necessariamente, de resguardar ao máximo a legalidade tributária e a segurança jurídica, como direitos fundamentais dos contribuintes, próprios do Estado Democrático de Direito.

Importante ressaltar que este estudo tem por objetivo principal lançar luz sobre a vulnerabilidade dos contribuintes diante do arbítrio da Administração Pública estimulado pelo absenteísmo do Poder Legislativo em regular a matéria tributária, sem quaisquer pretensões de esgotamento do tema ou de oferecimento de respostas definitivas e absolutas. Pelo contrário, a partir de uma proposta de solução, novas e mais complexas questões podem ser levantadas, demandando esforço contínuo e cada vez maior dos intérpretes e aplicadores do Direito, em um desafio que impõe dificuldades, mas que, simultaneamente, enriquece a ciência jurídica. A proposta de solução apresentada nesta sede, portanto, se ao menos conseguir chamar a atenção para o risco de desmoronamento de garantias fundamentais tão arduamente conquistadas pelos cidadãos, já terá sido de grande valia.

1. Evolução da Tributação da Totalidade de Receitas pelo PIS/PASEP e pela COFINS

A incidência do PIS/PASEP e da COFINS sobre a totalidade das receitas auferidas pelas pessoas jurídicas, independentemente de sua denominação ou classificação contábil, e, em especial, das receitas financeiras, teve sua origem a partir da modificação promovida pela Emenda Constitucional n. 20, de 15 de dezembro de 1998, por meio da qual o constituinte derivado alterou a redação original do art. 195 da Constituição Federal de 1988, introduzindo em seu inciso I a alínea “b”, da qual se passou a extrair a possibilidade de adoção da receita ou do faturamento como materialidades aptas a permitir tributação por contribuições sociais “do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei”.

Até o advento da Emenda Constitucional n. 20/1998, o constituinte admitia, ao lado da folha de salários e do lucro, a adoção do faturamento como materialidade econômica sobre a qual poderiam recair contribuições sociais dos empregadores, entendida tal materialidade como sinônimo de receita bruta, dentro da qual estariam inseridos o produto das vendas de bens em operações de conta própria e das prestações de serviços, os resultados auferidos em operações de conta alheia e demais receitas decorrentes da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica, consoante o disposto no art. 12 do Decreto-lei n. 1.598/1977. Buscava-se, assim, a tributação de receitas operacionais, isto é, decorrentes da atividade econômica própria de cada pessoa jurídica.

Não obstante a delimitação legal do conceito de faturamento, o legislador ordinário, menos de um mês antes da alteração constitucional promovida pela Emenda Constitucional n. 20/1998, pretendeu alargar o referido conceito por meio da edição da Lei n. 9.718/1998. Embora o caput do art. 3º desta Lei tenha confirmado a sinonímia entre os termos “faturamento” e “receita bruta”, o seu § 1º definiu esta última como “a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas”. Ou seja, não apenas as receitas operacionais estariam abrangidas por tal conceito, como antes ocorria, mas também receitas não operacionais, decorrentes de atos estranhos ao objeto social da pessoa jurídica, tais como indenizações e ganhos obtidos em bolsas de valores ou em aplicações financeiras de renda fixa.

Esta ampliação do conceito de faturamento promovida pelo § 1º ao art. 3º da Lei n. 9.718/1998 mereceu severa crítica de Ives Gandra da Silva Martins, Fátima Fernandes Rodrigues de Souza e Cláudia Fonseca Morato Pavan3. Afinal, à época da edição da mencionada Lei, o art. 195 da Constituição Federal ainda não havia sido alterado para permitir que a totalidade das receitas auferidas fosse adotada como materialidade apta a ensejar a incidência do PIS/PASEP e da COFINS, de modo que apenas o faturamento, entendido como conjunto de receitas operacionais, tal qual definido pelo direito privado, é que poderia ser validamente tomado como referencial pelo legislador ordinário, em obediência à Lei Maior e ao art. 110 do Código Tributário Nacional4. Tais críticas reverberaram na jurisprudência dos tribunais pátrios, o que culminou com a declaração de inconstitucionalidade do § 1º do art. 3º da Lei n. 9.718/1998 pelo Supremo Tribunal Federal, mesmo após o advento da Emenda Constitucional n. 20/1998, já que, no entendimento do Pretório Excelso, não haveria que se falar em constitucionalização superveniente deste dispositivo legal5.

Antes mesmo de ver frustrada a tentativa de ampliação do conceito de faturamento, e após a entrada em vigor das alterações promovidas pela Emenda Constitucional n. 20/1998, o legislador ordinário trouxe a lume as Leis n. 10.637/2002 e n. 10.833/2003, responsáveis por instituir e regular o regime de não cumulatividade do PIS/PASEP e da COFINS, respectivamente, permitindo a determinados sujeitos passivos o desconto de créditos oriundos de certas despesas incorridas no decurso da atividade econômica. Pouco depois da instituição deste novo regime, o constituinte derivado promoveu, por meio da Emenda Constitucional n. 42/2003, a inclusão do § 12 ao art. 195 da Constituição Federal de 1988, facultando ao legislador a definição dos setores da atividade econômica para os quais se aplicaria o regime de não cumulatividade das contribuições, com o objetivo precípuo, segundo Luís Eduardo Schoueri e Matheus Cherulli Alcantara Viana6, de evitar que os contribuintes questionassem a constitucionalidade desse novo regime, já criado previamente pelo legislador ordinário.

Muito embora o regime de não cumulatividade do PIS/PASEP e da COFINS fosse antigo anseio dos contribuintes, prejudicados pelas consequências negativas da incidência em cascata destas contribuições, sua instituição pelas Leis n. 10.637/2002 e n. 10.833/2003 não escapou de críticas. Afinal, além de permitirem o desconto de créditos decorrentes de certas despesas incorridas pelos sujeitos passivos, estas Leis promoveram significativa elevação das alíquotas das contribuições, com a alíquota do PIS/PASEP passando de 0,65% para 1,65% e a alíquota da COFINS passando de 3% para 7,6%. Para agravar ainda mais a situação dos contribuintes, o legislador alterou a materialidade das contribuições no regime não cumulativo, passando estas a incidir sobre todas as receitas da pessoa jurídica (operacionais e não operacionais), pouco importando sua denominação ou classificação contábil. Estava criado, assim, um regime de apuração das contribuições que permitia o desconto de créditos, mas que, em contrapartida, aumentava brutalmente suas bases de cálculo e suas alíquotas.

Com o alargamento da materialidade sobre a qual poderiam incidir o PIS/PASEP e a COFINS, passou-se a cogitar da tributação das chamadas receitas financeiras, como espécie de receita não operacional das pessoas jurídicas não enquadradas como instituições financeiras. Muito embora as Leis n. 10.637/2002 e n. 10.833/2003 não tenham trazido nenhuma delimitação conceitual, a legislação do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas já trazia definição denotativa sobre o que deveria ser considerado receita financeira. Com efeito, o art. 17 do Decreto-lei n. 1.598/1977, inserido na Subseção I da Seção II do Capítulo II do diploma, intitulada “Receitas e Despesas Financeiras”, a despeito de não afirmar o que seriam receitas financeiras, elenca os juros, os rendimentos oriundos de desconto de títulos, o lucro na operação de reporte e os rendimentos de aplicações financeiras de renda fixa como espécies de ganhos de natureza financeira. Em complemento a tal dispositivo, o art. 9º da Lei n. 9.718/1998 também incluiu entre as receitas financeiras as variações monetárias dos direitos de crédito do contribuinte, em função da taxa de câmbio ou de índices ou coeficientes aplicáveis por disposição legal ou contratual7.

Ao operacionalizar o regime de não cumulatividade do PIS/PASEP e da COFINS, o art. 3º das Leis n. 10.637/2002 e n. 10.833/2003 elencou uma série de materialidades que poderiam gerar créditos para os sujeitos passivos, dentre as quais se destacavam, como contrapartida pela incidência das contribuições sobre receitas financeiras, as despesas financeiras decorrentes de empréstimos e financiamentos de pessoa jurídica, nos termos da redação original do inciso V do aludido dispositivo, comum a ambas as Leis. Conforme apontado por Daniel Serra Lima8, tais dispêndios se afiguram essenciais e indispensáveis a qualquer atividade econômica, porquanto permitem que as empresas utilizem capital de terceiros para a realização de novos investimentos e obtenham capital de giro em momentos de contração da demanda. Some-se a isso o incremento de fluxo de caixa para atividades corriqueiras, como o pagamento de funcionários, contas, tributos e outras despesas comuns a toda e qualquer pessoa jurídica.

Entretanto, pouco tempo depois da criação do regime não cumulativo, foi editada a Lei n. 10.865, de 30 de abril de 2004, que aprofundou ainda mais a complexidade e a instabilidade da legislação do PIS/PASEP e da COFINS, promovendo significativa alteração na tributação das receitas financeiras e na apuração de créditos decorrentes de despesas financeiras. Em primeiro lugar, os arts. 21 e 37 da mencionada Lei deram nova redação ao inciso V do art. 3º das Leis n. 10.833/2003 e n. 10.637/2002, respectivamente, para excluir da possibilidade de creditamento as despesas financeiras decorrentes de empréstimos e financiamentos de pessoa jurídica. Adicionalmente, o caput do art. 27 da Lei n. 10.865/2004 atribuiu competência ao Poder Executivo para conceder os mesmos créditos que foram excluídos do inciso V do art. 3º das Leis n. 10.637/2002 e n. 10.833/2003. Por último, o § 2º do art. 27 transferiu ao Poder Executivo a aptidão para reduzir e restabelecer as alíquotas do PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre receitas financeiras, até os percentuais constantes dos incisos I e II do art. 8º da própria Lei n. 10.865/2004.

Na sequência das concessões feitas pelo legislador, o Poder Executivo editou o Decreto n. 5.164, de 30 de julho de 2004, cujo art. 1º, caput, reduziu a zero as alíquotas do PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre as receitas financeiras das pessoas jurídicas sujeitas à apuração não cumulativa das contribuições. O parágrafo único do mesmo artigo excluiu da incidência do caput as receitas financeiras decorrentes de juros sobre capital próprio e as decorrentes de operações de hedge, enquanto que o art. 2º estendeu a alíquota zero às receitas financeiras auferidas por pessoas jurídicas que tivessem apenas parte de suas receitas sujeita à não cumulatividade. Pouco menos de um ano depois, foi editado o Decreto n. 5.442, de 9 de maio de 2005, que, a despeito de revogar o Decreto n. 5.164/2004, manteve a alíquota zero inicialmente fixada por este e, além disso, estendeu-a às receitas financeiras auferidas em operações realizadas para fins de hedge, permanecendo apenas a exclusão das receitas decorrentes de juros sobre capital próprio.

Durante praticamente uma década, as pessoas jurídicas submetidas ao regime não cumulativo do PIS/PASEP e da COFINS, embora não pudessem mais aproveitar créditos sobre despesas financeiras com empréstimos e financiamentos de pessoa jurídica – já que o Poder Executivo jamais se valeu da outorga de competência atribuída pelo legislador no caput do art. 27 da Lei n. 10.865/2004 –, mantiveram suas receitas financeiras a salvo da tributação, sem maiores discussões quanto à legalidade desta desoneração. Tal panorama somente veio a se modificar com a publicação, em 1º de abril de 2015, do Decreto n. 8.426/2015, que revogou o Decreto n. 5.442/2005 e aumentou as alíquotas do PIS/PASEP e da COFINS para 0,65% e 4%, respectivamente, com fundamento no § 2º do art. 27 da Lei n. 10.865/2004.

Antes mesmo do decurso do prazo de 90 dias previsto no § 6º do art. 195 da Constituição Federal de 1988 para o início da incidência das contribuições sobre as receitas financeiras, diversos contribuintes ingressaram em juízo para contestar a constitucionalidade e a legalidade do Decreto n. 8.426/2015. Fulcrados na dicção do art. 150, inciso I, da Lei Maior, e no art. 97 do Código Tributário Nacional, afirmam que este incremento de um dos elementos do critério quantitativo da regra-matriz de incidência promovido pelo Poder Executivo não poderia subsistir, uma vez que somente a lei em sentido formal, como ato emanado do Poder Legislativo, ou ato normativo com força de lei, poderia promover o aumento de tributos.

Em meio ao intenso debate jurisprudencial que se vai formando ao longo da controvérsia, e já adiantando posicionamento a ser aprofundado adiante, quer-nos parecer que a delegação de competência tributária promovida pelo legislador ordinário em favor da Administração Pública para tratar de aspectos ligados ao surgimento da obrigação tributária não encontra respaldo constitucional. De fato, a legalidade em matéria tributária possui um sentido mais amplo do que a legalidade genérica estatuída no art. 5º, inciso II, da Constituição Federal de 1988, deixando ao Poder Executivo um espaço reduzidíssimo de atuação no campo tributário, restrito à mera execução e regulamentação das normas postas pelo legislador.

Cumpre-nos, assim, aprofundar a análise do conteúdo do princípio da legalidade tributária, como garantia fundamental dos contribuintes inserida no Estado Democrático de Direito.

2. Princípio da Legalidade Tributária, Reserva de Lei e Indelegabilidade da Competência Legislativa para disciplinar a Matéria Tributária

2.1. Autotributação e separação dos Poderes do Estado

É ponto comum entre os estudiosos que se dedicaram a pesquisar as origens do princípio da legalidade tributária a afirmação de que o seu surgimento possui íntima ligação com a ideia de autotributação, fundamentada na exigência de que os destinatários das exações tributárias, diretamente ou através de organismos de representação, manifestem seu consentimento prévio à cobrança de tributos pelo Estado. Em meio a um rico apanhado histórico sobre o assunto, Luís Eduardo Schoueri9 relata que esta ideia é, inclusive, anterior à Magna Charta de 1215, assinada na Inglaterra pelo Príncipe João-Sem-Terra, documento no qual se consagrou a famosa máxima “no taxation without representation”, simbolizando, justamente, a noção de que os súditos tinham o direito de concordar com a tributação, rejeitando-se, por conseguinte, o uso da força e de imposições unilaterais por parte dos governantes.

Tamanha é a importância da legalidade em matéria tributária, como sacrifício coletivamente consentido pelos contribuintes, que, mesmo sob formas de organização da sociedade não pautadas nos cânones político-filosóficos do Estado de Direito, tal princípio não deixou de ser reconhecido pelos governantes, conforme apontado por Alberto Xavier em clássica obra sobre o tema10. O saudoso mestre luso-brasileiro afirma que, desde o século XI, os povos europeus já haviam assimilado, em definitivo, a ideia de que os tributos não poderiam ser cobrados sem lei anterior que fixasse sua cobrança, sendo que a Magna Charta de 1215 teria apenas cristalizado formalmente uma prática que já vinha sendo observada em caráter consuetudinário naquele continente11.

Assentada a noção de que o princípio da legalidade tributária exprime o consentimento dos contribuintes em transferir parte de sua riqueza para a cobertura das despesas estatais, manifestado, via de regra, através de órgãos legislativos de representação, percebe-se, com clareza, que tal princípio se encontra profundamente ligado à ideia de separação dos Poderes do Estado, variando o seu conteúdo e suas consequências conforme o maior ou menor grau de rigidez desta separação.

Luís Eduardo Schoueri12 evidencia a relação entre a legalidade tributária e a separação entre o Executivo e o Legislativo ao realizar um exame comparativo entre os regimes parlamentarista e presidencialista. Com efeito, no parlamentarismo, a separação entre estes dois poderes estatais não é tão acentuada, já que o Executivo se encontra, em boa medida, subordinado à maioria formada no âmbito do Parlamento (Legislativo), o que se reflete, em matéria tributária, na possibilidade de que este último apenas autorize, de forma genérica, a instituição de tributos, deixando a cargo do Executivo a sua descrição pormenorizada. De outra parte, no regime presidencialista, a separação entre Executivo e Legislativo é bem mais acentuada do que no parlamentarismo, uma vez que os membros de ambos os poderes são eleitos pelos cidadãos e, portanto, não se pode falar em predominância do segundo sobre o primeiro: há, antes, um sistema de freios e contrapesos que, em matéria tributária, confere exclusivamente ao Legislativo a definição das situações que darão azo à tributação, cabendo ao Executivo apenas promulgar a lei tributária, como expressão do consenso entre os poderes.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 consagra expressamente a separação entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário da União em seu art. 2º, impondo, ainda, que estes sejam independentes e harmônicos entre si, impossibilitando a subordinação de um Poder a outro. A rigidez desta verdadeira divisão de tarefas é confirmada no art. 60, § 4º, inciso III do diploma constitucional, que atribui à separação de poderes o qualificativo de cláusula pétrea, vedando sua supressão pelo constituinte derivado.

Esta separação rigorosa de Poderes, aliada à formatação constitucional de um regime de governo presidencialista, permite concluir que, no âmbito do ordenamento constitucional pátrio, a criação de normas jurídicas tem sua origem, via de regra, em atos emanados pelo Poder Legislativo, exercido, no âmbito federal, pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, restando ao Poder Executivo, chefiado e comandado pelo Presidente da República, a simples tarefa de executar e regulamentar o direito posto pelo legislador.

2.2. Distinção entre a legalidade genérica do art. 5º, inciso II, da Constituição Federal, e a legalidade tributária do art. 150, inciso I

A Constituição Federal de 1988 consagra em seu art. 5º, inciso II, um dos mais importantes direitos fundamentais dos indivíduos, ao afirmar que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Por meio deste dispositivo, consagra-se a lei como a fonte primordial de criação de obrigações em todos os setores da vida social, denotando a opção do constituinte por um Estado Democrático de Direito.

A leitura sistemática do texto constitucional permite verificar que o termo “lei” citado no inciso II do art. 5º deve ser interpretado em seu sentido amplo, abrangendo todas as espécies de atos normativos decorrentes do processo legislativo a que alude o art. 59 da Constituição. Assim, têm aptidão para criar obrigações em face dos indivíduos as emendas constitucionais, as leis complementares, as leis delegadas, as medidas provisórias, os decretos legislativos e as resoluções. Todos esses atos, à exceção das medidas provisórias, possuem a característica comum de se tratar de atos de competência do Poder Legislativo da União, a quem cabe o poder de imposição de condutas aos cidadãos por meio de normas jurídicas. Por outro lado, o Presidente da República, na qualidade de chefe do Poder Executivo da União, possui, conforme o inciso IV do art. 84 da Constituição, a competência para expedir decretos e regulamentos para a fiel execução dos atos normativos emanados pelo Poder Legislativo, sendo-lhe vedado dispor em sentido contrário ou ir além daquilo que foi consignado pelo legislador.

A necessidade de lei (em sentido lato) para a criação de obrigações impostas aos cidadãos, contudo, não significa que o Poder Legislativo deva, necessariamente, descer a minúcias em toda e qualquer regulação normativa. Com efeito, conforme ressaltado por Alberto Xavier13, a expressão “em virtude de lei”, constante do inciso II do art. 5º da Lei Maior, abre caminho para que o legislador, por meio de lei, não apenas regule completamente todos os casos em que as pessoas são obrigadas a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, mas também para que, quando possível, simplesmente autorize o Poder Executivo a estabelecer tais limitações por via regulamentar, em atenção ao comando do legislador. Trata-se daquilo que o próprio Alberto Xavier chamou de preeminência da lei, ou seja, a exigência de que as obrigações impostas aos cidadãos tenham fundamento imediato ou mediato na lei, permitindo-se, neste último caso, que o legislador, delegando sua competência legislativa, conceda ao Poder Executivo a faculdade de regular tais obrigações, dentro dos limites fixados pelo legislador.

Do ponto de vista prático, a ideia de se exigir a simples preeminência de lei parece interessante, porquanto a morosidade e o excessivo formalismo do processo legislativo depõem contra a necessidade de flexibilização e agilidade no disciplinamento jurídico de certas realidades da vida humana. Exemplificando esta situação, Luís Eduardo Schoueri14 aduz que, no campo do Direito Econômico, cuja realidade é profundamente dinâmica, as leis devem ser dotadas de flexibilidade e mobilidade para permitir rápidas intervenções em função de alterações na conjuntura econômica, sendo esta a razão de ser da norma contida no art. 174 do texto constitucional, que, ao tratar da intervenção do Estado no Domínio Econômico, determinou que “o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento”, ordenando que o legislador apenas estabeleça a forma como a intervenção se dará, mas sem exigir que cada intervenção concreta do Estado se dê por uma lei distinta, bastando a edição de atos regulamentares pelo Poder Executivo, dentro dos limites e condições colocados pela lei.

Entretanto, se é certo que, para algumas realidades, a simples preeminência da lei é mais adequada para atender aos desígnios constitucionais, por ampliar o espectro de atuação do Estado-administrador diante de questões que demandam rápidas ações positivas, o mesmo já não se pode dizer em relação à seara tributária. Afinal, a tributação, como forma de apropriação de recursos dos particulares para o custeio das despesas estatais, representa importante limitação do direito de propriedade, constitucionalmente protegido no art. 5º, inciso XXII, da Lei Maior. Daí por que o constituinte, em complemento à legalidade genérica do inciso II do art. 5º do texto constitucional – para cujo atendimento se exige mera preeminência de lei –, determinou ser vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios “exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça”. Eis aí a consagração do princípio da legalidade tributária (nullum tributum sine lege)15, tratado como limitação constitucional ao poder de tributar albergada no inciso I do art. 150 da Constituição.

Ao contrário da legalidade genérica do art. 5º da Carta Magna, a legalidade tributária demanda que a própria lei – e não um ato emanado em virtude dela – discipline todo o conteúdo da obrigação tributária a ser imposta aos cidadãos, não se permitindo qualquer delegação ou autorização ao Poder Executivo para que este, inovando na ordem jurídica, “complemente” o trabalho do legislador mediante a fixação de aspectos essenciais da obrigação tributária. Tem-se, aqui, o que se chama de reserva absoluta de lei, em contraposição à mera preeminência da lei, a qual, ao contrário da reserva, permite a edição, pelo Poder Legislativo, de normas meramente autorizadoras da atuação do Executivo. Essa reserva de lei em matéria tributária, ademais, deve ser tomada tanto em seu sentido material, exigindo-se que a conduta imposta seja descrita em alguma norma jurídica geral e abstrata, como em sentido formal, a demandar que a conduta encontre fundamento em ato normativo dotado de força de lei, originado de órgão com competência legislativa plena e revestido da forma externa legalmente prescrita16.

A previsão de um dispositivo específico para tratar da legalidade tributária no texto constitucional, a toda evidência, teve o intuito de diferenciar o conteúdo desta em relação ao da legalidade genérica do art. 5º, de modo a permitir que fossem extraídas consequências jurídicas distintas de cada dispositivo. Neste ponto, permitimo-nos discordar de Roque Antonio Carrazza17, para quem a legalidade genérica do art. 5º do texto constitucional já seria suficiente para evitar que as pessoas fossem compelidas ao pagamento de tributo ou ao cumprimento de deveres instrumentais que não tenham sido criados por lei editada pela pessoa política competente. O acolhimento de tal raciocínio, necessariamente, deve partir da premissa de que a legalidade genérica e a legalidade tributária teriam o mesmo conteúdo, o que, como visto, não se pode aceitar, em respeito à interpretação sistemática dos dispositivos que as consagram. Afinal, na linha do ensinamento de Tercio Sampaio Ferraz Junior, o legislador não cria normas sem algum propósito, agindo de forma sempre racional em seus comandos, e, além disso, é rigorosamente preciso e não cria normas inócuas18, donde se conclui que a interpretação de dispositivos aparentemente semelhantes deve, ao máximo, buscar a captação de diferenças de sentido entre tais dispositivos.

A clareza e singeleza do dispositivo constitucional consagrador do princípio da legalidade tributária, contudo, não impediu que o legislador complementar, no exercício da competência que lhe foi outorgada no inciso II do art. 146 da Constituição Federal, fosse além da mera obrigatoriedade de que a exigência ou o aumento de tributo se dessem por lei. É nesse contexto que o art. 97 do Código Tributário Nacional vem delimitar o conteúdo do princípio da legalidade tributária, estendendo a reserva absoluta de lei à extinção e à redução de tributos, bem como à definição de todos os critérios do antecedente e do consequente da regra-matriz de incidência tributária (fato gerador, sujeito passivo, alíquota e base de cálculo), à cominação de penalidades e às hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.

A legalidade tributária, no sentido de reserva absoluta de lei, como se percebe, não se limita apenas à criação ou aumento de tributos: é necessário que todos os elementos da regra-matriz de incidência tributária possam ser extraídos da lei, sob pena de se consagrar a incerteza e a insegurança jurídica no tocante à obrigação tributária. De fato, o termo “exigir” utilizado pelo constituinte no inciso I do art. 150 dá a dimensão do alcance do princípio, uma vez que não há como se pretender o cumprimento de obrigação tributária que não esteja claramente delineada no texto legal. Nesse sentido, Luciano Amaro19 aduz que a legalidade tributária exige que a própria lei defina todos os aspectos pertinentes ao fato gerador, com vistas a quantificar o tributo devido em cada situação concreta. Da mesma forma, Leandro Paulsen20 afirma que a lei veiculadora de norma tributária impositiva deve conter todos os aspectos indispensáveis para que se possa determinar o surgimento e o conteúdo da obrigação tributária, determinando a situação geradora desta obrigação, o local onde a situação seja considerada relevante, quando se deva considerar ocorrida a situação, quem está obrigado ao pagamento e em favor de quem este deve ser realizado, e, por fim, o montante devido, sendo certo que tais aspectos devem todos estar contidos expressamente na lei, ou, no mínimo, serem extraíveis da norma pelo intérprete ou pelo aplicador.

Por outro lado, não obstante o texto constitucional tenha imprimido maior rigidez ao princípio da legalidade tributária em comparação à legalidade genérica, algumas situações envolvendo a tributação demandavam que esta rigidez fosse mitigada, a fim de permitir que o Poder Executivo pudesse intervir no Domínio Econômico mediante a utilização de normas tributárias indutoras do comportamento dos contribuintes, no âmbito da chamada extrafiscalidade. É nesse sentido que o art. 153, § 3º, da Constituição, identificando determinados impostos que cumpririam tal mister com mais propriedade, facultou ao Poder Executivo, dentro de limites e condições fixados pelo legislador, o manejo de alíquotas dos impostos incidentes sobre: (i) importação de produtos estrangeiros, (ii) exportação de produtos nacionais ou nacionalizados; (iii) produtos industrializados; e (iv) operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários. Com o mesmo intento, o art. 177, § 4º, inciso I, alínea “b”, permitiu que o Poder Executivo reduzisse e restabelecesse as alíquotas da contribuição de intervenção no Domínio Econômico relativas a atividades de importação ou comercialização de petróleo e seus derivados, gás natural e seus derivados e álcool combustível.

Esta permissão excepcional outorgada pelo constituinte ao Poder Executivo para intervir no Domínio Econômico mediante a utilização de normas tributárias indutoras, justamente por seu caráter de exceção, reforça ainda mais o entendimento de que o princípio da legalidade tributária se reveste do caráter de reserva absoluta de lei material e formal. Ora, o fato de o texto constitucional ter consagrado dispositivos expressos para permitir que o administrador editasse normas jurídicas dispondo sobre um dos elementos do critério quantitativo da regra-matriz de incidência tributária relativa a determinados tributos significa, a contrario sensu, que, para todos os outros tributos, a vinculação à lei é plena, devendo esta dispor de forma integral sobre todos os aspectos essenciais que permitam a identificação da obrigação tributária. Além disso, mesmo no caso dos tributos para os quais o texto constitucional permitiu o manejo de alíquotas pelo Poder Executivo, exigiu-se, em contrapartida, que a atuação do administrador fosse realizada em atendimento às condições e limites estabelecidos em lei, de modo que, na hipótese de inexistência de lei reguladora do tributo excepcionado pelo constituinte, ou na hipótese de a lei reguladora não dispor sobre os limites mínimo e máximo das alíquotas desse tributo, não se permitirá a substituição do legislador pelo administrador para o exercício da competência tributária.

2.3. Situações concretas envolvendo a delegação de competência legislativa tributária

Identificados o alcance e o conteúdo do princípio da legalidade tributária, entendido como reserva absoluta de lei material e formal não apenas para a instituição ou majoração de tributos, mas para a descrição de todos os critérios da regra-matriz de incidência tributária, cumpre-nos analisar algumas situações concretas em que o referido princípio foi posto de lado de maneira sutil em razão do absenteísmo do Poder Legislativo em regular de forma exaustiva a matéria tributária, tal como a delegação prevista no art. 27 da Lei n. 10.865/2004, por meio da qual se permitiu que o Poder Executivo reduzisse e restabelecesse as alíquotas do PIS/PASEP e da COFINS sobre receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de não cumulatividade das contribuições.

Um primeiro caso de indevida delegação de competência tributária legislativa ao Poder Executivo pode ser extraído da redação original da Lei n. 9.718/1998, cujo art. 3º, § 2º, inciso III, posteriormente revogado pela Medida Provisória n. 2.158-35/2001, permitia que as pessoas jurídicas que tivessem valores computados como receita posteriormente transferidos a outra pessoa jurídica pudessem deduzir tais valores da base de cálculo do PIS/PASEP e da COFINS, observadas normas regulamentares expedidas pelo Poder Executivo – jamais editadas. Tem-se, portanto, situação na qual o Legislativo, em violação ao texto constitucional, abriu mão de seu dever de disciplinar a base de cálculo das referidas contribuições, delegando tal competência ao Poder Executivo, a fim de que este a exercesse conforme critérios de conveniência e oportunidade. No final das contas, o Poder Executivo, além de jamais ter exercido a competência recebida do Legislativo, contou com o beneplácito do Poder Judiciário, mais especificamente, do Superior Tribunal de Justiça, que pacificou o entendimento de que a norma extraída do revogado art. 3º, § 2º, inciso III, da Lei n. 9.718/1998 possuiria eficácia contida, estando na dependência de regulamentação pelo Executivo para que pudesse produzir seus regulares efeitos21.

Em interessante estudo no qual relata uma suave perda da liberdade e da segurança jurídica do contribuinte acarretada pelo absenteísmo do Poder Legislativo em regular a matéria tributária, Luís Eduardo Schoueri22, analisando a previsão do art. 3º, § 2º, inciso III, da Lei n. 9.718/1998, critica com veemência esta verdadeira possibilidade de o administrador dispor sobre a base de cálculo de um tributo, em afronta ao princípio da legalidade tributária, a permitir que o Executivo “ligue” e “desligue” a tributação quando bem entenda. De fato, a jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal de Justiça sobre a questão é temerária e fortemente criticável: abriu-se uma brecha para que o Legislativo se mantenha indolente em relação à matéria tributária, permitindo-se que a estruturação de aspecto essencial da relação jurídico-tributária se dê de acordo com a vontade rapidamente mutável e cambiante do Executivo, inconciliável com a rigidez, a certeza e a segurança jurídica necessárias para a apropriação de recursos dos particulares através da tributação, e relegando-se a plano secundário a cláusula pétrea da separação dos Poderes do Estado.

Outra situação na qual se coloca em debate a delegação de competência tributária do Poder Legislativo – neste caso, porém, sem envolver a Administração Direta do Poder Executivo –, minuciosamente estudada por Laura Loro Lopes,23 diz respeito às contribuições de interesse das categorias profissionais cobradas pelos conselhos de fiscalização profissional, cuja natureza tributária é extraída do caput do art. 149 da Constituição Federal. De início, a Lei n. 6.994/1982, em seu art. 1º, determinou que o valor das anuidades devidas às entidades criadas por lei com atribuições de fiscalização do exercício de profissões liberais seria fixado pelo respectivo órgão federal fiscalizador, observando-se, para pessoas físicas, o limite máximo de duas vezes o Maior Valor de Referência (MVR) vigente no país, e, para pessoas jurídicas, o limite máximo de duas a dez vezes o MVR, conforme o seu capital social. Posteriormente, foi editada a Lei n. 11.000/2004, cujo art. 2º autorizou os conselhos de fiscalização a fixar, cobrar e executar as contribuições anuais devidas pelas pessoas físicas e jurídicas, sem quaisquer limitações quanto aos elementos do critério quantitativo de tais contribuições. Por último, sobreveio a Lei n. 12.514/2011, cujo art. 6º estabeleceu a fixação, de acordo com determinados critérios, de valores máximos para contribuições devidas a conselhos profissionais, desde que não fossem previstos valores distintos em lei específica ou, em havendo tal previsão, que os valores fossem fixados em moeda ou unidade de referência não mais existente, ou, por fim, nos casos em que, não havendo previsão de valores, a lei específica delegasse a sua fixação aos próprios conselhos (art. 3º, caput e incisos I e II, da Lei n. 12.154/2011).

Em todas as leis acima destacadas, verifica-se que o legislador se absteve de fixar com precisão o critério quantitativo da regra-matriz de incidência tributária das contribuições profissionais, contrariando o disposto no texto constitucional e no art. 97 do Código Tributário Nacional. No tocante à Lei n. 11.000/2004, a inconstitucionalidade revela-se manifesta e evidente, na medida em que se deu liberdade plena aos conselhos de fiscalização para fixar o valor das contribuições, sem quaisquer condições ou limites. Por outro lado, em relação às Leis n. 6.994/1982 e 12.514/2011, muito embora o legislador tenha traçado limites máximos de valor para as contribuições, ainda assim devem ser consideradas inconstitucionais as suas previsões, posto que permitir ao Poder Legislativo a simples fixação de um teto para a cobrança do tributo equivale, em boa medida, a isentá-lo de seu mister de regular a quantificação da obrigação tributária.

Outro caso de indevida delegação de competência legislativa, desta vez no âmbito do Estado de São Paulo e envolvendo o Poder Judiciário, demonstra de forma emblemática a recalcitrância do legislador em não dispor de forma adequada sobre o critério quantitativo da regra-matriz de incidência dos tributos. Trata-se da discussão acerca da taxa de desarquivamento de processos no âmbito da Justiça Estadual paulista.

Em um primeiro momento, a Presidência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, independentemente de qualquer lei prévia, editou a Portaria n. 6.431/2003, cujo art. 1º determinava o recolhimento de “valor” para o desarquivamento de processos da Justiça Estadual daquele Estado, ressaltando-se, ainda, que a fixação do montante e sua atualização seriam periodicamente realizadas pela própria Presidência. Tal previsão foi contestada por órgão de representação dos advogados do Estado de São Paulo sob o fundamento de que, por se estar diante de serviço público específico e divisível, o valor para desarquivamento de processos a que se referia a Portaria ostentaria natureza jurídica tributária de taxa, e, como tal, deveria ser instituído e ter seu montante delimitado em lei, em obediência ao princípio da legalidade tributária. Instada a se manifestar, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça considerou inconstitucional a cobrança do referido valor, consolidando a sua natureza jurídica de taxa e ressaltando a violação ao princípio da legalidade tributária decorrente da edição da Portaria24. Posteriormente, a questão foi levada à apreciação do Supremo Tribunal Federal, o qual, no entanto, se eximiu de apreciá-la no mérito, por entender que a discussão envolvia ofensa meramente indireta à Constituição, por tratar da interpretação de normas infraconstitucionais de caráter local25.

Pouco tempo depois de o Superior Tribunal de Justiça reconhecer a inconstitucionalidade do art. 1º da Portaria n. 6.431/2003, o Estado de São Paulo editou a Lei n. 14.838, de 23 de julho de 2012, introduzindo o inciso X ao parágrafo único do art. 2º da Lei n. 11.608/2003 para prever que os custos com as despesas de desarquivamento de processos seriam fixados, periodicamente, pelo Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Mediante tal expediente, o legislador paulista acreditava ter cumprido a exigência de que a taxa em questão fosse prevista em lei, delegando ao Poder Judiciário apenas a fixação periódica do valor da referida taxa. Mais tarde, o Conselho Superior da Magistratura, valendo-se da competência que lhe foi atribuída pelo legislador, editou a Portaria n. 2.195, de 24 de julho de 2014, cujo art. 10 estabelecia os valores fixos de R$ 24,40 para o desarquivamento de processos no Arquivo Geral ou em empresa terceirizada, e de R$ 13,30 para processos arquivados em Unidades Judiciais.

Diante de tal situação, o mesmo órgão de representação dos advogados do Estado de São Paulo que havia se insurgido contra a Portaria n. 6.431/2003 também se voltou contra a nova disposição trazida à baila pela Lei n. 14.838/2012. Superada a discussão acerca da natureza jurídica de taxa da cobrança pelo desarquivamento de processos, o Órgão Especial do próprio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por maioria de votos, considerou inconstitucional a delegação legislativa, ressaltando que a observância plena do princípio da legalidade tributária dependeria não apenas de simples menção ao tributo em lei emanada do Poder Legislativo ou ato com força de lei: exigir-se-ia, além disso, que todos os aspectos necessários à plena identificação da obrigação tributária fossem descritos pelo próprio legislador, inclusive os seus elementos quantitativos26. Em síntese, não bastaria a mera preeminência de lei, sendo exigida, em matéria tributária, a reserva de lei material e formal.

No entanto, em recentes decisões, proferidas em controle difuso e concentrado de constitucionalidade, o Supremo Tribunal Federal, lamentavelmente, deu sinal verde aos legisladores para que estes se limitem a fixar o patamar máximo de valor dos tributos.

Ao julgar o Recurso Extraordinário n. 704.292/PR, em 6 de outubro de 201627, a Corte cingiu-se a declarar a inconstitucionalidade sem redução de texto dos arts. 1º e 2º da já citada Lei n. 11.000/2004, por ofensa ao art. 150, inciso I, da Constituição Federal, tendo posteriormente fixado tese de repercussão geral – com eficácia erga omnes, portanto – no sentido de que “é inconstitucional, por ofensa ao princípio da legalidade tributária, lei que delega aos conselhos de fiscalização de profissões regulamentadas a competência de fixar ou majorar, sem parâmetro legal, o valor das contribuições de interesse das categorias profissionais e econômicas, usualmente cobradas sob o título de anuidades, vedada, ademais, a atualização desse valor pelos conselhos em percentual superior aos índices legalmente previstos” (Tema 540 de Repercussão Geral). Na ocasião, o Relator, Ministro Dias Toffoli, embora reconhecendo a impossibilidade de se conferir total liberdade aos conselhos profissionais para manejar o critério quantitativo da regra-matriz de incidência tributária – a exemplo do que se fez por meio da Lei n. 11.000/2004 –, posicionou-se no sentido de que os dispositivos legais contestados não padeceriam de inconstitucionalidade caso prescrevessem, em sentido estrito, um limite máximo de valor para as contribuições profissionais ou os critérios para que se chegasse a tal limite.

Na mesma data, a Corte julgou o Recurso Extraordinário n. 838.284/SC28, manifestando-se pela constitucionalidade da autorização conferida pelo art. 2º, parágrafo único, da retrocitada Lei n. 6.994/1982 para que o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia (CONFEA) fixasse a Taxa para Emissão de Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) dentro do patamar máximo de 5 MVR, o Supremo Tribunal Federal fixou tese em repercussão geral no sentido de que “não viola a legalidade tributária a lei que, prescrevendo o teto, possibilita o ato normativo infralegal fixar o valor de taxa em proporção razoável com os custos da atuação estatal, valor esse que não pode ser atualizado por ato do próprio conselho de fiscalização em percentual superior aos índices de correção monetária legalmente previstos” (Tema 829 de Repercussão Geral).

Por fim, ainda em 6 de outubro de 2016, a Corte, desta vez em controle concentrado de constitucionalidade, julgou improcedentes, de forma conjunta, as Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 4.697/DF e n. 4.762/DF29, que tinham por objeto diversos artigos da também já citada Lei n. 12.514/2011, dentre os quais o art. 6º, o qual, como visto acima, se limitava a exigir valores máximos para contribuições profissionais, de acordo com os critérios previstos no próprio dispositivo legal. De acordo com o Relator, Ministro Edson Fachin, seria “[...] adequada e suficiente a determinação do mandamento tributário no bojo da lei impugnada, por meio da fixação de tetos aos critérios materiais das hipóteses de incidências das contribuições profissionais, à luz da chave analítica formada pelas categorias da praticabilidade e da parafiscalidade”. Corroborando o posicionamento do Relator, o Ministro Roberto Barroso pontuou o cerne da controvérsia havida naquele julgamento, baseando seu entendimento na suposta mitigação, ou mesmo superação, da chamada “tipicidade cerrada”, à qual também fez referência o Ministro Edson Fachin.

Tal como a posição do Superior Tribunal de Justiça acerca da dedução de receitas transferidas a outras pessoas jurídicas da base de cálculo do PIS/PASEP e da COFINS, o entendimento do Supremo Tribunal Federal refletido nos julgados acima é fortemente criticável, por amesquinhar sobremaneira o princípio da legalidade tributária. Com efeito, exigir que o Poder Legislativo apenas aponte um limite máximo até o qual o Poder Executivo poderá atuar equivale, em boa medida, como visto, a isentar o Poder Legislativo de seu mister de legislar sobre os aspectos essenciais da relação jurídico-tributária. Realmente, nada impediria que o legislador, de forma arbitrária, fixasse um limite exageradamente alto para a exação, conferindo ao administrador uma amplíssima margem de manobra sobre o critério quantitativo e tornando nula a efetividade do disposto no inciso IV do art. 97 do Código Tributário Nacional e do próprio art. 150, inciso I, da Constituição Federal. Poder-se-ia cogitar até mesmo de uma determinada lei tributária prever que um tributo poderia ter suas alíquotas manejadas entre 0% e 100% por norma infralegal emanada do Poder Executivo – embora absurda e provavelmente sujeita à verificação de efeito confiscatório caso a norma infralegal viesse a fixar a alíquota em percentual excessivamente alto, a hipótese em questão não deixa de refletir Lei introdutora de um limite máximo para a fixação de alíquota (100%), a exemplo das Leis n. 6.994/1982 e n. 12.514/2011. Além disso, olvidou-se a Corte de que as únicas hipóteses nas quais se permite a mitigação do princípio da legalidade tributária para fins de manejo do critério quantitativo da regra-matriz de incidência tributária estão previstas na própria Constituição Federal – tributos aos quais foram reconhecidas funções extrafiscais, conforme já explanado anteriormente.

Registre-se que a pretensa mitigação ou superação da “tipicidade cerrada”, invocada no julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 4.697/DF e n. 4.762/DF para fundamentar a improcedência dos pleitos, não implica mitigação ou superação da própria legalidade tributária, como pareceu ter entendido o Supremo Tribunal Federal. Afinal, tal “mitigação”, na lição de Luís Eduardo Schoueri30 – citado nominalmente nos votos dos Ministros Edson Fachin e Roberto Barroso –, diz respeito tão somente à possibilidade de adoção de cláusulas gerais ou de conceitos indeterminados no conteúdo da norma tributária, de modo que o legislador, ante a complexidade dos fenômenos da realidade, possa captar o máximo de situações possíveis e regulá-las. Nesse sentido, pondera o professor da Universidade de São Paulo que “a possibilidade do emprego de cláusulas gerais não pode ser vista como uma contradição com a legalidade, mas apenas como seu aperfeiçoamento. A flexibilização, própria do emprego das cláusulas gerais e dos conceitos indeterminados, não reduz o papel do legislador à mera conferência de competências ou limites, como se viu no âmbito do Direito Econômico.”

Impende destacar, ademais, que os julgados do Supremo Tribunal Federal acima referidos têm por objeto tributos cuja capacidade tributária ativa é atribuída a conselhos profissionais, sendo certo que, ao menos nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 4.697/DF e n. 4.762/DF, foi possível verificar que o posicionamento vencedor se valeu de fundamentos específicos aplicáveis apenas aos tributos delas objeto, especialmente a parafiscalidade. Tanto é assim que a tese em repercussão geral fixada na mesma época pela Corte, como decorrência do julgamento do Recurso Extraordinário n. 704.292/PR, faz menção específica às contribuições de interesse das categorias profissionais e econômicas. Dessa forma, não nos parece que o posicionamento da Corte acerca da constitucionalidade da mera fixação de limite máximo a tais contribuições pelo legislador venha a ser igualmente adotado em casos que tenham a mesma discussão de pano de fundo, porém envolvendo outras espécies tributárias – a exemplo do que se dará em face do art. 27, § 2º, da Lei n. 10.865/2004, no julgamento do Recurso Extraordinário n. 986.296/PR, conforme será visto adiante.

De qualquer forma, os diversos casos concretos ora analisados, com destaque para a obstinação do legislador paulista no caso da taxa de desarquivamento de processos, são emblemáticos e dão a dimensão da verdadeira perda de interesse do Poder Legislativo em regular a matéria tributária, a qual, muitas vezes, conta com a condescendência do Poder Judiciário. Conforme bem observado por Sergio André Rocha31, a passagem do Estado Liberal para o Estado Social, com o consequente incremento da atuação positiva da Administração Pública nos mais diversos setores da sociedade, fez com que a supremacia de fato do Legislativo sobre o Executivo entrasse em declínio, o que parece explicar o absenteísmo do legislador no campo tributário. No entanto, a despeito de se tratar da constatação de um fato verificado no plano concreto, tal mudança de paradigma produz consequências altamente perniciosas, já que a exigência de lei para o disciplinamento da matéria tributária serve, justamente, para conferir rigidez, certeza e segurança jurídica aos contribuintes, evitando-se, ou, pelo menos, dificultando sobremaneira a efetivação de modificações frequentes na estruturação da obrigação tributária ao sabor do dinamismo e da flexibilidade próprios da atuação executiva do Estado.

2.4. A reserva de lei e o manejo, por meio de decretos, das alíquotas do PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de não cumulatividade das contribuições

Conforme brevemente delineado acima, o § 2º do art. 27 da Lei n. 10.865/2004 delegou ao Poder Executivo a competência para reduzir e restabelecer as alíquotas do PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de não cumulatividade destas contribuições até os percentuais constantes dos incisos I e II do art. 8º da própria Lei n. 10.865/2004. Nesse contexto, pode-se afirmar, na linha do quanto até aqui exposto, que os Decretos n. 5.164/2004 e n. 5.442/2005, que fixaram a redução a zero destas alíquotas, e o Decreto n. 8.426/2015, que aumentou a alíquota global somada das contribuições para 4,65%, são frutos deste absenteísmo cada vez mais frequente do Poder Legislativo em regular a matéria tributária.

Já se viu que o constituinte estruturou rigidamente o princípio da legalidade tributária, conferindo-lhe o caráter de reserva absoluta de lei em sentido material e formal, a demandar que a exigência ou a majoração de tributos se deem por meio de lei ou atos com força de lei. Adicionalmente, o art. 97 do Código Tributário Nacional aprofundou o conteúdo do referido princípio, determinando que o legislador proceda à descrição de todos os critérios da regra-matriz de incidência tributária. Esta estruturação rígida do princípio da legalidade, ademais, somente é mitigada, em caráter excepcional, no caso de tributos para os quais a Constituição reconheceu funções extrafiscais, abrindo-se um campo para a atuação de normas tributárias indutoras orientadas à intervenção do Estado no Domínio Econômico.

Nesse sentido, ao delegar ao Poder Executivo a competência para reduzir e restabelecer as alíquotas do PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de não cumulatividade, o § 2º do art. 27 da Lei n. 10.865/2004 teve a clara intenção de imprimir notas de extrafiscalidade às referidas contribuições, com o objetivo de permitir ao administrador a indução de comportamentos dos contribuintes no âmbito da parcela do Domínio Econômico relativa ao mercado financeiro, indução esta que seria mais facilmente atingível com a utilização de decretos, em substituição à via do processo legislativo.

No entanto, o PIS/PASEP e a COFINS, como contribuições sociais que são, conforme o art. 195 da Constituição Federal, têm por finalidade precípua o custeio da atuação da União no âmbito da Seguridade Social, subdividida em Saúde, Previdência Social e Assistência Social, não possuindo qualquer finalidade de intervenção do Estado no Domínio Econômico, donde se conclui que a delegação de competência legislativa efetivada pelo § 2º do art. 27 da Lei n. 10.865/2004 não tem respaldo constitucional. Afinal, se o constituinte assim desejasse, teria mitigado a estrita legalidade tributária também em relação a estas contribuições, da mesma forma como fez para os demais tributos em relação aos quais identificou funções extrafiscais. Em não o fazendo, parece claro que sua intenção foi manter estas contribuições presas às amarras da reserva absoluta de lei em sentido material e formal, proibindo que o legislador delegue sua competência legislativa ao Poder Executivo para disciplinar suas alíquotas.

A exemplo do que ora se afirma, Maurício Barros32 aduz que a utilização do PIS/PASEP e da COFINS como instrumento de intervenção na ordem econômica não se coaduna com a Constituição Federal, porquanto o texto da Lei Maior dota estas contribuições de finalidade específica distinta da interventiva. Além disso, segundo o mesmo autor, o texto constitucional já franqueia à União Federal a possibilidade de intervir no mercado financeiro mediante o manejo das alíquotas dos impostos albergados sob a sigla IOF (impostos sobre operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários), de modo que, além de violar o princípio da legalidade tributária, o § 2º do art. 27 da Lei n. 10.865/2004 configuraria temerário desvio de poder legislativo.

Afastada a possibilidade de se imprimir funções extrafiscais ao PIS/PASEP e à COFINS, poder-se-ia indagar se a submissão à reserva absoluta de lei cingir-se-ia apenas ao restabelecimento (rectius, à majoração) de alíquotas previsto no § 2º do art. 27 da Lei n. 10.865/2004 – exigindo-se apenas a mera preeminência da lei para o caso da redução das alíquotas –, ou se, diferentemente, tanto a redução como o restabelecimento deveriam estar sujeitos à reserva absoluta de lei. A dúvida é pertinente, já que o inciso I do art. 150 da Constituição Federal faz menção apenas à exigência e ao aumento de tributo por lei, como limitação constitucional ao poder de tributar, enquanto que a redução de tributo por lei encontraria respaldo apenas no inciso II do art. 97 do Código Tributário Nacional, de modo que, por constar de norma infraconstitucional, fora do campo das limitações constitucionais ao poder de tributar, o termo “lei” a que se refere esse dispositivo poderia ser entendido como mera lei autorizadora da redução, cuja efetivação poderia, posteriormente, ser posta em prática por ato administrativo do Poder Executivo.

Em análise específica do Decreto n. 8.426/2015, Adolpho Bergamini33 sustenta que o princípio da legalidade tributária seria um instrumento que tem por objetivo resguardar contribuintes contra exações e aumentos de exações que não foram debatidos pelo legislador, sendo esta a razão pela qual o art. 150, inciso I, da Constituição Federal faria menção apenas à exigência e à majoração de tributos, mas não à sua redução. Assim, no entendimento do autor, a redução a zero de alíquota por decreto seria admitida, mas não a majoração pelo mesmo veículo normativo. No mesmo sentido parece caminhar Fábio Pallaretti Calcini34, que, embora não explicitando de forma minuciosa as razões de seu entendimento e não abordando o problema sob a ótica específica da redução a zero das alíquotas, defende a inconstitucionalidade parcial do art. 27, § 2º, da Lei n. 10.865/2004.

Cremos, no entanto, que a reserva absoluta de lei em sentido material e formal, além de alcançar a criação e a majoração de tributos, categorias expressamente previstas no texto constitucional, também alcança a redução de tributos, o que, a nosso ver, faz com que não apenas o Decreto n. 8.426/2015, que majorou as alíquotas do PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de não cumulatividade destas contribuições, seja juridicamente inválido, mas também os Decretos n. 5.164/2004 e n. 5.442/2005, que fixaram a redução a zero destas alíquotas.

Em primeiro lugar, o caput do art. 97 do Código Tributário Nacional é expresso ao afirmar que a lei promove a ação de estabelecer os elementos constantes dos incisos do referido artigo (instituição, majoração, redução ou extinção tributos, fato gerador, sujeito passivo, base de cálculo e alíquota, cominação de penalidades), no sentido de que a própria lei deve conceber e delimitar a sua descrição normativa. Destarte, tal como a Constituição, o Código também exige reserva absoluta de lei em sentido material e formal para dispor sobre tais elementos. Se assim não fosse, teria o legislador complementar utilizado o verbo “autorizar”, ou outro de sentido equivalente, tal como fez em diversas outras passagens do Código35.

Além disso, o intérprete ou aplicador que sustentar a possibilidade de redução de tributos pelo fato de o art. 150, inciso I, da Constituição Federal fazer menção apenas à sua exigência ou aumento deve, igualmente, por dever de coerência, defender que os outros elementos apontados no art. 97 do Código Tributário Nacional poderiam ser manejados por ato infralegal editado pelo Poder Executivo sempre que houver norma legal autorizativa, o que não parece razoável, pois implicaria o afastamento quase que integral do dispositivo do Código por meio de um duvidoso juízo de recepção constitucional. De fato, a se admitir tal posicionamento, nada impediria que o legislador editasse lei apenas para indicar, de forma genérica, a sua vontade de criar determinado tributo (“fica instituído o tributo ‘x’”), deixando ao alvedrio do administrador a fixação de todos os demais elementos constantes do art. 97 do Código (fato gerador, base de cálculo, alíquota, infrações etc.), bastando ao legislador a fixação de limites para a regulação desses elementos, os quais, em tese, podem até ser bastante amplos, já que inexiste no ordenamento jurídico pátrio qualquer regulação normativa do grau de limitação a ser imposto ao administrador.

A nosso ver, no entanto, o art. 97 do Código Tributário Nacional, como já adiantado acima, longe de exceder de forma indevida o disposto no art. 150, inciso I, da Constituição Federal, aprofunda o seu conteúdo, atuando como seu complemento, e não como seu contraponto. Do contrário, restariam fortemente abaladas as bases estruturantes das lições mais clássicas e fundamentais da doutrina jurídico-tributária, que sempre apontaram para a necessidade de participação da sociedade, por si ou através de seus representantes, na delimitação e definição das exações que os cidadãos deverão suportar para financiar as atividades do Estado.

Mais restrito que o art. 97 do Código Tributário Nacional, o § 6º do art. 150 da Constituição Federal, introduzido pela Emenda Constitucional n. 3, de 17 de março de 1993, estabelece que “qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2º, XII, g”. Nesse caso, muito embora o dispositivo em questão não seja aplicável a toda e qualquer redução de tributos – destinando-se, mais especificamente, aos casos de benefício fiscal –, é certo que, no caso das reduções a zero fixadas pelos Decretos n. 5.164/2004 e n. 5.442/2005, tem-se clara hipótese de exoneração tributária qualificada como benefício fiscal, já que apenas uma parcela das receitas auferidas pelas pessoas jurídicas submetidas à não cumulatividade do PIS/PASEP e da COFINS – qual seja, a parcela relativa às receitas financeiras – ficou a salvo da incidência das contribuições, restando mantida a incidência às alíquotas de 1,65% (PIS/PASEP) e 7,6% (COFINS) para as demais receitas36. Daí a necessidade de que não apenas o aumento promovido pelo Decreto n. 8.426/2015, mas também as exonerações trazidas pelos Decretos n. 5.164/2004 e n. 5.442/2005, fossem veiculadas diretamente por meio de lei material e formal.

Sustentando a aplicabilidade do art. 150, § 6º, da Constituição Federal no tocante às reduções promovidas pelos Decretos n. 5.164/2004 e n. 5.442/2005 com base na autorização concedida pelo § 2º do art. 27 da Lei n. 10.865/2004, Tathiane Piscitelli37 acrescenta que a concessão de isenção, redução de alíquota ou qualquer outro benefício tributário por ato normativo infralegal implicaria a possibilidade de alteração unilateral, pelo Poder Executivo, da própria lei orçamentária, em afronta à Constituição Federal e à Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n. 101/2000). De fato, os arts. 165 e 166, que regulam o processo legislativo atinente às normas de Direito Financeiro relacionadas ao orçamento da União Federal, exigem intensa participação das duas Casas do Congresso Nacional (Câmara dos Deputados e Senado Federal), sendo razoável, portanto, sustentar que qualquer ato com potencial para impactar o orçamento, a exemplo da concessão de uma exoneração tributária, deva ser submetido ao crivo do próprio Poder Legislativo, que deverá avaliar a viabilidade de tal exoneração e seu respectivo impacto orçamentário, não sendo viável a delegação desta atribuição ao Poder Executivo.

Vale destacar que o Supremo Tribunal Federal reconhece se tratar de matéria constitucionalmente relevante a discussão acerca da possibilidade de redução de tributos por decreto do Poder Executivo, já tendo reputado inconstitucional o referido expediente. Com efeito, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.674/RJ38, sob relatoria do Ministro Marco Aurélio, o Plenário da Corte, por unanimidade, julgou inconstitucional dispositivo contido em Lei do Estado do Rio de Janeiro que permitia a redução, por decreto, em até 80%, da alíquota de ICMS incidente sobre operações internas com querosene de aviação. Embora a Corte, na ocasião, também tenha se envolvido em discussão sobre a chamada “guerra fiscal”, apontando a violação frontal e direta ao art. 155, § 2º, inciso XII, alínea “g”, da Constituição Federal, que exige a deliberação dos Estados e do Distrito Federal no caso de concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais relativos ao ICMS, também restou assentada a impossibilidade de se operar delegação legislativa para a fixação de alíquota do imposto, ainda que a lei autorizadora tenha imposto limites à redução.

Constata-se, portanto, que todo o § 2º do art. 27 da Lei n. 10.865/2004 padece de vício de inconstitucionalidade – e, por decorrência, todos os Decretos editados com base no referido dispositivo legal –, e não apenas o termo “reduzir”, já que a diminuição das alíquotas, como visto, também deve estar sujeita à reserva absoluta de lei em sentido material e formal, salvaguardadas as exceções expressamente consignadas no texto constitucional, relativas a tributos para os quais o constituinte vislumbrou funções extrafiscais, o que, como visto, não é o caso do PIS/PASEP e da COFINS.

Diante desta constatação, impõe-se analisar de que forma se poderia restaurar a ordem constitucional ferida pela indevida delegação promovida pelo Legislativo por meio do aludido dispositivo legal, sem deixar de lado a proteção da confiança dos contribuintes, em prol da segurança jurídica.

3. O controle de Constitucionalidade do § 2º do Art. 27 da Lei n. 10.865/2004 e dos Decretos dele Decorrentes e a Proteção da Confiança dos Contribuintes

Desde a publicação do Decreto n. 8.426/2015, em 1º de abril de 2015, diversos contribuintes vêm ingressando em juízo para contestar a majoração das alíquotas do PIS/PASEP e da COFINS por meio do referido ato normativo. Uma das principais alegações destes contribuintes, como não poderia deixar de ser, diz respeito à violação do princípio da legalidade tributária insculpido no art. 150, inciso I, da Constituição, a exigir que a majoração de todo e qualquer tributo se dê por meio de lei ou de ato normativo com força de lei. Como o decreto do Executivo é mero ato regulamentar de execução da lei, não haveria a possibilidade de que tal ato promovesse, de per si, um incremento de carga tributária.

Sucede que, como visto acima, não apenas o Decreto n. 8.426/2015 deve ser tido por inconstitucional, na medida em que, a nosso ver, os Decretos n. 5.164/2004 e n. 5.442/2005, ao reduzirem a zero as alíquotas do PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre receitas financeiras, também padecem de inconstitucionalidade, por violação do art. 150, § 6º, da Constituição Federal, já que exonerações tributárias deste jaez39 devem, igualmente, passar pelo crivo do legislador de forma exclusiva, sem qualquer tipo de concessão ao Poder Executivo. A bem da verdade, o próprio dispositivo legal que deu origem a todos esses Decretos, qual seja, o § 2º do art. 27 da Lei n. 10.865/2004, é que se deve ter por inconstitucional, o que, por via de consequência, acaba por redundar na chamada “inconstitucionalidade por arrastamento”40 dos aludidos Decretos.

É certo que, a partir do momento em que os contribuintes deduzem suas pretensões em juízo, pleiteando o afastamento do Decreto n. 8.426/2015 e o retorno à situação de alíquota zero anteriormente fixada pelos Decretos n. 5.164/2004 e n. 5.442/2005, a análise do Poder Judiciário fica adstrita aos termos daquilo que foi pedido pelo autor, nos termos do art. 492, caput, do Código de Processo Civil de 2015 (Lei n. 13.105/2015)41, correspondente ao art. 460, caput, do revogado Código de Processo Civil de 1973 (Lei n. 5.869/1973)42, o que, inclusive, já foi reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal43. De todo modo, analisando-se de forma mais detida a questão, poder-se-iam aventar alguns obstáculos aparentes ao restabelecimento da situação de inexistência de relação jurídico-tributária decorrente da alíquota zero.

Primeiramente, o Decreto n. 8.426/2015 não promoveu o aumento das alíquotas do PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre as receitas financeiras através de uma simples modificação do Decreto que lhe antecedeu, qual seja, o Decreto n. 5.442/2005. Diversamente, este último foi revogado pelo art. 3º do Decreto n. 8.426/2015, vale dizer, não existe mais norma alguma no ordenamento jurídico que fixe a alíquota zero. Nesse sentido, embora seja perfeitamente possível contestar a majoração das alíquotas promovida pelo art. 1º do Decreto n. 8.426/2015, não parece possível, em princípio, invocar a inconstitucionalidade de seu art. 3º, já que, por simetria de formas, é de lógica elementar que um decreto tenha aptidão para revogar outro que lhe tenha antecedido.

Ademais, os decretos regulamentares expedidos pelo Poder Executivo para a execução das leis – como é o caso dos Decretos originados a partir do § 2º do art. 27 da Lei n. 10.865/2004 – não se sujeitam ao controle concentrado de constitucionalidade pelo fato de não possuírem autonomia jurídica que permita sua sujeição ao referido controle de forma direta e imediata, podendo, no máximo, se sujeitar a um controle de legalidade, no qual se aferirá a adstrição do decreto aos termos da lei. A partir desta premissa, pode-se concluir que o decreto que regulamente uma lei constitucional pode se sujeitar ao controle de legalidade se extrapolar os termos desta, porém, de outra parte, o decreto que regulamenta lei inconstitucional, por não estar dotado de autonomia em relação a esta, não se sujeitará ao controle de constitucionalidade, o qual recairá, exclusivamente, sobre a lei inconstitucional da qual se originou o decreto. Neste último caso, o decreto somente será extirpado do ordenamento jurídico de forma indireta, por arrastamento, conforme já delineado acima.

No entanto, tais obstáculos, como visto, são apenas aparentes, não sendo de todo intransponíveis. O fato de o art. 3º do Decreto n. 8.426/2015 ter revogado o Decreto n. 5.442/2005, tornando inexistente a alíquota zero da contribuição ao PIS/PASEP e da COFINS sobre receitas financeiras no ordenamento jurídico pátrio, bem como o fato de o controle de constitucionalidade se dar apenas sobre a norma legal, não impedem que o contribuinte, contestando a majoração de alíquotas, pleiteie a declaração de inconstitucionalidade parcial do próprio § 2º do art. 27 da Lei n. 10.865/2004, pugnando pelo afastamento da expressão “restabelecer, até os percentuais de que tratam os incisos I e II do caput do art. 8º desta Lei”. Caso, ao final, seja declarada a inconstitucionalidade na forma como pleiteada, a decisão ensejará, por arrastamento, a inconstitucionalidade integral do Decreto n. 8.426/2015 e, por efeito repristinatório, o restabelecimento da existência, validade e eficácia do Decreto n. 5.442/2005, ainda que este tenha sido revogado por aquele44. Saliente-se, no entanto, que esta forma de lidar com o problema ignora completamente a inconstitucionalidade decorrente da autorização para redução das alíquotas promovida pelo mesmo § 2º do art. 27 da Lei n. 10.865/2004, posteriormente concretizada pelos Decretos n. 5.164/2004 e n. 5.442/2005, o que, a nosso ver, não pode prosperar, porquanto tal solução implicaria absoluta desconsideração do art. 150, § 6º, da Constituição Federal.

Não obstante, quando se analisa a jurisprudência que vem sendo formada pelos Tribunais Regionais Federais em torno da majoração das alíquotas pelo Decreto n. 8.426/2015, constata-se que a maior parte dos julgados vem considerando constitucional a delegação conferida ao Poder Executivo, principalmente pelo fato de que as alíquotas do PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre as receitas financeiras na sistemática não cumulativa (1,65% e 7,6%, respectivamente) estariam expressamente previstas nas Leis n. 10.637/2002 e n. 10.833/2003, e, além disso, pelo fato de que o exercício da delegação conferida ao Poder Executivo para restabelecimento das alíquotas resultou em percentuais inferiores (0,65% para o PIS/PASEP e 4% para a COFINS) àqueles previstos nas aludidas Leis45.

Parece-nos, no entanto, que tais fundamentos não podem ser admitidos.

Em primeiro lugar, o § 2º do art. 27 da Lei n. 10.865/2004 permitiu que as alíquotas fossem restabelecidas não até os percentuais estabelecidos nas Leis n. 10.637/2002 e n. 10.833/2003, mas, sim, até os percentuais de que tratam os incisos I e II do caput do art. 8º da própria Lei n. 10.865/2004. Tal dispositivo, por sua vez, se refere às contribuições sociais ao PIS/PASEP e à COFINS devidas na importação de bens e serviços do exterior, cuja materialidade é totalmente distinta daquela relativa ao PIS/PASEP e à COFINS incidentes sobre a receita, de modo que, ainda que as alíquotas das contribuições sobre a importação de bens e serviços e sobre a receita coincidissem plenamente à época da edição da Lei n. 10.865/200446, uma hipotética majoração das alíquotas relativas às contribuições sobre importação poderia permitir que o Poder Executivo, valendo-se do § 2º do art. 27 da Lei n. 10.865/2004, fosse além dos 1,65% e 7,6% previstos nas Leis n. 10.637/2002 e n. 10.833/2003. Além disso, as contribuições incidentes sobre a importação encontram fundamento de validade nos arts. 149, § 2º, inciso II, e 195, inciso IV, da Constituição Federal, enquanto que as contribuições sobre a receita ou faturamento se fundamentam na alínea “b” do inciso I do mesmo art. 195, o que corrobora a patente distinção entre elas.

De outra parte, os fundamentos em questão desconsideram que o poder para reduzir e restabelecer as alíquotas do PIS/PASEP e da COFINS sobre receitas financeiras delegado ao Poder Executivo não encontra respaldo constitucional expresso. Os Tribunais, infelizmente, vêm fechando os olhos para esse ponto, desconsiderando o fato de que o próprio constituinte já previu as hipóteses excepcionais para as quais foi admitido o manejo de alíquotas pela Administração. Com isto, abre-se margem para que o Legislador, a seu talante, possa indicar livremente os tributos para os quais serão conferidas funções extrafiscais, em nítido desrespeito à hierarquia constitucional.

Demonstrada a extrema complexidade e as vicissitudes que acompanham a discussão judicial da questão, cumpre-nos propor uma solução à controvérsia que, simultaneamente, resguarde o poder exclusivo do Legislador de dispor sobre as alíquotas dos tributos e confira proteção à confiança dos contribuintes.

Antes, porém, deve-se destacar que o Supremo Tribunal Federal já reconheceu o caráter constitucional da questão relativa à autorização legal conferida pelo art. 27, § 2º, da Lei n. 10.865/2004 e reconheceu sua repercussão geral no bojo do Recurso Extraordinário n. 986.296/PR, sob relatoria do Ministro Dias Toffoli. No acórdão que deliberou pela existência de repercussão geral47, os Ministros parecem indicar que a apreciação da questão em controle difuso se dará apenas sobre o próprio art. 27, § 2º, da Lei n. 10.865/200448, ou seja, o foco da análise a ser empreendida pela Corte, em princípio, deverá ser apenas a constitucionalidade do manejo das alíquotas49, sem quaisquer considerações acerca do direito aos créditos de despesas financeiras, pleito que vem sendo formulado, em caráter subsidiário, por diversos contribuintes que discutem a questão junto ao Poder Judiciário.

Ressalte-se, no entanto, que, ao julgar o Recurso Extraordinário n. 986.296/PR, a Corte estará, em princípio, adstrita à análise da autorização legal apenas para majoração das alíquotas, não podendo apreciar a autorização para redução, sob pena de afronta à regra processual da congruência da decisão judicial com o pedido formulado, aplicável, segundo o próprio Supremo Tribunal Federal, aos processos de controle de constitucionalidade, como visto acima.

Além disso, há que se destacar que, independentemente da extensão da análise a ser empreendida pela Corte em controle difuso, a decisão a ser proferida será passível de contundentes críticas: por um lado, se apenas a autorização para a majoração das alíquotas for apreciada, perder-se-á a oportunidade de expurgar da ordem jurídica a autorização para redução das alíquotas violadora do art. 150, § 6º, da Constituição Federal; por outro, ainda que se considere legítima a apreciação tanto da autorização para a redução como da autorização para a majoração, os contribuintes poderão ter sua situação piorada, já que, nesse caso, estaria restabelecida ex tunc ou ex nunc – nesta última hipótese, somente caso fosse efetuada a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, admitida em controle difuso pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal50 e, mais recentemente, pelo § 3º do art. 927 do Código de Processo Civil de 2015, no caso de alteração de jurisprudência dominante51 – a cobrança do PIS/PASEP e da COFINS não cumulativos sobre receitas financeiras às alíquotas regulares previstas nas Leis n. 10.637/2002 e n. 10.833/2003 (1,65% e 7.6%).

A nosso ver, portanto, a solução a ser adotada no exercício do controle difuso de constitucionalidade que será empreendido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário n. 986.296/PR não será imune a falhas, por qualquer ângulo que se analise a questão. E esta verdadeira impossibilidade de imunização a falhas, vale frisar, é fruto do desrespeito, pelo legislador pátrio, ao mais básico, conhecido e difundido dos princípios do Direito Tributário, desrespeito este que põe o intérprete e aplicador diante de um problema quase impossível de ser resolvido sem a desconsideração de uma ou mais normas do ordenamento jurídico pátrio ou de posicionamentos jurisprudenciais majoritários que permeiam a discussão.

Assim é que, em nosso sentir, o caminho mais eficiente para se proteger em grau máximo a legalidade tributária e a confiança dos contribuintes, em respeito à segurança jurídica, seria o exercício, pelo Supremo Tribunal Federal, do controle concentrado de constitucionalidade sobre todo o art. 27 da Lei n. 10.865/2004 – e não apenas sobre seu § 2º –, combinado com a modulação dos efeitos da decisão, por segurança jurídica, com base no art. 27 da Lei n. 9.868/1999. Embora a legitimidade para a propositura de ações de controle concentrado de constitucionalidade seja restrita, um processo de índole objetiva poderia suscitar, sem quaisquer incompatibilidades, a apreciação conjunta das autorizações para reduzir e majorar as alíquotas do PIS/PASEP e da COFINS não cumulativos incidentes sobre receitas financeiras, permitindo o exame da norma legal tão somente sob a ótica de sua constitucionalidade, apartado de interesses subjetivos imediatos.

De fato, reconhecida a inconstitucionalidade integral do art. 27 da Lei n. 10.865/2004 com modulação de efeitos, os contribuintes que confiaram na inexigibilidade do PIS/PASEP e da COFINS estabelecida pelos Decretos n. 5.164/2004 e n. 5.442/2005 não seriam obrigados a restituir todo o montante que deixou de ser pago no passado por conta das disposições fixadas pelo Poder Executivo e tampouco seriam penalizados pela ausência de recolhimento52. Por outro lado, em relação ao futuro, a despeito de as contribuições tornarem a ser exigidas mediante a aplicação das alíquotas regulares do PIS/PASEP e da COFINS não cumulativos (1,65% e 7.6%) após o marco inicial dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade do art. 27 da Lei n. 10.865/2004, resguardar-se-ia, ao mesmo tempo – e aí se compreende a razão para que seja pleiteada a inconstitucionalidade de todo o artigo 27 – o direito de os contribuintes aproveitarem créditos sobre as despesas financeiras decorrentes de empréstimos e financiamentos, tal como previsto, de forma expressa, pelo inciso V do art. 3º das Leis n. 10.637/2002 e n. 10.833/2003, em sua redação anterior à Lei n. 10.865/2004, o que, certamente, minoraria consideravelmente as consequências do retorno às alíquotas regulares.

Poder-se-ia argumentar que a permissão para aproveitamento de créditos de despesas financeiras por parte dos contribuintes, após o marco inicial da modulação de efeitos proposta, implicaria colocar o Supremo Tribunal Federal na posição de legislador positivo, em prejuízo da separação dos Poderes do Estado, uma vez que o crédito de despesas financeiras, outrora previsto expressamente no inciso V do art. 3º das Leis n. 10.637/2002 e n. 10.833/2003, foi revogado pelos arts. 21 e 37 da Lei n. 10.865/2004 e, até o momento, não foi instituída nova norma jurídica que contemple de forma expressa tal creditamento.

A nosso ver, contudo, tal argumento não procede.

Em primeiro lugar, o art. 195, § 12, da Constituição Federal, fundamento de validade da sistemática não cumulativa da contribuição ao PIS/PASEP e da COFINS, confere liberdade ao legislador apenas para indicar os “setores de atividade econômica” contemplados pelo regime da não cumulatividade – o que veio a ser concretizado com as Leis n. 10.637/2002 e n. 10.833/2009 –, mas não para “escolher”, a seu talante, as despesas ou gastos que permitiriam o aproveitamento de créditos, sob pena de se dar sinal verde para tornar cumulativo o que deveria ser não cumulativo, em prejuízo do “postulado do legislador coerente” delineado por Humberto Ávila53, segundo o qual o legislador, ao tomar uma decisão fundamental a respeito de determinada regulação – neste caso, tal decisão fundamental é representada pela indicação dos setores de atividade econômica para os quais as contribuições serão não cumulativas pelas Leis n. 10.637/2002 e n. 10.833/2003 –, “deverá desenvolvê-la de modo consequente e isento de contradições, sob pena de violar a norma fundamental da igualdade”.

Ademais, a própria Receita Federal do Brasil, por meio de Nota Explicativa ao Decreto n. 8.426/201454, admitiu que a extinção da possibilidade de aproveitamento de créditos de despesas financeiras pelos contribuintes sujeitos à sistemática não cumulativa do PIS/PASEP e da COFINS se deu como uma contrapartida à redução das alíquotas das contribuições a zero promovidas pelos Decretos n. 5.164/2004 e n. 5.442/2005, com fulcro na autorização conferida pelo § 2º do art. 27 da Lei n. 10.865/2004. Se assim é, por dever de coerência, com o retorno da tributação das receitas financeiras – seja pelas alíquotas previstas no Decreto n. 8.426/2015, seja pelas alíquotas regulares previstas nas Leis n. 10.637/2002 e n. 10.833/2003 –, devem ser readmitidos os créditos oriundos de despesas financeiras, independentemente de norma expressa nesse sentido, sob pena de violação à proibição de comportamento contraditório (venire contra factum proprium) imposta à Administração Pública como decorrência de seu dever de agir em conformidade com a boa-fé objetiva55. Aliás, a observância desse dever de coerência é reforçada pelo fato de que a Fazenda Nacional considera tributáveis, desde a entrada em vigor da Lei n. 9.718/1998, as receitas financeiras auferidas por instituições financeiras, o que torna imperativo o reconhecimento do direito subjetivo dos contribuintes de tomar créditos decorrentes de despesas financeiras assumidas junto a tais instituições, conforme bem destacado por Igor Mauler Santiago56.

Embora um tanto quanto esperançosa e de concretização prática aparentemente difícil, por depender de via com legitimidade restrita, a proposta de solução pela via do controle concentrado de constitucionalidade, a nosso ver, é aquela que mais eficazmente tutelaria, de forma conjunta, a legalidade tributária e a segurança jurídica dos contribuintes. Afinal, ao mesmo tempo em que o legislador teria assegurado o seu poder-dever de manejar de forma exclusiva as alíquotas dos tributos, em respeito ao art. 150, inciso I e § 6º, da Constituição Federal, os contribuintes veriam sua confiança nas normas infralegais da União Federal respeitada, evitando-se a cobrança retroativa das contribuições às alíquotas regulares do PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre as receitas financeiras e garantindo-se, para o futuro, o direito aos créditos decorrentes de despesas financeiras. As aparentes dificuldades práticas na concretização da proposta, contudo, nada mais refletem que a extrema complexidade da questão, uma das mais desafiadoras do Direito Tributário nos últimos tempos, por envolver, de forma simultânea, valores e princípios fundantes do próprio poder de tributar.

Conclusão

À guisa de conclusão deste breve estudo, entendemos que, de uma forma geral, o poder do legislador em matéria tributária não pode sofrer interferências indevidas de entes integrantes dos demais Poderes do Estado, dada a rígida separação dos Poderes do Estado existente na ordem constitucional brasileira, como necessária decorrência da opção por um Estado Democrático de Direito. A exigência de tributos, pelo fato de atingir o direito fundamental de propriedade, deve sempre se submeter ao regular processo legislativo, seara na qual os representantes dos cidadãos terão amplo espaço para medir de forma mais adequada as consequências da tributação, imprimindo-lhe maior segurança e transparência e evitando mudanças repentinas que surpreendam os contribuintes. Afinal, a origem histórica da legalidade tributária revela que esta simboliza o direito dos cidadãos de concordar com a tributação, direito esse que não é respeitado quando a Administração interfere na atividade legislativa em matéria tributária, independentemente de essa interferência ter sido consentida ou não pelo legislador.

Posto isso, temos que a atuação do Poder Executivo na seara tributária somente pode ser admitida nas hipóteses excepcionais albergadas pela Constituição, cuja supremacia e hierarquia impõem a obediência irrestrita a seus comandos por todos os Poderes do Estado. Nestas hipóteses, para as quais o constituinte vislumbrou a possibilidade de utilização da tributação como forma de indução de comportamentos no âmbito do Domínio Econômico, a atuação do Executivo é aceitável, porquanto o dinamismo das situações econômicas requer ações positivas rápidas ou mesmo imediatas, o que não se coaduna com a relativa morosidade do processo legislativo.

A nosso ver, portanto, a autorização conferida pelo Poder Legislativo para que o Poder Executivo maneje as alíquotas do PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre as receitas financeiras pelo Poder Executivo, seja para reduzi-las, seja para aumentá-las, e ainda que dentro de limites previstos pelo legislador, viola o princípio da legalidade tributária, o que, no entanto, não impede que os contribuintes tenham sua confiança na regularidade da redução das alíquotas protegida mediante a adequada utilização da modulação de efeitos em controle concentrado de constitucionalidade, a ser invocado pelas entidades representativas legitimadas a provocar este controle, com restabelecimento da possibilidade de os contribuintes aproveitarem créditos decorrentes de despesas financeiras. Esta, a nosso ver, seria a forma mais eficaz de resguardar tanto a legalidade tributária como a segurança jurídica, na maior medida possível.

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1 As alíquotas mencionadas nos incisos I e II do art. 8º da Lei n. 10.865/2004, originalmente fixadas nos percentuais de 1,65% e 7,6%, se referiam, respectivamente, ao PIS/PASEP e à COFINS incidentes sobre a importação de bens e serviços. Com o advento da Medida Provisória n. 668/2015, posteriormente convertida na Lei n. 13.137/2015, houve a segregação das alíquotas das contribuições incidentes sobre a importação de bens daquelas incidentes sobre a importação de serviços: no primeiro caso, as alíquotas passaram a ser de 2,1% para o PIS/PASEP e de 9,65% para a COFINS (inciso I), enquanto que, no segundo, as alíquotas foram mantidas nos antigos percentuais de 1,65% para o PIS/PASEP e de 7,6% para a COFINS (inciso II).

2 CARVALHO, Paulo de Barros. Teoria da norma tributária. 2. ed. São Paulo: RT, 1981, p. 227-233.

3 MARTINS, Ives Gandra da Silva; SOUZA, Fátima Rodrigues de; PAVAN, Cláudia Fonseca Morato. Base de cálculo do PIS e da COFINS – distinção entre receita e faturamento. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 118. São Paulo: Dialética, 2005, p. 68-75.

4 “Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.”

5 Cf. STF, Recursos Extraordinários n. 390.840/MG, n. 357.950/RS e n. 358.273/RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ de 06.02.2006.

6 SCHOUERI, Luís Eduardo; VIANA, Matheus Cherulli Alcantara. O termo “insumos” na legislação das contribuições sociais ao PIS/PASEP e à COFINS: a discussão e os novos contornos jurisprudenciais sobre o tema. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães; MOREIRA Júnior, Gilberto de Castro (coord.). PIS e COFINS à luz da jurisprudência do CARF. São Paulo: MP, 2011, p. 418.

7 Curioso notar que o art. 9º da Lei n. 9.718/1998 já se fazia presente na redação original desta, anterior ao advento da Emenda Constitucional n. 20/1998. O legislador fez questão de ressaltar no dispositivo que as variações monetárias dos direitos de crédito dos contribuintes deveriam ser consideradas como receita financeira para fins da legislação do PIS/PASEP e da COFINS, o que revela a confiança do legislador ordinário na validade constitucional do alargamento da materialidade das referidas contribuições, que, até a modificação do art. 195 da Constituição Federal, incidiam apenas sobre a receita bruta decorrente da venda de mercadorias ou prestações de serviços.

8 LIMA, Daniel Serra. A não cumulatividade do PIS/COFINS e o desconto de créditos sobre despesas financeiras. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 541. São Paulo: Dialética, 2015, p. 24.

9 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 292.

10 XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e da tipicidade da tributação. São Paulo: RT, 1978, p. 5-6.

11 Ibidem, p. 7.

12 SCHOUERI, Luís Eduardo, op. cit., p. 299-300.

13 XAVIER, Alberto, op. cit., p. 31.

14 SCHOUERI, Luís Eduardo, op. cit., p. 301.

15 A despeito de os doutrinadores se referirem à legalidade tributária, comumente, como um princípio, Humberto Ávila leciona que o texto constitucional permite sejam identificados, juntamente a um princípio, uma regra e um postulado. No entendimento do referido autor, a dimensão normativa preponderante da legalidade tributária é a de regra, na medida em que descreve um comportamento que deve ser adotado pelo Poder Legislativo e, reflexamente, pelo Poder Executivo, no tocante à competência regulamentar, vedando-se a instituição ou majoração de tributos que não decorram de procedimento parlamentar específico. Por outro lado, a legalidade tributária entendida como princípio significa o exercício do poder de tributar orientado para a consecução dos ideais de previsibilidade e determinabilidade. Por fim, entendida como postulado, simboliza a ideia de que o aplicador da lei tributária mantenha fidelidade em relação aos pontos de partida estabelecidos pela própria lei (ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 178). De qualquer forma, adotar-se-á, neste trabalho, indistintamente, o termo “princípio”, sempre que se fizer referência à legalidade tributária.

16 XAVIER, Alberto, op. cit., p. 13-18.

17 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 256.

18 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Da compensação de prejuízos fiscais ou da trava de 30%. Revista Fórum de Direito Tributário – RFDT, n. 60. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 9-31.

19 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 112.

20 PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 13. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011, p. 164.

21 Cf. STJ, REsp n. 525.526/PR, 1ª Turma, Rel. Min. Denise Arruda, DJe 01.10.2008.

22 SCHOUERI, Luís Eduardo. A suave perda da liberdade. In: COSTA, Alcides Jorge; SCHOUERI, Luís Eduardo; BONILHA, Paulo Celso Bergstrom (coord.). Revista Direito Tributário Atual, v. 18. São Paulo: Dialética e IBDT, 2004, p. 7-10.

23 LOPES, Laura Loro. Aspectos controvertidos das contribuições para os Conselhos de Fiscalização Profissional à luz da Lei 12.154/2001. In: ZILVETI, Fernando Aurelio (coord.). Revista Direito Tributário Atual, v. 34. São Paulo: Dialética e IBDT, 2015, p. 236-254.

24 Cf. STJ, Arguição de Inconstitucionalidade no Recurso em Mandado de Segurança n. 31.170/SP, Corte Especial, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe 23.05.2012.

25 Cf. STF, Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 737.217/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Rosa Weber, DJe 17.03.2014.

26 Cf. TJSP, Mandado de Segurança Coletivo n. 2218723-64.2014.8.26.0000, Órgão Especial, DE 03.08.2015.

27 Cf. STF, Recurso Extraordinário n. 704.292/PR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 06.10.2016.

28 Cf. STF, Recurso Extraordinário n. 838.284/SC, Tribunal Pleno, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 06.10.2016.

29 Cf. STF, Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 4.697/DF e n. 4.762/DF, Tribunal Pleno, Rel. Ministro Edson Fachin, DJe 30.03.2017.

30 SCHOUERI, Luís Eduardo, op. cit., p. 308-312.

31 ROCHA, Sergio André. A deslegalização no direito tributário brasileiro contemporâneo. In: GRUPENMACHER, Betina Treiger (coord.). Tributação: democracia e liberdade – em homenagem à Ministra Denise Arruda. São Paulo: Noeses, 2014, p. 536-541.

32 BARROS, Maurício. PIS/COFINS sobre as receitas financeiras no regime não cumulativo: ponderações sobre algumas patologias do Decreto 8.426/2015. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 239. São Paulo: Dialética, 2015, p. 120-121.

33 BERGAMINI, Adolpho. PIS e COFINS. São Paulo: FiscoSoft, 2016, p. 175-177.

34 CALCINI, Fábio Pallaretti. PIS/PASEP e COFINS. Tributação das receitas financeiras. In: CARVALHO, Paulo de Barros (coord.). 50 Anos do Código Tributário Nacional. São Paulo: Noeses, 2016, p. 433-441.

35 Veja-se, a título exemplificativo, a redação dos arts. 152, inciso II, 153, caput, 170, caput, 172, caput, e 193, do Código Tributário Nacional.

36 Em sentido contrário, Adolpho Bergamini sustenta que a redução a zero das alíquotas do PIS/PASEP e da COFINS não cumulativos incidentes sobre receitas financeiras promovida pelo Decreto n. 5.442/2005 não teria natureza jurídica de benefício fiscal, uma vez que a concessão deste estaria “[...] condicionada exclusivamente a elementos discricionários da Administração Pública, em especial aos critérios de oportunidade e viabilidade, sujeitos ao juízo de valor do Fisco, como ocorre, por exemplo, com a concessão de créditos presumidos de ICMS ou outros benefícios, como PPB. Nesses casos, não é incomum que tais benefícios venham dispostos em atos administrativos e, uma vez verificado que o elemento viabilidade deixou de existir, o é revogado a qualquer tempo e também por atos administrativos.” (BERGAMINI, Adolpho, op. cit., p. 177) No entanto, não nos parece juridicamente sustentável tal posicionamento, uma vez que o benefício fiscal é mais bem caracterizado não pelo seu veículo introdutor e pelo tempo pelo qual é concedido, mas, sim, pelo seu efeito prático de renúncia de receita, o qual é efetivamente verificado nos Decretos n. 5.164/2004 e n. 5.442/2005. A prevalecer a posição do autor, isenções concedidas por lei, sob certas condições ou por prazo certo, categorias expressamente previstas no Código Tributário Nacional e que implicam renúncia de receita, muitas vezes decorrentes de determinada política tributária, não poderiam ser qualificadas como benefício fiscal, o que, com a devida vênia, não parece acertado.

37 PISCITELLI, Tathiane. O caso do PIS/COFINS – responsabilidade fiscal e o princípio da legalidade por inteiro. Disponível em: <https://jota.info/colunas/pauta-fiscal/o-caso-do-piscofins-
16032017
>. Acesso em: 08.05.2017.

38 Cf. STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.674/RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 29.06.2011.

39 Diz-se “deste jaez” porque, a nosso ver, a redução de tributos por ato normativo infralegal somente ensejaria o controle judicial de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal caso a redução fosse promovida por meio da concessão dos benefícios fiscais elencados no art. 150, § 6º, da Constituição Federal. No caso de simples reduções tributárias não qualificadas como benefício fiscal, extensíveis à totalidade dos sujeitos anteriormente submetidos ao tributo cobrado por valor maior, a veiculação por ato normativo infralegal ensejaria tão somente um controle de legalidade, a ser exercido, em grau superior, pelo Superior Tribunal de Justiça, por violação do art. 97, inciso II, do Código Tributário Nacional.

40 Extrai-se do voto da Ministra Ellen Gracie, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.645-9/PR, uma elucidativa definição sobre a chamada inconstitucionalidade por arrastamento: “Constatada a ocorrência de vício formal suficiente a fulminar a Lei estadual ora contestada, reconheço a necessidade da declaração de inconstitucionalidade consequencial ou por arrastamento de sua respectiva regulamentação, materializada no Decreto 6.253, de 22.03.06. Esta decorrência, citada por CANOTILHO e minudenciada pelo eminente Ministro Celso de Mello no julgamento da ADI 437-QO, DJ 19.02.93, ocorre quando há uma relação de dependência de certos preceitos com os que foram especificamente impugnados, de maneira que as normas declaradas inconstitucionais sirvam de fundamento de validade para aquelas que não pertenciam ao objeto da ação. Trata-se exatamente do caso em discussão, no qual ‘a eventual declaração de inconstitucionalidade da lei a que refere o decreto executivo [...] implicará o reconhecimento, por derivação necessária e causal, de sua ilegitimidade constitucional’ (voto do Min. Celso de Mello na referida ADI 437-QO).” (Cf. STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.645-9/PR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, julgado em 31.05.2006, DJ 08.06.2006, sem destaques no original)

41 “Art. 492. É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.”

42 “Art. 460. É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.”

43 Cf. STF, Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 25.476/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 23.05.2014.

44 O Supremo Tribunal Federal admite, mesmo em controle difuso, como decorrência da declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, o efeito repristinatório dessa declaração, a ensejar o ressurgimento da lei ou ato normativo revogado pela lei ou ato normativo reputado inconstitucional, desde que a lei ou ato normativo revogado não esteja também sujeito à declaração de inconstitucionalidade e não torne mais gravosa a situação do jurisdicionado (cf. STF, Recurso Extraordinário n. 260.670/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 26.05.2000).

45 Cf. TRF 2, Agravo de Instrumento n. 0008386-02.2015.4.02.0000, 4ª Turma Especializada, Rel. Des. Federal Luiz Antonio Soares, publicado em 04.02.2016; TRF 4, Apelação Cível n. 5008412-74.2015.404.7107, 1ª Turma, Rel. Des. Fed. Maria de Fátima Freitas Labarrére, DE 17.03.2016; TRF 3, Agravo de Instrumento n. 0020930-92.2015.4.03.0000, 4ª Turma, Rel. Des. Fed. Mônica Nobre, e-DJF3 03.03.2016.

Vale ressaltar que, no âmbito infraconstitucional, diversos recursos especiais que versam sobre a majoração das alíquotas promovidas pelo Decreto n. 8.426/2015 vêm tendo seu conhecimento negado em decisões monocráticas proferidas por Ministros integrantes da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, sob o fundamento de que a questão jurídica de fundo seria eminentemente constitucional e, portanto, sujeita ao crivo do Supremo Tribunal Federal (cf. STJ, Recurso Especial n. 1.664.102/SC, Rel. Min. Assusete Magalhães, DJe 20.04.2017; STJ, Recurso Especial n. 1.662.213/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe04.04.2017; STJ, Recurso Especial n. 1.621.259/SC, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 26.08.2016). Por outro lado, ao menos até o momento de conclusão do presente trabalho, encontra-se pendente de julgamento na 1ª Turma da Corte o Recurso Especial n. 1.586.950/RS, no bojo do qual se discute a mesma questão jurídica, com o placar, até o momento, de dois votos favoráveis ao contribuinte recorrente (proferidos pelo Relator, Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, para quem o PIS/PASEP e a COFINS sequer poderiam incidir sobre receitas financeiras, e pela Ministra Regina Helena Costa, que, embora considerando legítima a cobrança das contribuições sobre receitas financeiras, afastou a aplicação do art. 1º do Decreto n. 8.426/2015 e determinou o retorno à situação de alíquota zero anterior) e um voto desfavorável (proferido pelo Ministro Gurgel de Faria), restando, ainda, dois votos (a serem proferidos pelos Ministros Benedito Gonçalves e Sérgio Kukina).

46 Após a edição da Lei n. 13.157/2015, o PIS/PASEP e a COFINS incidentes sobre a entrada de bens estrangeiros no território nacional têm alíquotas de 2,1% e 9,65%, respectivamente (art. 8º, inciso I, da Lei n. 10.865/2004), enquanto que o PIS/PASEP e a COFINS incidentes sobre o pagamento, o crédito, a entrega, o emprego ou a remessa de valores a residentes ou domiciliados no exterior como contraprestação por serviço prestado têm alíquotas de 1,65% e 7,6%, respectivamente (art. 8º, inciso II), percentuais que se mantêm atualmente.

47 Cf. STF, Repercussão Geral em Recurso Extraordinário n. 986.296/PR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe 20.03.2017.

48 Reforça esta crença o título do Tema 939 de Repercussão Geral, em face do qual deverá ser fixada a tese decorrente do julgamento do Recurso Extraordinário n. 986.296/PR: “Possibilidade de as alíquotas da contribuição ao PIS e da COFINS serem reduzidas e restabelecidas por regulamento infralegal, nos termos do art. 27, § 2º, da Lei n. 10.865/2004.”

49 A questão relativa à possibilidade de autorização, pelo Poder Legislativo, para que o Poder Executivo maneje alíquotas também será discutida, em controle concentrado de constitucionalidade, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.277/DF, de iniciativa da Procuradoria-Geral da República e também sob relatoria do Ministro Dias Toffoli. Neste caso, analisar-se-á a constitucionalidade, em face dos arts. 150, inciso I e § 6º, da Constituição Federal, dos §§ 8º, 9º, 10 e 11 do art. 5º da Lei n. 9.718/1998, incluídos pela Lei n. 11.727/2008, os quais autorizam o Poder Executivo a fixar e alterar coeficientes para redução das alíquotas da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre a receita bruta auferida na venda de álcool, inclusive para fins carburantes, assim como das alíquotas incidentes sobre os regimes especiais de cobrança da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS.

50 Cf. STF, Embargos de Declaração em Recurso Extraordinário n. 500.171/GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 02.06.2011.

51 “Art. 927 [omissis]

[...]

§ 3º Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.”

52 Neste ponto, trata-se de solução semelhante à que vem sendo adotada recentemente pelo Supremo Tribunal Federal em casos de declaração de inconstitucionalidade de benefícios fiscais relativos ao ICMS concedidos à revelia do CONFAZ (cf. STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.663/RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, julgada em 08.03.2017; STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.796/PR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgada em 08.03.2017; STF, Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 4.481/PR, Tribunal Pleno, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe 19.05.2015).

53 ÁVILA, Humberto. O “postulado do legislador coerente” e a não-cumulatividade das contribuições. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Grandes questões atuais do direito tributário. São Paulo: Dialética, 2007. v. 11, p. 178-179.

55 “A proibição de ir contra os próprios atos interdita o exercício de direitos e prerrogativas quando o agente procura emitir novo ato em contradição manifesta com o sentido objetivo dos seus atos anteriores, ferindo o dever de coerência para com o outro sujeito da relação sem apresentar justificação razoável. A regra tem aplicação, por exemplo, para impedir mudanças ‘repentinas’ de orientação ou interpretação de normas tributárias pelos agentes fazendários, artifício utilizado para tributar-se diversamente, de um dia para o outro, determinada categoria de produtos (STF, RDP-10, 1969, p. 184-185) [...].” (MODESTO, Paulo. Controle jurídico do comportamento ético da Administração Pública no Brasil. Revista Diálogo Jurídico, n. 13. Salvador: CAJ – Centro de Atualização Jurídica, abril-maio/2002)

A proibição do venire contra factum proprium em face da Administração Pública também encontra respaldo na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: “Recurso ordinário em mandado de segurança. Administrativo. Servidor público militar. Curso de formação. Matrícula por força de liminar. Mérito julgado improcedente. Manutenção na academia, ingresso e promoção na carreira por atos da Administração posteriores à cassação da decisão judicial. Transcurso de mais de cinco anos. Anulação. Segurança jurídica e boa-fé objetiva vulnerados. Vedação ao comportamento contraditório. Princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Constatação de que o candidato preenchia o requisito cuja suposta ausência impedira sua admissão no curso de formação. Atendimento aos pressupostos legais e constitucionais para ingresso e exercício do cargo de oficial da polícia militar. 1. Os princípios da segurança jurídica e da boa-fé objetiva, bem como a vedação ao comportamento contraditório (venire contra factum proprium), impedem que a Administração, após praticar atos em determinado sentido, que criaram uma aparência de estabilidade das relações jurídicas, venha adotar atos na direção contrária, com a vulneração de direito que, em razão da anterior conduta administrativa e do longo período de tempo transcorrido, já se acreditava incorporado ao patrimônio dos administrados. [...] 5. Os atos de admissão e promoção do Recorrente praticados pela Administração, bem como o longo tempo em que eles vigoraram, indicavam, dentro da perspectiva da boa-fé, que o seu ingresso na carreira militar já havia se incorporado, definitivamente, ao seu patrimônio jurídico, pelo que sua anulação, com base em fato anterior à prática dos atos anulados (cassação da liminar), feriram os princípios da segurança jurídica e da boa-fé objetiva, tendo sido infringida a cláusula venire contra factum proprium ou da vedação ao comportamento contraditório. 7. Recurso ordinário provido para conceder a segurança e anular o ato que cassou a promoção do Recorrente à patente de 1º Tenente, bem como o ato que determinou sua exclusão dos quadros da Polícia Militar, determinando seu imediato retorno à função ocupada, com todos os consectários jurídico-financeiros dele decorrentes.” (Recurso Ordinário em Mandado de Segurança n. 20.572/DF, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe 15.12.2009)

56 SANTIAGO, Igor Mauler. Despesas financeiras no PIS/COFINS e créditos de CPRB desafiam empresas. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-jun-17/consultor-tributario-receitas-despesas-financeiras-piscofins-desafiam-empresas#_ftn5>. Acesso em: 08 maio 2017.