Análise do Caso Carlão: Exploração da Imagem por Pessoa Jurídica e a Necessidade de Propósito Negocial
Examining the Carlão Case: Image Right Exploitation by Legal Entities and the Need of a Business Purpose
Rafael Marchetti Marcondes
Doutor e Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP. Especialista em Direito Tributário pela FGV/SP. Bacharel em Direito pela PUC/SP. Professor do IBET e da EPD. Advogado Consultor. E-mail: r.marcondes@live.com.
Resumo
O artigo tem como objetivo analisar caso julgado pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) envolvendo a tributação por meio de pessoa jurídica de rendimentos decorrentes da exploração da imagem do jogador de vôlei Carlão, além de rendimentos da atividade de atleta profissional e prêmios. Referidos rendimentos foram originalmente apurados por pessoa jurídica da qual o atleta era sócio e foram redirecionados pelo Fisco para a pessoa física do jogador, sendo tributados pelo Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF), devido à inexistência de propósito negocial e à inadequação do tipo de pessoa jurídica eleito. Com o presente trabalho busca-se examinar a partir de um estudo de caso o cabimento ou não de se exigir a figura do propósito negocial como elemento necessário à legitimação de planejamento tributário.
Palavras-chave: tributário, direito de imagem, reclassificação de rendimentos, propósito negocial, Caso Carlão.
Abstract
The main purpose of this paper is to analyze a case considered by the Administrative Tax Appeals Council (CARF) involving the taxation by means of a legal entity of incomes related to the exploitation of volleyball player Carlão’s image rights, besides incomes related to salary and premium. Such incomes were originally assessed by the legal entity in which the player participated as an investor. However, Fiscal Authorities reclassified these revenues as if they were accrued by the athlete’s natural person, charging him the Individual Income Tax (IRPF) under the allegation of lack of business purpose and inadequacy of the elected company type. With this paper we seek to review – from a case analysis – the adequacy or not of applying the business purpose figure as a necessary element of a valid tax planning.
Keywords: tax law, image right, redefining incomes, business purpose, the Carlão Case.
1. Introdução
A exploração da imagem de esportistas por meio de pessoas jurídicas tem sido alvo de dura fiscalização. Mas isso não é novidade, trata-se de um movimento crescente, iniciado nos anos 2000 e que tem se intensificado mais recentemente, especialmente porque a investigação da exploração de direitos personalíssimos – como a imagem – foi inserida nos últimos anos no plano de metas da Receita Federal do Brasil como sendo um dos principais focos de investigação.
Devido às altas cifras envolvidas e à repercussão que o futebol tem no País, vemos mais frequentemente nos noticiários informações sobre jogadores e técnicos de futebol autuados, o que pode transparecer a equivocada impressão de que questionamentos sobre a utilização indevida da imagem são exclusivos desse segmento esportivo. Isso não é verdade.
O caso envolvendo o ex-tenista Gustavo Kuerten1 é um bom exemplo disso. Mas além dele, existem outros exemplos de modalidades esportivas diferentes do futebol que também têm tido seus atletas fiscalizados e autuados pela Receita Federal do Brasil, por discordâncias quanto à forma de tributação do direito de imagem.
Situação bastante interessante se verificou com o ex-jogador de vôlei Antônio Carlos Aguiar Gouveia, o “Carlão”, capitão da seleção nacional que conquistou o primeiro ouro do vôlei brasileiro nos Jogos Olímpicos de 1992, em Barcelona.
O mais comum de se observar é o Fisco federal questionando a viabilidade de se transferir o direito de imagem a uma pessoa jurídica, para que ela passe a explorá-lo. No caso envolvendo Carlão, essa foi uma acusação presente, porém não a única. O ex-atleta – diversamente do que costuma se observar com outros esportistas com o mesmo problema – também teve que enfrentar em seu julgamento no CARF, a acusação de que a empresa da qual era sócio, responsável pela exploração da sua imagem, teria existência meramente formal, com o único propósito de servir de artifício para reduzir a carga tributária incidente sobre os rendimentos recebidos pelo ex-jogador. Em suma, faltava-lhe propósito negocial. Além disso, questionou-se o tipo societário eleito pelo atleta: uma sociedade empresarial.
Em que pese a discussão quanto à existência de propósito negocial não ser nova no âmbito dos planejamentos tributários e se fazer bastante presente em operações envolvendo o aproveitamento de ágio, esse é um tema ainda pouco frequente nas discussões travadas pelo Fisco federal com os atletas, sinalizando uma nova tendência da Receita Federal do Brasil em suas autuações fiscais em transações verificadas no âmbito esportivo.
Devido à singularidade do posicionamento firmado pelas autoridades fiscais no Caso Carlão, será examinado a seguir, a partir das alegações feitas pelo Fisco e pelo contribuinte no caso concreto, bem como a partir da posição firmada pelo CARF no julgamento examinado, quais são os fundamentos constantes em nosso ordenamento que de fato permitem a desconsideração de um negócio jurídico – com o deslocamento de rendimentos de uma pessoa para outra – e se o propósito negocial se encontra dentre tais elementos.
Em suma, busca-se a partir da análise de um caso concreto envolvendo a exploração da imagem de esportista por meio de pessoa jurídica, avaliar quais são os critérios postos na ordem jurídico-tributária para reconhecer a legitimidade ou não de uma operação, e se os argumentos trazidos pelas partes e pelos Conselheiros julgadores encontram amparo legal. Vejamos.
2. Entenda o caso
Antônio Carlos Aguiar Gouveia, “Carlão”, capitão da seleção nacional que conquistou o primeiro ouro do vôlei brasileiro nos Jogos Olímpicos de 1992, em Barcelona, constituiu sociedade empresarial denominada Carlão Promoções Ltda. que, posteriormente, teve sua razão social alterada para RFG Ltda. A sociedade era formada pelo ex-atleta, detentor de 99% das cotas, e por sua esposa, Gilda Maria Lacombe Heilborn, detentora do 1% remanescente.
Por meio dessa sociedade foram celebrados diversos contratos nos anos de 2002 e 2003, objeto da fiscalização. A RFG Ltda. firmou contrato intitulado “Acerto entre as Partes” com o Sport Clube Ulbra (Ulbra), relativo à prestação de serviços de atleta profissional, no qual consta como contratado a pessoa física do ex-atleta, que receberia “salários mensais de R$ 8.000,00”. A sociedade do ex-jogador também se comprometeu com a empresa Koch Tavares e Eventos S.A. (Koch Tavares) à prestação de serviços de atleta profissional em campeonatos de vôlei de praia.
No mesmo período foram celebrados pela RFG Ltda. contratos com o Banco do Brasil S.A. (Banco do Brasil) e Unisul Esporte Clube (Unisul), referentes à licença de uso da sua imagem, nome, som e voz. A empresa também recebeu recursos decorrentes de premiações individuais do ex-atleta por colocações obtidas em torneios.
Em suma, no período fiscalizado, a sociedade empresária RFG Ltda. auferiu rendimentos decorrentes: (i) da prestação de serviços de atleta profissional; (ii) de prêmios por desempenho e classificação em torneios; e (iii) da exploração do direito de imagem do ex-jogador de vôlei.
2.1. A acusação fiscal
Ao examinar os fatos e a natureza dos rendimentos auferidos pela sociedade empresária RFG Ltda., a Receita Federal do Brasil concluiu pela tributação indevida de rendimentos próprios da pessoa física do ex-atleta, na pessoa jurídica da qual era sócio. Foi identificado um deslocamento da base tributável e, assim, formalizou-se cobrança de IRPF por omissão de rendimentos nos anos de 2002 e 2003.
Para o Fisco, os rendimentos resultantes da prestação de serviços de atleta profissional teriam natureza de remuneração, na medida em que havia: (i) habitualidade, isto é, continuidade na prestação do serviço; (ii) subordinação, visto que o atleta devia observar diretrizes estabelecidas pela Ulbra e Koch Tavares, como lugar, forma, modo e tempo (dia e hora) para a execução das atividades; (iii) onerosidade, pois foi previamente estabelecida uma contraprestação entre as partes; e (iv) pessoalidade, uma vez que o ex-atleta se comprometia pessoalmente a desempenhar as atividades de jogador profissional de vôlei, não podendo ser substituído.
Quanto aos prêmios recebidos por atingimento de metas, considerou-se que tais quantias estariam contempladas no conceito de salário, previsto no art. 457 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)2, aprovada pelo Decreto n. 5.452, de 1º de maio de 1943, e, assim, deveriam ter sido tributados na pessoa física do ex-atleta. Por fim, no tocante às verbas decorrentes de contratos de licença de imagem, o Fisco posicionou-se pela impossibilidade da tributação na pessoa jurídica, por considerar que as cláusulas contratuais firmadas com o Banco do Brasil e a Unisul impunham deveres de caráter pessoal.
2.2. As alegações da defesa
Quanto à remuneração paga pelos serviços de atleta profissional e premiações, a defesa do ex-atleta apenas sustentou que os tomadores do serviço se equivocaram ao fazer os pagamentos para empresa RFG Ltda. e que, a despeito disso, a contratação de atletas profissionais por meio de pessoas jurídicas é prática corrente no meio esportivo e deve ser admitida como legítima.
No que diz respeito às contraprestações decorrentes da utilização da imagem, a defesa do ex-jogador de vôlei defende que o contrato envolvendo a exploração desse direito é de natureza mercantil e, por isso, não integra a remuneração. Também se argumentou que a opção pela tributação na pessoa jurídica da RFG Ltda. decorre de planejamento tributário por meio do qual se busca por vias legais “obter-se redução no pagamento de tributos”.
3. A posição firmada pelo CARF
Diante da situação narrada, o CARF entendeu plenamente legal que atletas, artistas e outros profissionais que prestam serviços em caráter personalíssimo possam fazer uso de pessoas jurídicas para a execução dessas atividades. No entanto, no Acórdão n. 2802-002.809, os Conselheiros deixaram claro que, se feita a opção por se explorarem serviços de natureza pessoal por meio de pessoa jurídica, que as atividades deveriam ser desempenhadas por sociedades simples, e não empresárias.
Para o CARF, negar a possibilidade de prestação de serviços em caráter pessoal por intermédio de pessoas jurídicas regularmente constituídas equivaleria a negar vigência aos enunciados do Código Civil que tratam das sociedades simples não empresariais. Ademais, segundo o posicionamento firmado, essa postura representaria uma afronta aos princípios da livre iniciativa, liberdade de exercício de trabalho, ofício ou profissão e liberdade de associação, previstos respectivamente nos arts. 5º, XIII3 e XVII4, e 170, parágrafo único5, todos da Constituição Federal.
Em seu voto, o Conselheiro German Alejandro San Martín Fernández enfrentou a posição do Fisco que não admitia a exploração dos direitos de imagem, nome, som e voz por intermédio de pessoas jurídicas. A posição fiscal fundamentava-se no fato de as atividades decorrentes dos contratos de prestação de serviços imporem deveres de caráter pessoal por parte do esportista, que somente ele poderia realizar, não se admitindo sua substituição.
Segundo restou consignado no Acórdão n. 2802-002.809, toda prestação de serviço, por envolver um trabalho, só pode ser desempenhada por pessoas físicas. Dessa forma, caso considerado que o caráter pessoal (ou personalíssimo) da prestação de serviços não pode constituir objeto das pessoas jurídicas, cair-se-ia no absurdo de recusar a existência de toda e qualquer sociedade de prestação de serviço, o que não condiz com a realidade do mundo contemporâneo. Esse foi o entendimento consignado pelo relator.
Assim, após assumir a premissa de ser perfeitamente possível a exploração da imagem por meio de sociedade simples, mesmo antes do advento do art. 129 da Lei n. 11.196/2005 – cujo caráter, no entender da Turma julgadora é de norma interpretativa –, o CARF voltou sua atenção para averiguar se haveria “propósito negocial na criação e mantença da pessoa jurídica RFG Ltda., além de apenas suportar o recebimento de remuneração, patrocínios, direitos de imagem e participação em torneios”.
Ao fazer um exame dos documentos juntados aos autos, os Conselheiros consideraram que a empresa do ex-jogador só existia formalmente, sendo “desprovida de atividade e existência efetiva”. Segundo restou consignado nos autos, a RFG Ltda. não contava com registro de empregados, seu atual endereço, bem como os anteriores eram todos residenciais, não havia comprovante de despesas necessárias à manutenção das suas atividades produtivas ou fotos do estabelecimento empresarial.
Além disso, o CARF observou que o tipo societário adotado pela pessoa jurídica (empresarial) era inadequado às atividades por ela desempenhadas, de natureza artística ou assemelhada, não se enquadrando no conceito de empresário trazido pelo art. 966 do Código Civil6.
Portanto, os Conselheiros concluíram não haver propósito negocial nem existir estrutura empresarial compatível com o tipo societário eleito, de modo que os rendimentos em questão decorreriam, de fato, de serviços de natureza pessoal prestados pela pessoa física do ex-atleta. Como consequência, foi mantido o lançamento de débitos de IRPF em decorrência da omissão de rendimentos nos anos de 2002 e 2003.
4. Considerações sobre a posição firmada pelo CARF
O caso levado à análise do CARF tratou da tributação por intermédio de pessoa jurídica de rendimentos decorrentes de salário, prêmios por metas e direito de imagem. Para melhor compreender a matéria, faz-se oportuno saber quando se está diante de um pagamento feito a um empregado (salário) e quando se está perante um pagamento realizado a um trabalhador autônomo (remuneração).
4.1. Rendimentos decorrentes de salário
O conceito de empregado é trazido pelo art. 3º da CLT, que enquadra nessa condição toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a sua dependência. A partir dessa previsão legal, observam-se quatro requisitos que levam à caracterização do vínculo empregatício, quais sejam: (i) habitualidade; (ii) onerosidade; (iii) subordinação; e (iv) pessoalidade.
A habitualidade indica que as atividades desempenhadas não são eventuais, mas contínuas; a onerosidade caracteriza-se pela contraprestação financeira aos serviços prestados; a subordinação refere-se ao elemento que demonstra que o prestador está sob as ordens daquele a quem presta serviços; e, por fim, a pessoalidade revela que a prestação de serviços é personalíssima, isto é, somente pode se dar por meio de determinada pessoa, sem possibilidade de substituição.
De outro lado, está o profissional autônomo, que é o trabalhador que exerce sua atividade profissional sem vínculo empregatício, por conta própria e com a assunção dos riscos do negócio, sendo certo que a prestação de serviços há de ser eventual, e não habitual.
Em suma, enquanto o empregado presta serviços habitualmente, o profissional autônomo faze-o apenas esporadicamente. O empregado não assume o risco do negócio, que fica a cargo do empregador, ao passo que o autônomo efetivamente toma para si o risco da atividade e, finalmente, enquanto o empregado é subordinado ao empregador, o trabalhador autônomo não se subordina ao tomador do serviço.
Dessarte, se é contratado um trabalhador autônomo e tal profissional presta serviços com habitualidade, pessoalidade e sob ordens – caracterizando-se a subordinação –, haverá sim uma relação de emprego e as contraprestações dela decorrentes serão salário, e não remuneração.
Diante dessas considerações, verifica-se que os rendimentos pagos pela Ulbra e Koch Tavares à RFG Ltda. tinham natureza salarial e, assim, deveriam ter sido tributados na pessoa física do atleta, e não por intermédio de pessoa jurídica, como bem deliberou o CARF.
No contrato “Acerto entre as Partes” firmado com a Ulbra eram feitos pagamentos fixos e mensais, o que demonstra a habitualidade das contraprestações pagas. A habitualidade, vale lembrar, é elemento próprio e caracterizador de uma relação de emprego. Tanto isso é verdade que, em decorrência dos serviços de atleta profissional de vôlei prestados, o referido contrato previa expressamente o pagamento de “salários mensais de R$ 8.000,00”. De forma semelhante verificou-se no contrato firmado com a empresa Koch Tavares.
4.2. Rendimentos decorrentes de prêmios por atingimento de metas
Além do salário estipulado pelo ex-atleta com a Koch Tavares, foram pactuados prêmios a serem pagos com base nas colocações obtidas em torneios. Tais valores foram tratados pelo CARF como se fossem salários e, assim, atribuídos à pessoa física do ex-jogador.
O enquadramento das premiações pelo atingimento de metas como salário é possível, desde que sejam pagas com assiduidade. Segundo o entendimento consolidado pelo Tribunal Superior do Trabalho7, se o prêmio não for pago com habitualidade, ele não possui natureza salarial.
Assim, observa-se que antes de enquadrar os prêmios recebidos por Carlão como salário e tributá-los na pessoa física, era preciso que o CARF tivesse analisado a frequência com que tais pagamentos foram feitos. Isso não ocorreu e a posição assumida pelo tribunal administrativo mostrou-se falha nesse ponto.
Somente com o exame detalhado dos pagamentos feitos em decorrência do contrato firmado pelo ex-atleta com a Koch Tavares é que seria possível apurar se se tratava de pagamentos habituais, com reflexos de natureza salarial, ou se eram pagamentos esporádicos, e, assim, correspondiam a liberalidades do empregador que não compunham a verba salarial e, portanto, estavam fora do campo de incidência do IRPF.
4.3. Rendimentos decorrentes da exploração de imagem
Quanto aos rendimentos relativos ao uso da imagem do ex-jogador de vôlei, o CARF foi preciso ao reconhecer ser “perfeitamente possível e legal” que atletas prestem serviços em caráter personalíssimo por intermédio de pessoa jurídica. O tribunal administrativo inclusive reconheceu a natureza interpretativa do art. 129 da Lei n. 11.196/20058, admitindo, por consequência, que a ordem jurídica nacional já permitia a exploração de atividades personalíssimas por empresas, antes mesmo do advento da referida norma9.
Em que pese a relevância da decisão reconhecer a natureza interpretativa da norma contida no art. 129 da Lei n. 11.196/2005, o ponto que mais chamou atenção na análise do caso do ex-jogador de vôlei Carlão refere-se ao exame feito pelos julgadores quanto à efetiva existência da pessoa jurídica RFG Ltda. e do real exercício da sua atividade empresarial.
Foi suscitado no curso do julgamento um elemento novo, visto em casos de planejamentos tributários, mas que ainda não havia sido levantado em julgamentos envolvendo a utilização de pessoas jurídicas por esportistas ou artistas, a figura do “propósito negocial”.
Como colocado pelo Conselheiro German Alejandro San Martín Fernández, relator do processo, a fim de determinar a procedência da cobrança de IRPF, seria preciso “verificar, de acordo com as provas juntadas ao processo, se há propósito negocial na criação e mantença da pessoa jurídica FG Ltda.”, que não seja a simples redução da carga tributária em relação ao montante recolhido pelas pessoas físicas.
O posicionamento firmado no Acórdão n. 2802-002.809 resulta das lições de Ricardo Lobo Torres10 e de Marco Aurélio Greco11, que sustentam que não apenas a ausência de propósito negocial, mas também o abuso de forma jurídica, permitiriam restringir a autonomia dos contribuintes relativamente à organização dos seus negócios.
Para Ricardo Lobo Torres, a inexistência de propósito negocial e o abuso de direito12 seriam limites trazidos pelo parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional13, introduzido em nosso sistema pela Lei Complementar n. 104, de 10 de janeiro de 2001 (Lei Complementar n. 104/2001), que teria instituído norma antielisiva capaz de requalificar ato ou negócio jurídico de modo a reaproximá-lo da mens legis, isto é, seria possível ampliar o alcance da lei para que ela conseguisse atingir sua finalidade econômica, ainda que um fato não estivesse descrito na hipótese normativa do tributo.
Nessa linha, Marco Aurélio Greco defende que “a lei tributária alcança o que obviamente prevê, mas não apenas isto; alcança, também, aquilo que resulta da conjugação positiva com o princípio da capacidade contributiva”14. Assim, para que um planejamento tributário seja válido, não basta o interesse na redução da carga tributária, também são necessários outros propósitos negociais capazes de legitimá-lo.
Em apertada síntese, o que se nota da corrente doutrinária capitaneada por Ricardo Lobo Torres e Marco Aurélio Greco é que o direito de o particular se organizar com a finalidade de pagar menos tributos não pode ser exercido livremente, devendo a atividade do contribuinte tendente a reduzir ou a evitar a tributação ser examinada à luz dos princípios da solidariedade social e da capacidade contributiva.
Desse modo, a economia tributária somente poderia ser alcançada de forma legítima se o contribuinte tivesse outras razões empresariais ou econômicas (propósito negocial) para justificar a adoção de determinada estrutura jurídica. Caso o negócio jurídico fosse realizado apenas para fins de economia tributária, estar-se-ia diante de um abuso de direito, vedado pelo ordenamento jurídico.
É justamente essa a propriedade relevante que foi eleita pelo CARF para conduzir o julgamento, e ela pode ser traduzida na seguinte questão: a operação teve outros motivos que não os tributários? Como a resposta foi “não” para a maioria dos Conselheiros, a autuação acabou sendo mantida15.
Acontece que o CARF, ao tentar desvendar a existência de propósito negocial, como bem colocou Sacha Calmon Navarro Coêlho e Eduardo Junqueira Coelho16, acabou adentrando no “foro íntimo do contribuinte, chegando ao cúmulo de tentar adivinhar o que ele pensou ao realizar a operação societária”. Trata-se de puro subjetivismo que não se adequa à estrita legalidade que regula não só a atuação estatal, mas também todo o sistema tributário nacional.
A norma antielisiva contida no parágrafo único do art. 116 do CTN – que autorizaria a desconsideração de ato jurídico sob a alegação de falta de propósito negocial e de abuso de direito – é norma de eficácia limitada, ou seja, sua autoexecutoriedade plena dependerá de leis ordinárias que a integrarão.
O ato ordinário que se propôs a implementar a aplicação desse dispositivo foi a Medida Provisória n. 66, de 29 de agosto de 2002. Em seu art. 14, § 1º, I, a medida provisória permitia que as autoridades fiscais desprezassem os negócios jurídicos quando identificassem no caso a ausência de propósito negocial ou o abuso de forma jurídica. Todavia, o Poder Legislativo, ao converter a referida medida provisória na Lei n. 10.637, de 30 de dezembro de 2002 (Lei n. 10.637/2002), rechaçou tal prescrição, não vertendo em lei a parte do ato executivo que autorizava o Fisco a se opor aos planejamentos tributários que supostamente apresentassem abuso de direito ou não tivessem propósito negocial.
Logo, tem-se que o propósito negocial não tem amparo legal. O simples fato de ter sido objeto de uma medida provisória não lhe confere legitimidade para que se exija do contribuinte tal conduta. Ademais, o princípio da capacidade contributiva tampouco dá suporte à sua aplicação. Isso porque, como bem coloca Paulo Ayres Barreto17, esse princípio tem uma dupla feição que lhe é primordial: (i) a de diretriz a ser observada pelo legislador infraconstitucional; e (ii) a de garantia fundamental, assegurada ao cidadão para sua proteção, com relação à atividade impositiva dos entes políticos.
A capacidade contributiva exige que as hipóteses de incidência eleitas para figurar nas regras-matrizes veiculem fatos presuntivos de riqueza e que o montante da carga de tributos cobrados seja adequado à realidade contributiva do sujeito passivo da obrigação. Trata-se, portanto, de direito individual do contribuinte perante o Poder Legislativo para que não institua o tributo, e perante o Fisco, para que não o exija.
Na condição de direito individual, encontra-se tutelado pelo art. 60, § 4º, IV, da Constituição Federal18 como cláusula pétrea, isto é, disposição constitucional que não pode ser alterada, nem mesmo por intermédio de emenda constitucional.
Ocorre que, ao se atribuir a pretendida “eficácia positiva” a tal princípio, cria-se uma suposta norma antiabuso, que permitiria ao aplicador do Direito ir além do que a lei prevê para tributar fatos que, apesar de não configurarem hipótese de incidência de uma exação específica, denotem uma capacidade para contribuir semelhante a de uma hipótese tributária, retiram-se, por consequência, as garantias que lhes são inerentes, tendentes a preservar a segurança jurídica do contribuinte e a sua certeza de tributação mediante lei, na medida da sua capacidade econômica.
Acontece que como pondera Luís Eduardo Schoueri, “no caso brasileiro, a norma antiabuso não pode revestir-se de caráter analógico, em face do Princípio da Legalidade”, não se admitindo “substituir um fato ocorrido por outro inventado”19. A alegada “eficácia positiva” do princípio da capacidade contributiva se choca com o princípio da legalidade, não havendo como sustentar tratar-se de um primado que sobrepaira a toda a ordem jurídica nacional, nem mesmo com o apoio do princípio da solidariedade social, pelo qual o interesse público deve prevalecer sobre o particular. Vale frisar, pela atual Constituição são imutáveis os direitos e as garantias individuais, e não os direitos sociais ou coletivos.
Entre visões sociais e individuais, são as individuais que devem se sobressair quando avaliada a capacidade contributiva do contribuinte, pois foi o constituinte originário que conferiu maior força protetiva aos direitos e garantias individuais ao lhes outorgar a condição de cláusula pétrea. Portanto, não há guarida no atual sistema positivo a esse tipo de interpretação ampliativa sobre o princípio da capacidade contributiva.
Nem mesmo há amparo para a aplicação das noções de propósito negocial e de abuso de direito. Com relação ao propósito negocial porque, como dito, não há lei que o preveja e, no tocante ao abuso de direito, por estar apenas previsto no art. 187 do Código Civil20, cujos efeitos são limitados no campo tributário.
Segundo a hermenêutica, eventuais antinomias existentes entre o Direito Tributário e o Direito Civil, para serem solucionadas, devem se pautar nos seguintes critérios: (i) hierarquia; (ii) cronologia; e (iii) especialidade21. Desse modo, sempre que uma norma civil estiver em conflito com uma norma constitucional que verse sobre matéria tributária, é a norma tributária que prevalecerá sobre a de Direito Civil.
De forma semelhante observa-se quando, por expressa determinação constitucional, a competência para regular determinada matéria tributária for do legislador complementar, como nas hipóteses previstas no art. 146 da Constituição Federal. Nessa situação, novamente sobressaem-se as normas tributárias (originadas de lei complementar) às civis, em decorrência de exigência do constituinte. Por fim, caso haja antinomias entre leis ordinárias civis e tributárias, são as tributárias, mais uma vez, que prevalecem, em razão da sua especialidade, ainda que a lei civil lhes seja posterior, conforme determina o art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução ao Código Civil22.
Logo, em consonância com o entendimento manifestado por Paulo Ayres Barreto23, “havendo tratamento específico, no bojo da legislação tributária, para os defeitos dos atos ou negócios jurídicos, é essa legislação – e não a de natureza civil – que deverá pautar os limites da atuação do contribuinte, em relação às ações que possam ser qualificadas como elisivas”.
E a legislação tributária não é silente sobre o assunto. Ela autoriza nos arts. 11824 e 149, VII25 do Código Tributário Nacional, e 3º, § 4º, da Lei n. 7.713/198826, a desconsideração dos efeitos tributários de negócio jurídico realizado sempre que se verificarem dolo, fraude, simulação ou dissimulação.
O dolo representa a vontade do agente associada à sua consciência na realização de conduta definida no tipo normativo como infração. É um querer ligado à ação que sabidamente é descrita em lei como proibida. O dolo é elemento subjetivo que integra o tipo. Na seara tributária a apuração do dolo está diretamente ligada à aplicação de multa de ofício qualificada.
A fraude à lei consiste em uma contrariedade à norma, mas uma afronta não por via direta, mediante a violação frontal da norma expressamente posta, mas de forma indireta, sem que haja conflito com o texto normatizado, porém em dissonância com o conteúdo semântico da norma. Na fraude à lei há coincidência entre a vontade das partes e a forma pela qual ela se manifesta.
Por fim, a simulação consiste em fazer parecer algo que não existe. Nos termos do art. 167, § 1º, I, II e III, do Código Civil27, são os negócios que procuram transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente conferem, contenham declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira, bem como instrumentos particulares antedatados ou pós-datados.
Na simulação, há uma contradição entre o que se quer e o que se faz. Há uma desconformidade entre a vontade do sujeito e a vontade exteriorizada no negócio jurídico, com o fim de ludibriar terceiros. A simulação tal qual colocada no art. 149, VII, do Código Tributário Nacional, diz respeito à simulação absoluta, na qual inexiste qualquer relação subjacente ao negócio jurídico aparente.
No âmbito fiscal, há também o art. 116 do Código Tributário Nacional, que traz como limite à atuação do contribuinte a figura da dissimulação. Na dissimulação, também conhecida como simulação relativa, pratica-se um ato com o fim de ocultar outro ato ou fato verificado, dando-lhe nova roupagem. O ato de dissimular consiste em vício pelo qual se encobre a realidade do que se fez ou se executou, em outra palavra, é o disfarce. Nessa situação, há uma relação jurídica encoberta pelo negócio jurídico simulado. Assim, afastado o negócio jurídico simulado, subsiste aquele que se dissimulou, se válido na sua substância e forma.
Portanto, o legislador tributário traz como balizas à atuação do contribuinte a simulação, seja ela absoluta ou relativa (dissimulação), e a fraude à lei, que poderão estar acompanhadas do dolo. São apenas esses elementos que autorizam as autoridades fiscais e julgadoras a desconsiderar para efeitos tributários os negócios jurídicos realizados28. Qualquer pretensão de se afastar um negócio, no caso, a constituição da pessoa jurídica RFG Ltda., sem que haja fraude ou simulação, não encontra amparo legal29.
A partir dos elementos trazidos pelo Acórdão n. 2802-002.809, é possível identificar indícios que podem levar à caracterização de ato simulado, como a inexistência de empregados registrados em nome da empresa do ex-atleta, a inocorrência de estrutura empresarial, a não demonstração de despesas necessárias à manutenção da atividade produtiva e a indicação de endereço residencial para o estabelecimento empresarial.
Vale ressaltar que esses indícios, isoladamente considerados, não levam à conclusão pela ocorrência de ilícito tributário. Seria preciso uma análise contextualizada desses elementos a fim de aferir, com precisão, se de fato há ou não simulação no caso. Todavia, os indícios trazidos aos autos não foram examinados sob a perspectiva da caracterização de uma eventual fraude ou simulação.
4.4. A impropriedade do tipo empresarial eleito
Um último ponto levantado por ocasião do julgamento diz respeito à impropriedade do tipo de pessoa jurídica adotado. A RFG Ltda. é uma sociedade empresarial quando, para os Conselheiros, deveria ser uma sociedade simples, na medida em que as suas atividades eram desempenhadas pelo próprio ex-atleta, sem qualquer estrutura empresarial de suporte.
Diante da atual legislação, um esportista, um artista ou mesmo outro profissional que pretenda explorar serviços pessoais de natureza intelectual por meio de uma empresa poderá fazer uso de uma das seguintes estruturas: (i) EIRELI; (ii) sociedade simples; (iii) sociedade empresária. Todavia, para que a escolha do tipo de pessoa jurídica seja adequada, é preciso observar as particularidades de cada um, sob risco de a sociedade sofrer sua descaracterização pela Receita Federal do Brasil e, por consequência, a atribuição dos rendimentos recebidos na pessoa jurídica, na pessoa física dos seus sócios ou do empresário. Assim, vale conferir em maiores detalhes cada um desses tipos.
4.4.1. EIRELI
A Lei n. 12.411/2011 introduziu no ordenamento jurídico a figura da EIRELI. O que levou o legislador a instituir essa nova modalidade empresarial foi a necessidade de atender um antigo anseio do empresariado brasileiro, que há tempos demandava a implantação de uma figura jurídica que não obrigasse o empreendedor individual a se associar a outra pessoa física somente para poder limitar sua responsabilidade.
A necessidade de proteger o patrimônio pessoal do empreendedor individual e a ausência de previsão legal nesse sentido que permitisse restringir a responsabilidade acabavam por incentivar esse tipo de investidor a se manter na informalidade, não registrando corretamente seu negócio ou, até mesmo, fazia com que ele se visse compelido a se associar a uma pessoa, ainda que não partilhassem de um interesse comum, apenas para poder criar uma sociedade limitada.
A EIRELI foi inserida pela Lei n. 12.411/2011 no Código Civil, por meio do art. 980-A30, que prevê a responsabilidade limitada para esse tipo societário e a possibilidade de ser constituído por uma única pessoa física31, titular da totalidade do capital social. Essa figura foi alçada à condição de pessoa jurídica32 com a introdução do inciso VI ao art. 44 do Código Civil:
“Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:
[...]
VI – as empresas individuais de responsabilidade limitada.”
Além da criação de pessoa jurídica individual, o legislador autorizou a constituição dessa figura para a prática não apenas de atividades tipicamente empresariais, mas também para a prestação de serviços de qualquer natureza e a exploração de direitos patrimoniais como a imagem, o nome e a voz do detentor da pessoa jurídica.
Portanto, esse novo tipo empresarial surgiu como uma alternativa para esportistas explorarem seus direitos de personalidade. A criação da EIRELI ratificou a possibilidade do exercício de atividades de cunho eminentemente intelectual por intermédio de pessoa jurídica e, com a instituição de empresa unipessoal, dispensou-se a necessidade de associação de indivíduos para a consecução de um fim comum. As únicas condições impostas pelo legislador foram de integralizar 100% do capital social por ocasião do seu registro e o capital social não ser inferior a cem vezes o maior salário mínimo vigente no País.
A EIRELI é ainda uma figura jurídica relativamente recente e por isso existem alguns questionamentos a seu respeito. O primeiro é quanto à EIRELI ser ou não um tipo societário. A nosso ver, não o é. Isso porque a Lei n. 12.441/2011, ao instituir a EIRELI, inseriu a sua figura no Livro II do Código Civil. Referido livro trata do direito da empresa no Título I-A. A EIRELI, entretanto, não se encontra inserida no Título que trata das sociedades, que é o Título II. Assim, tem-se que apesar da EIRELI ser uma empresa, por não estar alocada dentro do Título do Código Civil que trata das sociedades, não pode ser considerada um tipo societário.
Esse foi o posicionamento manifestado pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, na V Jornada de Direito Civil, em seus Enunciados n. 469 e n. 472: “a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI) não é sociedade, mas novo ente jurídico personificado”, sendo “inadequada a utilização da expressão ‘social’ para as empresas individuais de responsabilidade limitada”. E isso, a nosso ver, se deve ao fato de a Lei n. 12.441/2011 não ter alterado a redação do art. 981, caput, do Código Civil33, que permanece exigindo pluralidade de partes para a formalização de contrato de sociedade, e também em razão de a referida lei ter inserido a EIRELI no art. 44 do Código Civil, que trata das pessoas jurídicas, em inciso distinto do inciso II34, que regula especificamente as sociedades, dando a entender tratar-se de entes distintos.
Um segundo ponto que tem gerado questionamentos refere-se ao registro da EIRELI. O legislador ordinário não especificou se o registro deveria ser feito pelas Juntas Comerciais, a exemplo do empresário e da sociedade empresária, ou se deveria ser formalizado perante o Registro Civil das Pessoas Jurídicas, como é o caso das sociedades simples.
O § 6º do art. 980-A do Código Civil35 dispõe que serão aplicados à EIRELI, no que couber, as regras previstas para as sociedades de responsabilidade limitada. Acontece que, pelo disposto no art. 98336 do Código Civil, as sociedades de responsabilidade limitada podem exercer atividades tanto empresariais quanto civis37.
Assim, o empresário individual, ao adotar a forma de uma EIRELI, deverá observar o regime das sociedades simples ou empresárias, a depender da atividade preponderante da pessoa jurídica e a forma pela qual tal atividade é executada, a fim de identificar, ou não, o elemento da empresa.
O Código Civil, vale lembrar, ao encampar a Teoria da Empresa, abandonou a divisão dos atos sociedades de acordo com a natureza da atividade realizada, se mercantil ou não. Pela nova sistemática adotada, prevalece o modo pelo qual a atividade é desempenhada e se os fatores de produção como o capital, a mão de obra e as matérias-primas são utilizados de forma coordenada para se alcançar o objeto social, como se verá melhor adiante.
4.4.2. Sociedade simples
O legislador não definiu o conceito de sociedades empresárias e não empresárias (simples), porém, a partir do texto legal, é possível extrair elementos que nos permitem delinear essas duas figuras.
A conceituação das sociedades simples, ou não empresárias, pode ser obtida a partir do parágrafo único do art. 966 do Código Civil38. Nesse dispositivo, o legislador estabelece que não serão considerados empresários aqueles que exerçam “profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores”, salvo nas hipóteses em que o exercício da profissão constituir elemento de empresa.
Da previsão trazida pelo parágrafo único do art. 966 do Código Civil tem-se que as sociedades simples, em regra, são tipos societários que não possuem o elemento da empresa, isto é, falta-lhes um complexo de bens organizados e fatores de produção coordenados para alcançar certo fim. São sociedades que exercem atividades econômicas de natureza civil.
O principal elemento diferenciador das sociedades simples para as sociedades empresárias é a ausência de uma estrutura organizada para a consecução dos fins sociais ou, ainda que verificada tal estrutura, ela se evidencia de maneira mais incipiente e instável. Nas sociedades simples, até se admite que o sócio conte com auxiliares, como secretárias, office-boys, contadores etc., e colaboradores, como pessoas ligadas a ele que o auxiliem com a realização de pesquisas e levantamento de materiais, entre outras atribuições.
Entretanto, o diferencial reside no fato de que nas sociedades simples, ainda que o sócio conte com a colaboração de terceiros, o resultado final depende diretamente da sua atuação. Sem que haja a sua contribuição imediata, o fim social não é alcançado. A produção de atividade de natureza técnica é intrinsecamente ligada ao indivíduo que a realiza, decorre do seu conhecimento e capacidade.
Em suma, a sociedade simples tem no trabalho pessoal dos seus sócios o núcleo da sua atividade produtiva. Já nas sociedades empresariais, ainda que a contribuição do sócio seja fundamental na gestão dos negócios, é possível alcançar o resultado almejado sem a sua participação direta, em virtude da coordenação dos fatores de produção, isto é, em razão da presença do elemento da empresa.
Tendo em vista o disciplinamento trazido pelo Código Civil, tem-se que os profissionais prestadores de serviços de natureza pessoal, caso optem por fazer uso de uma sociedade, e não de uma EIRELI, devem, como regra, fazer o uso das sociedades simples. A utilização de sociedade empresária só será admitida excepcionalmente, caso se verifique o elemento da empresa.
4.4.3. Sociedade empresária
De acordo com o art. 966, caput, do Código Civil, será considerado empresário todo aquele que “exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”. A partir dessa assertiva, é possível identificar elementos essenciais à caracterização de uma sociedade empresária.
Para a sociedade ser considerada empresária a legislação requer: (i) o profissionalismo, que pode ser verificado com uma atuação constante e habitual dos sócios e outros profissionais especializados, dentro de uma hierarquia, com o domínio de informações sobre o bem ou serviço colocado no mercado; (ii) a existência de uma atividade geradora de riquezas, seja pela produção ou pela circulação de bens ou serviços; (iii) o fim lucrativo; e (iv) a organização dos fatores de produção, tais como capital, mão de obra, matéria-prima e tecnologia empregada, a fim de alcançar o objeto social da empresa39.
O que se observa é que o fator central para a caracterização de uma sociedade como empresária reside na forma de coordenação dos fatores de produção, na sua sistematização e no modo como são conduzidos os negócios. Ainda que a identificação desses elementos seja subjetiva, deve-se buscar mensurar o grau de profissionalismo com o qual cada uma das atividades realizadas na sociedade é conduzida por sócios, empregados, auxiliares e colaboradores. Quanto mais a atividade econômica estiver organizada de forma estável e qualificada, mais evidente será sua natureza empresarial40.
Identificado o elemento da “empresa” no negócio, vale notar que até mesmo as sociedades intelectuais, que, como regra, são concebidas como sociedades simples, poderão ser enquadradas na condição de sociedades empresariais. O parágrafo único do art. 966 do Código Civil, em sua parte final, como situação excepcional, prevê a possibilidade de uma sociedade eminentemente intelectual ser considerada empresária ao dispor: “salvo se o exercício de sua atividade constituir elemento de empresa”.
Ocorre que na sociedade empresária o trabalho intelectual representa somente um componente secundário do produto ou serviço oferecido pela sociedade ao mercado. O elemento da prestação profissional não assume caráter prevalente, mas apenas instrumental, servindo a um complexo de atividades articuladas.
Assim, como bem coloca Alfredo de Assis Gonçalves Neto41, será empresária a sociedade que tiver por objeto, além do exercício de uma profissão intelectual, “outra atividade organizada de produção ou circulação de bens ou serviços, porquanto a atividade intelectual em tal caso caracteriza-se como elemento (parte integrante) da outra atividade que a absorve”.
A fim de melhor compreender essa situação, imaginemos um esportista que cria sociedade com sede na sua própria casa, com a finalidade de gerenciar a sua imagem e limitar sua responsabilidade patrimonial perante terceiros. Entre os fins sociais, essa empresa fica responsável pelo licenciamento da imagem do atleta. No início, pelo fato de o esportista ser novo e não ser tão conhecido, ele é pouco demandado para campanhas publicitárias. Com isso, sempre que aparece uma proposta comercial, ele mesmo trata das condições do contrato e os valores envolvidos com o interessado, contando para coordenar suas atividades apenas com o auxílio de uma secretária, para agendar seus compromissos, e um contador, para cuidar da parte fiscal da empresa.
Entretanto, com o passar do tempo, esse esportista começa a ganhar notoriedade tendo maior visibilidade. Com isso, sua imagem fica em evidência e cresce consideravelmente o número de interessados em associar seu produto, marca ou serviço à sua imagem. Tamanha a força da imagem do esportista, que ele decide lançar uma coleção de roupas e acessórios com o seu próprio nome, ampliando o objeto social da empresa.
Por consequência, com o considerável crescimento da demanda do esportista, a pequena estrutura da sua sociedade passa a ser ineficiente para atender as demandas do negócio. Com isso, o esportista se vê obrigado a contratar mais profissionais, além da secretária e do contador que já trabalhavam no negócio: um agente para representá-lo perante terceiros; uma pessoa com formação em relações públicas para cuidar da divulgação da sua imagem e dos seus produtos nos mais diferentes tipos de mídias; um administrador para gerenciar o negócio; e auxiliares para ajudar na realização de atividades burocráticas da empresa.
Em virtude do crescimento do número de funcionários, a sociedade do esportista, que antes ficava em sua própria casa, passa a ser sediada em local próprio, e todos os funcionários cumprem horário preestabelecido e se reportam ao administrador da empresa que, por sua vez, se reporta ao esportista, havendo clara relação hierárquica.
Na situação descrita, observa-se a transformação de uma sociedade simples para uma sociedade empresarial. No entanto, o elemento da empresa passa a existir não em razão da maior coordenação dos fatores de produção resultante da expansão dos negócios, mas sim porque a sociedade passou a ter outro objeto além do exercício de uma profissão intelectual.
Como coloca Alfredo de Assis Gonçalves Neto,42 “a sociedade que tem por objeto o exercício de uma atividade intelectual pura, mesmo organizada, não será empresária [...] eis que a atividade intelectual (literária, artística ou científica) não se inclui dentre as atividades próprias do empresário”. Para falar em sociedade empresária com atividade intelectual é preciso que tal prestação seja apenas uma faceta do negócio, e não seu objeto principal.
Em certa medida é o que se verificou com o ex-tenista francês René Lacoste, apelidado de “Le Crocodile” pela imprensa americana durante a Copa Davis de Tênis em 1927, por conta de uma aposta que valia uma mala de pele de crocodilo. Em 1933, em virtude de sua notoriedade no meio esportivo, o jogador resolveu criar empresa para explorar sua imagem.
O negócio, que começou de maneira pequena e simples, cresceu com o ex-atleta expandindo suas atividades para o segmento têxtil, tendo, inclusive, adotado o crocodilo como símbolo da sua marca. Com o tempo, a exploração de direito personalíssimo deixou de ser o principal foco da empresa, que passou a centrar seus negócios na venda de roupas e acessórios.
Hoje, mesmo após o falecimento do ex-tenista, a empresa segue em destaque no mercado têxtil, e muitos nem sequer sabem que a marca Lacoste era o sobrenome de um jogador de tênis. O negócio transcendeu o indivíduo e alcançou o profissionalismo, tanto que prosperou mesmo diante da sua ausência.
Desse modo, tem-se que a exploração de atividades de cunho personalíssimo, quanto feita por meio de uma sociedade, deve ser realizada preferencialmente por meio de uma sociedade simples. A opção por esse tipo societário, entretanto, não é absoluta e, como toda boa regra, comporta sua exceção. A exceção para caracterização de um serviço de natureza pessoal como típico de uma sociedade empresarial dependerá da observância do elemento da empresa, isto é, da constatação de profissionalismo, da coordenação dos fatores de produção e da exploração de serviço personalíssimo apenas de forma complementar à atividade-fim.
Para apurar a real natureza da atividade de cunho pessoal é imprescindível a observância da atuação do sócio ou empresário. Se ele está à frente da execução da atividade negocial, ter-se-á sociedade simples ou EIRELI, que adota o regime dessas sociedades. Diversamente, se a figura do sócio ou empresário se interpõe entre os fatores de produção e o mercado ao qual se dirige a atividade negocial, ter-se-á a hipótese de sociedade empresária ou EIRELI, sob o regime das sociedades empresárias.
5. Conclusão
O caso do ex-jogador de vôlei Carlão mostra-se um precedente bastante interessante do CARF. No Acórdão n. 2802-002.809, o tribunal administrativo reconheceu mais uma vez a possibilidade de uma pessoa jurídica prestar serviços de natureza pessoal e foi além, ao reconhecer no art. 129 da Lei n. 11.196/2005 a condição de norma de caráter interpretativo. Ao assim fazê-lo, o CARF admitiu, em linha com o que tem sido defendido pelos contribuintes, que o referido dispositivo é mera explicitação do que há tempos já era autorizado pelo nosso ordenamento jurídico: a utilização de pessoa jurídica para explorar direitos personalíssimos.
No entanto, há outros elementos de interesse nesse Acórdão. Ao tratar das remunerações recebidas pelo ex-jogador em decorrência da prestação de serviços de atleta profissional, acertadamente determinou-se que as quantias pagas a título de salário fossem tributadas na pessoa física do indivíduo. Uma vez observada na relação jurídica a presença de habitualidade, subordinação, onerosidade e pessoalidade, torna-se impensável qualquer tentativa de alocar a contraprestação da atividade a uma pessoa jurídica, como equivocadamente fez o ex-atleta.
Quanto aos prêmios pagos pelo atingimento de metas pelo ex-jogador, eles poderão ou não compor as verbas salariais; e, para se constatar isso, é preciso observar a frequência com que são pagos. Se houver assiduidade, a verba assume natureza salarial. Por outro lado, sendo esporádica, caracteriza-se como liberalidade, não integrando a base de cálculo do IRPF. Para uma posição assertiva, portanto, era necessário que o CARF houvesse examinado a frequência com que os pagamentos foram feitos, e não simplesmente enquadrar os prêmios como salário.
Contudo, é no tocante às verbas decorrentes do direito de imagem que o Acórdão n. 2802-002.809 chama mais a atenção. Isso porque ele traz à tona a discussão quanto ao “propósito negocial”. Atualmente, trata-se de um debate muito frequente no âmbito dos planejamentos tributários. Até o momento, porém, não havia sido ventilado nos casos envolvendo atletas e artistas que buscam valer-se de direitos personalíssimos por meio de pessoas jurídicas.
No caso concreto, o CARF manteve a exigência de IRPF por considerar que, apesar de ser possível o uso de empresa para explorar direitos de caráter pessoal, o contribuinte não demonstrou a existência de um “propósito negocial” que não fosse apenas gerar uma economia tributária.
Acontece que a motivação tributária não traz qualquer subsídio para análise da operação43, e a imposição de um “propósito negocial” não encontra amparo em nosso ordenamento, decorre simplesmente de uma construção doutrinária. No sistema jurídico-tributário vigoram os princípios da legalidade e capacidade contributiva, ao qual o intérprete não pode se furtar, por representarem garantias individuais dos contribuintes, elevadas à condição de cláusulas pétreas.
Salientamos que não se está aqui defendendo a liberdade irrestrita do contribuinte para organizar seus negócios da forma que melhor lhe aprouver. O Código Tributário Nacional, em seu art. 149, VII, aponta os limites impeditivos ao uso da pessoa jurídica, quais sejam: a fraude e a simulação. Logo, são nesses conceitos que o intérprete deve se pautar.
No caso em tela, foram apontados indícios de simulação que – se confirmados – poderiam levar validamente ao redirecionamento dos rendimentos decorrentes do uso da imagem, originalmente tributados na pessoa jurídica, a serem atribuídos à pessoa física do ex-jogador de vôlei. No entanto, nesse ponto, não andou bem o Acórdão n. 2802-002.809, pois ele não se pautou nas premissas legalmente fixadas (fraude ou simulação), optando por construir sua posição pautado na figura inexistente na legislação pátria (propósito negocial). O propósito negocial, como bem pondera Luís Eduardo Schoueri44, quando muito pode representar “a conformidade entre a intenção das partes (motivo do ato) e a causa do negócio jurídico”. Nada mais do que isso.
Um último elemento ventilado no acórdão do CARF a ser observado refere-se à necessidade de adequação do tipo empresarial eleito às atividades a serem desenvolvidas. Seja a empresa uma EIRELI ou uma sociedade, é importante, como adequadamente observou o tribunal administrativo, observar que atividades de natureza intelectual, como a exploração da imagem, devem ser exploradas eminentemente por meio de sociedades simples ou de EIRELI inscritas no Registro Civil das Pessoas Jurídicas. A utilização de sociedades empresárias ou de EIRELI registradas em Junta Comercial só se mostra adequada raramente, se presente o elemento da empresa.
Sociedade empresarial sem profissionalismo e coordenação dos fatores de produção pode representar indício de ato simulado, mas, por si só, não permite o redirecionamento das quantias por ela auferidas às pessoas dos seus sócios. Da mesma forma, isso pode ocorrer com uma sociedade simples ou empresária que não demonstre ter affectio societatis. A sinergia entre os sócios e a busca por um fim comum são elementos centrais na existência de uma sociedade.
No caso da EIRELI, é preciso a observância à adequação ao regime a ser seguido, se das sociedades simples ou, excepcionalmente, das empresárias. A intenção dos sócios de permanecerem em sociedade não se faz necessária, visto se tratar de sociedade unipessoal. Entretanto, não se pode deixar de verificar a exigência do art. 980-A do Código Civil para que o capital social seja previamente integralizado. Sem que isso seja feito pelo sócio, a empresa não existe juridicamente, de modo que qualquer rendimento a ela atribuído será considerado como auferido na pessoa física do seu sócio, que ainda responderá de forma ilimitada, com seu patrimônio pessoal, pelos débitos contraídos.
Ainda quanto à adequação do tipo empresarial eleito, é importante observar que as sociedades simples dedicadas ao exercício de atividade intelectual, de natureza científica, literária ou artística, não precisam ser compostas por profissionais de uma mesma profissão. O Código Civil não traz restrição dessa natureza quanto à formação da sociedade.
Logo, inexistindo dispositivo legal regulando a matéria de forma diversa, consideramos ser perfeitamente viável que essas sociedades reúnam pessoas de profissões diversas, sem perder a sua natureza de sociedade simples. Qualquer interpretação restritiva quanto à composição da sociedade simples dependeria de norma expressa (que não existe), por se tratar de limitação aos direitos constitucionais de livre associação e liberdade de iniciativa econômica.
Entretanto, deve ser identificada certa associação entre as profissões para o desempenho das atividades objeto da empresa, pois toda sociedade tem como propósito existencial a união de esforços e capital em nome de um interesse comum (affectio societatis). Logo, seria natural observar a associação de engenheiros e arquitetos, técnicos em máquinas e técnicos em motores, administradores e contadores, entre outras possibilidades. Soaria estranho, porém, a associação de um jornalista com um técnico em eletricidade ou um médico, o que representaria um indício de ato fraudulento ou simulado e demandaria uma investigação mais aprofundada a fim de afastar tal figura.
A ausência de sinergia entre as atividades desempenhadas pelos sócios mostra-se aceitável no âmbito de uma sociedade de serviço, pois, apesar de o sócio de serviço ter como obrigação desempenhar trabalho relacionado ao desenvolvimento do objeto social, o sócio investidor não precisa, necessariamente, tê-la, visto que sua contribuição para a sociedade é de ordem financeira, e não profissional.
Só seria possível demandar profissionais com a mesma profissão caso estatutariamente os sócios deliberassem por tornar a sociedade simples, de profissão regulamentada, como no caso de uma sociedade de advogados ou médicos. Assim, se a sociedade não exigir a unicidade profissional, não poderá o Fisco fazê-lo na tentativa de descaracterizar a empresa. Por outro lado, se uma sociedade de profissão regulamentada contiver sócios com diferentes profissões, estar-se-á diante de elemento indicativo de possível ilícito que deve ser apurado.
Um ponto, porém, deve ser lembrado. As sociedades que apresentem algum vício na sua constituição, apesar de poderem ter nesse elemento um indicativo da ocorrência de eventual fraude ou simulação, unicamente por essa inconsistência estrutural, não podem ter seus negócios invalidados ou desconsiderados. Nos termos do art. 104 do Código Civil45, sendo os agentes capazes, o objeto lícito e tendo o ato sido praticado em conformidade com a lei, o negócio jurídico praticado segue produzindo seus regulares efeitos.
Como se nota, o Acórdão n. 2802-002.809 trouxe importantes pontos de reflexão e, porque não, de atenção, para esportistas, artistas e outros profissionais que façam uso de pessoas jurídicas para explorar direitos de caráter pessoal ou intelectual. A empresa é um mecanismo legal e válido, mas para que possa explorar direitos personalíssimos, aspectos importantes quanto à forma e ao conteúdo das empresas não devem ser deixados de lado.
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1 Vide: Rafael Marchetti Marcondes. Serviços personalíssimos prestados por pessoas jurídicas: uma análise do caso Guga. Revista de Direito Tributário Contemporâneo v. 6, maio/jun. 2017, p. 47-61.
2 “Art. 457. Compreendem-se na remuneração do empregado, para todos os efeitos legais, além do salário devido e pago diretamente pelo empregador, como contraprestação do serviço, as gorjetas que receber.”
3 “XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.”
4 “XVII – é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar.”
5 “Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”
6 “Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.”
7 Nesse sentido: AIRR n. 1767-40.2014.5.02.0022, 7ª Turma, Rel. Min. Vieira de Mello Filho, DEJT 09.06.2017; AIRR n. 1022-32.2011.5.04.0403, 8ª Turma, Rel. Des. Conv. Jane Granzoto Torres da Silva, DEJT 20.02.2015; AIRR n. 669-28.2012.5.14.0031, 4ª Turma, Rel. Min. João Oreste Dalazen, DEJT 13.03.2015; RR n. 75-35.2011.5.15.0091, 1ª Turma, Rel. Min. Lelio Bentes Corrêa, DEJT 19.12.2014; RR n. 383000-74.2005.5.12.0037, 2ª Turma, Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, DEJT 1º.07.2014; AIRR n. 1639-97.2012.5.04.0001, 3ª Turma, Rel. Des. Conv. Cláudio Soares Pires, DEJT 07.11.2014, entre outros.
8 “Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.”
9 Sobre o assunto, confira-se MARCONDES, Rafael Marchetti. A tributação da imagem de artistas e esportistas. São Paulo: Quartier Latin, 2017, p. 239-242.
10 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 162-163.
11 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. São Paulo: Dialética, 2004, p. 302 e ss.
12 Nos termos do art. 187 do Código Civil, o abuso de direito é o exercício de um direito com excessos que extrapolam os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou os bons costumes. Consiste na escolha de uma possibilidade de ação, entre outras, que é prejudicial a terceiro. Trata-se do exercício de um direito sob uma concepção exclusivamente individualista contrária à vertente social direito, presente em um Estado Democrático de Direito.
13 “Art. 116. [...]
Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.”
14 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento tributário. São Paulo: Dialética, 2004, p. 302.
15 A extração da regra utilizada pelo CARF para determinar a validade ou invalidade de planejamento tributário fundamenta-se no “Normative Systems”, por meio do qual dentro de um universo de propriedades eleitas pelos julgadores, aponta-se aquela (ou aquelas) que foi (ou foram) relevante(s) no processo decisório a fim de se verificar a sua procedência. O “Normative Systems” é a tradução para língua inglesa do livro Introducción a la metodologia de las ciencias jurídicas y sociales, editado em 1971 por Carlos Alchourrón e Eugenio Bulygin. Sobre o assunto: SCHOUERI, Luís Eduardo (coord.); e FREITAS, Rodrigo (org.). Planejamento tributário e o “propósito negocial”: mapeamento de decisões do Conselho de Contribuintes de 2002 a 2008. São Paulo: Quartier Latin, 2010.
16 O conceito tributário de ágio previsto no Decreto-lei 1.598/77 e os requisitos para sua amortização com base no art. 7º da Lei 9.532/1997. In: MANEIRA, Eduardo; e SANTIAGO, Igor Mauler (coord.). Ágio no direito tributário e societário: questões atuais. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 95.
17 BARRETO, Paulo Ayres. Planejamento tributário: perspectivas teóricas e práticas. Revista de Direito Tributário v. 105. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 54-55.
18 “§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
[...]
IV – os direitos e garantias individuais.”
19 Planejamento tributário: limites à norma antiabuso. Revista Direito Tributário Atual v. 24. São Paulo: IBDT/Dialética, 2010, p. 370.
20 “Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”
21 Sobre o assunto, vide BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 10. ed. Trad. Maria Celeste C. J. Santos. Brasília: Universidade de Brasília, 1999, p. 95 e ss.
22 “§ 1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.”
23 BARRETO, Paulo Ayres. Planejamento tributário: perspectivas teóricas e práticas. Revista de Direito Tributário v. 105. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 57.
24 “Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se:
I – da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos;
II – dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos.”
25 “Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:
[...]
VII – quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação.”
26 “§ 4º A tributação independe da denominação dos rendimentos, títulos ou direitos, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem dos bens produtores da renda, e da forma de percepção das rendas ou proventos, bastando, para a incidência do imposto, o benefício do contribuinte por qualquer forma e a qualquer título.”
27 “Art. 167. [...]
§ 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:
I – aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem;
II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;
III – os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados.”
28 Nesse sentido afirma Paulo Ayres Barreto que a pretensão de requalificar operação pela afirmação de o negócio ter sido praticado sem a existência de propósito negocial “não merece prosperar, seja porque não há fundamento legal para tanto, seja porque os únicos fundamentos jurídicos válidos para anulação de negócios jurídicos decorrentes de vícios de vontade aplicáveis ao caso são a fraude e a simulação” (Amortização do ágio: limites normativos. In: MANEIRA, Eduardo; e SANTIAGO, Igor Mauler (coord.). Ágio no direito tributário e societário: questões atuais. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 336).
29 Moris Lehner pondera que “a finalidade arrecadatória voltada apenas à cobertura das necessidades do Estado não serve como premissa teleológica, seja da norma ou de seus destinatários” (Consideração econômica e tributação conforme a capacidade contributiva sobre a possibilidade de uma interpretação teleológica de normas com finalidade arrecadatórias. In: SCHOUERI, Luís Eduardo (coord.); e ZILVETI, Fernando Aurelio. Direito tributário: estudos em homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998, p. 145).
30 “Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no País.
§ 1º O nome empresarial deverá ser formado pela inclusão da expressão ‘EIRELI’ após a firma ou a denominação social da empresa individual de responsabilidade limitada.
§ 2º A pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade.
§ 3º A empresa individual de responsabilidade limitada também poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração.
§ 4.º (Vetado.)
§ 5º Poderá ser atribuída à empresa individual de responsabilidade limitada constituída para a prestação de serviços de qualquer natureza a remuneração decorrente da cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz de que seja detentor o titular da pessoa jurídica, vinculados à atividade profissional.
§ 6º Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas.”
31 De acordo com o posicionamento firmado por meio do Enunciado n. 468, o Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, na V Jornada de Direito Civil, entendeu que “a empresa individual de responsabilidade limitada só poderá ser constituída por pessoa natural”.
32 Nesse sentido, é a Solução de Consulta COSIT n. 272, de 14 de outubro de 2014: “a EIRELI se caracteriza efetivamente como uma pessoa jurídica e não como uma pessoa física equiparada à jurídica [...]”.
33 “Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.”
34 “Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:
[...]
II – as sociedades;
[...]
VI – as empresas individuais de responsabilidade limitada.”
35 “§ 6º Aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas.”
36 “Art. 983. A sociedade empresária deve constituir-se segundo um dos tipos regulados nos arts. 1.039 a 1.092; a sociedade simples pode constituir-se de conformidade com um desses tipos, e, não o fazendo, subordina-se às normas que lhe são próprias.”
37 A esse respeito, faz-se oportuna a transcrição de trecho de Nota da COSIT n. 446, de 16 de dezembro de 2011: “Portanto, tem-se que a Lei nº 12.411, de 2011, não informa qual é o órgão competente para o registro de EIRELI, sendo que, pela legislação vigente, entende-se que a classificação acima exposta é importante para essa definição, pois o empreendedor poderá optar pela modalidade que melhor atenda a seus critérios de atuação, observada a legislação pertinente. Destarte, embora não se trate de matéria de competência da RFB se manifestar acerca de competência de registro de nova figura jurídica, responde-se à consulente que, pelo exposto – em especial em função da indefinição da lei, pela referência feita às regras previstas para sociedades limitadas e pela analogia ao que se tem hoje positivado relativamente ao registro de sociedade empresária e simples, ambas podendo ser de responsabilidade limitada –, infere-se que o registro de EIRELI poderá ser feito tanto no Registro Público das Empresas Mercantis pelas Juntas Comerciais como no Registro Civil de Pessoas Jurídicas.”
38 “Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.”
39 Para maiores esclarecimentos sobre o assunto, vale conferir trabalho desenvolvido por Sylvio Marcondes, que participou da elaboração do projeto do Código Civil aprovado pela Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Lei n. 10.406/2002) (Questões de direito mercantil. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 7-11).
40 Sobre o assunto: VENOSA, Sílvio de Salvo; e RODRIGUES, Cláudia. Direito civil: direito empresarial. São Paulo: Atlas, 2010, p. 92; e GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 1: parte geral, p. 206.
41 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito da empresa. 7. ed. São Paulo: RT, 2017, p. 160.
42 GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito da empresa. 7. ed. São Paulo: RT, 2017, p. 160.
43 FREITAS, Rodrigo. É legítimo economizar tributos? Propósito negocial, causa do negócio jurídico e análise das decisões do antigo Conselho de Contribuintes. In: SCHOUERI, Luís Eduardo (coord.); e FREITAS, Rodrigo (org.). Planejamento tributário e o “propósito negocial”: mapeamento de decisões do Conselho de Contribuintes de 2002 a 2008. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 441-490.
44 Fato gerador da obrigação tributária. In: SCHOUERI, Luís Eduardo (coord.). Direito tributário: homenagem a Alcides Jorge Costa. São Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 143.
45 “Art. 104. A validade do negócio jurídico requer:
I – agente capaz;
II – objeto lícito, possível, determinado ou determinável;
III – forma prescrita ou não defesa em lei.”