PIS/COFINS sobre Receitas Financeiras: a Inconstitucionalidade do Art. 27, § 2º, da Lei n. 10.865/2004 sob a Perspectiva do Regime Constitucional de Competências e da Legalidade Tributária
Contributi Sociali PIS/COFINS sui Redditi Finanziari: Ilegittimità Costituzionale dell’art. 27, comma 2, della Legge 10.865/2004 dalla Prospettiva del Regime di Competenze Costituzionale e del Principio della Riserva di Legge
Arthur Pattussi Bedin
Pós-graduado em Direito Tributário pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Associado ao Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT. Advogado em Chapecó/SC. E-mail: bedin@bedinetagliari.com.
Rafael Zanardo Tagliari
Pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Graduado em Direito pela Universidade Comunitária da Região de Chapecó – UNOCHAPECÓ. Associado ao Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT. Advogado em Chapecó/SC. E-mail: tagliari@bedinetagliari.com.
Resumo
Trata-se de trabalho que busca analisar a tributação relativa ao PIS/COFINS sobre receitas financeiras no regime não cumulativo, análise sob a perspectiva da inconstitucionalidade da delegação ao Poder Executivo para fixação das respectivas alíquotas, promovida pelo art. 27, § 2º, da Lei n. 10.865/2004, e ainda da violação ao princípio da legalidade tributária na edição dos decretos com esse objetivo. Também se repercute o julgamento do REsp n. 1.586.950/RS no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, bem como se apontam as questões ainda pendentes de análise no âmbito do Supremo Tribunal Federal.
Palavras-chave: direito tributário, PIS, COFINS, receitas financeiras, Lei n. 10.865/2004, Dec. n. 8.426/2015, inconstitucionalidade, competência tributária, legalidade em matéria tributária.
Riassunto
Questo saggio intende analizzare la tributazione rispeto ai contributi sociali PIS/COFINS sui redditi finanziari, dalla prospettiva dell’ilegittimità costituzionale della delega legislativa al potere esecutivo prevista dall’art. 27, comma 2, Legge 10.865/2004, a causa della violazione al principio della riserva di legge del articolo 150, inc. I, della Costituzione della Repubblica Federativa del Brasile riguardo ai decreti emessi a tale scopo. Esamina anche la sentenza n. REsp 1.586.950 del Superiore Tribunale di Giustizia (STJ) e sottolinea le questioni in sospeso di analisa nell’ambito della Corte Costituzionale Brasiliana.
Parole chiave: diritto tributario, teoria fiscale, contributi sociali, PIS, COFINS, redditi finanziari, Legge 10.865/2004, ilegittimità costituzionale, principio della riserva di legge.
1. Introdução
O presente artigo se debruça sobre a questão relativa à (in)constitucionalidade da incidência das contribuições sociais ao PIS e COFINS sobre receitas financeiras com fulcro na delegação legislativa prevista pelo art. 27, § 2º, da Lei n. 10.865/2004 e atos executivos materializados nos Decretos n. 5.164/2004, n. 5.442/2005, n. 8.426/2015 e n. 8.451/2015.
A primeira parte da exposição investiga a natureza jurídica das contribuições sociais, em especial aquelas instituídas pelas Lei n. 10.637/2002 (PIS) e Lei n. 10.833/2003 (COFINS), e produz histórico normativo da matéria desde a edição da Lei n. 10.637/2002 e Lei n. 10.833/2003 e regulamentação infralegal, em detalhes, de modo a formar as bases para o confronto da hipótese de incidência tributária com o sistema constitucional de limitação ao poder estatal de instituir tributos.
A parte segunda enfrenta as possíveis violações constitucionais da referida delegação, notadamente o desrespeito por ela imposto ao regime constitucional de competências tributárias e ao princípio da legalidade (art. 150, inc. I, da CF).
Por fim, repercute-se o julgamento do Recurso Especial n. 1.586.950/RS, exarado pela e. Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça em recente data de 19 de setembro de 2017, fazendo um necessário corte das questões ali enfrentadas, as distinguindo dos argumentos de matiz constitucional, ainda em discussão no âmbito do Supremo Tribunal Federal.
2. Fundamento normativo, hipótese de incidência tributária e regulamentação infralegal das contribuições ao PIS/PASEP e da COFINS
2.1. Fundamento constitucional de instituição das contribuições sociais e sua submissão integral ao Sistema Constitucional Tributário
O Estado necessita de recursos financeiros para realizar suas funções básicas na persecução do interesse público, auferindo receitas que podem ser consideradas como originárias (ou de direito privado) ou derivadas (de direito público). As primeiras dizem respeito aos ingressos obtidos pelo Estado através da exploração de seus próprios bens, sob o regime de direito privado, portanto em pé de igualdade com o particular. As segundas ocorrem quando o Estado angaria receita pela imposição da lei, em posição de supremacia face ao interesse particular1.
A doutrina é pacífica em reconhecer o tributo2 como sendo uma espécie de ingresso derivado de maior importância no que diz respeito às contas públicas, sendo conceituado no teor do art. 3º do Código Tributário Nacional como toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada3.
Em que pese tenha o texto constitucional referido à locução “tributo ou contribuição” na parte final do dispositivo do § 6º do art. 150, é certo que o Supremo Tribunal Federal ao reafirmar a prevalência da teoria pentapartite4 no que tange às espécies tributárias5, solidificou entendimento no sentido da natureza tributária das contribuições à seguridade social e decorrente submissão do instituto às normas gerais de direito tributário reservadas à edição de lei complementar (art. 146, III, “b”, da Constituição Federal) e disciplina constitucional.
A orientação foi vertida no bojo do Recurso Extraordinário n. 562.276, de relatoria da Ministra Ellen Gracie, em julgamento datado de 3 de novembro de 2010. Excerto do voto condutor ora vai ressaltado:
“As contribuições para o custeio da seguridade social, instituídas com suporte nos arts. 149 e 195 da Constituição Federal, têm indiscutível natureza tributária, submetendo-se, por isso, às limitações constitucionais ao poder de tributar e às normas gerais de direito tributário.
Para sepultar, de uma vez por todas, as dúvidas que outrora assaltaram esta Corte quanto à matéria, o Constituinte não apenas disciplinou as contribuições no Título VI, ‘Da Tributação e Orçamento’, Capítulo I, ‘Do Sistema Tributário Nacional’, como tornou expresso no próprio caput do art. 149 que deveria ser observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e II, sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições de seguridade social. Com isso, tornou inequívoca a conclusão pela sua natureza tributária, o que já decorreria, de qualquer modo, da constatação das características essenciais das respectivas obrigações, que evidenciam imposição estatal de caráter compulsório; conteúdo pecuniário, finalidade não punitiva e destinação ao custeio de atividade do interesse público. A essência da noção de tributo – ou seja, seus requisitos de existência –, bem apanhada pelo art. 3º do CTN, decorre diretamente do Texto Constitucional, conforme lição de Geraldo Ataliba em sua obra Hipótese de Incidência Tributária, 4ª edição, 2ª tiragem, RT, 1991, p. 19, in verbis:
‘O art. 3º do CTN é mero precepto didactico como o qualificaria o eminente mestre espanhol Sainz de Bujanda. Por outro lado, o conceito de tributo é constitucional. Nenhuma lei pode alargá-lo, reduzi-lo ou modificá-lo. É que ele é conceito-chave para demarcação das competências legislativas e balizador do ‘regime tributário’, conjunto de princípios e regras constitucionais de proteção do contribuinte contra o chamado ‘poder tributário’, exercido, nas respectivas faixas delimitadas de competências, por União, estados e Municípios. Daí o despropósito dessa ‘definição’ legal, cuja admissão é perigosa, por potencialmente danosa aos direitos constitucionais dos contribuintes.
Direitos constitucionalmente pressupostos ou definidos não podem ser ‘redefinidos’ por lei. Admiti-lo é consentir que as demarcações constitucionais corram o risco de ter sua eficácia comprometida.’
Enquanto tributos que são, submetem-se as contribuições de seguridade social às normas gerais em matéria de legislação tributária reservadas pelo art. 146, III, b, da CF à lei complementar.
Aliás, tal pressuposto foi assentado por esta Corte por ocasião da análise dos arts. 45 e 46 da Lei 8.212/91 em face dos arts. 173 e 174 do CTN, tendo sua inconstitucionalidade sido reconhecida justamente por violação ao art. 146, III, b, da Constituição. Refiro-me ao julgamento do RE 559.943, relatora a Ministra Cármen Lúcia, que deu origem à Súmula Vinculante 8: ‘São inconstitucionais o parágrafo único do art. 5º do Decreto-Lei n. 1.569/1977 e os artigos 45 e 46 da Lei 8.212/91, que tratam da prescrição e decadência de crédito tributário’.”6
As contribuições sociais têm fundamento de validade na norma constitucional do art. 149 da Carta Fundamental, in verbis:
“Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.
§ 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 41, 19.12.2003)
§ 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
I – não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
II – incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
III – poderão ter alíquotas: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
b) específica, tendo por base a unidade de medida adotada. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
§ 3º A pessoa natural destinatária das operações de importação poderá ser equiparada a pessoa jurídica, na forma da lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)
§ 4º A lei definirá as hipóteses em que as contribuições incidirão uma única vez. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 33, de 2001)”
Consoante se depreende do caput do artigo transcrito, o legislador constituinte subdividiu as contribuições sociais em três espécies: (i) contribuições sociais em sentido estrito, destinadas ao custeio do sistema de seguridade social; (ii) contribuições de intervenção no domínio econômico, com função regulatória de mercado; e (iii) contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas, afetadas ao financiamento de cada respectiva classe7.
Relativamente à primeira categoria, a União, no exercício de sua competência tributária, instituiu, por meio da Lei Complementar n. 7/1970, o Programa de Integração Social (PIS), recepcionado pelo art. 239 da Constituição Federal de 1988. A referida lei complementar prevê como origem dos recursos para financiar este programa parte do faturamento das empresas empregadoras.
A Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social (COFINS) foi instituída pelo mesmo ente federativo através da Lei Complementar n. 70/1991, com fundamento de validade no art. 195 da CFRB. Este diploma normativo preconiza que, assim como no PIS, esta contribuição incidirá sobre o faturamento mensal, definido como a receita bruta das vendas de mercadorias, mercadorias e serviços ou serviços de qualquer natureza.
Com o intuito de consolidar os critérios de incidência do PIS e da COFINS, foi editada a Lei n. 9.718/1998, que dispunha em seus arts. 2º e 3º, abaixo transcritos:
“Art. 2º As contribuições para o PIS/PASEP e a COFINS, devidas pelas pessoas jurídicas de direito privado, serão calculadas com base no seu faturamento, observadas a legislação vigente e as alterações introduzidas por esta Lei.
Art. 3º Para os efeitos do inciso I do artigo anterior considera-se faturamento a receita bruta, como definida pela legislação do imposto de renda, proveniente da venda de bens nas operações de conta própria, do preço dos serviços prestados e do resultado auferido nas operações de conta alheia.”
Além de consolidar os critérios de incidência destas contribuições, a referida Lei pretendia, no § 1º do art. 3º, ampliar o conceito de receita bruta para incluir a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica. Contudo, esta ampliação restou frustrada pelo Supremo Tribunal Federal, que declarou a inconstitucionalidade do referido parágrafo no julgamento dos RE n. 346.084 (Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 01.09.2006), n. 357.950 (Min. Marco Aurélio, DJ 15.08.2006) e n. 390.840 (Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 15.08.2006).
Somente com a edição da EC n. 20/1998, a qual teve vigência posterior à da Lei n. 9.718/1998, passou a existir na Constituição, em tese, o fundamento de validade do dispositivo normativo, porquanto esta incluiu receita no rol das possíveis bases de cálculo deste tributo.
Todavia, já à época a doutrina alertava no sentido de constituir grave equívoco considerar superada a inconstitucionalidade dessa lei em razão da adição da expressão “receita ou faturamento” pela EC n. 20/1998 onde anteriormente apenas constava “faturamento”8.
Em brilhante parecer publicado na forma de artigo, Humberto Ávila vaticina que a Lei n. 9.718/1998, ao tempo de sua edição, já era incompatível com a Constituição, já que esta apenas permitia a instituição de contribuições sociais com as bases de cálculo ali especificadas (apenas faturamento). Daí por que sua invalidade não se altera com a posterior modificação da norma matriz, na medida em que o ordenamento brasileiro não admite o fenômeno sui generis da constitucionalidade superveniente9.
2.2. Da edição da Lei n. 10.637/2002 e Lei n. 10.833/2003 e regulamentação infralegal
Conforme dito alhures, no bojo do art. 195, inc. I, “b”, da Constituição Federal instituiu-se competência tributária para a criação de contribuição social sobre a totalidade das receitas auferidas pela empresa, regra introduzida através da Emenda Constitucional n. 20/1998, poder estatal exercido a partir da edição da Lei n. 10.637/2002 (PIS) e Lei n. 10.833/2003 (COFINS).
Confira-se o teor da norma constitucional:
“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) [...]
b) a receita ou o faturamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998).”10
A par do alargamento da hipótese de incidência das referidas contribuições sociais inscritas no art. 195, a Emenda Constitucional n. 20 incluiu no texto fundamental o respectivo § 9º, permitindo que tais tributos tivessem alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas em razão da atividade econômica ou da utilização intensiva de mão de obra da pessoa jurídica, verbis:
“Art. 195 [...]
§ 9º As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão de obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005).”11
Em data de 30 de abril de 2004 sobreveio a publicação da Lei n. 10.865/2004, autorizando o Poder Executivo, com fulcro em seu art. 27, § 2º, a reduzir e restabelecer as alíquotas das contribuições incidentes sobre receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime da não cumulatividade.
“Art. 27. O Poder Executivo poderá autorizar o desconto de crédito nos percentuais que estabelecer e para os fins referidos no art. 3º das Leis nos 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e 10.833, de 29 de dezembro de 2003, relativamente às despesas financeiras decorrentes de empréstimos e financiamentos, inclusive pagos ou creditados a residentes ou domiciliados no exterior.
§ 1º Poderão ser estabelecidos percentuais diferenciados no caso de pagamentos ou créditos a residentes ou domiciliados em país com tributação favorecida ou com sigilo societário.
§ 2º O Poder Executivo poderá, também, reduzir e restabelecer, até os percentuais de que tratam os incisos I e II do caput do art. 8º desta Lei, as alíquotas da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre as receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de não cumulatividade das referidas contribuições, nas hipóteses que fixar.
§ 3º O disposto no § 2º não se aplica aos valores decorrentes do ajuste a valor presente de que trata o inciso VIII do caput do art. 183 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. (Incluído pela Lei nº 12.973, de 2014).”12
Sob tal autorização legal, o Decreto n. 5.164, publicado em 30 de setembro de 2004, reduziu a zero as alíquotas da contribuição para o PIS/PASEP e COFINS incidentes sobre as receitas financeiras, à exceção daquelas oriundas de juros sobre capital próprio e decorrentes de operações de hedge. Inteiro teor:
“Art. 1º Ficam reduzidas a zero as alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS incidentes sobre as receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de incidência não cumulativa das referidas contribuições.
Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica às receitas financeiras oriundas de juros sobre capital próprio e as decorrentes de operações de hedge.
Art. 2º O disposto no art. 1º aplica-se, também, às pessoas jurídicas que tenham apenas parte de suas receitas submetidas ao regime de incidência não cumulativa.
Art. 3º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir de 2 de agosto de 2004.”13
Ato contínuo, restou editado o Decreto n. 5.442, de 9 de maio de 2005, que revogou o anterior para estabelecer que a redução a zero das alíquotas também se aplicava às operações de hedge, mantendo a tributação sobre os juros sobre o capital próprio:
“Art. 1º Ficam reduzidas a zero as alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS incidentes sobre as receitas financeiras, inclusive decorrentes de operações realizadas para fins de hedge, auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de incidência não cumulativa das referidas contribuições.
Parágrafo único. O disposto no caput:
I – não se aplica aos juros sobre o capital próprio;
II – aplica-se às pessoas jurídicas que tenham apenas parte de suas receitas submetidas ao regime de incidência não cumulativa da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS.
Art. 2º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir de 1º de abril de 2005.
Art. 3º Fica revogado o Decreto nº 5.164, de 30 de julho de 2004, a partir de 1º de abril de 2005.”14
A situação mudou drasticamente com a edição do Decreto n. 8.426/2015, que majorou de zero para 4,65% as alíquotas (4% para a COFINS e 0,65% para o PIS), ato executivo perpetrado em cenário de recessão econômica frente à deterioração das contas públicas. Verbis:
“Art. 1º Ficam restabelecidas para 0,65% (sessenta e cinco centésimos por cento) e 4% (quatro por cento), respectivamente, as alíquotas da Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PIS/PASEP e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS incidentes sobre receitas financeiras, inclusive decorrentes de operações realizadas para fins de hedge, auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não cumulativa das referidas contribuições.
§ 1º Aplica-se o disposto no caput inclusive às pessoas jurídicas que tenham apenas parte de suas receitas submetidas ao regime de apuração não cumulativa da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS.
§ 2º Ficam mantidas em 1,65% (um inteiro e sessenta e cinco centésimos por cento) e 7,6% (sete inteiros e seis décimos por cento), respectivamente, as alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS aplicáveis aos juros sobre o capital próprio.
Art. 2º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir de 1º de julho de 2015.
Art. 3º Fica revogado, a partir de 1º de julho de 2015, o Decreto nº 5.442, de 9 de maio de 2005.”15
Após, em 19 de maio de 2015, foi publicado o Decreto n. 8.451 que, alterando o Decreto n. 8.426/2015, manteve a alíquota zero para as receitas financeiras vinculadas às operações de exportação, oscilação do valor de dívida alterada à taxa de câmbio e hedge operacional:
“Art. 1º Para efeito do disposto no § 5º do art. 30 da Medida Provisória nº 2.158-35, de 24 de agosto de 2001, ocorre elevada oscilação da taxa de câmbio quando, no período de um mês-calendário, o valor do dólar dos Estados Unidos da América para venda apurado pelo Banco Central do Brasil sofrer variação, positiva ou negativa, superior a dez por cento.
§ 1º A variação de que trata o caput será determinada mediante a comparação entre os valores do dólar no primeiro e no último dia do mês-calendário para os quais exista cotação publicada pelo Banco Central do Brasil.
§ 2º Verificada a hipótese do caput, a alteração do regime para reconhecimento das variações monetárias dos direitos de crédito e das obrigações do contribuinte, em função da taxa de câmbio, de que trata o inciso II do § 4º do art. 30 da Medida Provisória nº 2.158-35, de 2001, poderá ser efetivada no mês-calendário seguinte àquele em que ocorreu a elevada oscilação da taxa de câmbio, na forma definida em ato da Secretaria da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda.
§ 3º O novo regime adotado se aplicará a todo o ano-calendário, observado o disposto no § 4º.
§ 4º A cada mês-calendário em que ocorrer elevada oscilação da taxa de câmbio corresponderá uma única possibilidade de alteração do regime.
§ 5º Na hipótese de ter ocorrido elevada oscilação da taxa de câmbio nos meses de janeiro a maio de 2015, a alteração de regime de que trata o § 2º poderá ser efetivada no mês de junho de 2015.
Art. 2º O Decreto nº 8.426, de 1º de abril de 2015, passa a vigorar com as seguintes alterações:
‘Art. 1º [...]
§ 3º Ficam mantidas em zero as alíquotas das contribuições de que trata o caput incidentes sobre receitas financeiras decorrentes de variações monetárias, em função da taxa de câmbio, de:
I – operações de exportação de bens e serviços para o exterior; e
II – obrigações contraídas pela pessoa jurídica, inclusive empréstimos e financiamentos.
§ 4º Ficam mantidas em zero as alíquotas das contribuições de que trata o caput incidentes sobre receitas financeiras decorrentes de operações de cobertura (hedge) realizadas em bolsa de valores, de mercadorias e de futuros ou no mercado de balcão organizado destinadas exclusivamente à proteção contra riscos inerentes às oscilações de preço ou de taxas quando, cumulativamente, o objeto do contrato negociado:
a) estiver relacionado com as atividades operacionais da pessoa jurídica; e
b) destinar-se à proteção de direitos ou obrigações da pessoa jurídica.’ (NR)
Art. 3º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos em relação ao art. 2º a partir de 1º de julho de 2015.”16
Nesse contexto surge a tese de que a conduta estatal materializada em sucessivos decretos regulamentadores incorreria em malferimento ao art. 150, inc. I, da Constituição Federal, que cristaliza o princípio da legalidade tributária, dando azo a uma série de demandas judiciais sistematicamente ajuizadas pelos contribuintes.
Conforme se demonstrará adiante, não só a legalidade tributária resta infringida, como também o próprio regime constitucional de competências tributárias, maculando irremediavelmente o próprio art. 27, § 2º, da Lei n. 10.865/2004, dispositivo que delega competência ao Executivo para fixação de alíquotas às contribuições nele tratadas.
3. Da fixação de alíquotas na forma do art. 27, § 2º, da Lei n. 10.865/2004 sob a perspectiva do regime constitucional de competências tributárias e do princípio da legalidade
A Constituição Federal de 1988 é amplamente reconhecida pela doutrina por sua característica extremamente analítica, com um farto acervo de disposições sobre as mais diversas matérias nela tratadas, regra que também se aplica às disposições constitucionais em matéria de tributação.
De todo esse arcabouço, merece destaque o regime constitucionalmente estabelecido de competências tributárias e, para este trabalho, em especial 2 (duas) de suas características fundamentais.
A expressão “competência tributária” é aqui utilizada no sentido de “atribuição constitucional conferida aos entes políticos de expedir atos normativos com a finalidade de instituir tributos17. É o que está posto expressamente no Código Tributário Nacional:
“Art. 6º A atribuição constitucional de competência tributária compreende a competência legislativa plena, ressalvadas as limitações contidas na Constituição Federal, nas Constituições dos Estados e nas Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios, e observado o disposto nesta Lei.”
Em comentário a esse dispositivo, aponta Regina Helena Costa que “competência tributária é a aptidão para criar tributos, mediante a edição do necessário veículo legislativo (art. 150, I, CF), indicador de todos os aspectos de sua hipótese de incidência”18.
Essa é a primeira noção fundamental: para o regime constitucional de competências tributárias, “instituir tributo” significa a edição de lei, pela pessoa política competente, que contenha previsão de todos os aspectos essenciais à regra-matriz de incidência tributária.
Ainda, têm as competências tributárias como traços marcantes as 6 (seis) características enumeradas na já clássica lição de Roque Antonio Carrazza: exclusividade, indelegabilidade, incaducabilidade, inalterabilidade, irrenunciabilidade e facultatividade19.
Impõe-se, para o tema aqui discutido, uma análise mais específica da característica de indelegabilidade da competência tributária, também prevista expressamente pelo Código Tributário Nacional:
“Art. 7º A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do § 3º do artigo 18 da Constituição.”
Valendo-se da lição de Carrazza, aponta Luciano Felício Fuck que as competências tributárias não podem ser transferidas a outros entes políticos, acrescentando ainda:
“Com efeito, permitir a transferência de competência por meio de instrumento infraconstitucional significa inverter a hierarquia das normas e submeter as disposições constitucionais – e o equilíbrio federativo – a mudanças por leis ordinárias e convênios.”20
O mesmo autor, dessa vez com base na doutrina de Tácio Lacerda Gama, explica que “a indelegabilidade deve ser percebida em duas dimensões, a primeira quanto a proibição de delegação de ente político para outro e a segunda quanto à vedação de o Poder Legislativo delegar ao Executivo”21.
Essa é a segunda noção fundamental: a indelegabilidade das competências tributárias deve ser percebida não só no sentido da proibição de delegação de um ente político para outro, mas também no sentido de vedar a delegação de competência do Poder Legislativo ao Executivo, mesmo dentro da estrutura do mesmo ente político.
São noções que, mesmo não previstas expressamente em dispositivo constitucional, prontamente exsurgem de análise sistemática do próprio Sistema Tributário erigido pela Constituição Federal de 1988.
O texto constitucional determina que compete ao Poder Legislativo, exercido pelo Congresso Nacional (art. 44 da CF), “dispor sobre todas as matérias de competência da União” (art. 48 da CF). Cabe ao Poder Executivo, por sua vez, executar a lei (art. 84, IV, da CF), e ao Poder Judiciário editar normas individuais na forma da jurisdição (art. 92 da CF).
O processo legislativo, portanto, entendido como a edição do rol de veículos legislativos constante do art. 59, incs. I a VII, da Constituição Federal, é atividade privativa do Poder Legislativo, inerente à sua própria natureza e função na estrutura da República. Ao Executivo e ao Judiciário, nesse particular, é dado apenas poder de iniciativa do processo legislativo (art. 61 da CF); a atividade de deliberação acerca da proposta, porém, permanece competência privativa do Legislativo.
A instituição de tributos está submetida exatamente a esse escrutínio do Poder Legislativo por conta do princípio da legalidade tributária (art. 150, inc. I, da Constituição Federal)22. Trata-se de fundamento de toda tributação23, constituindo o mais importante limite ao poder tributário do Estado24, prescrevendo que nenhum tributo será instituído ou majorado a não ser por intermédio da lei25.
Sob ponto de vista de sua dimensão normativa, a legalidade é tridimensional, na lição de Humberto Ávila. A legalidade é preponderantemente regra, na medida em que descreve um comportamento a ser adotado pelo Legislativo e, de forma reflexa, pelo Executivo (em sede de regulamentação), vedando a instituição ou majoração de tributos a não ser através de procedimento parlamentar específico. Em seu aspecto material, a legalidade carrega sentido normativo tanto de princípio26, na medida em que estabelece dever de perseguir ideal de previsibilidade ou determinabilidade no que tange à conduta do contribuinte frente ao poder estatal de tributar, quanto de postulado, porquanto exige do aplicador “fidelidade aos pontos de partida estabelecidos pela própria lei”27.
Dada sua importância e a envergadura de sua influência sobre todo o sistema constitucional tributário, as exceções ao princípio da legalidade tributária são apenas aquelas postas na própria Constituição Federal28. É o que destaca a doutrina de Leandro Paulsen:
“O princípio da reserva legal (em sentido estrito) afasta a possibilidade de o Executivo estabelecer os elementos da norma tributária impositiva, salvo exceção expressa feita no texto original da própria Constituição, como a de definir a alíquota de certos impostos federais, nos termos do § 1º do art. 153 da CF.”29
Também sobre a questão, é categórica a lição de Luís Eduardo Schoueri no sentido de que “não há mitigação tácita ao Princípio da Legalidade em matéria tributária. Quando o constituinte assim desejou, ele expressamente previu a possibilidade de o Executivo, nos limites da lei, alterar as alíquotas”30.
Por todo o exposto, depreende-se que o regime de competências tributárias posto na Constituição Federal de 1988 é analítico, rígido e categórico ao conferir o poder de instituição de tributos às respectivas pessoas políticas, sendo que instituir tributo deve ser compreendido como o poder de, mediante a edição de lei (art. 150, I, da CF), prever todos os aspectos essenciais da norma de incidência tributária.
Esse poder deve ser exercido pelo Poder Legislativo, dado que é sua a função de promover o processo de apreciação legislativa e que o próprio texto constitucional excepciona as hipóteses na qual pode o Executivo interferir, exceções que reforçam a existência da regra, sendo que, conforme visto, as contribuições ao PIS/PASEP e a COFINS não integram as exceções constitucionalmente previstas.
Não importa sob qual argumento seria conveniente essa espécie de delegação em outras hipóteses; sua inviabilidade é uma imposição do sistema constitucional. Conforme ensina Ávila:
“Como a Constituição estabelece o sobreprincípio do Estado de Direito como sendo fundamental, o intérprete, dentre as várias decisões de interpretação que se lhe apresentam, deve atribuir, em nome dos subprincípios da separação dos poderes, da segurança jurídica e da legalidade, prevalência aos argumentos linguísticos e sistemáticos, pois eles se baseiam na primazia daquilo que é objetivável no ordenamento jurídico frente àquilo que deixou de sê-lo. Nesse sentido, é preciso dar prevalência, dentre as várias hipóteses conceituais, àquela que é mais suportada pelos princípios fundamentais do subsistema de Direito Tributário.”31
Impõe-se concluir, portanto, dado o contexto antes apontado, que a conjugação do regime de competências tributárias e do princípio da legalidade, interpretados dentro do contexto do Sistema Constitucional Tributário, impede a majoração das alíquotas das contribuições ao PIS/PASEP e da COFINS por ato exclusivo do Poder Executivo32, motivo pelo qual não encontra fundamento de validade constitucional a outorga promovida pelo art. 27 da Lei n. 10.865/2004 e, consequentemente, o respectivo Decreto n. 8.426/201533.
4. Do decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp n. 1.586.950/RS e das questões a serem enfrentadas no âmbito do Supremo Tribunal Federal
Em seus contornos infraconstitucionais, a questão ora discutida foi objeto de decisão da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial n. 1.586.950/RS. O referido recurso hostilizava acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região que entendeu legal a majoração das alíquotas por decreto executivo, sustentando o recorrente o malferimento ao art. 150, inc. I, da Constituição Federal, que cristaliza o princípio da legalidade tributária.
A decisão recorrida desproveu apelação cível aviada em face de sentença denegatória de mandado de segurança sob fundamento de que as receitas financeiras estariam incluídas nas bases de cálculo do PIS e da COFINS, realizando interpretação do conceito de faturamento previsto no art. 195, I, “b”, da CF, e que o restabelecimento da alíquota por meio de Decreto não viola o princípio da legalidade34.
No âmbito da Corte de Superposição, o julgamento do leading case foi iniciado em data de 23 de agosto de 201635, ocasião em que o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho exarou voto pelo parcial provimento do recurso do contribuinte. O Ministro Relator argumentou que (i) o legislador ordinário pretendeu equiparar o conceito de faturamento ao de receita bruta, nos moldes da sistemática anteriormente adotada pela Lei n. 9.718/1998, a qual foi rechaçada pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento dos REs n. 346.084/PR, n. 357.950/RS, n. 358.273/RS e n. 390.840/MG.
Nesse contexto, (ii) em que pese o advento da Emenda Constitucional n. 20/1998 ter inserido no texto constitucional nova base de cálculo para o PIS/COFINS, a incidência do PIS/COFINS sobre receita financeira continuou impossibilitada, pois o legislador ordinário pretendeu tributá-los com fundamento na mesma sistemática utilizada pela Lei n. 9.718/1998, qual seja, a partir da extensão do conceito de faturamento, equiparando-o à totalidade das receitas, ou embutindo esta naquele, o que não é possível, tendo em vista a interpretação conferida pelo STF ao conceito de faturamento (ou receita bruta), o qual abrange, apenas, a venda de mercadorias, de serviços ou de mercadorias e serviços.
Portanto, (iii) o aumento da alíquota de tributos não regulatórios pela via expedita e administrativa de Decretos Executivos ofende a estrita legalidade tributária, princípio tutelar dos direitos do contribuinte, assim, a aceitação de redução de alíquota de tributo por ato administrativo não autoriza que esse mesmo instrumento (ato administrativo) possa ser utilizado para realizar movimento inverso, porque, em tal hipótese, se está onerando o patrimônio particular.
Após o voto do relator, instaurou-se debate quanto ao conhecimento do recurso especial, quanto à constitucionalidade dos argumentos utilizados pelo acórdão recorrido, pedindo vista antecipada o Ministro Gurgel de Faria para análise dessa questão.
Em 25 de outubro de 2016, o Ministro Gurgel de Faria apresentou voto-vista pelo não conhecimento do recurso, por entender que a discussão restringiu-se ao enforque constitucional, não cabendo ao STJ, portanto, debruçar-se sobre a matéria. Entretanto, a Primeira Turma, por maioria, vencidos os Ministros Gurgel de Faria e Sérgio Kukina, deliberou pelo conhecimento do recurso, sob argumento de que a discussão colocada no recurso é sobre legalidade do decreto, e, portanto, sem fundo constitucional, tratando-se de violação constitucional na via reflexa. Nessa ocasião, pediu vista dos autos a Ministra Regina Helena Costa.
Em 2 de fevereiro de 2017 a Ministra Regina Helena Costa proferiu voto-vista asseverando que, no que tange à Lei n. 10.865/2004 e nos limites da cognição do recurso especial a autorização para redução e restabelecimento de alíquotas mediante ato do Poder Executivo não existe nas normas gerais estampadas no Código Tributário Nacional. Nesse contexto, em razão da falta de autorização imediata da lei complementar desobrigando a lei ordinária da fixação prévia das alíquotas da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas à não cumulatividade dessas contribuições e a atribuição de tal missão, indevidamente, ao Poder Executivo, é de rigor reconhecer-se a invalidade do § 2º do art. 27 da Lei n. 10.865/2004 perante o Código Tributário Nacional, por ser com este incompatível (art. 97, IV). O julgamento restou novamente suspenso.
Em data de 18 de abril de 201736 a análise do Recurso Especial n. 1.586.950/RS foi retomada com a apresentação do voto do Ministro Gurgel de Faria, no sentido de que a majoração das alíquotas por decreto é legal, tendo em vista permissivo do art. 27, § 2º, da Lei n. 10.865/2004, mantendo a posição defendida pelos tribunais locais e negando provimento ao recurso.
Em sequência, o julgamento foi novamente interrompido por pedido de vista, do Ministro Benedito Gonçalves, o qual apontou que, até aquele momento, havia três frentes possíveis de interpretação: além do voto do Ministro Gurgel de Faria no sentido da legalidade da majoração da alíquota, o Ministro Relator Napoleão Nunes Maia Filho sustentou a ausência de competência tributária quanto às receitas tributárias, além de violação ao princípio da legalidade, ao passo que a Ministra Regina Helena Costa entendeu unicamente pela ilegalidade da majoração por ato do Executivo.
Na sessão de 22 de agosto de 2017, o Ministro Benedito Gonçalves acompanhou a divergência instaurada pelo Ministro Gurgel de Faria acrescentando que a instituição em lei de uma alíquota teto e a edição de decretos que alteram as alíquotas dentro do limite legal não constituem ilegalidade. De outra banda, reconheceu que a questão específica quanto à legitimidade da previsão legal do § 2º do art. 27 da Lei n. 10.865/2004 à luz do princípio da legalidade será enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal, na Repercussão Geral no RE n. 986.296/PR.
O julgado restou assim ementado:
“Tributário. PIS e COFINS. Receitas financeiras. Incidência. Alíquotas. Redução e majoração por ato do Executivo. Lei n. 10.865/2004. Possibilidade.
1. A controvérsia a respeito da incidência das contribuições sociais PIS e COFINS sobre as receitas financeiras está superada desde o advento da EC n. 20/1998, que deu nova redação ao art. 195, II, ‘b’, da CF/88. 2. Em face da referida modificação, foram editadas as Leis n.10.637/2002 e 10.833/2003, as quais definiram como base de cálculo o faturamento mensal, assim entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.
3. As contribuições ao PIS e à COFINS, de acordo com as Leis n.10.637/2002 e 10.833/2003, incidem sobre todas as receitas auferidas por pessoa jurídica, com alíquotas de 1,65% e 7,6%, respectivamente.
4. No ano de 2004, entrou em vigor a Lei n. 10.865/2004, que autorizou o Poder Executivo a reduzir ou restabelecer as alíquotas sobre as receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime não cumulativo, de modo que a redução ou o restabelecimento poderiam ocorrer até os percentuais especificados no art. 8º da referida Lei.
5. O Decreto n. 5.164/2004 reduziu a zero as alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS incidentes sobre as receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de incidência não cumulativa das referidas contribuições.
6. O Decreto n. 5.442/2005 manteve a redução das alíquotas a zero, inclusive as operações realizadas para fins de hedge, tendo sido revogado pelo Decreto n. 8.426/2015, com vigência a partir de 01/07/2015, que passou a fixá-las em 0,65% e 4%, respectivamente.
7. Hipótese em que se discute a legalidade da revogação da alíquota zero, prevista no art. 1º do Decreto n. 5.442/2005, do PIS e da COFINS sobre receitas financeiras pelo art. 1º do Decreto n. 8.426/2015.
8. Considerada a constitucionalidade da Lei n. 10.865/2004, permite-se ao Poder Executivo tanto reduzir quanto restabelecer alíquotas do PIS/COFINS sobre as receitas financeiras das pessoas jurídicas, sendo certo que tanto os decretos que reduziram a alíquota para zero quanto o Decreto n. 8.426/2015, que as restabeleceu em patamar inferior ao permitido pelas Leis n.10.637/2002 e 10.833/03, agiram dentro do limite previsto na legislação, não havendo que se falar em ilegalidade.
9. O art. 27, § 2º, da Lei n. 10.865/2004 autoriza o Poder Executivo a reduzir ou restabelecer as alíquotas nos percentuais delimitados na própria Lei, da forma que, considerada legal a permissão dada ao administrador para reduzir tributos, também deve ser admitido o seu restabelecimento, pois não se pode compartimentar o próprio dispositivo legal para fins de manter a tributação com base em redução indevida.
10. Recurso especial desprovido.” (REsp n. 1.586.950/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, j. 19.09.2017, DJe 09.10.2017)37
Colaciona-se excerto do voto que veio a prevalecer, da lavra do Ministro Gurgel de Faria:
“[...] o art. 27 da Lei n. 10.865/2004 autorizou o Poder Executivo a reduzir ou restabelecer as alíquotas do PIS/COFINS sobre as receitas financeiras e este o fez através do Decreto n. 5.164/2004, mantido pelo Decreto n. 5.442/2005, que, em 2015, foi revogado pelo Decreto n. 8.426/2015.
Pergunto: estava autorizada essa norma legal a dispor sobre tal matéria? Em princípio, poder-se-ia dizer que não, uma vez que as exceções previstas na Constituição Federal não contemplaram as contribuições do PIS/COFINS. Logo, não tendo sido observado o princípio da legalidade, a conclusão a que chegaríamos seria que a referida lei é inconstitucional, até porque, por tal princípio, previsto tanto na Constituição Federal quanto no Código Tributário Nacional, o administrador também está impedido de reduzir tributos. [...].
Porém, em razão da peculiaridade do caso, se fizéssemos isso (declarar a lei inconstitucional), haveria um prejuízo enorme ao contribuinte, pois passariam a vigorar as alíquotas cheias previstas nas Leis n. 10.637/2002 e 10.833/2003. Além disso, o magistrado, no ato de julgar, está adstrito ao pedido e, aqui, este se resumiu ao reconhecimento da impossibilidade de incidência das contribuições PIS/COFINS sobre as receitas financeiras.
Ora, não se declarando a inconstitucionalidade da Lei n. 10.865/2004, o que só poderia ocorrer através do rito previsto no art. 97 da CF/88, o qual dispõe que ‘somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público’, partimos do pressuposto de que a Lei é válida, devendo o debate passar para o âmbito infraconstitucional (não sendo demais relembrar que fiquei vencido quanto ao enfoque tão só constitucional realizado na decisão impugnada), visto que agora examinaremos a legalidade do Decreto n. 8.426/2015 frente à referida lei.”
Verifica-se, portanto, que pelo próprio âmbito de cognição alcançável em sede de Recurso Especial, a discussão se deu em patamar infraconstitucional, tendo havido, porém, diversas manifestações dos ministros no sentido de que a verdadeira questão fulcral do caso é a controvérsia constitucional, notadamente acerca da constitucionalidade da delegação promovida pelo art. 27, § 2º, da Lei n. 10.865/2004 diante do regime constitucional de competências e do próprio princípio da legalidade.
Essas questões já estão postas perante o Supremo Tribunal Federal, tanto pela via do controle concentrado, quanto pela via do controle difuso de constitucionalidade.
Em sede de controle concentrado, há a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5.277/DF, proposta pelo Procurador-Geral da República38. A ação pede a declaração de “inconstitucionalidade dos §§ 8º, 9º, 10 e 11 do art. 5º da Lei 9.718”, com a redação a eles dada pela Lei n. 11.727/2008, por supostamente incompatível com o princípio da legalidade (art. 150, I, da CF). Os dispositivos autorizam o Executivo a alterar as alíquotas do PIS e da COFINS incidentes sobre a receita bruta de venda de álcool. Trata-se, portanto, de dispositivo muito semelhante ao art. 27, § 2º, da Lei n. 10.865/2004, sendo a violação à Constituição também análoga, motivo pelo qual o desfecho desta demanda certamente influenciará na tese ora discutida.
Em sede de controle difuso, houve reconhecimento de repercussão geral da matéria no bojo do RE n. 986.296/PR, no sentido da necessidade da atuação do Supremo para se definir se o Decreto n. 8.426/2015 implicou usurpação da competência normativa do Congresso:
“Ementa: Recurso extraordinário. Repercussão geral. PIS e COFINS. Lei nº 10.865/2004. Princípio da legalidade. Decreto nº 8.426/2015. Redução e restabelecimento de alíquotas. É de se fixar orientação sobre a possibilidade de o art. 27, § 2º, da Lei nº 10.865/2004 transferir a regulamento – portanto, a ato infralegal – a competência para reduzir e restabelecer as alíquotas da contribuição ao PIS e da COFINS. A matéria é similar à discutida na ADI nº 5.277/DF, de minha relatoria, de modo que entendo estarem presentes a densidade constitucional e a repercussão geral. Diante do exposto, manifesto-me pela existência de repercussão geral da questão constitucional suscitada, submetendo-a à apreciação dos demais Ministros desta Corte.” (RE n. 986.296 RG, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 02.03.2017, processo eletrônico, DJe-054, divulg. 20.03.2017, public. 21.03.2017)39
Posteriormente, foi esse feito substituído pelo RE n. 1.043.313/RS, também de relatoria do Ministro Dias Toffoli, como leading case acerca da matéria. Assim fundamentou o ministro a decisão de substituição dos feitos:
“Neste feito há um aprofundamento das questões constitucionais que o tema da redução e do restabelecimento das alíquotas do PIS e da COFINS sobre receitas financeiras suscita. O recurso extraordinário abrange, além da alegada afronta ao Princípio da Legalidade, malferimento à não cumulatividade instituída no art. 195, § 12, da Constituição Federal, também sob o enfoque da isonomia. Portanto, determino que se proceda à substituição do RE nº 986.296/PR pelo presente recurso e a atualização dos sistemas informatizados da Corte para fazer constar o RE nº 1.043.313/RS como paradigma do Tema nº 939 da Repercussão Geral.”40
A questão, portanto, segue absolutamente em aberto.
A decisão do Superior Tribunal de Justiça, dadas as amarras cognitivas do tribunal às questões infraconstitucionais, não enfrentou a controvérsia sob o ângulo da violação ao regime de competências tributárias e do princípio da legalidade tributária, ambos pilares do Sistema Constitucional erigido na Constituição Federal de 1988, questões sobre as quais certamente se debruçará o Supremo Tribunal Federal.
Esse enfrentamento, com o devido respeito aos entendimentos contrários, conduzirá, conforme anteriormente exposto, ao inevitável reconhecimento da mácula de inconstitucionalidade na delegação prevista no art. 27, § 2º, da Lei n. 10.865/2004 e, consequentemente, à perda de validade dos Decretos presidenciais expedidos com fulcro na referida norma.
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2 Luciano Amaro faz uma análise etimológica do termo: “Tributar (de tribuere, dividir por tribos, repartir, distribuir, atribuir) mantém ainda hoje o sentido designativo da ação estatal: o Estado tributa. O tributo (tributum) seria resultado dessa ação estatal, indicando o ônus distribuído entre os súditos. Como o súdito paga o tributo para o Estado, o verbo passou a designar também a ação de pagar tributo, dizendo-se tributário, contributário ou contribuinte aquele que paga o tributo ou que ‘contribui’. Analogamente, chama-se tributário o rio que contribui com suas águas para dar volume a outro. Na linguagem jurídica, porém, não é usual o verbo ‘tributar’ para indicar a ação de pagar tributo, nem o substantivo ‘tributário’ para designar contribuinte.” (AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 16)
3 BRASIL. Lei n. 5.172, de 25 de outubro de 1966. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.
4 Em sede doutrinária, todavia, não há consenso: Alfredo Augusto Becker sustenta existir apenas duas espécies tributárias, as taxas e os impostos (vide: BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 2002, p. 380); Paulo de Barros Carvalho diz serem três as espécies tributárias, os impostos, as taxas e as contribuições de melhora (vide: CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 27-29); no que é acompanhado por Geraldo Ataliba (vide: ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 12); Ricardo Lobo Torres, adota a visão quadripartida: impostos, taxas, contribuições e empréstimos compulsórios (vide: TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 12. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 307), juntamente com Luciano Amaro (vide: AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2004).
5 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Recurso Extraordinário n. 562.267/PR, Rel. Ellen Gracie, publicado em 10.02.2011, ement. vol. 2461-02, p. 419, RTJ vol. 223-01, p. 527, RDDT n. 187, 2011, p. 186-193, RT v. 100, n. 907, 2011, p. 428-442.
6 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão no Recurso Extraordinário n. 562.267/PR, Rel. Ellen Gracie, publicado em 10.02.2011, ement. vol. 2461-02, p. 419, RTJ vol. 223-01, p. 527, RDDT n. 187, 2011, p. 186-193, RT v. 100, n. 907, 2011, p. 428-442.
7 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Contribuições sociais. Revista de Direito Constitucional e Internacional v. 3/1993, abril-junho 1993, p. 26-36.
8 LEÃO, Martha Toribio. A incidência das contribuições sobre as receitas financeiras das instituições financeiras e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Revista Dialética de Direito Tributário n. 214. São Paulo: Dialética, ago. 2004, p. 93-107, p. 95.
9 ÁVILA, Humberto Bergmann. Contribuição social sobre faturamento. COFINS. Base de cálculo. Distinção entre receita e faturamento. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Revista Dialética de Direito Tributário n. 107. São Paulo: Dialética, ago. 2004, p. 95-109, p. 107.
10 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Planalto. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.
11 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.
12 BRASIL. Lei n. 10.865, de 30 de abril de 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/L10.865compilado.htm>.
13 BRASIL. Decreto n. 5.164, de 30 de julho de 2004. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5164.htm>.
14 BRASIL. Decreto n. 5.442, de 9 de maio de 2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5442.htm>.
15 BRASIL. Decreto n. 8.426, de 1º de abril de 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Decreto/D8426.htm>.
16 BRASIL. Decreto n. 8.451, de 19 de maio de 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Decreto/D8451.htm>.
17 FUCK, Luciano Felício. Estado fiscal e Supremo Tribunal Federal. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 67.
18 COSTA, Regina Helena. Comentários ao art. 6º. In: FREITAS, Vladimir Passos de (coord.). Código Tributário Nacional comentado: doutrina e jurisprudência, artigo por artigo, inclusive ICMS e ISS. 7. ed. São Paulo: RT, 2017, p. 62.
19 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 548. A definição de algumas das características sofre críticas, notadamente de Paulo de Barros Carvalho. Para o teor das críticas, ver: CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 273-281.
20 FUCK, Luciano Felício. Estado fiscal e Supremo Tribunal Federal. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 77.
21 Idem, p. 77.
22 “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; [...].”
23 NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Direito tributário: estudo de caso e problemas. São Paulo: Bushatsky, 1973, p. 139.
24 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 35.
25 Canotilho ainda define o conceito de “reserva de parlamento como ‘o conjunto de matérias ou de âmbitos materiais que devem ser objecto de regulação através de um acto legislativo editado pelo parlamento. Esta reserva legislativa de parlamento designa-se, por vezes, reserva de lei formal. [...] Trata-se, por um lado, de assegurar, através de lei, a observância dos princípios concretizadores do princípio do Estado de direito (princípio da confiança e segurança jurídicas, princípio da proporcionalidade, princípio da igualdade, princípio da imparcialidade). Visa-se, por outro lado, guardar para um órgão com uma legitimação política especial o estabelecimento das bases de todos os regimes jurídicos cujos preceitos possam afectar interesses da generalidade dos cidadãos e a fixação desses regimes na integralidade quando respeitem a assuntos que mais sensibilizem uma comunidade’.” (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003)
26 Na já clássica lição de Humberto Ávila, um princípio trata-se de uma norma que aponta para um estado de coisas a ser promovido, sem, de outro modo, definir com precisão o conjunto de comportamentos que devem ser adotados para a gradual concretização desse ideal. Mesmo sem descrever quais condutas devem ser adotadas, a própria instituição de um princípio, por si só, já impõe a adoção daquelas condutas adequadas e indispensáveis à sua adoção. Isto é, o dever de adequação é corolário lógico da positivação de um princípio (vide: ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 78). Robert Alexy, a seu turno, assevera que princípios são normas que contêm mandamentos de otimização, podendo ser cumpridas em maior ou menor intensidade, diferentemente das regras, espécie normativa que se resume às categorias de cumprida ou não cumprida – infringida (vide: ALEXY, Robert. Theorie der Grundrechte. 3. ed. Frankfurt: Surkamp, 1996, p. 75).
27 ÁVILA, Humberto Bergmann. Sistema constitucional tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 176-177.
28 Em matéria de formatação da hipótese de incidência tributária, essas exceções se restringem ao disposto no art. 153, § 1º, que aponta faculdade do Executivo para, “atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V” (impostos sobre importação e exportação, IPI e IOF, respectivamente), e no art. 177, § 4º, I, “b”, que dispõe acerca da possibilidade de redução e reestabelecimento, também pelo Executivo, das alíquotas da CIDE-combustíveis.
29 PAULSEN, Leandro. Direito tributário: Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 15. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado/ESMAFE, 2013, p. 161.
30 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 297.
31 ÁVILA, Humberto Bergmann. Sistema constitucional tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 268.
32 Humberto Ávila incisivamente assevera que “a Administração possui função executiva e não legislativa, o que proíbe que os funcionários públicos coloquem em dúvida a validade da lei” (ÁVILA, Humberto Bergmann. Sistema constitucional tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 177).
33 Nesse mesmo sentido José Luis Ribeiro Brazuna e Ruy Fernando Cortes de Campos: “Embora a tributação sobre receitas financeiras pudesse ser imaginada no contexto do ajuste fiscal iniciado pelo governo federal, a forma adotada para se chegar a esse fim chamou a atenção de todos em razão da sua gritante ilegalidade. Afinal, o pretendido reestabelecimento de alíquotas para o PIS e a COFINS, por meio de ato do Poder Executivo baseado no art. 27, § 2º, da Lei 10.865/2004, atentaria contra o art. 150, I, da CF” (Receitas financeiras e a sua tributação pelo PIS e pela COFINS: inconstitucionalidades muito além do jardim da simples ilegalidade do Dec. 8.426/2015. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais v. 70/2015, outubro-dezembro 2015, p. 239-259.
34 “Tributário. PIS e COFINS. EC nº 20/98. Leis 10.637/2002 e 10.833/2003. Base de cálculo. Totalidade das receitas auferidas. Decreto 8.426/2015. Princípio da legalidade. Ausência de violação. Regime não cumulativo. Regramento legal. 1. A base de cálculo do PIS/PASEP e da COFINS é o faturamento mensal, assim entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil – conceito que se encontra plenamente válido, tendo em vista que amparado pela redação do art. 195, I, da CF, conferida pela EC nº 20/98. Assim, as receitas financeiras estão incluídas na base de cálculo das referidas contribuições. 2. O Decreto 8.426/2015 não se mostra ofensivo ao princípio da legalidade, eis que não se trata de instituição ou majoração de tributo, e sim de redução e posterior restabelecimento, dentro dos limites indicados na própria lei (art. 27, § 2º, da Lei 10.865/2004), das alíquotas de contribuição para o PIS e COFINS sobre as receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime não cumulativo. 3. O regime não cumulativo do PIS e da COFINS foi relegado à disciplina infraconstitucional, sendo de observância facultativa. Logo, a lei pode estabelecer as despesas que serão passíveis de gerar créditos, bem como modificar o regime, introduzindo novas hipóteses de creditamento ou revogando outras, pois não existe direito adquirido a determinado regime legal.” (TRF4, AC n. 5033579-17.2015.404.7100, Rel. Jorge Antonio Maurique, Primeira Turma, juntado aos autos em 25.11.2015)
35 Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2016-ago-23/stj-inicia-julgamento-discute-piscofins-receitas-financeiras>. Acesso em: 16 maio 2017.
36 Disponível em: <https://jota.info/tributario/stj-se-divide-sobre-piscofins-de-receitas-financeiras-18042017>. Acesso em: 16 maio 2017.
37 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acórdão no Recurso Especial n. 1.586.950/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Min. Gurgel de Faria, Primeira Turma, j. 19.09.2017, DJe 09.10.2017.
38 Disponível em: <http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=4739288>. Acesso em: 4 fev. 2018.
39 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisão no Recurso Extraordinário n. 986.296, Rel. Min. Dias Toffoli, proferida em 02.03.2017, processo eletrônico, DJe-054, publicado em 21.03.2017.
40 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisão no Recurso Extraordinário n. 1.043.313/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, proferida em 29.05.2017, processo eletrônico, DJe-114, publicado em 31.05.2017.