O Caráter Interpretativo e Retrospectivo da LC n. 160/2017: Consequências

Interpretative and Retrospective Aspect of LC 160/2017: Consequences

Carlos Eduardo Makoul Gasperin

Mestrando em Direito Tributário na FGV/Direito SP. Advogado em Curitiba/PR.
E-mail: carlos@casilloadvogados.com.br.

Resumo

O presente trabalho apresenta argumentos em defesa do caráter interpretativo e retrospectivo do art. 9º da LC n. 160/2017, o qual passa a considerar indiscriminadamente todos os incentivos fiscais de ICMS como sendo subvenções para investimento, desde que cumpridos os requisitos contábeis postos no art. 30 da Lei n. 12.973/2014. Assim sendo, conclui-se pela possibilidade de aplicação desse novel entendimento a todos os contribuintes que davam tratamento contábil e fiscal diverso aos incentivos de ICMS recebidos – estejam eles ou não litigando –, desde que convalidados os benefícios fiscais de ICMS nos moldes previstos na LC n. 160/2017, com possíveis impactos no IRPJ e na CSLL de exercícios anteriores.

Palavras-chave: ICMS, incentivos, subvenção para investimento, LC n. 160/2017, IRPJ.

Abstract

The present essay presents arguments in favour of the interpretative and retrospective aspect of LC 160/2017’s article 9, which considers indiscriminately all ICMS tax credits/incentives as investment grants, as long as some requirements contained in article 30 of 12973/2014 Act are fulfilled. Therefore, it is concluded that it is possible to apply this new understanding to all taxpayers who treated these ICMS tax credits/incentives differently – whether are the litigating or not –, as long as these incentives are validated by the procedures established on that law, with possible impacts on the revenue taxes (IRPJ e CSLL) payed in previous years.

Keywords: ICMS, tax incentives, tax credits, investment grants, LC 160/2017, IRPJ.

1. Breve introito e colocação preliminar do tema

Desde a sua publicação, a Lei Complementar (LC) n. 160/2017 tem causado sérios debates doutrinários, vez que produz sérios impactos no campo da chamada “guerra fiscal” do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços de Comunicação e Transporte Interestadual (ICMS) e, também, no que se refere aos aspectos contábeis e fiscais atinentes à apuração do Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre os incentivos de ICMS que a referida lei pretende regulamentar. As discussões centram-se na abrangência material e temporal do art. 9º da respectiva norma, o qual inicialmente fora vetado pelo Poder Executivo e posteriormente reinstituído pelo Legislativo.

O presente estudo tem como meta analisar a natureza das disposições contidas no citado art. 9º da LC n. 160/2017, que acaba por considerar todos os benefícios fiscais de ICMS como subvenções para investimento, atraindo as consequências contábeis e tributárias advindas dessa qualificação.

O presente trabalho tem como objetivo apresentar solução para as seguintes dúvidas que surgem da leitura do citado art. 9º: o referido dispositivo, inicialmente vetado e posteriormente reintroduzido no ordenamento jurídico, pode ser considerado como verdadeira lei interpretativa detentora de efeitos prospectivos postos no art. 106, I do Código Tributário Nacional (CTN)? E quais consequências poderiam daí resultar, especialmente para a apuração do IRPJ e da CSLL dos contribuintes que não davam o tratamento de subvenção para investimento para os incentivos de ICMS recebidos antes da LC n. 160/2017?

Para tanto, num primeiro capítulo resgataremos o debate doutrinário existente em torno das leis interpretativas, apresentando o entendimento fixado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, bem como a nossa posição sobre o tema, a qual guiará todo o restante do estudo a ser desenvolvido.

Fixadas as premissas conceituais sobre as leis interpretativas no primeiro capítulo, aplicá-las-emos ao art. 9º da LC n. 160/2017 para averiguar se essa disposição possui caráter interpretativo aos moldes previstos no Código Tributário Nacional, oportunidade na qual concluiremos – não sem antes descrever e rebater possíveis contra-argumentos – que referido dispositivo possui caráter interpretativo e pode produzir efeitos retrospectivos, desde que observados alguns requisitos.

A partir dessa conclusão, analisaremos, brevemente, um possível impacto prático na apuração do IRPJ e da CSLL que provavelmente será vivenciado por aqueles contribuintes que não davam o novel tratamento trazido pela LC n. 160/2017 aos incentivos de ICMS recebidos.

Ao final apresentaremos nossas considerações finais, que abarcarão as conclusões retiradas desse estudo, que nem de longe têm o condão de esgotar o assunto ou fixar verdades absolutas, mas cujo único propósito é tentar contribuir para o debate que, ao nosso sentir, perdurará por algum tempo e será motivo de questionamentos fiscais no futuro.

2. Fixando premissas – análise do art. 106, I, do CTN

A regra de aplicação temporal da legislação tributária está descrita no art. 105 do CTN quando dispõe que “a legislação tributária se aplica imediatamente aos fatos futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início, mas não esteja completa nos termos do art. 116”.

Ou seja, a rigor, a aplicação da nova norma tributária segue a lógica prospectiva – na esteira da irretroatividade extraída do Texto Constitucional, especialmente, do seu art. 5º, XL e XXXVI, e do preceito básico da segurança jurídica –, e da própria garantia da não surpresa assegurada ao contribuinte no art. 150, III, a, b e c, da Constituição Federal (CF).

Contudo, o próprio CTN abriu uma exceção à regra da irretroatividade. Diz o seu art. 106, inciso I, que a lei tributária “aplica-se a ato ou fato pretérito, em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa”, excluindo-se qualquer “aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados”.

Partiu o legislador, portanto, da posição de que seria plenamente admissível em nosso ordenamento jurídico a existência das chamadas “leis interpretativas”, posicionamento esse que foi e é, ainda, objeto de severas críticas por parte de abalizada doutrina nacional.

Chama-se a atenção, por exemplo, para as conclusões advindas do debate travado entre Geraldo Ataliba, Rubens Gomes de Sousa, Bernardo Ribeiro de Moraes, e Paulo de Barros Carvalho na 9ª Assembleia realizada em 1971 no bojo do II Curso de Especialização de Direito Tributário, publicadas na obra coletiva Interpretação no direito tributário. Na oportunidade, aqueles renomados autores concluíram que “não há lei interpretativa” em matéria tributária pelo simples fato de o art. 106, I, do CTN trazer “uma impossibilidade jurídica”, pois – diziam – tal norma “estará repetindo a lei interpretada ou estará inovando a ordem jurídica”1.

Seguem na mesma linha outros autores como Luciano Amaro, quando leciona que a “‘lei interpretativa’ não consegue escapar do dilema: ou ela inova o direito anterior (e, por isso, é retroativa, com as consequências daí decorrentes), ou ela se limita a repetir o que já dizia a lei anterior (e nesse caso, nenhum fundamento lógico haveria, nem para retroação da lei, nem, em rigor, para sua edição)”2.

De nossa parte, ousamos divergir de tão abalizada doutrina e o fazemos nos escorando na pena de Eros Grau para a definição da chamada “interpretação autêntica”.

Segundo esse autor o texto diverge da norma sendo essa o resultado último do processo de interpretação daquele, por meio do qual intérprete transforma o enunciado legal em norma jurídica3. Sendo assim, todos que se deparam com um texto legal estão aptos a dele extrair, por meio de processo interpretativo, determinada norma jurídica. Contudo, ensina Grau que resta reservado ao intérprete autêntico, que é designado pelo ordenamento, a capacidade de definir qual a melhor interpretação, ou seja, qual a melhor norma jurídica que se deve extrair de dado texto legislativo, produzindo, com isso, direito novo de caráter geral (por meio de leis editadas pelo Legislativo, ou decretos, do Executivo) ou de caráter individual, quando produzida pelo Judiciário a vista de um caso concreto4.

A partir desses ensinamentos é possível concluir, então, que diante de um texto legal pretérito é plenamente possível ao legislador dele extrair um sentido e exarar, por meio de uma nova lei que expressa a sua vontade, um conteúdo normativo que entende como o mais adequado dentre as diversas interpretações possíveis que emanam do texto interpretado e face à realidade geral posta; tal como faz um jurista quando sugere o acerto desta ou daquela interpretação de determinado enunciado legislado.

Essa é, alias, a definição dada por Francesco Tesauro sobre as chamadas “leis interpretativas”, a saber:

“As leis interpretativas dizem respeito em geral a uma disposição de significado incerto; dado tal pressuposto, o legislador, ditando uma norma interpretativa, impõe uma determinada interpretação (entre duas ou mais possíveis). O texto interpretado permanece inalterado, mas são normativamente eliminadas, entre as duas ou mais normas potencialmente contidas no texto originário, as interpretações (ou seja, as normas) consideradas erradas, e sobrevive apenas uma”5.

Ocorre que a diferença entre a interpretação sugerida pelo jurista e aquela positivada pelo legislador reside no fato de que as conclusões desse que são exaradas em lei, cria, efetivamente, direito novo, dada a sua competência institucional que lhe garante a qualidade de intérprete autêntico num plano geral e abstrato. Tal consequência nada tem de paradoxal e decorre de dois fatores: (i) a norma jurídica não é o enunciado legislado, ela é fruto da interpretação que, (ii) quando realizada por um intérprete autêntico adentra ao mundo jurídico com viés inovador do ordenamento, pretendendo positivar/impor uma determinada interpretação, dentre as possíveis, do texto anteriormente legislado.

Contudo, essa prerrogativa do legislador não torna a interpretação positivada como definitiva ou não controlável. Isto porque, além de ser exarada por meio de um texto sujeito a nova interpretação pelos utentes do Direito, em nosso ordenamento cabe, em última instância – por força do disposto no art. 5º, XXXV, da CF –, ao Judiciário definir a partir do texto legislado e do caso concreto vislumbrado a norma jurídica aplicável ao caso, a chamada “norma de decisão”, nas palavras de Eros Grau6.

Nessa esteira, é bom que se diga em adendo que a admissão de leis interpretativas em nosso ordenamento jurídico em nada fere o princípio da Separação dos Poderes; pelo contrário, com ele se coaduna.

Como ensina José Afonso da Silva referido Princípio “não configura mais aquela rigidez de outrora”, tendo sido flexibilizada pela “ampliação das atividades do Estado contemporâneo” que “impôs nova visão da teoria da separação de poderes e novas formas de relacionamento entre eles os órgãos legislativo e executivo e destes com o judiciário”. Daí por que prevalecer a noção de “especialização funcional” apregoada por aquele autor, no sentido de que cada um dos Poderes é parcela de um poder indivisível e que detêm, entre eles, uma especialização de funções (legislar, executar ou julgar) que não exclui atividades extraordinárias que toque à competência dos demais (como, por exemplo, as medidas provisórias editadas pelo Executivo). O poder estatal é único, porém exercido com especializações e harmonia entre os órgãos7.

Tem-se então que é plenamente possível ao legislador interpretar texto anteriormente positivado e, por meio de lei, sugerir aquela que seria a correta norma jurídica a se extrair do enunciado. Contudo, dada a universalização da jurisdição e a especialidade funcional do Judiciário, tal interpretação sugerida não escapa ao crivo desse último Poder.

Essas noções foram referendadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no célebre julgamento da ADI n. 605-3/DF (DJ 05.03.1993)8, por meio da qual restou estabelecido que o ordenamento jurídico nacional admite, sim, as leis interpretativas e que essas não fogem do crivo de validade a ser dado, em última análise, pelo Poder Judiciário. Do julgado, destacam-se os seguintes excertos do voto condutor proferido pelo Ministro Celso de Mello:

“No plano da divisão funcional do poder – e do sistema de ‘checks and balances’ consagrado pelo ordenamento constitucional brasileiro – incumbe ao Poder Judiciário a típica e preponderante função de, ao resolver controvérsias, aplicar as leis, interpretando-as.

Isso não significa, porém, que a interpretação das leis constitua atribuição exclusiva dos juízes e tribunais, que não detêm, no âmbito da comunidade estatal, o monopólio da definição do sentido e da extensão das normas legais, muito embora só a seus atos decisórios se reconheça – como atributo essencial da jurisdição que é – o caráter de definitividade, qualificador, na concreta resolução do litígio, do ‘final enforcing power’ que assumem as manifestações do Poder Judiciário.

Na realidade, o desempenho da função interpretativa pelos Poderes Executivo e Legislativo, muito embora em caráter atípico, não se revela incompatível com o postulado da divisão funcional do poder, cuja compreensão supõe o reconhecimento, no plano da organização estatal, da inexistência de atividades político-jurídicas monopolizadas por qualquer dos órgãos da soberania nacional.

O fenômeno jurídico das leis interpretativas, não obstante traduza uma anômala manifestação do órgão legislativo, não as torna imunes – e daí a sua perfeita adequação ao princípio da separação de poderes, que supõe controles interorgânicos recíprocos – à apreciação de sua própria inteligibilidade e significado técnico-racional pelo Poder Judiciário”.

Vale ressaltar que tal entendimento foi referendado, mais recentemente, pelo próprio STF quando da análise, no RE n. 566.621/RS (DJe 10.10.2011), da constitucionalidade do famigerado art. 3º da LC n. 118/2005, que pretendeu interpretar o art. 168, I, do CTN e alterar, com isso, jurisprudência já consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o prazo de repetição de indébito.

Porém, como dito acima, tal interpretação autêntica vazada pelo legislador acaba por, ao fim e ao cabo, introduzir direito novo – pois sugere a definição de uma norma jurídica aplicável aos casos conotados nos traços da lei anterior – e, como tal, deveria sobre ele pairar a regra da irretroatividade; o que colocaria por terra a disposição contida no art. 106, I, do CTN.

Quanto ao tema, correto em parte está Tesauro quando afirma que seria “ilógico se a disposição interpretada assumisse um determinado significado somente a partir da entrada em vigor da lei interpretativa”, vez que, segundo aponta aquele autor italiano, “as disposições interpretativas são, pela sua natureza, retroativas”, já que “o seu escopo é estabelecer o significado de uma disposição precedente”9. Ou seja, ao escolher e positivar uma das diversas interpretações possíveis o legislador pretende, com isso, que essa norma jurídica posta retroaja ao tempo de promulgação da lei interpretada para que as dúvidas existentes desde então sejam sanadas. Contudo, esses efeitos retroativos não podem ser amplos e irrestritos. Encontram barreiras na consagrada vedação da irretroatividade maléfica ancorada no art. 5º, XL, da CF e, em matéria punitiva, estabelecida no Direito Tributário no art. 112 do CTN.

Na linha dos ensinamentos de Luís Eduardo Schoueri, a norma interpretativa pressupõe a existência de dúvida preexistente quanto à interpretação da legislação anterior; em sendo assim, não há possibilidade jurídica de punir o contribuinte que à época optou por adotar uma das interpretações possíveis que lhe era benéfica e que, posteriormente, viu-se rechaçada pela lei interpretativa. É justamente esse, ressalta Schoueri, o papel da parte final do art. 106, I, do CTN, ao vedar que a novel interpretação positivada traga sanções pretéritas aos contribuintes10.

Foi nessa linha que caminhou o STF no já citado julgamento da ADI n. 605-3/DF11, quando assim fixou:

“O princípio da irretroatividade somente condiciona a atividade jurídica do Estado nas hipóteses expressamente previstas pela Constituição, em ordem a inibir a ação do Poder Público eventualmente configuradora de restrição gravosa (a) ao ‘status libertatis’ da pessoa (CF, art. 5. XL), (b) ao ‘status subjectionais’ do contribuinte em matéria tributária (CF, art. 150, III, ‘a’) e (c) à segurança jurídica no domínio das relações sociais (CF, art. 5º, XXXVI). – Na medida em que a retroprojeção normativa da lei não gere e nem produza os gravames referidos, nada impede que o Estado edite e prescreva atos normativos com efeito retroativo. – As leis, em face do caráter prospectivo de que se revestem, devem, ordinariamente, dispor para o futuro. O sistema jurídico-constitucional brasileiro, contudo, não assentou, como postulado absoluto, incondicional e inderrogável, o princípio da irretroatividade.

Clara está a noção de que a chamada lei interpretativa, em matéria tributária, somente poderá produzir efeitos retroativos quando vier para beneficiar o contribuinte, não podendo o inevitável direito novo por ela introduzido alterar situações passadas quando da sua interpretação resultar penalidade nova ou majorada ou, ainda, aumento de tributo ou inclusão na hipótese de incidência de situação antes por ela não contemplada.

Vale registrar que autores como Schoueri não compartilham desse entendimento. Para esse professor, por exemplo, a norma interpretativa que a pretexto de interpretar determinada situação já tributada venha a excluir esse fato da hipótese de incidência nada mais fará do que instituir uma verdadeira remissão pela via indireta da norma interpretativa. De outra ponta, salienta o autor, que quando dentre as interpretações dúbias existentes e aceitas da legislação estiver subentendida uma versão mais gravosa, ou seja, que implique pagamento do tributo e a lei interpretativa venha somente a definir essa interpretação como a mais adequada não se teria óbice algum na imposição pretérita dessa situação aparentemente “mais gravosa”. Nesta toada, a retroatividade estaria vedada se a solução mais custosa ao contribuinte pudesse ser atingida apenas com a combinação de ambos os dispositivos – o da lei interpretada e o da lei nova – que, por isso, não estaria subjacente dentro do espectro interpretativo possível da legislação anterior; nessas situações ter-se-ia, segundo Schoueri, a criação de uma verdadeira nova hipótese de incidência que somente poderia gravar fatos futuros12.

Ousamos discordar desta posição.

Primeiramente, nada há de impróprio que a lei interpretativa traga, em si, características de remissão de crédito tributário; cujos efeitos, aliás, também são retrospectivos por natureza. E assim o é, pois o lançamento tributário que será desconstituído pelos efeitos retrospectivos da lei interpretativa foi, outrora, constituído a partir de uma interpretação considerada posteriormente equivocada da lei. Essa interpretação equivocada que levou à introdução do lançamento – norma individual e concreta – pressupôs, necessariamente, uma errônea e escusável (porque aceitável naquele momento histórico) qualificação jurídica do caso concreto, cuja análise é essencial para a adequada compreensão do texto legislado na medida em que não se interpreta um enunciado legislativo e, portanto, dele não se extrai norma jurídica desconsiderando os fatos para os quais foi editado13.

Além disto, nessas situações, a norma interpretadora precisa ser, necessariamente, retroativa, caso contrário estará a convalidar em um só tempo situações de não tributação – para aqueles que adotaram a interpretação menos gravosa possível à época – e outras de incidência tributária que ela própria declara como equivocada. Estará, portanto, criando uma situação de desigualdade entre contribuintes que estavam em situações equivalentes – sujeitos ao mesmo enunciado legislado – infringindo a isonomia e a própria equidade.

Ambas as hipóteses descritas acima são, por coincidência, situações que permitem ao legislador operar a remissão do crédito tributário – conforme incisos I e IV do art. 172 do CTN –, desde que respeitada a exigência de lei específica para tanto posta no § 6º do art. 150 da CF. Vê-se, então, que a lei interpretativa – respeitada a exigência constitucional da especificidade – pode, perfeitamente, produzir efeitos de remissão, pois traz em seu bojo, implícita e necessariamente, as condições legais para tanto.

Em segundo lugar, ainda que a legislação interpretada possibilitasse a extração de norma jurídica mais gravosa desde então, a lei interpretativa que posteriormente confirma essa norma o faz – como visto – criando um novo direito e, com isso, define hipótese tributária “nova” a qual somente pode incidir para fatos futuros; respeitadas as regras de anterioridade previstas no art. 150, III, a, b e c, da CF e da segurança jurídica, calcada, aqui, no princípio da não surpresa do contribuinte.

Após essa longa digressão é possível fixar as seguintes premissas: (i) o direito tributário comporta, sim, leis interpretativas; e (ii) essas leis, quando definam situação mais benéfica ao contribuinte e respeitem o art. 150, § 6º, da CF, podem retroagir produzindo efeitos de remissão.

Fixada as premissas passaremos à análise dos arts. 9º e 10 da LC n. 160/2017 para averiguar se a referida legislação pode ser considerada uma lei interpretativa com efeitos retroativos.

3. O art. 9º da LC n. 160/2017 no tempo – lei interpretativa retroativa?

O primeiro ponto de análise é saber se havia dúvidas sobre a qualificação jurídica dos incentivos de ICMS concedidos pelos Estados da Federação como sendo subvenções para investimento. Para tanto, estudaremos o posicionamento da Receita Federal do Brasil, do CARF, da doutrina e do Judiciário sobre o tema, a fim de averiguar o quão controverso era o tema da qualificação jurídico-tributária dos incentivos fiscais de ICMS concedidos pelos Estados da Federação para fins de tributação do IRPJ e da CSLL.

Além da dúvida razoável quanto à interpretação e aplicação do dispositivo legal, outro requisito que parece ser exigido pela legislação tributária para se ter uma “lei interpretativa” é que essa seja assim denominada “expressamente”, tal como posto no art. 106, I, do CTN. Essa aparente exigência será objeto de análise na sequência para que se possa concluir ou não se a LC n. 160/2017 pode ser assim encarada.

3.1. A situação controversa da qualificação jurídico-tributária dos incentivos de ICMS como subvenções para investimento

3.1.1. O posicionamento da Receita Federal

A Receita Federal do Brasil (RFB) teve, historicamente, uma posição restritiva para a caracterização dos incentivos de ICMS como subvenções para investimento, calcada nos Pareceres Normativos do Coordenador do Sistema Tributário (CST) n. 112/1978 e n. 143/1973.

Segundo esses Pareceres, as subvenções para custeio seriam aquelas transferências realizadas pelo Poder Público destinadas à manutenção da operação da empresa. Já as subvenções para investimento seriam identificadas pela conjugação de três requisitos básicos que deveriam estar presentes no programa de incentivos, a saber: (i) intenção do subvencionador de destinar o incentivo a um investimento determinado; (ii) efetiva e específica aplicação da subvenção, pelo beneficiário, nos investimentos previstos previamente como destinatários dos incentivos para fins de aquisição de bens do ativo imobilizado identificáveis com a utilização da benesse; (iii) beneficiar diretamente a pessoa jurídica titular do empreendimento econômico.

Nota-se, então, que para a Receita Federal são subvenções para investimento apenas aquelas que Poder Público direciona a um contribuinte com o fito de que tais recursos sejam aplicados exclusivamente em determinado empreendimento (seja novo ou em expansão) de prévio conhecimento da autoridade concedente e que os recursos sejam alocados exclusivamente na aquisição de bens do ativo imobilizado intrinsicamente identificados com o empreendimento beneficiado. De outro turno, todas as outras transferências seriam caracterizadas como de simples custeio das atividades empresariais desenvolvidas pelo beneficiado.

Esse posicionamento já antigo foi sustentado, recentemente, nas Soluções de Consulta COSIT n. 188/2015 e n. 32/2016, nas quais restaram reforçadas as exigências de especificidade e sincronia do valor subvencionado e da sua aplicação na aquisição de bens do ativo imobilizado descritos em projeto pré-aprovado pelo ente subvencionador e que por ele deve ser fiscalizado.

Esse entendimento da RFB levava ao casuísmo e à restrição da caracterização de uma série de incentivos fiscais concedidos pelos Estados como uma subvenção para investimento, já que muitos deles independiam de projetos prévios e não eram aplicados, necessariamente, na aquisição de bens do ativo imobilizado. Quiçá tais aquisições eram sincronizadas com o valor subvencionado, ainda que a intenção da legislação regional fosse a de fomentar e atrair investimentos. Havia um cenário de dúvida constante para os contribuintes.

3.1.2. O posicionamento do CARF

Até recentemente o tema era controverso nos órgãos fracionados do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), havendo decisões que acatavam a visão restritiva da Receita Federal – como é o caso, por exemplo, do Acórdão n. 1302-001.735, de 10 de dezembro de 2015 – e outras – como o Acórdão n. 3402-002.904, de 27 de janeiro de 2016 – que adotavam um entendimento mais flexibilizado, segundo o qual não eram necessárias a destinação do recurso subvencionado à compra de ativos do imobilizado e uma perfeita sincronia nessas aquisições, bastando a intenção do ente público em subvencionar, a existência de projeto, e a aplicação dos recursos na consecução desse projeto.

Em 2016 e 2017 a Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) apreciou a temática rechaçando a visão restritiva da RFB e adotando a interpretação mais abrandada segundo a qual para que um incentivo de ICMS seja considerado uma subvenção para investimento se exige: (i) a intenção do ente subvencionador; (ii) um projeto de investimento; e (iii) a comprovação do valor subvencionado na realização do investimento projetado. Esse entendimento pode ser conferido nos Acórdãos n. 9101-002.335 (8 de junho de 2016), n. 9101-002.393 (13 de julho de 2016) e n. 9101-003.084 (18 de outubro de 2017).

Veja, então, que havia, desde logo, uma divergência entre o posicionamento da autoridade fiscal e a interpretação dada pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, sendo o primeiro mais restritivo e o segundo mais flexível na interpretação e qualificação dos incentivos de ICMS como sendo subvenções para investimento, bem como nas consequências tributárias daí advindas.

Em que pese o CARF ter exarado parâmetros para o reconhecimento de uma subvenção para investimento, ainda assim a questão recaía no casuísmo de análise de cada um dos incentivos fiscais e do próprio caso concreto, já que se exigia a comprovação de emprego do valor subvencionado em projeto prévio e a discussão da intenção do ente subvencionador exarada na norma de incentivo. De certa forma, ainda persistiam dúvidas e insegurança para os utentes da norma tributária.

3.1.3. O entendimento do Judiciário

No Judiciário as dúvidas sobre o tema também eram perceptíveis. Nos Tribunais de segunda instância é possível encontrar julgados que analisam o tema sob o viés do conceito de receita tributável – afastando a tributação dos incentivos fiscais de ICMS pelo IRPJ e pela CSLL (por Exemplo: TRF4, EINF n. 5004328-02.2012.4.04.7215, DJ 19.06.2015); outros que adotam, expressamente, inclusive, a postura mais flexível fixada pelo CARF (TRF1, Acórdão n. 00132770420124013200, DJ 29.09.2017); ou, ainda, julgados apontando que basta a vontade do ente em subvencionar e o cumprimento dos procedimentos contábeis legais exigidos para que o benefício de ICMS concedido seja tratado como uma subvenção para investimento (TRF1, Acórdão n. 00012741820114013502, DJ 06.09.2012).

Os Tribunais Superiores – STJ (AgRg no REsp n. 1.433.745/SC) e STF (AgRE n. 1.005.755/SC) – até pouco tempo recusavam-se a apreciar a matéria, por entenderem que não estava sob a égide de suas competências.

Contudo, recentemente, o STJ, por meio de sua 1ª Seção, encaminhou entendimento no sentido de que créditos presumidos de ICMS não são tributáveis pelo IRPJ e pela CSLL (EREsp n. 1.517.492/PR, DJe 01.02.2018)14.

Estes posicionamentos apenas demonstram que a questão posta também não possui uma interpretação coerente e uniforme na jurisprudência nacional, havendo casos, inclusive, em que a temática é tratada sob outra ótica de argumentação (configuração de acréscimo patrimonial ou não). Por mais que o Judiciário em alguns casos tente aplicar requisitos genéricos para a qualificação dos incentivos, tal situação acaba, ainda assim, por gerar insegurança aos contribuintes quando da interpretação do seu caso concreto; o que contribui para perpetuar a dúvida sobre a qualificação ou não de incentivos fiscais de ICMS como sendo subvenções para investimento.

3.1.4. As interpretações doutrinárias

A doutrina também não possui uma definição acertada de quais requisitos são necessários para se caracterizar uma subvenção para investimento. José Luiz Bulhões Pedreira, por exemplo, entende que bastam a intenção do ente subvencionador e que a pessoa jurídica subvencionada dê o devido tratamento contábil-fiscal ao valor recebido, registrando-o em reservas de capital, para que determinado valor recebido do Poder Público possa ser tratado como subvenção para investimento – não sendo necessária a aplicação do valor em um investimento específico15.

Ricardo Mariz de Oliveira, por sua vez, ao apresentar o racional jurídico-contábil por detrás da determinação de registro dos valores subvencionados em contas patrimoniais de reservas de capital com destinações específicas, parece adotar a tese de que somente se tem configurada a subvenção para investimento quando os valores aportados pelo ente público têm como destinação serem aplicados na aquisição de bens de um ativo permanente vinculado a um investimento econômico que contribuirão para o incremento do resultado futuro e, por isso, não podem impactar, de imediato, nem o lucro líquido, nem o lucro real; o que ocorrerá somente em momento futuro, quando da utilização (depreciação/amortização) desses bens16.

De outra ponta, Mary Elbe Queiroz, mais recentemente, traz visão mediana quando aponta que o elemento principal da subvenção para investimento é a capitalização da empresa subvencionada, ou seja, devem os recursos serem aplicados em “novas aquisições para o desenvolvimento e aperfeiçoamento de suas atividades”, não podendo ser tributados “desde que sejam efetivamente aplicados em investimento”17.

Ou seja, também a delimitação posta em doutrina sobre o conceito de uma subvenção para investimento não dá e não dava, até então, segurança alguma ao contribuinte. Pelo contrário, analisando essas posições em conjunto com as interpretações dadas pela Administração Tributária, pelo CARF e pelo Judiciário, tem-se verdadeiro estado de dúvida sobre a caracterização desse ou daquele incentivo como uma transferência de capital apta a ser inclusa em reserva específica para fins de exclusão futura do lucro real.

3.2. O que é ser “expressamente interpretativa”?

A existência de um estado de dúvida quanto à configuração de determinado incentivo fiscal de ICMS como sendo uma subvenção para investimento e sobre os requisitos para tanto era evidente, tanto na doutrina quanto na jurisprudência e nas decisões administrativas; o que justificaria a edição pelo Legislador de outra lei que fixasse a interpretação mais adequada ao seu sentir.

É o que parece fazer a LC n. 160/2017, quando introduziu os §§ 4º e 5º no art. 30 da Lei n. 12.973/2014. O primeiro deles expressou que os benefícios fiscais ou financeiros-fiscais de ICMS são considerados subvenções para investimento, sendo vedada qualquer exigência de outros requisitos ou condições não previstas naquela legislação (ou seja, basta a intenção e contabilização em reserva de capital). O novel § 5º, por sua vez, é expresso ao determinar a aplicação, inclusive, aos processos administrativos e judiciais ainda não definitivamente julgados. Para uma melhor compreensão, reproduziremos os dispositivos:

“Art. 30. As subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos e as doações feitas pelo poder público não serão computadas na determinação do lucro real, desde que seja registrada em reserva de lucros a que se refere o art. 195-A da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, que somente poderá ser utilizada para:

[...]

§ 4º Os incentivos e os benefícios fiscais ou financeiro-fiscais relativos ao imposto previsto no inciso II do caput do art. 155 da Constituição Federal, concedidos pelos Estados e pelo Distrito Federal, são considerados subvenções para investimento, vedada a exigência de outros requisitos ou condições não previstos neste artigo. (Incluído pela Lei Complementar nº 160, de 2017)

§ 5º O disposto no § 4º deste artigo aplica-se inclusive aos processos administrativos e judiciais ainda não definitivamente julgados. (Incluído pela Lei Complementar nº 160, de 2017)”

Ora, como uma lei se aplica a processos administrativos e judiciais ainda não julgados se não possuir efeitos retroativos para pôr fim aos litígios já existentes, com o cancelamento de eventuais penalidades impostas aos contribuintes? Como uma norma se aplica, inclusive, a esses processos de forma retroativa sem se aplicar a outras situações?

Esses questionamentos parecem evidenciar que a LC n. 160/2017 é uma típica norma interpretativa. Tal conclusão, porém, não pode ser posta de antemão sem que seja analisada a dicção do art. 106, I, do CTN, que exige que a lei seja “expressamente interpretativa”.

Há quem na doutrina aponte que para além de o enunciado interpretador ser efetivamente esclarecedor ele deve se declarar “expressamente interpretativo”. Essa seria uma condição formal sine qua non para que a lei tributária possa assim ser considerada e sofrer os influxos do art. 106, I, do CTN. É o caso, por exemplo, de Gabriel Lacerda Troianelli, para quem a lei “deve deixar em seu texto bem claro o caráter interpretativo da norma, por meio da utilização de expressões do tipo ‘para efeito do disposto na norma tal, considera-se...’, ou, pelo menos determinar que a ela se aplique o disposto no artigo 106, I, do CTN”18. Segundo o autor assim se exige, pois a lei que se queira interpretativa deve anunciar tal função “de forma inequívoca, isso é, expressa, sem risco de que se precise ‘interpretar’ se a lei é de fato interpretativa ou não”, assemelhando-se, assim, à exigência de literalidade na interpretação das leis isentivas, ante a excepcionalidade dessas situações19.

O proceder legislativo recente parece atender a esse posicionamento doutrinário. É o que se vê, por exemplo, do art. 33 da Lei n. 12.865/2013 que, de forma expressa, diz interpretar o art. 8º, § 3º, I, da Lei n. 10.925/2004 para que sejam considerados no cálculo do crédito presumido de PIS e COFINS a que se refere o dispositivo todos os insumos dos produtos nele listados, extinguindo dúvidas sobre a extensão do benefício. Da mesma forma, labora a Lei n. 13.202/2015 que em seu art. 11 consigna, expressamente, que os acordos e convenções internacionais para evitar dupla tributação firmados pelo Brasil abrangem, também, a CSLL. Ou, ainda, o art. 62 da Lei n. 13.043/2014, que diz interpretar a Lei n. 6.895/1973 para estender à Casa da Moeda o poder fiscalizatório sobre a instalação e o funcionamento de equipamentos contadores de produção de cigarros, por exemplo.

Ocorre, porém, que, como visto acima, toda a norma, por mais expressa que pretenda ser quanto à sua pretensão interpretativa, deverá, necessariamente, ter esse desiderato confirmado pelo Poder Judiciário, a quem cabe definir a norma jurídica de decisão a ser aplicada. Em outras palavras, ao fim e ao cabo, toda “lei interpretativa”, mesmo as que assim se autodeterminem de forma expressa, deverão ser elas próprias objeto de interpretação por um intérprete autêntico. Tanto é assim que o próprio Supremo Tribunal Federal no RE n. 566.621/RS (DJe 10.10.2011) apreciou e deu os contornos hermenêuticos ao art. 3º da LC n. 118/2005, que se dizia interpretativo.

Portanto, não podemos concordar com o viés doutrinário acima exposto. Ser expressamente interpretativa não exige da legislação que assim consigne literalmente em seu texto. Se até as leis que assim o fazem podem ser desconsideradas como tal, é bem possível que as que não fazem possam ser tidas como verdadeiras normas interpretativas a partir do labor hermenêutico. Como diz Aliomar Baleeiro, “basta que [a nova lei] reportando-se aos dispositivos interpretados, lhes defina o sentido e aclare as dúvidas”20.

Nesse sentido já se manifestou o STF em célebre julgado relatado pelo então Ministro Bilac Pinto (RE n. 76.276, DJ 18.02.1975)21, posteriormente ratificado pelo julgamento do RE n. 81.621 (DJ 30.03.1976)22, quando se consignou que ou bem a lei se declara interpretativa ou traz notas de inequivocidade de sua natureza interpretativa, como se depreende das palavras do Relator:

“As leis interpretativas ou declaram expressamente que têm esse caráter ou são redigidas em termos que tornem inequívoca a sua natureza de norma interpretativa. Somente as leis que tenham uma ou outra dessas peculiaridades podem ser tidas como interpretativas.

O Decreto-lei nº 834, de 8.9.69, ao ampliar a lista dos serviços sujeitos ao imposto municipal desse nome, elevando a indicação dos fatos geradores de vinte e nove (Decreto-lei nº 834, de 8.9.69), para sessenta e seis, não declara expressamente o seu caráter interpretativo e nem traz o selo de inequivocidade de sua natureza interpretativa”.

Mais recentemente, o próprio CARF (Acórdão n. 1201-001.413, DOU 14.06.2016) adotou postura semelhante quando, ao analisar o disposto no art. 29, § 9º, da LC n. 123/201623 – que definiu o que se considera como “prática reiterada” para fins de exclusão do Simples Nacional –, baseou-se na “natureza interpretativa” desse dispositivo ao pretender esclarecer os limites das situações que podem atrair a penalidade prevista na legislação, ainda que não haja uma declaração expressa nesse sentido no texto legal (como, “para fins de interpretação...”).

No que toca à LC n. 160/2017 e ao seu art. 9º, objeto do presente estudo, podemos dizer que referido dispositivo possui, sim, caráter interpretativo na medida em que se presta a esclarecer que, independentemente de outras condições, exceto aquelas dispostas no art. 30 da Lei n. 12.973/2014, os benefícios fiscais de ICMS a serem convalidados e de que tratam a referida lei complementar (art. 10 da LC n. 160/2017) “são considerados” subvenções para investimento, entendimento este que deve ser aplicado, inclusive, para processos administrativos e judiciais ainda em trâmite.

Ao nosso sentir, é inequívoca a natureza interpretativa da norma. O § 4º introduzido por ela no art. 30 da Lei n. 12.973/2014, como todo parágrafo de uma lei, vem para complementar aquilo que vai no caput do artigo, como determina o art. 11, III, c, da LC n. 95/1998, ao definir a função dos parágrafos na obtenção de ordem lógica para a legislação promulgada.

Além de referir-se ao caput do art. 30 da Lei n. 12.973/2014, o seu novel § 4º é, de certa forma, expresso ao apontar que “são considerados” como subvenção para investimento, para os fins tributários disposto no caput, os incentivos fiscais de ICMS que forem convalidados nos moldes da LC n. 160/2017, tal como condiciona o art. 10 dessa lei complementar.

A própria exposição de motivos da legislação em comento contida no Parecer do Deputado Alexandre Baldy ao PLP n. 54/201524 apresentado ao Plenário daquela Casa Legislativa em 24 de maio de 2017 e aprovado em 31 de maio de 201725 dá conta de que a intenção legislativa é, de fato, solucionar o passado e salvaguardar as situações futuras afastando a possibilidade de autuações pela RFB, veja:

“Além disso, acolhemos ideia do nobre Deputado Luiz Carlos Hauly e incluímos artigos que deixam claro que os incentivos e benefícios fiscais de ICMS recebidos pelas pessoas jurídicas, desde que esses valores sejam mantidos em conta de reserva no Patrimônio Líquido, são subvenções para investimentos, sobre eles não incidindo, por consequência, IRPJ e CSLL. Impede-se, com isso, que a Secretaria da Receita Federal do Brasil continue a autuar as empresas beneficiárias de incentivos do ICMS com base em interpretações jurídicas equivocadas, reforçando a segurança jurídica e garantindo a viabilidade econômica dos empreendimentos realizados”.

Como admite uma boa parte da doutrina, o texto exarado na exposição de motivos é um importante fator na interpretação do contexto jurídico a que se presta o enunciado legislado e, por isso, pode ser levado em consideração na construção da norma jurídica26.

O fato de o § 5º do art. 30 da Lei n. 12.973/2014, também introduzido pelo art. 9º da LC n. 160/2017, apontar a aplicação desse novel entendimento exarado no § 4º aos processos em curso em nada retira o efeito retroativo desse dispositivo para os contribuintes não litigantes. Pelo contrário, o § 5º apenas explicita o que seria uma decorrência da norma interpretativa posta: a retroação às situações não albergadas pela coisa julgada – cujos efeitos futuros, eventualmente, poderão vir a ser afetados27.

Daí por que, no ponto, ser criticável a inclusão dos “processos administrativos” ainda não julgados, vez que esses não fazem coisa julgada e ainda que a lide administrativa já tivesse se encerrado poderiam sofrer os impactos advindos da novel LC n. 160/2017 na relação jurídica por eles tratada.

Ainda que assim não fosse, estender expressamente o efeito retroativo apenas aos contribuintes que optaram por litigar seria uma severa ofensa ao princípio da isonomia tributária, na medida em que se estaria a tratar contribuintes idênticos – sujeitos, muitas vezes, até ao mesmo benefício fiscal – de forma diversa.

Imagine, por exemplo, dois contribuintes sujeitos aos mesmos benefícios derivados do programa estadual da Bahia – o PROBAHIA. Um deles, de conduta mais arrojada, optou por considerar os incentivos recebidos como subvenção para investimento, dando o tratamento contábil exigido, tendo sido autuado posteriormente; oportunidade na qual impugnou o lançamento que ainda aguarda julgamento. O outro, de política tributária mais conservadora, optou por seguir os posicionamentos exarados pela Receita Federal acima mencionados e, com isso, tributar a parcela do incentivo recebida.

Com a interpretação restritiva sugerida por essa linha de raciocínio que quer a retroação do art. 9º para beneficiar apenas aos litigantes, apenas o contribuinte que não seguiu, deliberadamente, a orientação da RFB será beneficiado, enquanto aquele que adotou as orientações da Administração Tributária terá sua carga tributária mantida, ocasionando um verdadeiro desequilíbrio concorrencial. Estar-se-á a beneficiar o contribuinte recalcitrante e a incentivar o litígio tributário.

Portanto, estender efeitos retroativos ao § 4º do art. 30 da Lei n. 12.973/2014 apenas àqueles que optaram pela via do litígio seria, ao mesmo tempo, ferir a isonomia e a livre concorrência entre contribuintes que estavam na mesma situação e, também, prestigiar aqueles que resistiram à incidência fiscal em desprestígio àqueles que seguiram orientação da própria autoridade administrativa. Verdadeira afronta à boa-fé objetiva e à moralidade tributária, que devem garantir estabilidade e lealdade à relação administração-contribuinte28.

Não há razoabilidade e fundamento lógico na discriminação pretendida por esse tipo de interpretação que, por isso, conflita com o entendimento já exarado pelo STF sobre a aplicabilidade do princípio da isonomia tributária revelado no RE n. 640.905/SP (DJe 01.02.2018), julgado em sede de repercussão geral e do qual se retira o seguinte excerto da ementa vazada:

“[...] 1. O princípio da isonomia, refletido no sistema constitucional tributário (art. 5º c/c art. 150, II, CRFB/88) não se resume ao tratamento igualitário em toda e qualquer situação jurídica, mas, também, na implementação de medidas com o escopo de minorar os fatores discriminatórios existentes, impondo, por vezes, tratamento desigual em circunstâncias específicas e que militam em prol da igualdade. 2. A isonomia sob o ângulo da desigualação reclama correlação lógica entre o fator de discrímen e a desequiparação procedida que justifique os interesses protegidos na Constituição (adequada correlação valorativa). 3. A norma revela-se antijurídica, ante as discriminações injustificadas no seu conteúdo intrínseco, encerrando distinções não balizadas por critérios objetivos e racionais adequados (fundamento lógico) ao fim visado pela diferenciação”.

Alguém poderia argumentar, ainda nessa linha, que o citado § 5º, ao pretender atingir processos ainda não julgados, teria tão somente repetido a norma disposta no art. 106, II, do CTN e que, com isso, aplicar-se-ia apenas às sanções, tal como dispõe o dispositivo do diploma tributário. Se assim o fosse, ter-se-ia que a retroação apenas alcançaria esses contribuintes litigantes e tão somente afastaria eventuais penalidades aplicadas, já que é esse o sentido do art. 106, II.

Ocorre, porém, que essa visão não se sustenta. A LC n. 160/2017 não cuida de infrações tributárias ou exclui qualquer penalidade, apenas. Cuida, em verdade, de definir determinada qualificação jurídica a dado substrato fático sobre o qual antes recaia dúvida relevante. Além do mais, é plenamente possível que determinado contribuinte tenha ajuizado ação judicial antiexacional sem qualquer lançamento ou auto de infração prévio e mesmo para esses casos o citado § 5º será aplicado.

Importante ressaltar, ainda, que o próprio art. 10 da LC n. 160/2017 confirma o viés interpretativo e retroativo genérico da norma ao deixar expresso que ambos os novéis §§ 4º e 5º do art. 30 da Lei m. 12.973/2014 por ela introduzidos (que, respectivamente, definem os incentivos como subvenção para investimento e garantem sua aplicação, também, aos processos em curso) albergam, também, benefícios que tenham sido anteriores à própria LC n. 160/2017. Ora, como a LC n. 160/2017 pode atingir benefícios que foram publicados anteriormente a ela própria se essa lei complementar não possui efeitos retroativos?

Por fim, ainda que se quisesse tratar a LC n. 160/2017 como instituidora de verdadeira hipótese de remissão – como sugere o entendimento de Schoueri acima referenciado29 –, não haveria qualquer óbice a partir dessa qualificação para a aplicação dos dispositivos da referida lei complementar com efeitos retrospectivos, vez que tal “perdão” cumpriu, de certa forma, com o disposto no art. 150, § 6º, da CF.

3.3. Conclusão – LC n. 160/2017 como lei interpretativa

Ante ao todo exposto e após analisados os possíveis contra-argumentos, não temos dúvidas em dizer que o art. 9º da LC n. 160/2017 é verdadeira norma interpretativa munida de efeitos retrospectivos para as situações ali postas, devendo-se alertar, porém, que o art. 10 da LC n. 160/2017 condiciona os efeitos retroativos do art. 9º à convalidação, nos moldes descritos na referida norma, dos incentivos fiscais que sejam anteriores à referida lei e que tenham sido instituídos em desacordo com a LC n. 24/1975.

Vale dizer: enquanto não forem convalidados ou se não o forem, os benefícios fiscais anteriores à LC n. 160/2017 não poderão ser considerados como subvenção para investimento nos termos do art. 30 da Lei n. 12.973/2014 pelo simples fato de que ou inexistirão ou serão inconstitucionais.

3.4. Possível consequência prática dos efeitos retrospectivos do art. 9º da LC n. 160/2017

Como ensina Mario Engler Pinto Júnior “a prática é ao mesmo tempo o ponto de partida e o ponto de chegada da pesquisa, embora o segundo esteja situado em plano mais elevado do que o primeiro”30. Ou seja, em casos como o aqui debatido, de nada vale a breve pesquisa realizada se não nos debruçarmos, um pouco mais, sobre consequências práticas que podem advir da adoção do posicionamento aqui defendido.

No caso em comento, destacam-se os possíveis impactos na apuração do resultado tributável de empresas que em determinado período levaram à tributação os reflexos em contas de resultado decorrentes dos benefícios fiscais de ICMS anteriormente tratados como subvenções para custeio e que, a partir da convalidação posta no art. 10 da LC n. 160/2017 pretenderão rever esse posicionamento e readequar a sua apuração de IRPJ e CSLL. Seria isso possível?

Ao nosso sentir, decorre da própria aplicação retroativa do art. 9º da LC n. 160/2017 a possibilidade de o contribuinte rever os critérios tributários por ele adotados para a qualificação jurídica das subvenções recebidas em programas de incentivos estaduais que vierem a ser convalidados nos termos do art. 10 daquele mesmo diploma; independentemente, como visto, de haver ou não discussão judicial ou administrativa prévia e desde que respeitados os prazos postos no art. 168 do CTN e os ditames do art. 30 da Lei n. 12.973/2014.

Por uma questão lógica, em nada interfere o possível fato de o contribuinte jamais ter dado o tratamento contábil de reservas de capital a esses valores. Não se dava o tratamento de subvenção para investimento aos incentivos recebidos devido, provavelmente, ao acatamento da interpretação restritiva da RFB que, justamente, é o objeto do efeito retroativo do art. 9º da LC n. 160/2017 aqui defendido e que ocasionará o novo tratamento a ser dado a esses valores, nos termos do novel art. 30 da Lei n. 12.973/2014.

Por fim, salvo melhor juízo, eventual requalificação realizada pelo contribuinte na esteira do entendimento aqui defendido, via de regra, não representará quebra do princípio de competência a ensejar lançamento de ofício por parte da Administração Tributária, pois, nesses casos, dificilmente se realizarão as situações descritas no art. art. 6º, §§ 4º e 5º, do Decreto-lei n. 1.598/1977.

E assim o é porque, como lembra Bulhões Pedreira31, essas imposições normativas prestam-se a garantir que o Fisco Federal participe, por meio do IR e da CSLL, do lucro gerado pela companhia no período e evitar que o contribuinte possa manejar, distorcer, essa participação – ou seja, o imposto e a contribuição devidos – ao longo do tempo. No entanto, caso a exclusão extemporânea de uma determinada despesa não cause esse efeito de postergação ou, melhor, apenas antecipe imposto devido, não há qualquer infração a ser autuada. É o que ocorrerá, em regra, nas situações em que o contribuinte tributou, ao adicionar ao lucro real, determinada receita que, posteriormente, foi reconhecida como indevida por norma interpretativa.

Portanto, em geral, é plenamente possível ao contribuinte rever suas apurações de IRPJ e CSLL para que sejam excluídos no período de apuração em que se der a convalidação de eventual benefício fiscal de ICMS por ele usufruído, nos termos do art. 10 da LC n. 160/2017, desde que respeitados, cumulativamente, os prazos prescricionais do art. 168 do CTN e as exigências contábeis postas no art. 30 da LC n. 12.973/2014.

4. Conclusões

Como vimos acima, o ordenamento jurídico brasileiro aceita a existência da legislação interpretativa, que nada mais é do que a expressão do labor exegético autêntico exercido pelo Legislativo e que não está imune de revisão e análise por parte do Judiciário, que é o Poder que detém a competência privativa de apontar a norma de decisão aplicável a cada caso.

Contudo, a existência de lei interpretativa pressupõe a verificação de um cenário de dúvida preexistente para o qual se reporta, expressa ou implicitamente – nesta hipótese de forma inequívoca –, com o condão de solucionar esse estado de incerteza latente, fixando a interpretação, ou seja, a norma que entende adequada a respeito do tema.

No caso da caracterização dos incentivos fiscais como subvenções para investimento o requisito da dúvida prévia era evidente. Os posicionamentos exarados pela Receita Federal do Brasil, pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais e pelo Poder Judiciário eram conflitantes entre eles e, muitas vezes, decisões desses mesmos órgãos se contradiziam entre si. Na doutrina, o os embates e as discordâncias também eram frequentes.

O que fez o art. 9º da LC n. 160/2017 foi reportar-se a esse cenário de dúvidas e insegurança para definir uma qualificação jurídica geral aplicável a todos os incentivos de ICMS conferidos pelos entes competentes, definindo que tais benefícios devem ser caracterizados como subvenções para investimento independentemente de outros requisitos que não sejam aqueles contábeis previstos no art. 30 da Lei n. 12.973/2014.

Este entendimento, diz a própria LC n. 160/2017, é aplicável tanto às situações sobre as quais pairam processos administrativos e judiciais ainda em discussão, quanto às relações jurídicas que tenham por base incentivos fiscais conferidos antes da vigência daquela lei complementar. Em todos os casos, os benefícios que sejam anteriores devem, necessariamente, ser convalidados pelos Estados-membros; nos termos descritos na referida lei e ao teor do seu art. 10.

Dessas posições é possível retirar o caráter interpretativo do citado art. 9º e a ele conferir os efeitos retrospectivos previstos no art. 106, I, do CTN, os quais não podem estar restritos apenas aos contribuintes que optaram por litigar, sob pena de infração à isonomia tributária. Alerta-se, porém, que o art. 10 da LC n. 160/2017 condiciona a aplicação retroativa do art. 9º a benefícios fiscais concedidos antes de sua vigência e em desacordo com a LC n. 24/1975 à convalidação desses incentivos, nos moldes e trâmites ali previstos.

Desta forma, em geral, é plenamente possível ao contribuinte rever suas apurações de IRPJ e CSLL para que sejam excluídos no período de apuração em que se der a convalidação de eventual benefício fiscal de ICMS por ele usufruído, nos termos do art. 10 da LC n. 160/2017, desde que respeitados, cumulativamente, os prazos prescricionais do art. 168 do CTN e as exigências contábeis postas no art. 30 da LC n. 12.973/2014.

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3 GRAU, Eros. Por que tenho medo dos juízes (a interpretação/aplicação do direito e os princípios). 6. ed. refundida do ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 38-39.

4 São essas as palavras do autor: “A interpretação cognoscitiva do direito a aplicar (obtida por uma operação de conhecimento) combina-se com um ato de vontade em que o órgão aplicador do direito efetua uma escolha entre as possibilidades reveladas através da interpretação cognoscitiva. É este ato de vontade (essa escolha) que peculiariza a interpretação autêntica. Ela cria direito tanto quando assume a forma de uma lei ou decreto, dotada de caráter geral, quanto quando, feita por um órgão aplicador do direito (um juiz), crie direito para um caso concreto ou executa uma sanção.” (GRAU, Eros. Por que tenho medo dos juízes (a interpretação/aplicação do direito e os princípios). 6. ed. refundida do ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 53).

6 Segundo o autor: “A norma jurídica é o resultado da interpretação. Interpretação não apenas do texto escrito e da realidade – no momento histórico no qual se opera a interpretação –, mas também dos fatos. A interpretação visa, em última instância, à solução de um caso concreto: solução que se opera mediante a obtenção de uma norma de decisão. Em suma: a norma de decisão é a norma jurídica aplicada a um caso concreto” (GRAU, Eros. Por que tenho medo dos juízes (a interpretação/aplicação do direito e os princípios). 6. ed. refundida do ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 2ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 60-61).

8 STF, ADI n. 605 MC, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, j. 23.10.1991, DJ 05.03.1993, p. 2.897, ement. vol. 1694-02, p. 252.

9 TESAURO, Francesco. Instituições de direito tributário. São Paulo: IBDT, 2017, p. 65.

10 Diz Schoueri: “Esse efeito positivo, que decorre da segunda parte do inciso I acima transcrito, deve ser ressaltado: mesmo admitido o Código que a lei interpretativa seja retroativa, a mera circunstância de ser necessária lei interpretativa indica que, antes de sua edição, pelo menos duas interpretações eram possíveis, o fato de o sujeito passivo ter adotado interpretação que, posteriormente, não seja prestigiada pelo legislador ‘intérprete’ não exclui tenha aquela atitude tido, em sua época, respaldo em uma possível interpretação da lei. Daí não estar sujeito a penalidade aquele que seguira a interpretação não confirmada pelo legislador” (SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 805).

11 STF, ADI n. 605 MC, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, j. 23.10.1991, DJ 05.03.1993, p. 2.897, ement. vol. 1694-02, p. 252.

14 Essa decisão merece um breve comentário que deverá ser aprofundado em estudo específico. Isto porque tal posicionamento dificilmente conflita com o próprio art. 9º da LC n. 160/2017, na medida em que considera um determinado benefício fiscal de ICMS como uma “não receita”, independentemente do tratamento contábil previsto no art. 30 da Lei n. 12.973/2014. Em outras palavras, o STJ definiu “créditos presumidos de ICMS” como uma receita não tributável e não como subvenção para investimento sujeita ao regramento contábil próprio.

Vale lembrar, contudo, que a LC n. 160/2017 deixou expresso que todo e qualquer benefício fiscal de ICMS concedido será considerado como subvenção para investimento, exigindo-se, daí o cumprimento do art. 30 da referida Lei n. 12.973/2014. É evidente o conflito que se coloca, que não será aprofundado por não ser o objeto central desse estudo.

15 Segundo o autor: “A transferência de capital pressupõe a intenção do doador de contribuir para o estoque de capital da pessoa jurídica, e não para o custeio das suas atividades ou operações. Mas a pessoa jurídica que a recebe pode mudar essa destinação, transformando o capital em renda. Por isso, a caracterização da transferência de capital, para efeitos fiscais, pressupõe tanto a intenção de quem transfere quanto o tratamento que a pessoa jurídica dá, na sua contabilidade, à transferência recebida: somente há transferência de capital se a pessoa jurídica credita os valores recebidos à conta de reserva de capital. [...] A subvenção para investimento e a doação não pressupõem, todavia, aplicação de recursos no ativo permanente da pessoa jurídica. O capital próprio (assim como o de terceiros) acha-se aplicado, de modo indiscriminado, em todos os elementos do ativo e a pessoa jurídica pode receber subvenções para investimento ou doações para aumentar o capital de giro próprio. [...] Pode haver transferência de capital sem vinculação à implantação ou expansão de determinados empreendimentos econômicos: basta que a intenção do doador seja transferir capital e que a pessoa jurídica registre os recursos recebidos como reserva de capital.” (PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Imposto sobre a renda – pessoas jurídicas. Rio de Janeiro: Justec-editora, 1979. v. I, p. 686-687)

16 É o que se depreende da seguinte passagem: “De fato, a distinção implícita feita por essa lei (6.404/64 e art. 44 da Lei 4.506), entre subvenções para investimento e subvenções para custeio de operações, no sentido de que apenas as primeiras deviam ser levadas a reservas de capital, tinha uma razão de ser, que era a seguinte: as subvenções para investimento tinham (e ainda deveriam ter) esse tratamento porque elas não interferem diretamente com a apuração do lucro líquido da pessoa jurídica, do qual o lucro operacional é parte integrante, eis que se destinam ao fornecimento de fundos para a aquisição de acréscimos ao ativo permanente e, portanto, para geração futura de lucros, enquanto que as subvenções para custeio de operações afetam diretamente o lucro líquido, pois os custos e despesas que elas reembolsam são debitados ao lucro líquido.” (OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008, P. 160)

19 Idem.

21 Cf. Revista de Direito Administrativo v. 124 (1976). Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/41772/40465>. Acesso em: 07 fev. 2018.

22 Cf. Revista de Direito Administrativo v. 129 (1977). Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/42491/41210>. Acesso em: 07 fev. 2018.

25 Conforme cronologia de tramitação divulgada pela Câmara do Deputados. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1203158>. Acesso em: 25 jan. 2018.

26 Como ensina Aurora Tomazini de Carvalho: “A exposição de motivos é um texto criado no curso de um processo enunciativo jurídico. É, portanto, direito positivo, integra o sistema. [...] A exposição de motivos relaciona-se com o documento normativo que motiva, num dialogismo próprio da intertextualidade jurídica, formando um contexto, contexto jurídico para a construção (interpretação) das normas veiculadas pelo enunciado-enunciado daquele documento” (CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito. São Paulo: Noeses, 2009, P. 646-647).

27 Sobre os efeitos temporais da coisa julgada, cf. PINTO, Edson Antônio Sousa Pontes; e GASPERIN, Carlos Eduardo M. Coisa julgada e seus efeitos no Novo Código de Processo Civil: considerações críticas e possíveis impactos no direito tributário. In: ZAMPAR JUNIOR, José Américo et al. Estudos de processo tributário: escritos em homenagem à Professora Isabela Bonfá de Jesus. São Paulo: Laurie Editora, 2017, P. 75-96.

28 Cf. RUBINSTEIN, Flávio. Boa-fé objetiva no direito financeiro e tributário. Série Doutrina Tributária v. III. São Paulo: Quartier Latin, 2010, P. 81.

29 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 805.

30 PINTO JUNIOR, Mario Engler. Pesquisa jurídica no mestrado profissional. Disponível em: <https://direitosp.fgv.br/sites/direitosp.fgv.br/files/arquivos/mario_engler_pinto_junior_pesquisa_juridica_no_mestrado_profissional_2a._versao_22_08_2016.pdf>. Acesso em: 03 out 2017.