A Tributação das Receitas Auferidas após a Extinção do Patrimônio de Afetação no Regime Especial de Tributação

The Taxation of Revenue Earned after Extinction Patrimony of Affectionation in the Special Tax Regime

Maciel da Silva Braz

Especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Associado ao Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT. Advogado em Campinas/SP. E-mail: msb@pedraza.com.br.

Resumo

A atividade de incorporação e construção de imóveis é objeto de preocupação das ciências sociais e jurídicas, em vista do direito à moradia guardar estreita relação com a dignidade da pessoa humana, constituindo-se em direito fundamental do indivíduo. O problema objeto do presente estudo é identificar se os limites e condições determinadas à constituição de um Regime Especial de Tributação – RET atendem aos princípios e valores do sistema jurídico tributário, em prestígio à promoção da justiça social que legitimou e motivou sua criação. Especificamente, se faz sentido a interpretação de que o tratamento especial garantido à incorporadora de imóveis deve cessar com a extinção do patrimônio de afetação, e se esse tratamento atende aos princípios e valores do sistema jurídico tributário, considerando que a responsabilidade da incorporadora em relação aos adquirentes dos imóveis, cujo tratamento visou prestigiar, permanece mesmo após o fim do patrimônio de afetação.

Palavras-chave: incorporação, tributação imobiliária, Regime Especial de Tributação (RET).

Abstract

The activity of real estate incorporation and construction is an object of concern of the social and legal sciences, in view of the right to housing to keep near relation with the dignity of the human person, fundamental right of person. The problem object of this study is to identify if the limits and conditions established for the constitution of “Regime Especial de Tributação – RET” obey principles and values of the tax system, in prestige to the promotion of social justice, that legitimized and motivated your creation. Specifically, if is possible to interpret that the special treatment guaranteed to the real estate developer should finish with the extinction of the patrimony of affectation, and if this treatment complies with the principles and values of the tax legal system, considering that the responsibility of the developer in relation to the purchasers, whose treatment aimed to prestige, remains even after the end of the patrimony of affectation.

Keywords: incorporation, incorporation tax, special taxation regime.

1. Introdução

Atualmente, a atividade imobiliária é um dos pilares que, sem dúvida, mesmo com seus autos e baixos, faz movimentar a economia brasileira, exercendo uma função social. Não por outra razão, o direito de moradia é assegurado pela Constituição Federal, devendo o Estado criar mecanismos que assegurem esse e outros direitos – notadamente, a criação de veículos legislativos que regulem e incentivem tal atividade.

O Direito brasileiro regula a atividade imobiliária por meio de diversos instrumentos normativos, legislações específicas que garantem às pessoas envolvidas a segurança jurídica necessária, seja para o desenvolvimento da atividade imobiliária, seja para a proteção daqueles que certamente serão destinatários dessa atividade: consumidores ou adquirentes de imóveis.

Nesse contexto, merecem especial destaque a Lei n. 4.591/1964 e a Lei n. 10.931/2004, as quais dispõem, respectivamente, sobre o condomínio em edificações e incorporações imobiliárias e sobre o patrimônio de afetação de incorporações imobiliárias, sobretudo sobre a instituição do Regime Especial de Tributação (RET).

Com o advento da Lei n. 10.931/2004, as incorporadoras que optarem pelo RET por ela instituído devem se submeter a uma tributação mediante aplicação de uma alíquota de 4% (quatro por cento) sobre o total das receitas auferidas. Realizada a afetação do patrimônio nos termos da lei e entregue o termo de opção pelo regime junto à Receita Federal do Brasil (RFB), em tese, o incorporador está submetido ao benefício fiscal.

O problema surge a partir do momento em que ocorre a extinção do patrimônio de afetação e a constituição do condomínio, uma vez que a partir desse momento não há regra clara, específica, em relação à tributação das receitas auferidas após essa extinção, ou seja, sobre as vendas realizadas após a conclusão da obra. Essas receitas deveriam permanecer tributadas pelo regime especial de tributação (RET) ou deveriam ser tributadas normalmente pelo lucro presumido, mais comum nesse tipo de atividade?

Nesse contexto, a questão de estudo do presente artigo concentra-se na análise da tributação das receitas auferidas pelas sociedades incorporadoras de imóveis com a venda de unidades imobiliárias após a extinção do patrimônio de afetação e da constituição do condomínio, quando realizada a opção pelo regime especial de tributação, instituído pela Lei n. 10.931/2004.

Nessa linha, o problema é evidenciado, em razão de sua especificidade e grau de incerteza dos incorporadores em relação à tributação das receitas auferidas após extinção do patrimônio de afetação e constituição do condomínio.

A solução proposta é examinar se as restrições estabelecidas em relação ao Regime Especial de Tributação – RET, com o fim do patrimônio de afetação se legitimam à luz dos princípios e valores do sistema jurídico tributário, em consideração à permanência da responsabilidade dos incorporadores em relação aos adquirentes, mesmo após o fim do patrimônio de afetação.

2. A incorporação imobiliária

A expressão incorporação deriva do latim (incorporatione), que significa ato ou efeito de incorporar, dar corpo e, no sentido lato, de tornar efetivo e realizar. No Dicionário Aurélio1, o verbo incorporar aparece com múltiplos significados, dentre os quais se destacam algumas acepções que se adequam sem dúvida às do presente trabalho.

O ilustre Caio Mário da Silva Pereira de forma bastante clara e concisa, traça, em sua clássica obra sobre o tema, um esboço histórico de como as incorporações usualmente se realizavam antes da legislação específica2.

Do relato contido em sua obra, percebe-se que, no período anterior à edição da Lei n. 4.591/19643, os adquirentes de unidades imobiliárias de um futuro condomínio edilício encontravam-se em situação de completo desamparo jurídico, vez que os tribunais não conseguiam sequer identificar a atividade de incorporação ou tampouco visualizavam no ordenamento jurídico a imposição de qualquer penalidade pela má condução de um negócio naquele modelo.

Quando o tema começou a ser lançado e discutido nos Tribunais, o que se viu, ainda segundo Caio Mário da Silva Pereira, foi a completa ausência de responsabilização dos empreendedores pela frustração dos projetos. Em certos julgados, o incorporador era equiparado à figura do corretor; em outros, era considerado um mero mandatário ou gestor de negócios, sem que os adquirentes obtivessem do Judiciário uma correta resposta aos prejuízos que haviam suportado4.

Posteriormente, os tribunais passaram a melhor entender a matéria, determinando a responsabilização do incorporador pelos prejuízos causados aos consumidores adquirentes, até que ela foi definitivamente positivada na ainda vigente Lei n. 4.591/1964. A referida lei, no parágrafo único do art. 28, tratou a incorporação imobiliária como uma atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações compostas de unidades autônomas. Mais adiante, a fim de melhor explicitar o significado dessa atividade, a lei também tratou da figura do incorporador5.

Portanto, na atividade de incorporação imobiliária, existe uma coordenação dirigida de modo a realizar, executar, o empreendimento imobiliário, mediante captação de recursos necessários ao andamento e conclusão do empreendimento. Logo, o incorporador exerce atividade empresarial auferindo receita e, consequentemente, lucro, signo presuntivo de riqueza sujeito à materialidade de alguns tributos.

3. Do patrimônio de afetação e sua finalidade

Em agosto de 2004, foi editada a Lei n. 10.931, que dispõe, dentre outras coisas, sobre o patrimônio de afetação nas incorporações imobiliárias, incluídos importantes dispositivos na lei de incorporações. O art. 53 da Lei n. 10.931/2004 acrescentou os arts. 31-A a 31-F à Lei n. 4.591/1964, a fim de regulamentar a afetação patrimonial da incorporação imobiliária, pela qual bens, direitos e obrigações correspondentes ao empreendimento constituem um núcleo patrimonial separado do patrimônio da empresa incorporadora, e ali permanecem segregados até o final do empreendimento, na entrega do edifício com o registro do título aquisitivo aos adquirentes e no resgate do financiamento da construção.

O art. 31-A da Lei n. 4.591/1964 faculta a afetação patrimonial de cada incorporação, dispondo que o acervo da incorporação constitui um patrimônio de afetação que se mantém segregado no patrimônio do incorporador e destina-se à execução da obra e à entrega das unidades aos adquirentes6.

Sendo assim, pelo regime de afetação, constituir-se-á uma segregação do patrimônio da incorporadora em relação a cada empreendimento por ela desenvolvido. Tal patrimônio, uma vez segregado e afetado, não poderá responder por obrigações do incorporador, senão diretamente relacionadas ao empreendimento pelo qual esse patrimônio encontra-se afetado.

Apesar da liberdade do incorporador de optar pela submissão do empreendimento ao regime de afetação, após constituição do patrimônio de afetação mediante averbação, a qualquer tempo, no Cartório de Registro de Imóveis, o incorporador passa a responder também pelos prejuízos que causar ao patrimônio de afetação.

Ora, não há dúvida de que a afetação visa garantir que as receitas de cada incorporação sejam rigorosamente aplicadas na realização do respectivo empreendimento, impedindo o desvio de recursos de um empreendimento para outro ou para as obrigações gerais da empresa incorporadora que forem estranhas às vinculadas ao empreendimento afetado.

Sobre a teoria da afetação, a doutrina entende que a incorporação imobiliária se ajusta perfeitamente a esse modelo, dado seu especial alcance econômico e social, porque é dotada de estruturas material e jurídica autônomas, justificando a proteção dada aos credores adquirentes do referido negócio.

Portanto, não é outro o espírito da lei que instituiu o patrimônio de afetação, senão garantir o direito constitucional à propriedade pelos credores adquirentes, dando-lhes segurança jurídica em relação aos contratos celebrados com o incorporador, sem prejuízo de resguardar-lhes contra qualquer desvio da empresa incorporadora no que tange aos recursos investidos pelos adquirentes.

A garantia dada aos adquirentes pelo patrimônio de afetação os protege inclusive contra débitos fiscais da incorporadora, afastando a aplicação do art. 76 da Medida Provisória n. 2.158-35/2001 pelo art. 10 da Lei n. 10.931/2004, que prescreve que tal disposição não se aplica ao patrimônio de afetação das incorporações imobiliárias.

Discorrer sobre a incorporação imobiliária e finalidade do patrimônio de afetação é medida necessária ao desenvolvimento do presente trabalho, pois a tributação das receitas recebidas pela incorporadora pelo regime especial de tributação tem como fim precípuo prestigiar a atividade imobiliária e proteger aqueles que nela estão envolvidos.

Nesse contexto, o estudo sobre a tributação da atividade de incorporação imobiliária se faz necessário, na medida em que essa atividade possui peculiaridades quanto à sua tributação, nos mais diferentes regimes de tributação, a exemplo do lucro presumido e, opcionalmente, no regime especial de tributação (RET), instituído pela Lei n. 10.931/2004.

4. A tributação na incorporação imobiliária e a capacidade contributiva

Não há uma regra distinta, específica (e, logo, divergente) da tributação da atividade de incorporação de imóveis em relação às demais atividades econômicas de modo geral.

Comumente, antes mesmo da criação do patrimônio de afetação, as sociedades incorporadoras, de modo a se proteger dos riscos de sua atividade econômica, constituíam sociedades de propósito específico (SPE)7 ao desenvolvimento de cada empreendimento imobiliário, ou seja, para cada nova incorporação imobiliária.

A partir dessa estratégia, grande parte das sociedades (SPEs) optaram pela sistemática de tributação do lucro presumido8, uma das modalidades de apuração do lucro9 das pessoas jurídicas, que permite maior flexibilidade ao contribuinte, dispensando-o da escrituração comercial para fins de apuração dos tributos e simplificando os deveres instrumentais relacionados às obrigações referentes a seus pagamentos.

Essa sistemática, como o próprio nome pressupõe, é uma modalidade de apuração do lucro por meio da qual se presume a existência deste a partir da aplicação de um percentual fixado sobre a receita bruta auferida pela pessoa jurídica. Nesse contexto, os tributos federais ganham relevância.

Nesse particular, não se entende que o lucro presumido seja uma sistemática de tributação a fim de atender à menor capacidade contributiva10, como sustentam alguns, pois a opção por tal metodização encontra-se sujeita a um limite máximo de faturamento anual que, uma vez ultrapassado, impossibilita o contribuinte de optar por ela.

Entende-se, então, que a sistemática do lucro presumido atende a uma política de praticidade e eficiência fiscal, e prova disso é que, independentemente da rentabilidade atingida nas operações realizadas, muitos contribuintes optam por ela, não só em razão da facilidade e dispensa da escrituração comercial para fins fiscais, mas especialmente pelo fato de que sua opção acaba importando em um ônus tributário menor do que em outro método.

A presunção dos tributos sobre o lucro, por exemplo, com base em um percentual da receita bruta, permite aos contribuintes que atinjam uma margem de contribuição maior que 8% (oito por cento), desde que limitados ao valor da receita estabelecida como limite ao direito de optarem pelo lucro presumido, certos de que, independentemente do lucro auferido em seu empreendimento, calcularão os tributos sobre o lucro exclusivamente com base no lucro presumido, ou seja, 8% de sua receita bruta operacional.

Essa digressão é importante, a fim de se ter em conta que a tributação sobre o lucro presumido não é adotada comumente pelas incorporadoras em razão da baixa capacidade contributiva destas sociedades, mas essencialmente pela praticidade e economia que tal opção proporciona a tais sociedades.

Ademais, é notável que o fato de se presumir como lucro hipótese de incidência dos tributos sobre tal base de cálculo (uma grandeza econômica que não represente a realidade em sua essência) não descaracteriza a capacidade contributiva implícita a ela relacionada.

Nesse particular, cabe lembrar que, mesmo o chamado lucro real11, apurado com base nos princípios de contabilidade a partir da ciência econômica, é incapaz de precisar a “realidade” a que se quer alcançar.

José Casalta Nabais, citando Luigi Einaudi, após reconhecer que o uso da expressão “real” visa atender a um ideal em relação à determinação do lucro na pessoa jurídica, escreve que, “se é que a procura do rendimento real, através do apuramento contabilístico da base tributável não é um puro mito, uma vã glória, em que só os contabilistas verdadeiramente acreditam [...]”12.

Referida afirmação corrobora a crítica de alguns economistas em relação à determinação do lucro a partir de princípios contábeis13. Portanto, o conceito de lucro, seja ele real ou presumido, é aberto e indeterminado, fazendo-se necessário ser aproximado e delimitado pelo direito positivo, para a segurança jurídica necessária à sua eleição como capacidade contributiva eleita à incidência.

Admitindo a hipótese de que o lucro presumido não se trata de uma forma de tributação a favorecer aos contribuintes com menor capacidade contributiva, podemos afirmar que o regime especial de tributação instituído pela Lei n. 10.931/2004 também não é.

Não se trata de um benefício fiscal às incorporadoras menos favorecidas financeiramente ou deficitárias, mas de fomento à atividade imobiliária, permitindo aumentar sua eficiência e, com isso, garantir maior segurança ao objetivo promovido pelo estímulo fiscal, o direito de moradia e a dignidade humana.

5. A instituição do Regime Especial de Tributação (RET)

A Lei n. 10.931/2004, além de outras providências, dispôs sobre o patrimônio de afetação das incorporações imobiliárias e instituiu o regime especial de tributação (RET) aplicável igualmente às incorporações imobiliárias, a teor do que dispõem os arts. 1º e 2º do referido diploma legal.

A intenção do legislador com a criação do referido regime ou, mais precisamente, benefício fiscal14 foi fomentar o mercado imobiliário por meio de um mecanismo que possibilitasse maior proteção aos credores adquirentes, visando, ainda, facilitar a obtenção de financiamento para esses empreendimentos imobiliários, sem perder de vista, é claro, a função social do instituto.

A legislação, ao dar segurança e estabilidade à função econômica e social da incorporação, garante aos adquirentes e às instituições financeiras que aquele empreendimento permanecerá livre e desembaraçado de qualquer outro ônus alheio à incorporação, criando um nexo de causalidade entre o patrimônio afetado e tão somente às obrigações decorrentes da incorporação que envolve exclusivamente esse patrimônio.

Ricardo Lacaz Martins, escrevendo sobre o tema, assevera que “[...] Por detrás da tributação pelo regime especial está a proteção à economia popular e a poupança pública, razões diversas daquelas que justificam o lucro presumido, o que explica a necessidade de imposição de uma tributação que viabilize a afetação patrimonial”15.

A opção pelo RET se mostra mais vantajosa para ambas as partes envolvidas – adquirentes e incorporador –, uma vez que reduz a carga tributária dos empreendimentos afetados, além de garantir a incomunicabilidade do patrimônio afetado com os demais bens, direitos e obrigações do incorporador, que responde, tão somente, por dívidas e obrigações vinculadas à incorporação cujo patrimônio foi afetado.

Nesse contexto, o regime especial de tributação para as incorporações imobiliárias proporciona maior segurança aos promitentes compradores, trazendo assim ao empreendimento, optante pelo regime do patrimônio de afetação, maior credibilidade e sucesso no mercado imobiliário, atendendo aos interesses das partes envolvidas, especialmente dos adquirentes das unidades imobiliárias.

O RET é um inteligente mecanismo fiscal, pois permite a segregação das incorporações imobiliárias do patrimônio da empresa incorporadora, condicionado ao cumprimento dos incisos I e II do art. 2º da Lei n. 10.931/2004, momento em que a incorporadora ficará sujeita à tributação de 4% (quatro por cento) sobre a receita mensal recebida decorrente da comercialização do empreendimento.

6. A tributação pelo RET das receitas decorrentes das vendas realizadas após conclusão da obra

Como condição à fruição do incentivo fiscal instituído pela Lei n. 10.931/2004, o incorporador deve realizar a afetação do terreno e das acessões objeto da incorporação imobiliária nos termos dos arts. 31-A a 31-E da Lei n. 4.591/1964, e proceder com a entrega do termo de opção pelo RET junto à unidade da Receita Federal do Brasil de seu domicílio.

Visando regulamentar a Lei n. 10.931/2004 e instituir o procedimento necessário a ser seguido pelas incorporadoras que manifestarem interesse em optar pelo incentivo fiscal, a Receita Federal do Brasil editou a Instrução Normativa n. 1.435/2013, que revogou a Instrução Normativa n. 934/2009 e introduziu novos requisitos adicionais para adesão ao RET.

A Instrução Normativa n. 1.435/2013 dispõe também sobre a observância obrigatória da Instrução Normativa n. 1.412/2013, que trata da transmissão e entrega de documentos em formato digital, especialmente no tocante ao termo de opção pelo regime especial de tributação e ao termo de constituição do patrimônio de afetação da incorporação imobiliária.

Cumprido o disposto no art. 2º da Lei n. 10.931/2004 e atendidos todos os requisitos elencados nos incisos do art. 3º da Instrução Normativa n. 1.435/2013, após solicitação de juntada ao dossiê digital de atendimento do termo de opção pelo RET, o procedimento de adesão ao incentivo fiscal aplicável às incorporações imobiliárias estará finalizado.

Sendo assim, é evidente que o legislador condicionou a opção pelo RET desde que atendidos todos os requisitos anteriormente delineados, razão pela qual, a partir desse momento, todas as receitas efetivamente recebidas pela incorporadora serão tributadas na forma do art. 4º da Lei n. 10.931/2004, independentemente do momento em que auferidas – se antes ou depois da opção pelo incentivo fiscal.

Importante salientar que a norma instituidora do RET não prescreve em nenhum de seus dispositivos sobre o término da vigência do benefício fiscal.

Diante dessa lacuna, um dos problemas existentes e pouco discutido diz respeito à tributação das receitas decorrentes da venda de unidades imobiliárias pela incorporadora após a conclusão do empreendimento com o fim do patrimônio de afetação, com a constituição do condomínio e, consequentemente, com a entrega das unidades imobiliárias a seus coproprietários.

Registra-se, nesse sentido, que, com a constituição do condomínio, opera-se necessariamente a transferência do patrimônio então afetado ao domínio do condômino e, logo, a necessidade de baixa da averbação da afetação do patrimônio na matrícula do imóvel, junto ao registro de imóvel competente.

Diante dessa situação, um grande número de contribuintes, temendo autuações do Fisco, optam por oferecer à sistemática do lucro presumido as receitas percebidas após o fim da afetação do patrimônio e sua transferência aos adquirentes e coproprietários, entendendo que tais receitas não poderiam estar sujeitas ao RET, em vista da “desafetação” do patrimônio imobiliário. Isso porque se considera que o incentivo do RET somente existiu como indução ao incorporador de segregar e afetar o patrimônio imobiliário objeto da incorporação, de modo a garantir aos adquirentes o domínio das unidades imobiliárias por eles adquiridas.

Para o Fisco federal, concluído e entregue o empreendimento e, consequentemente, extinto o patrimônio de afetação, nos termos da Lei n. 4.591/1964, mediante averbação da construção e registrados os títulos de domínio ou de direito de aquisição em nome dos respectivos adquirentes, não mais se pode falar em tributar pelo RET as receitas auferidas após esse momento.

Na Solução de Consulta COSIT n. 244/2014 e Solução de Consulta DISIT/SRRF08 n. 8025/2017 o Fisco se pronunciou de modo contrário aos contribuintes, entendendo que não se sujeitam ao RET as receitas decorrentes das vendas de unidades imobiliárias realizadas após a conclusão das obras (leia-se: com o fim da incorporação imobiliária e a “desafetação” do patrimônio do empreendimento do domínio da incorporadora conforme ementa transcrita).

O Fisco também possui o entendimento no sentido de que estão sujeitas à tributação pelo RET as receitas decorrentes das unidades vendidas antes da conclusão da obra e que compõem a incorporação afetada, mesmo que essas receitas sejam recebidas após a conclusão da obra ou a entrega do bem. Tal entendimento não poderia ser diferente, na medida em que grande parte dessas receitas decorrem de financiamentos imobiliários que perduram por anos após o término do empreendimento.

De outro lado, em entendimento manifestado na Solução de Consulta DISIT/SRRF07 n. 7.045/2014, o Fisco deu a entender que também estão sujeitas ao RET e à alíquota de 4% (quatro por cento), as receitas decorrentes das vendas das unidades imobiliárias após extinção do patrimônio de afetação.

Essa manifestação parece estar mais coerente com a intenção do legislador ordinário, que instituiu o benefício fiscal intitulado RET, visto que em momento algum o legislador consignou que o encerramento do patrimônio de afetação mediante averbação de sua baixa no competente Cartório de Registro de Imóveis implicaria a revogação do benefício fiscal, de modo que as receitas decorrentes das vendas das unidades imobiliárias após extinção do patrimônio de afetação não deveriam ser tributadas pelo RET.

A Lei n. 10.931/2004 possibilitou a adesão ao regime especial de tributação para as incorporações imobiliárias ao contribuinte que atendesse aos seguintes requisitos: (i) afetação do terreno e das acessões-objeto da incorporação imobiliária; e (ii) entrega do termo de opção ao incentivo fiscal à Receita Federal do Brasil. Esse mesmo legislador nada dispôs sobre a tributação ou não das receitas oriundas das vendas realizadas após conclusão da obra mediante à alíquota de 4% (quatro por cento).

Aliás, o próprio art. 1º da Lei n. 10.931/2004 dispôs expressamente que o incentivo fiscal tem sua vigência enquanto não cessarem os direitos de crédito16 ou obrigações do incorporador junto aos adquirentes dos imóveis que compõem a incorporação.

É fato que as obrigações do incorporador não cessam com a entrega das unidades, pois ele ainda responderá pela solidez e segurança do empreendimento, como bem dispõe o art. 618 do Código Civil: “[...] nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante cinco anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo [...]”.

Logo, se as obrigações do incorporador continuam a existir após a extinção do patrimônio de afetação e da constituição do condomínio com a entrega das chaves aos coproprietários, não se justifica a não tributação pelo RET das receitas auferidas com a venda de unidades imobiliárias após conclusão da obra e a formação do condomínio, quando o próprio legislador que institui o incentivo fiscal prescreveu que, enquanto perdurarem os direitos de crédito do incorporador e suas obrigações com os adquirentes, as receitas auferidas deverão ser tributadas a uma alíquota de 4% (quatro por cento).

Ainda nesse contexto, se o legislador não quisesse que tais receitas fossem tributadas pelo RET após extinção do patrimônio de afetação e formação do condomínio, ele o teria feito. Logicamente, essa não foi sua intenção com a instituição do incentivo fiscal objeto desse estudo.

Assim, a interpretação que se infere da Lei n. 10.931/2004 é no sentido de que, a partir da data da formalização pela incorporadora da opção pelo regime especial de tributação, todas as receitas operacionais da sociedade vinculadas ao patrimônio afetado devem ser tributadas de acordo com o regime unificado à alíquota de 4% (quatro por cento), independentemente do momento em que foram auferidas, o que sugere que, mesmo aquelas receitas recebidas pela venda de unidades após conclusão da obra – e, inclusive, após o desfazimento da afetação do patrimônio imobiliário junto ao registro de imóveis – gozam do benefício fiscal.

7. Conclusão

A figura do incorporador possui relevante papel nos dias atuais, na medida em que o exercício da atividade imobiliária por ele desenvolvida busca não somente fomentar a economia em razão dos grandes volumes de recursos mobilizados e sua força geradora de trabalho, mas também exercer significativo papel social.

Sendo a incorporação imobiliária uma atividade de cunho mercantil, ao exercê-la, o incorporador assume várias obrigações perante os adquirentes e terceiros, que não cessam com o fim da incorporação imobiliária e a entrega das respectivas unidades aos adquirentes.

O RET é nitidamente uma forma de apuração dos tributos devidos pelo incorporador imobiliário, que não altera a natureza jurídica dos tributos, mas atua como norma indutora à conduta do contribuinte ao afetar o patrimônio imobiliário do empreendimento desenvolvido, a fim de beneficiar-se da redução do caráter tributário.

Referida forma de apuração trata-se de um incentivo fiscal, legalmente previsto e legitimamente adequado à proteção dos adquirentes imobiliários e à valorização da função social da propriedade, à medida que proporciona segurança a esses adquirentes, bem assim aos demais credores das sociedades incorporadoras.

Ao final da incorporação, com a constituição do condomínio e a transferência da propriedade imobiliária aos condôminos – e, necessariamente, com o fim da afetação do patrimônio –, as receitas auferidas pela incorporadora após esse evento permanecem sujeitas ao RET, à medida que inexiste norma legal que exclua tais receitas dessa sistemática de apuração tributária.

A propósito, ao instituir o incentivo fiscal, a própria Lei n. 10.931/2004 dispôs em seu art. 1º que o RET é aplicável enquanto perdurarem direitos de crédito ou obrigações do incorporador junto aos adquirentes dos imóveis que compõem a incorporação. Logo, não havendo norma que exclua essas receitas da tributação pelo RET e, considerando que o incorporador permanece obrigado aos adquirentes, mesmo após extinção do patrimônio de afetação, é cristalina a conclusão de que as receitas auferidas com as vendas após conclusão da obra também devem ser tributadas pelo incentivo fiscal.

Sustentar que tais receitas não devem sujeitar-se ao RET, em razão do fim da afetação patrimonial, é olvidar da motivação do próprio instituto e do objetivo extrafiscal por ele revelado, no sentido de incentivar os incorporadores imobiliários a segregar o patrimônio do empreendimento, de modo a não comprometer tal patrimônio com obrigações estranhas ao empreendimento propriamente dito.

Do mesmo modo, prejudica o incorporador mais eficiente, onerando-o tributariamente, caso esse entregue as unidades imobiliárias no tempo previsto ou antecipadamente, em benefício do incorporador moroso, que atrasa a entrega das unidades, com incalculáveis prejuízos aos adquirentes e, logo, não obtém o cancelamento da averbação da afetação do patrimônio-objeto da incorporação.

De sorte que não assiste qualquer razão, tampouco previsão legal que permita a conclusão de que, com o fim da afetação patrimonial, extingue-se o RET – e, logo, as receitas auferida pós-obra –, a partir de então não podem mais ser beneficiadas com uma tributação menos onerosa proporcionada por tal sistemática de apuração.

Advogar o contrário é desprezar a finalidade perseguida pelo legislador tributário ao criar o incentivo por meio do RET, à medida que, a partir do momento em que a propriedade é transferida e garantida ao adquirente (principal objetivo da criação do RET), o incorporador é penalizado com uma tributação mais onerosa, justamente por ter cumprido a função social induzida pela norma tributária que criou referida sistemática de tributação.

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1 “Incorporação – 4. Juntar num só corpo; dar unidade a; reunir. 5. Bras. Realizar (o dono, compromissário ou o titular, de opção de venda de um terreno) contrato para construção de (edifício de apartamentos, lojas, etc.), em condomínio começando logo a vender as futuras unidades.” (HOLANDA, Aurélio Buarque de. Dicionário de língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004)

2 Caio Mário da Silva Pereira: o “incorporador existiu antes de o direito ter cogitado dele. E viveu a bem dizer na rua ou no auto dos edifícios em construção, antes de sentar-se no gabinete dos juristas ou no salão dos julgadores” (cf. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e incorporações. 12. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 191).

3 A Lei n. 4.591/1964 dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias.

4 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Op. cit. (nota 2), p. 193.

5 Vide Lei n. 4.591/1964, art. 29: “Considera-se incorporador a pessoa física ou jurídica, comerciante ou não, que embora não efetuando a construção, compromisse ou efetive a venda de frações ideais de terreno objetivando a vinculação de tais frações a unidades autônomas, (VETADO) em edificações a serem construídas ou em construção sob regime condominial, ou que meramente aceite propostas para efetivação de tais transações, coordenando e levando a termo a incorporação e responsabilizando-se, conforme o caso, pela entrega, a certo prazo, preço e determinadas condições, das obras concluídas.”

7 Entende-se por sociedade de propósito específico as pessoas jurídicas constituídas sob a forma de sociedade anônima ou por quotas de responsabilidade limitada e que possuam objeto social específico, normalmente vinculado ao empreendimento mobiliário que pretendem desenvolver.

8 O art. 516 do RIR/1999 assevera que: “A pessoa jurídica cuja receita bruta total, no ano-calendário anterior, tenha sido igual ou inferior a vinte e quatro milhões de reais, ou a dois milhões de reais multiplicado pelo número de meses de atividade no ano-calendário anterior, quando inferior a doze meses, poderá optar pelo regime de tributação com base no lucro presumido (Lei nº 9.718, de 1998, art. 13). § 1º A opção pela tributação com base no lucro presumido será definitiva em relação a todo o ano-calendário (Lei nº 9.718, de 1998, art. 13, § 1º.” (BRASIL. Decreto n. 3.000, de 26 de março de 1999. Regulamenta a tributação, fiscalização, arrecadação e administração do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza. Brasília, 1999)

9 Para Ricardo Mariz de Oliveira, o lucro “se constitui no resultado positivo derivado da reunião de todos os elementos positivos e negativos que afetam o patrimônio e identificam uma mutação geral líquida nele havida ou uma mutação líquida particular a um determinado negócio, embora neste caso, apropriadamente se deva falar como ganho ou perda” (cf. OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 110). Mary Elbe Queiroz define lucro como o “[...] resultado positivo apurado pela pessoa jurídica na exploração de suas atividades econômicas após a dedução das receitas percebidas pelas empresas dos custos e despesas por ela efetuados para obter tais valores, abrangendo a pluralidade dos rendimentos da unidade econômica explorada” (cf. QUEIROZ, Mary Elbe. Apuração da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. A desconsideração de 100% dos custos e despesas. Obrigatoriedade do arbitramento do lucro. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de (coord.). Congresso do IBET, III. Interpretação e Estado de Direito. São Paulo: Noeses, 2006, p. 621).

10 Sobre o princípio da capacidade contributiva Fernando Zilveti escreve que ele é “o princípio segundo o qual cada cidadão deve contribuir para as despesas públicas na exata porção de sua capacidade econômica” (cf. ZILVETI, Fernando Aurelio. Princípio de direito tributário e capacidade contributiva. São Paulo. Quartier Latin, 2004, p. 134).

11 Sobre o conceito de lucro real, Rubens Gomes de Sousa assevera que “o lucro real é um dos sistemas pelos quais se busca tributar o lucro da pessoa jurídica”. Para o autor, o lucro real “é o sistema comum e baseia-se no lucro acusado pelo balanço e conta de lucros e perdas, com certos ajustamentos previstos pela lei fiscal” (cf. SOUSA, Rubens Gomes de. Imposto de Renda. Rio de Janeiro: Edições Financeiras, 1955, p. 45). Ver também NABAIS, José Casalta. Por um estado fiscal suportável: estudos de direito fiscal. Coimbra: Edições Almedina, 2005, p. 374.

12 EINAUDI, Luigi. Mite e pardosi dela giustizia tributária. Torino, 1938, p. 201 apud NABAIS, José Casalta. Op. cit., p. 374.

13 Para Joel Dean “[...] aquilo que pelas convenções contábeis é rotulado como lucros líquidos não é o lucro como o economista considera. Trata-se de um híbrido que inclui elementos de juros e talvez salários e rendas, assim como lucros econômicos” (cf. DEAN, Joel. Economia das empresas. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1962, p. 21).

14 O professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Adilson Rodrigues Filho, comenta que “os benefícios fiscais ou incentivos fiscais, apesar de se tratarem de instrumentos que visam ao desenvolvimento nacional, devem ser conciliados com os princípios que informam a ordem fiscal e tributária brasileira, enfatizando a importância de se respeitar a capacidade contributiva” (cf. PIRES, Adilson Rodrigues. Incentivos fiscais e desenvolvimento econômico. Direito tributário: homenagem a Alcides Jorge Costa. São Paulo: Renovar, 2006, p. 1110-1).

15 MARTINS, Ricardo Lacaz. Tributação da renda. São Paulo: Quartier Latin, 2011, p. 220.

16 Para Caio Mário da Silva Pereira “[...] quando concluída a obra, entregues as unidades aos adquirentes, com seus títulos registrados, e paga a dívida decorrente do financiamento da construção. As hipóteses são cumulativas; assim, se a obra for concluída e entregues as unidades até então vendidas, mas ainda houver saldo devedor do financiamento, as unidades restantes continuam afetadas até que se complete o pagamento do saldo devedor.” (Cf. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e incorporações. 12. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 191)