Interpretação Jurídica da Lei Tributária e a Análise Econômica do Direito (“Law and Economics”)
Legal Interpretation of Tax Law and Law and Economics
Rafael Eduardo Serrano
Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Advogado em São Paulo. E-mail: rafael.serrano@csalaw.adv.br.
Recebido em: 21-02-2018
Aprovado em: 23-04-2019
Resumo
Este trabalho apresenta considerações acerca do arcabouço doutrinário relativo à análise econômica do direito e sua crescente influência na interpretação jurídica das normas por parte dos tribunais brasileiros, com ênfase nas discussões envolvendo o direito tributário.
Palavras-chave: análise econômica do direito, interpretação jurídica, economia, jurisprudência brasileira, tributação.
Abstract
This article aims to present considerations on Law and Economics and its interaction with law interpretation. Therefore, this analysis shall rely on the institute’s concept, identification of its core elements and, ultimately, on its possible influence regarding the Brazilian law system. Special emphasis is given in relation to Brazil’s Superior Courts decisions, mostly on taxation matters.
Keywords: law and economics, legal interpretation, economy, Brazilian case law, taxation.
1. Introdução
Tradicionalmente, a interface entre o Direito e a Economia sempre foi analisada de maneira um tanto quanto distante pela doutrina, mormente pela estreita e necessária relação da atuação do jurista com a valoração de modelos éticos e do próprio conceito de justiça. Nesse sentido, o auxílio oferecido pelos economistas para a interpretação jurídica se restringiria, quando muito, à descrição de conceitos econômicos e das condutas de seus agentes.
Com efeito, sem menosprezar a fundamental importância do juspositivismo, no papel de diferenciar o direito de outros subdomínios sociais, é inegável a utilidade trazida pela análise dos efeitos recíprocos que cada subsistema irradia sobre os demais.
Como veremos adiante, a Análise Econômica do Direito (ou simplesmente AED) busca ampliar de maneira significativa a interface entre o Direito e a Economia. Com forte influência da tradição realista americana de crítica ao formalismo jurídico, referida disciplina explicitamente considera as instituições legais como parte das variáveis do sistema econômico, e não como elementos externos à mesma, analisando os efeitos de mudanças em uma ou mais destas variáveis sobre os elementos do sistema.
Mesmo com o crescimento dos estudos de AED pelo mundo, no Brasil, a expansão da temática pelo meio acadêmico é tímida, sendo ainda alvo de fortes críticas por uma série de fatores, notadamente pelo fato de que a Law & Economics, tal qual é difundida e defendida por autores estrangeiros, reflete as condições e os institutos jurídicos do sistema da common law, berço de seu desenvolvimento, e naturalmente gera, em diversos aspectos, incompatibilidades com o sistema jurídico de civil law adotado pelo Brasil.
Aliás, é justamente a utilização da disciplina no contexto da atividade de interpretação jurídica um de seus pontos mais controversos, sendo este, portanto, o objeto do presente estudo.
O artigo pretende demonstrar que a utilização da mencionada disciplina como uma ferramenta de hermenêutica pode acarretar sérias distorções no sistema jurídico. Por outro lado, a despeito das eventuais incompatibilidades, defendemos que algumas das conclusões obtidas pelo estudo da referida disciplina podem e devem, com o devido cuidado, ser aproveitadas pelo operador do direito.
Iniciaremos com uma breve apresentação da origem da doutrina da Análise Econômica do Direito e seus principais conceitos, passando ao estudo da maneira pela qual seus principais exponentes propõem a sua aplicação na atividade legislativa e na interpretação judicial, e finalmente na análise de alguns julgados cuja interpretação sofreu clara influência da disciplina, com ênfase em questões envolvendo o direito tributário.
Este trabalho não objetiva, de forma alguma, o esgotamento do estudo da Análise Econômica do Direito. Pelo contrário, justamente aponta a inegável complexidade do tema e a dificuldade de sua aplicação ao ordenamento jurídico doméstico, diante das incompatibilidades decorrentes das incompatibilidades da referida disciplina com nosso sistema jurídico.
2. Da análise econômica do direito
2.1. Da problemática envolvida na Análise Econômica do Direito
Objetivamente, a Análise Econômica do Direito procura oferecer respostas a alguns questionamentos, que poderiam assim ser resumidos:
a) Como o comportamento dos agentes é afetado pelas normas legais?
b) Em termos de medidas de bem-estar social, quais são as melhores normas?
Cumpre observar, em primeiro lugar, que a AED parte do pressuposto de que a Economia, especialmente a microeconomia, seja útil para a obtenção das respostas a esses questionamentos. Para Cristiano Carvalho1, a Análise Econômica do Direito significa a utilização de ferramentas da Economia para a interpretação e compreensão dos efeitos econômicos advindos das normas jurídicas.
A fim de tentar responder à primeira questão, a AED parte da premissa derivada da Ciência Econômica de que os agentes são racionais e olham para o futuro. Assim, ao tomarem decisões, levam em consideração seus custos e benefícios privados a serem incorridos (em termos de probabilidade). Os agentes econômicos, vale dizer, não se preocupam com o passado.
Nessa esteira, a disciplina parte da premissa de que o objetivo dos agentes é o de maximizar seus benefícios incorrendo no menor custo possível. Assim, verifica-se, como noção comum aos autores ligados à AED, o estabelecimento de um princípio de que as regras jurídicas estabelecem um sistema de incentivos para o comportamento dos agentes econômicos no mercado, tendo um papel relevante na definição de estratégias de ação de cada um. A disciplina teria a função, portanto, de tentar prever as consequências das normas jurídicas e suas possíveis interpretações.
Não se pode perder de vista, contudo, que a previsibilidade das consequências é, em si, um ideal, visto que nem sempre, na prática, os agentes agem da maneira prevista, tal qual vislumbrada pela ciência econômica.
No tocante à segunda questão, filia-se à ideia de que os sistemas jurídicos poderiam ser compreendidos como sendo a resultante das decisões de maximização de preferências das pessoas em um ambiente de escassez, em termos econômicos.
Ao buscar o modelo ideal de normas jurídicas, a sociedade poderia controlar de forma ótima o nível das externalidades, cujo conceito será analisado mais adiante, mas que por ora pode ser definido como o custo social das transações, adotando normas institucionais baseadas em critérios econômicos. Logo, sob esse prisma, a AED não só ofereceria um panorama sobre o mundo tal qual ele é, mas trataria de transformá-lo para torná-lo melhor.
Aliás, vale destacar que o objetivo do direito, na ótica da Análise Econômica do Direito proposta por Richard Posner, é o de analisar as normas legais de modo a promover a eficiência, o que implica a maximização do bem-estar social2. Consequentemente, normas mal elaboradas reduziriam o chamado “bem-estar”.
2.2. Origem e evolução da disciplina
Iniciam-se na década de 1960 os primeiros estudos sobre a Análise Econômica do Direito, tendo os artigos de Ronald Coase3 e Guido Calabresi4 merecido maior destaque nas publicações acadêmicas da época, precedendo a utilização do termo “Law and Economics”. Até então, os estudos que relacionavam os impactos do Direito na Economia se limitavam ao contexto do Direito Concorrencial.
Para Coase, em estudo voltado aos atos de negócios que têm impactos negativos em outros negócios, o problema central econômico discutido é a busca pela maximização da produção. Defende o autor que é necessário avaliar se a regulação estatal direta não proporcionará melhores resultados que os obtidos na situação em que o mesmo problema seja resolvido pelo mercado ou pelos próprios agentes.
Fortemente identificado com a filosofia capitalista, o trabalho do economista britânico se concentra no custo social (externalidades) como um problema que exige a unificação de critérios jurídicos e econômicos. As externalidades corresponderiam aos efeitos não previstos que determinadas transações acarretam a terceiros que não fazem parte da relação original entre os agentes econômicos. Nesse sentido, seria desejável que as ações realizadas em face do problema sejam aquelas nas quais o “ganho” valha mais do que aquilo que foi perdido.
Já Guido Calabresi, professor italiano da Universidade de Yale, destacou-se fortemente com seu estudo relativo à responsabilidade civil por assumir a questão da distribuição da riqueza existente como ponto de partida de sua teoria, inovando ao manifestar-se acerca da necessidade da introdução de considerações distributivas, em contrapartida a uma consideração “pura” de eficiência.
Nesse ponto, sustenta o autor que a eficiência não é o único valor social, devendo ser mitigada quando outros demonstrarem-se mais relevantes.
Contudo, o desenvolvimento metodológico da disciplina ocorre de maneira mais significativa após os trabalhos desenvolvidos por juristas da universidade de Chicago, Yale e Berkeley. Nesse contexto, destacam-se principalmente Richard Posner, Henry Manne e Garry Becker.
Merece realce a doutrina de Richard Posner, baseada principalmente na busca da eficiência. Teve grande desenvolvimento a partir da década de 1970, evidenciando uma mudança de rumos na economia da época, cuja centralização do Estado de bem-estar social passava a ser substituída pelo individualismo de bem-estar. A concepção de eficiência adotada por Posner, mais radical do que outras defendidas ao longo do mesmo período, pode ser entendida como maximizadora de riquezas, de modo que seu valor – a satisfação humana medida pela vontade de pagar do consumidor pelos bens e serviços – seja prioritariamente maximizado.
Nessa lógica, o Direito seria visto como um sistema de incentivos indutor de condutas, devendo promover a maximização da riqueza. Em função de sua forte dose de liberalismo, a tese de Richard Posner causou grande controvérsia, levando inclusive o autor a rever seu posicionamento posteriormente, passando a atribuir um papel mais discreto à maximização de riqueza e defendendo uma visão específica de pragmatismo jurídico.
Nessa segunda fase de sua doutrina, o autor rejeita a ideia de que o Direito esteja fundado em princípios permanentes, bem como a existência de critérios fundamentais que possam de forma absoluta pautar a normatividade do Direito, inclusive o critério de eficiência. Partindo da premissa de que o Direito é um instrumento para a consecução de fins, defende ainda que as realizações humanas devam ser apreciadas relativamente às circunstâncias e avaliadas também por suas consequências.
Vale destacar que a vertente liderada por Richard Posner acabou por ser a mais discutida no meio acadêmico ao longo das décadas seguintes, confundindo-se, por vezes, com a própria expressão “Análise Econômica do Direito”.
2.3. A eficiência como perspectiva de análise das normas e o teorema de Coase
Questão central envolvida na atuação do economista, a eficiência também é conceito fundamental para o estudo da Análise Econômica do Direito. Se a doutrina jurídica se ocupa da avaliação das normas principalmente com referência ao valor justiça, a economia visa a busca de eficiência atribuída aos agentes econômicos.
A AED, por sua vez, visa a aplicação da eficiência às normas legais. A disciplina se baseia na premissa de que o legislador (e a jurisprudência) deveria avaliar as normas legais com base em critério mais objetivo e que determinasse se tais dispositivos facilitam ou atrapalham a utilização mais eficiente dos recursos.
Ao realizar essa avaliação, os operadores do direito estariam apreciando as consequências que as normas terão sobre toda sociedade, e, portanto, a disciplina seria classificada como consequencialista. Naturalmente, a aplicação absoluta dessa avaliação não explica determinadas situações em que os agentes têm dificuldade em estimar ou até em entender o risco nos quais suas atuações os envolvem, bem como em relação a outras hipóteses de desvios da conduta racionalmente apontada como provável.
Contudo, tais dificuldades não retiram a utilidade da análise original, e podem ser igualmente importantes na análise pelo operador do direito da eficácia de determinada norma do ordenamento.
Nesse ponto, vale trazer a referência à eficiência econômica, extraída do Teorema de Coase, tal como sumarizado por Cristiano Carvalho5:
“Direitos de propriedade definidos e objetivos
+
Custos de transação nulos
=
Eficiência econômica
O ponto fulcral da contribuição de Coase é o desenvolvimento do conceito de ‘Custo de Transação’. Tal conceito econômico refere-se a todo custo envolvido numa transação econômica, por exemplo, numa compra e venda de um bem qualquer.”
Para ilustrar o teorema posto pelo economista britânico, trazemos o primeiro exemplo constante de sua fundamental obra The problem of social cost6. O exemplo é o de uma fábrica cuja fumaça produzida tem efeitos nocivos nos ocupantes de propriedades vizinhas. O autor critica as conclusões dos economistas tradicionalistas que sustentariam como soluções: (i) a responsabilização do proprietário da fábrica pelos danos causados aos afetados pela fumaça, ou, alternativamente, (ii) a imposição de tributo ao proprietário da fábrica variando conforme a quantidade de fumaça produzida e equivalente em termos monetários aos danos que poderia causar, ou, finalmente (iii) afastar a fábrica de áreas residenciais. Para ele, as ações sugeridas seriam impróprias na medida em que levariam a resultados que não são necessariamente desejáveis.
O problema da fábrica ilustra, portanto, a questão das externalidades. No exemplo citado, tais efeitos poderiam ser, por exemplo, a inviabilidade econômica da fábrica e os impactos na população local em função de sua transferência para outra região.
Na proposição de Coase, quanto mais próximos os custos de transação para o exercício de direitos de propriedade forem de zero (custos de transação nulos), maior a eficiência econômica do sistema. Num cenário em que os custos de transação sejam de tal forma elevados que dificultem os “arranjos sociais”, os tribunais influenciam diretamente a atividade econômica. Logo, os tribunais deveriam entender a consequência de suas decisões, e tanto quanto possível seja fazê-lo sem criar incertezas sobre a própria decisão legal, levar em consideração tais consequências no momento de decidir.
Assim, para Coase, deve-se realizar uma análise mais apurada acerca dos elementos que deram causa ao dano e que foram por ele afetados. Tal verificação torna-se necessária na medida em que se pretende determinar da maneira mais correta quem deve deter o direito de cometer o dano sobre o outro, a partir dos incentivos que o ordenamento gera para a atuação das partes em situações de mercado. Em outras palavras, o que deve se observar é se o ganho com a não produção do dano supera a perda sofrida como resultado da proibição da atividade.
Contudo, a medida para verificação da eficiência, e para tanto, dos ganhos e perdas decorrentes da transação identifica-se no bem-estar dos agentes.
2.3.1. Eficiência e bem-estar social
Em que pese tenhamos destacado a importância da eficiência no estudo da Análise Econômica do Direito mister esclarecer que o conceito de eficiência carece de uma referência. A definição de eficiência traz a ideia de otimização de alguma medida de valor. Para a AED, o valor a ser buscado é o “bem-estar social”.
A chamada economia do bem-estar é utilizada na aplicação de elementos da teoria microeconômica na atividade de avaliação das normas jurídicas e dos comportamentos delas consequentes.
Em termos gerais, o bem-estar individual consiste na utilidade que o agente econômico extrai de seu comportamento, bem como dos comportamentos que não tomou (mas poderia tê-los tomado). Quanto aos últimos, vale dizer, é o que se define na Ciência Econômica por custos de oportunidade. Já o bem-estar social quantifica-se pela agregação do bem-estar dos indivíduos de uma coletividade. Importante observar que há diferentes metodologias para agregação do bem-estar, e a escolha da metodologia pode impactar significativamente as conclusões acerca da Análise Econômica do Direito, conforme passaremos a demonstrar.
É possível identificar duas principais maneiras de aferição do bem-estar social de uma coletividade, dependendo do peso que se atribui à igualdade distributiva do bem-estar. Destaca-se primeiramente o critério chamado utilitarista, o qual privilegia a eficiência de detrimento da igualdade distributiva, podendo ser considerada a soma simples de utilidades individuais, sem qualquer ponderação. Esse critério busca avaliar a justiça das instituições com base na máxima “maior felicidade para o maior número possível”, sugerindo uma ética teleológica e consagrando a lógica dos resultados.
Outro critério possível de aferição do bem-estar social atribui peso maior aos indivíduos com menor utilidade, visando assim uma maior igualdade distributiva do bem-estar. John Rawls, o maior expoente dessa metodologia, conferia grande importância ao respeito aos direitos humanos e às questões distributivas.
Em sua “teoria de justiça”7, o autor busca oferecer que os princípios jurídicos que formam a estrutura básica de uma dada sociedade são o objeto do contrato social dessa coletividade. Vale transcrever os dois princípios basilares: 1º: toda pessoa tem igual direito à mais extensiva e básica liberdade que seja compatível com a liberdade dos demais, e 2º: as desigualdades econômicas e sociais devem ser estabelecidas de modo que ambas (i) sejam razoavelmente oferecidas em condição de igualdade, e (ii) estejam vinculadas a posições e cargos abertos a todos.
Isto posto, cumpre trazer alguns dos conceitos de eficiências utilizados pela ciência econômica, a fim de auxiliar na metodologia de aplicação da Análise Econômica do Direito. Dentre os principais conceitos, destacam-se o critério de eficiência de Kaldor-Hicks e o critério de eficiência de Pareto.
Para Kaldor-Hicks, o conceito de eficiência está ligado à confrontação dos benefícios e dos custos sociais de uma determinada medida. Esse critério se assemelha ao critério de somatória simples como fórmula do bem-estar social. De acordo com essa metodologia, ainda que alguns dos indivíduos envolvidos na relação econômica tenha uma perda significativa, caso os demais indivíduos obtenham ganhos que, considerados conjuntamente, superam a referida perda, haverá uma situação mais eficiente.
O conceito de eficiência de Pareto, por sua vez, está mais associado à unanimidade. Esse critério parte da premissa de que não é possível melhorar a situação de um agente sem piorar a situação de, pelo menos, outro agente. Nesse sentido, somente haveria uma situação eficiente se fosse possível promover uma redistribuição da utilidade entre os agentes, de modo que alguns fiquem em situação melhor sem que haja piora na situação dos outros agentes.
Vale destacar que há um problema de ordem prática decorrente da dificuldade de medição do nível de bem-estar individual. Assim, normalmente, a escala utilizada é a riqueza (dinheiro). Consequentemente, outra relativização que deve ser observada pelo aplicador é a que o valor do dinheiro pode variar de pessoa para pessoa. Ou seja, para um cidadão considerado pobre dentro de uma sociedade, perder uma quantia pequena pode gerar uma perda de bem-estar individual proporcionalmente maior a um ganho da mesma grandeza auferido por um agente dotado de um alto poder aquisitivo.
Cumpre ressaltar que há severas críticas a ambos os critérios e o viés utilitarista neles contido. Para seus críticos, tais critérios tenderiam a ignorar desigualdades na distribuição do bem-estar e justiça no caso concreto, ao focar apenas na maximização do bem-estar social coletivo. Além disso, a abordagem utilitarista não atribuiria a devida importância aos direitos e liberdades, os quais são valorizados apenas indiretamente, na medida em que influenciam a utilidade.
Contudo, a despeito das críticas, as metodologias ganharam popularidade, e são comumente utilizadas pelos estudiosos da Análise Econômica do Direito.
2.3.2. Da interferência do direito no subsistema econômico
Considerando que já afirmamos que o comportamento dos agentes é afetado pelas normas legais, cabe analisarmos como se dá essa interferência. A despeito de existirem interferências recíprocas entre o direito e a economia, vale destacar que a interferência do direito é mais intensa, notadamente pelo fato de ser o único subsistema dotado de coercibilidade.
Contudo, não é somente pela possibilidade de utilização da coerção estatal que a interferência se dá no campo econômico. Com efeito, tratando-se de um Estado Democrático de Direito que privilegia a livre iniciativa, na maioria dos casos caberá a escolha por parte dos agentes econômicos, salvo na hipótese de condutas proibidas. Aliás, mesmo nessa situação é possível afirmar que há a liberdade entre escolher ou não a norma jurídica. Naturalmente, no último caso, o agente se sujeitará aos riscos de sofrer as sanções legais correspondentes.
Por vezes, as decisões do Poder Judiciário também afetam a economia. Veja-se o exemplo dos planos de saúde, que regularmente têm contra si decisões judiciais determinando o fornecimento de cobertura que anteriormente foi negada aos associados. A conduta dos planos de saúde será, dentro dos limites regulatórios, inevitavelmente, aumentar os valores das contribuições de forma a suprir esses aumentos de custo.
Vale lembrar, entretanto, que em análise comparativa dos ramos do direito que mais afetam a economia e seus custos de transação, ganha maior relevo o direito tributário. Passaremos, a seguir, a utilizar esse específico ramo do direito como exemplo de aplicação da Análise Econômica do Direito.
2.3.3. Análise econômica e o direito tributário
No Brasil, assim como na maioria dos países, a tributação está direcionada, de maneira geral, a manifestações de capacidade contributiva dos agentes econômicos. Como fundamento do Estado Democrático de Direito, o tributo pode ser economicamente analisado como o oferecimento de parcela do patrimônio do contribuinte em contrapartida à garantia de suas liberdades individuais e da propriedade privada por parte do Estado.
Contudo, o ordenamento jurídico estabelece limites ao esforço exigível para a manutenção da máquina estatal. Defende-se que esse sacrifício não pode atingir o chamado “mínimo existencial” do sujeito passivo da relação tributária, de modo a garantir-lhe o mínimo de qualidade de vida, permitindo-lhe viver com dignidade. Por outro lado, caberia exigir mais daqueles que possuam maior capacidade contributiva, existindo diversos métodos para garantir essa “justiça fiscal”, tal como por exemplo, a progressividade na tributação.
Entretanto, a tributação encontra outro limite quantitativo, que é a vedação ao não confisco, plasmada no ordenamento brasileiro no art. 150, inciso IV, da Constituição Federal de 1988.
A despeito da existência das limitações à tributação mencionadas no Brasil e em diversos países do mundo, o economista Arthur Laffer defende interessante proposição acerca do impacto do excesso de tributação na economia, demonstrado graficamente da seguinte forma:
Fonte: WANNISKI, Jude. Taxes, revenues, and the “Laffer curve”8.
Conforme a descrição do artigo de Jude Wanniski, quando a alíquota de imposto é 100%, toda a produção cessa na economia monetária (que difere da economia de troca, que existe, em grande parte, para escapar da tributação). As pessoas não vão trabalhar na economia monetária se todos os frutos de seus trabalhos forem confiscados pelo governo. E porque a produção cessa, não há nada para a alíquota de 100% tributar. Assim, a arrecadação do governo é zero e a economia funciona somente à base de troca.
Por outro lado, se a alíquota for zero, as pessoas podem manter 100% do que produzem na economia real. Não há fatia oferecida ao governo entre os rendimentos e lucros pós tributos, e, portanto, não há barreira governamental para a produção. Contudo, devido à ausência de receitas governamentais, não é possível haver governo.
Entre tais situações temos a curva de Laffer. Se o governo reduzir a alíquota a percentual menor do que 100% (ponto A), algum segmento da economia de troca poderá ganhar tantas eflciências por estar na economia monetária que, mesmo com alíquotas de imposto quase confiscatórias, o lucro pós-impostos ainda excederiam a economia de troca. A produção começará, e as receitas fluirão para o tesouro. Ao reduzir a taxa de imposto encontramos um aumento nas receitas.
Na parte inferior da curva, o mesmo acontece. Se as pessoas sentem que precisam de um mínimo de governo e, portanto, instituem uma alíquota baixa de imposto, algum segmento da economia, descobrindo que a perda marginal de renda ultrapassa as expectativas adquiridas na economia monetária, é transferido para a troca. Mas com essa alíquota, a produção ainda flui para o tesouro do governo. Esta é a situação no ponto B. O ponto A representa uma alíquota muito alta e uma produção muito baixa. O ponto B representa uma taxa de imposto muito baixa e uma produção muito alta. No entanto, ambos produzem a mesma receita para o governo.
O mesmo se aplica aos pontos C e D. O governo conclui que, por uma nova redução da alíquota, digamos, do ponto A ao ponto C, as receitas aumentam com a expansão dos resultados. E aumentando a alíquota do ponto B para o ponto D, as receitas também aumentam, pelo mesmo valor. As receitas e a produção são maximizadas no ponto E. Se, no ponto E, o governo reduz a alíquota de imposto de novo, a produção aumentará, mas as receitas cairão. E se, no ponto E, a alíquota do imposto aumentar, o produto e a receita diminuirão. A área sombreada é a faixa proibitiva para o governo, onde as alíquotas são desnecessariamente altas e podem ser reduzidas com ganhos tanto na produção quanto na receita.
Trata-se, portanto, de interessante exemplo de aplicação da Análise Econômica do Direito na sua função de busca da melhor norma de tributação (ou melhor “patamar” de tributação), em função do bem-estar social.
Adam Smith, no seu clássico A riqueza das nações, já tratava dos efeitos das altas imposições tributárias, afirmando9 que “impostos altos, às vezes pelo fato de reduzirem o consumo das mercadorias taxadas, às vezes por estimularem o contrabando, frequentemente trazem para o Governo uma receita inferior àquela que se poderia obter com impostos mais baixos”.
Para o autor, quando a diminuição da receita é efeito da redução do consumo, só pode haver um remédio: diminuir o imposto. Quando a diminuição da receita é efeito do estímulo dado ao contrabando, talvez isso possa ser remediado de duas maneiras: diminuindo a tentação do contrabando ou aumentando a dificuldade de contrabandear. A única maneira de diminuir a tentação do contrabando, para o economista britânico, seria baixar o imposto; e para dificultar mais o contrabando, a única solução consistiria na criação de um sistema de administração que seja mais adequado para impedi-lo.
Como se vê, desde longa data o tributo é matéria-prima riquíssima para o estudo da Análise Econômica do Direito, notadamente pelo fato de ser um forte indutor de comportamento por parte dos agentes econômicos.
3. Interpretação jurídica e Análise Econômica do Direito
3.1. Considerações gerais sobre interpretação jurídica
Antes de passarmos à análise da interação entre a Análise Econômica do Direito e a interpretação jurídica, vale tecermos algumas considerações acerca da atividade de interpretação jurídica no contexto do ordenamento jurídico brasileiro.
Eros Grau10 leciona que a interpretação é atividade que se presta a transformar textos, disposições, preceitos, enunciados, em normas.
O intérprete, todavia, na sua função de produzir a norma, deve levar em consideração os limites que o próprio texto oferece. Nesse ponto, vale lembrar a lição de Karl Larenz11, no sentido de que toda a interpretação de um texto há de iniciar-se com o sentido literal. Segundo o jurista alemão, por sentido literal entende-se “o significado de um termo ou de uma cadeia de palavras no uso linguístico geral ou, no caso de que seja possível constatar um tal uso, no uso linguístico especial do falante concreto, aqui no da lei respectiva”.
Isso, contudo, não afasta a possibilidade de que diversas normas possam ser extraídas de um enunciado, e que, a princípio, seriam corretas. Nesse sentido, o intérprete (ou o aplicador) da norma necessariamente deve fazer uma escolha entre as possíveis interpretações.
Desse ponto conclui o professor Eros Grau12 que a problematização dos textos normativos não se dá no campo da ciência, mas no âmbito da prudência. Logo, já se verifica uma objeção à uma possível utilização da Análise Econômica do Direito por parte do aplicador do direito, a despeito de existirem outras, como veremos ao longo desse trabalho.
Schoueri pontua que a visão que afasta a ciência como metodologia de identificação da norma jurídica remete à importância da busca dos valores, enquanto índice a ser utilizado pelo intérprete/aplicador em sua decisão. Todavia, faz importantíssima ressalva: não são os valores do intérprete/aplicador, mas aqueles que se extraem do Direito posto13. Nesse contexto, o autor ressalta o surgimento da Jurisprudência dos Valores, corrente de pensamento que propôs crítica ao papel dos conceitos abstratos em uma ciência que não se dedica a ordenar e descrever fatos, lidando com medidas de valoração e seus respectivos valores. Dessa forma, essa corrente, dotada de um pluralismo metodológico, pressupõe uma reaproximação entre Ética e Direito, com foco no conceito de Justiça.
3.2. Da distinção entre a consideração econômica no Direito Tributário na interpretação da lei e Análise Econômica do Direito
Outro aspecto importante é que, para a interpretação da norma, não basta a análise do texto enunciado, mas também de elementos do caso ao qual ela será aplicada (dos fatos). As normas jurídicas, segundo Eros Grau14, resultam da interpretação dos textos normativos, operando a mediação entre o caráter geral do texto normativo e sua aplicação particular.
Considerando que o fenômeno da incidência das normas, por vezes, está atrelado a fatores econômicos, faz-se necessário que o legislador (ou o aplicador do direito) obtenha subsídios da ciência econômica na busca por suas definições, limites e efeitos. Conforme já destacamos, a atividade interpretativa envolve não só a análise dos enunciados, mas também a análise dos fatos envolvidos no caso concreto.
Em nenhum outro ramo do direito a referida interação se dá de maneira tão clara quanto na relação com o direito tributário. Isso porque as leis tributárias, por natureza, se vinculam a fatos e relações econômicas, que, na maioria dos casos, revelam a capacidade de contribuição de sujeito passivo ao Erário. É que os pressupostos fáticos da tributação são necessariamente de natureza econômica, uma vez que é por meio da tributação que o Estado arrecada a parcela mais significativa da riqueza privada, visando a realização de suas finalidades, como a própria garantia do direito de propriedade de seus indivíduos.
Conforme ensina Gerd Willi Rothmann15, a consideração econômica visa apurar a verdadeira situação de fato, autorizando o intérprete a pôr de lado a forma jurídica para alcançar o substrato econômico subjacente. Ou seja, considera-se os fatos econômicos com base na chamada “teoria da essência sobre a forma” dos atos. É que os contribuintes comumente utilizam-se de formas jurídicas que “disfarçam” o verdadeiro conteúdo econômico de suas operações a fim de evitar pagamento de tributos. Nesse ponto, destaca-se o parágrafo único do art. 116 do Código tributário Nacional, que, a despeito de ainda não ter sido regulamentado, dispõe acerca de permissão à autoridade administrativa para a desconsideração de atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de evadir os tributos.
Vale ressaltar, contudo, que a interpretação dos dispositivos e a consequente consideração econômica dos atos jurídicos sempre deverão ser realizadas em observância aos princípios da estrita legalidade tributária e da conformidade com o fato gerador. Assim, nenhum método de interpretação pode resultar em criação ou modificação de tributo.
Como se vê, portanto, a consideração econômica não se confunde com a Análise Econômica do Direito. A AED se ocupa principalmente com a análise da influência das normas jurídicas na economia, enquanto a consideração econômica envolve a análise dos fatos por meio de seu conteúdo econômico como forma de auxiliar a interpretação das normas jurídicas.
3.3. Sobre princípios, regras e postulados
Para além da questão da interpretação das normas jurídicas, importante tratarmos das maneiras pelas quais se apresentam no ordenamento, ou seja, suas espécies.
Nesse ponto, a doutrina se ocupa de maneira relevante na análise dos critérios de distinção entre princípios e regras. Sem a pretensão de aprofundarmos a questão, apresentaremos brevemente a questão, com vistas a auxiliar-nos na questão do estudo da interpretação jurídica.
Os critérios sugeridos por Ronald Dworkin e Robert Alexy são largamente aceitos pela doutrina, a despeito da existência de críticas relevantes, tendo se destacado nessa questão a doutrina de Humberto Ávila.
Para Ronald Dworkin16, dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida. Já os princípios possuem, diversamente das regras, uma dimensão de peso ou importância, e isso, inevitavelmente, levará a uma controvérsia acerca do melhor caminho a se seguir, devendo o intérprete do direito, no caso concreto, observar qual deles terá uma precedência em relação ao outro, por meio de uma ponderação. Em outras palavras, os princípios são prima facie.
Para Robert Alexy, as regras são aplicáveis na maneira do “tudo ou nada”. Assim, se uma regra é válida, deverá ser aplicada na sua totalidade. No caso de conflito entre regras, para que apenas uma delas seja considerada válida, é necessário cuidado, pois se considerarmos determinada regra como válida a fim de aplicá-la ao caso, como consequência, além da desconsideração da outra regra pela decisão, sua invalidade será declarada, a não ser que essa regra se encontre em uma situação que excepcione a outra.
Os princípios, de outro modo, para Alexy, são normas que ordenam que algo se realize na maior medida possível, em relação às possibilidades jurídicas e fáticas. Seria, portanto, mandamentos de otimização, caracterizados pela possibilidade de satisfação em diferentes graus e de acordo com as aduzidas possibilidades fáticas e jurídicas.
Em sua teoria dos princípios, Humberto Ávila17 rebate o critério de distinção proposto por Dworkin e Alexy, aduzindo que os princípios são normas cuja qualidade frontal é, justamente, a determinação da realização de um fim juridicamente relevante, ao passo que a característica dianteira das regras é a previsão do comportamento. Demonstra ainda que há hipóteses, ainda que excepcionais, em que regras são afastadas sem a consequência de sua invalidade, bem como existem hipóteses em que se aplicam os princípios na forma do “tudo ou nada”.
Dessa forma, segundo Ávila, as regras podem ser dissociadas dos princípios quanto ao modo como prescrevem o comportamento. As regras são normas imediatamente descritivas, na medida em que estabelecem obrigações, permissões e proibições mediante a descrição da conduta a ser cumprida. Já os princípios seriam, para o autor, normas imediatamente finalísticas, já que estabelecem um estado de coisas cuja promoção gradual depende dos efeitos decorrentes da adoção de comportamentos a ela necessários.
Todavia, vale destacar a importante contribuição do autor na análise dos postulados. Tais espécies de normas se situariam num segundo grau, estabelecendo a estrutura de aplicação de outras normas, princípios e regras. Destacam-se entre eles, postulado da igualdade, da razoabilidade, e da proporcionalidade. Sobre este último teceremos alguns comentários ao longo do presente estudo.
3.4. Dos limites da aplicação da Análise Econômica do Direito na interpretação judicial
Como já discorremos anteriormente, a Análise Econômica do Direito privilegia a busca do valor eficiência quando da análise comparativa das consequências de diferentes normas passíveis de aplicação a um caso concreto. O direito, por sua vez, estabelece a busca do ideal de justiça como seu norteador.
Nessa questão, vale examinar se as conclusões acerca de decisão mais eficiente a ser tomada pelo juiz no caso concreto poderiam afetar direitos fundamentais. Para os defensores mais fervorosos da AED, poderia a eficiência até influenciar o conceito de justiça.
O ordenamento jurídico brasileiro, de forte influência da civil law, tem nas garantias e direitos previstas na Constituição Federal do Brasil, a base irradiadora de força normativa de todo sistema.
Nesse sentido, é possível afirmar que a aplicabilidade das conclusões extraídas da Análise Econômica de Direito por parte do aplicador da lei (e não na análise de lege ferenda e políticas públicas) é relativamente restrita.
Por outro lado, não se pode esquecer que a aplicação mais “tradicional” do Direito muitas vezes requer ponderação de forma explícita sobre as consequências de decisões, fazendo uso (ainda que indiretamente) de uma análise econômica. Vale destacar, nesse aspecto, que a própria Constituição Federal estabelece em seu art. 37 que a eficiência foi elevada a princípio constitucional expresso, dirigido à Administração Pública.
Ademais, a discussão das consequências no direito também se dá de maneira implícita, influenciando na interpretação da lei. Veja-se a aplicação (não tão rara assim) do chamado “teste de proporcionalidade” de princípios jurídicos.
Na esteira da doutrina de Humberto Ávila, o postulado da proporcionalidade aplica-se nos casos em que exista uma relação de causalidade entre um meio e um fim concretamente perceptível. A exigência de realização de vários fins, todos constitucionalmente legitimados, implica a adoção de medidas adequadas, necessárias e proporcionais em sentido estrito.
Portanto, a análise desse postulado requer exame se o meio promove o fim (adequação), se dentre os demais meios disponíveis e igualmente adequados para promover o fim, não há outro menos restritivo dos direitos fundamentais afetados (necessidade) e se as vantagens trazidas pela promoção do fim correspondem às desvantagens provocadas pela adoção do meio (proporcionalidade em sentido estrito). Ainda que não seja uma análise com rigor científico, a verificação da proporcionalidade em sentido estrito guarda relação íntima com a Análise Econômica do Direito.
Não é raro verificar essas questões envolverem juízos sobre repercussões concretas do Direito no mundo dos fatos. Nada disso se pode fazer sem dados empíricos ou pelo menos juízos probabilísticos sobre os esperados efeitos concretos de diferentes normas. A Análise Econômica do Direito é uma das ferramentas para obter tais conclusões.
Contudo, a nosso ver, não é aceitável que a aplicação da AED culmine na desconsideração de regras claras e válidas e afronte direitos fundamentais. Conforme já sustentamos anteriormente, o intérprete não deve se afastar do texto legal.
Um recente caso demonstra como essa possibilidade é extremamente preocupante e, surpreendentemente, aparenta contar com alguma receptividade por parte de operadores do direito, inclusive de Ministros do Supremo Tribunal Federal.
Trata-se do Recurso Extraordinário n. 574.706 (PR), no qual foi examinada a exclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS.
No julgamento, o Ministro Gilmar Mendes sustenta, entre outros argumentos, que as consequências econômicas de uma decisão desfavorável à Fazenda Nacional seriam um importante vetor para que o tribunal julgasse a questão pela possibilidade da inclusão do ICMS na base dos referidos tributos, como fica claro na passagem abaixo:
“E) Consequências para o financiamento da Seguridade Social
Destaque-se, ainda, que o esvaziamento da base de cálculo do PIS e da COFINS redundará em expressivas perdas de receitas para a manutenção da seguridade social.
Na Nota PGFN/CASTF/nº 1.232/2014, destinada à elaboração do Anexo de Riscos Fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias, a Coordenadoria de Atuação Judicial da PGFN perante o STF (CASTF) estimou a perda de arrecadação da União, caso confirmada a exclusão do ICMS sobre a base de cálculo das contribuições, em 27 bilhões de reais para exercício de 2015, verbis: [...]
Em outras palavras, a ruptura do sistema das contribuições ao PIS/COFINS estimulará o dispêndio de recursos e o esforço na busca de novas exceções ao faturamento de cada contribuinte, além de mais recursos públicos para solucionar controvérsias administrativas e judiciais sobre a determinação do faturamento.
Inevitavelmente, a complexidade da determinação da base de cálculo da contribuição ensejará aumento no custo de arrecadação e fiscalização, além das declarações e prestações de contas dos próprios contribuintes.” (Cf. POSNER, Richard A. Economic analysis of law. 7. ed. New York: Aspen, 2007, p. 512-513)
Levado ao extremo, o argumento, caso fosse bem-sucedido, poderia ter consequências deveras nocivas em nosso ordenamento. Nesse cenário, em decorrência de uma legislação elaborada, premiar-se-ia a União, ao aceitar uma norma potencialmente inconstitucional, incentivando a elaboração de normas em desacordo com o ordenamento, uma vez que sempre poderiam ser convalidadas, em benefício do Erário.
Todavia, e felizmente, o voto do Ministro Gilmar Mendes foi vencido. Mas, como se vê, a aplicação da AED na interpretação jurídica tem ganhado mais adeptos, motivo pelo qual a doutrina deve avançar sobre o tema, a fim de elucidar os indesejáveis efeitos de sua aplicação na interpretação judicial de forma arbitrária.
Feita a análise das situações em que a aplicação da AED na interpretação judicial não seria admissível, é possível vislumbrar situações em que as conclusões obtidas da disciplina possam influenciar positivamente a aplicação do direito. Nas situações em que não haja regra específica a ser aplicada, a utilização de conceitos da Análise Econômica do Direito pode ser útil ao juiz na prestação jurisdicional.
Em outras situações, por exemplo, a análise da eficiência entre as possíveis decisões pode oferecer subsídios para o sopesamento de princípios, na ausência de regra específica aplicável.
Exemplificando essa hipótese, Cristiano Carvalho cita o caso de empresa industrial do ramo do tabaco que teve o seu registro especial, previsto na legislação federal, cancelado por ser contumaz devedor de IPI. Tal registro é condição necessária à produção do referido produto, e o não pagamento de tributos é uma das hipóteses de seu cancelamento18.
O STF, ao analisar a medida cautelar que exigia a regularização do registro, deu ganho de causa à União Federal. O que se discutiu no julgamento foi a colisão entre o princípio do livre exercício da atividade econômica e o da livre concorrência, prevalecendo o último na posição dos Ministros. Após percorrer os caminhos da aplicação da AED, o autor sustenta que a decisão foi acertada, na medida em que não houve grandes prejuízos nem aos cofres públicos e nem ao consumidor, que permaneceu usufruindo os produtos, ante a existência de outros players no mercado.
4. Conclusão
O artigo buscou tratar da disciplina da Análise Econômica do Direito e sua interface com a interpretação judicial, sob o ponto de vista do sistema jurídico brasileiro.
O objetivo do direito, na ótica da Análise Econômica do Direito tal qual proposta por Richard Posner, é o de analisar as normas legais de modo a promover a eficiência, o que implica a maximização do bem-estar social. Nesse sentido, normas mal elaboradas reduziriam o chamado “bem-estar”.
Conforme proposição de Coase, um dos autores pioneiros da disciplina, quanto mais próximos os custos de transação para o exercício de direitos de propriedade forem de zero (custos de transação nulos), maior a eficiência econômica de um dado sistema. Num cenário em que os custos de transação sejam de tal forma elevados que dificultem os “arranjos sociais”, os tribunais influenciam diretamente a atividade econômica.
Utilizando o interessante exemplo da Curva de Laffer, demonstra-se que a aplicação da Análise Econômica do Direito pode ser empregada na busca da melhor norma de tributação. Sustentamos que a aplicação da Análise Econômica do Direito é ferramenta valiosíssima para a análise de proposições legislativas e políticas públicas, na medida em que oferece bases mais objetivas para sua elaboração.
Já a interpretação jurídica busca a “construção” da norma. Para tanto, toma como ponto de partida o texto, o enunciado. O intérprete, na sua função de construir a norma, deve levar em consideração os limites que o próprio texto oferece. As normas jurídicas, nesse sentido, resultam da interpretação dos textos normativos, operando a mediação entre o caráter geral do texto normativo e sua aplicação particular. Importante concluir também que para a interpretação da norma não basta a análise do texto enunciado, mas também de elementos do caso ao qual ela será aplicada (dos fatos).
Nesse ponto, cumpre ressaltar que a consideração econômica não se confunde com a Análise Econômica do Direito. A AED ocupa-se principalmente com a análise da influência das normas jurídicas na economia, enquanto a consideração econômica envolve a análise dos fatos por meio de seu conteúdo econômico como forma de auxiliar a interpretação das normas jurídicas.
A Análise Econômica do Direito propõe que os tribunais deveriam entender a consequência de suas decisões, e tanto quanto possível seja fazê-lo sem criar incertezas sobre a própria decisão legal, levar em consideração tais consequências no momento de decidir.
Logo, buscamos demonstrar que a utilização indiscriminada da referida disciplina como uma ferramenta de hermenêutica pode acarretar sérias distorções. Isso porque, a nosso ver, não é aceitável que a aplicação da AED culmine na desconsideração do texto legal, bem como afronte direitos fundamentais.
Contudo, a despeito das eventuais incompatibilidades, defendemos que algumas das conclusões obtidas pelo estudo da referida disciplina podem e devem, com o devido cuidado, ser aproveitadas pelo operador do direito.
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1 CARVALHO, Cristiano. Tributação e economia – uma introdução à análise econômica do direito tributário. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de (coord.). Segurança jurídica na tributação e estado de direito. São Paulo: Noeses, 2005, p. 58.
2 POSNER, Richard. Economic analysis of law. 7. ed. New York: Aspen Publishers, 2007.
3 COASE, R. H. The problem of social cost. Journal of Law and Economics v. 3, n. 1, 1960, p. 1-44.
4 CALABRESI, G. Some thoughts on risk distribution and the law of torts. 70 Yale Law Journal 499, 1961.
5 CARVALHO, Cristiano. Tributação e economia – uma introdução à análise econômica do direito tributário. In: SANTI, Eurico Marcos Diniz de (coord.). Segurança jurídica na tributação e estado de direito. São Paulo: Noeses, 2005, p. 69.
6 COASE, R. H. The problem of social cost. Journal of Law and Economics v. 3, n. 1, 1960, p. 1-44.
7 RAWLS, John. A theory of justice. Disponível em: <http: //www.csus.edu/indiv/c/chalmersk/econ184sp09/ johnrawls.pdf>. Acesso em: 30 out. 2017.
8 WANNISKI, Jude. Taxes, revenues, and the “Laffer curve”. Disponível em: <https://www.nationalaffairs.com/storage/app/uploads/public/58e/1a4/c54/ 58e1a4c549207669125935.pdf>. Acesso em: nov. 2017.
9 SMITH, Adam. A riqueza das nações. São Paulo: Nova Cultural, 1996. v. II, p. 333.
10 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 17.
11 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. 3. ed. Lisboa: Calouste Gulbekian, p. 451.
12 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 29.
13 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 113.
14 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 49.
15 ROTHMANN, Gerd Willi. Princípio da legalidade tributária. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo n. 67. São Paulo, 1972, p. 30.
16 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. 2. ed. Tradução de Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
17 ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 63.
18 Conforme descreve o autor, durante o processo fiscal, a Receita Federal concedeu à American Virginia o prazo de dez dias para regularização de sua situação tributária, o que significa o pagamento de todos os débitos existentes. A empresa, então, ingressou com medida cautelar para assegurar o seu direito ao livre exercício da atividade econômica, alegando que o Estado estaria aplicando uma sanção política, de forma a lhe coagir ao pagamento de tributo, o que é vedado pela Constituição Federal.