Princípio da Seletividade e sua Aplicação na Tributação do ICMS/PA sobre a Energia Elétrica

Principle of Selectivity and its Application in the Taxation of ICMS/PA on Electrical Energy

Nycole Salles Sampaio

Bacharel em Direito pela Faculdade de Castanhal (Estácio – FCAT). Advogada no Pará. E-mail: nycolesampaio@hotmail.com.

Recebido em: 09-08-2018

Aprovado em: 15-04-2019

Resumo

O trabalho demonstra o imperativo de obrigatoriedade da aplicação do princípio da seletividade ao ICMS, em função da essencialidade de bens e serviços, apesar de sua aparente facultatividade. Ressaltando que dentre os serviços a serem considerados essenciais, a energia elétrica é um deles, devido seu caráter indispensável nos dias atuais e sua abrangência de utilidade. O estudo visa explicitar que, embora o caráter de essencialidade da energia elétrica, esta vem sendo tributada inversamente à sua finalidade, de modo que os anseios sociais acabam sendo deixados de lado, em especial na legislação paraense. Busca-se, portanto, argumentar que a irradiação do princípio da seletividade no direito tributário deve ser contemplada, sob pena de violação ao direito da dignidade da pessoa humana.

Palavras-chave: princípio da seletividade, essencialidade, energia elétrica.

Abstract

The study demonstrates the mandatory requirement of applying the principle of selectivity to ICMS, due to the essentiality of goods and services, despite its apparent optionality. Emphasizing that among the services to be considered essential, electric energy is one of them, due to its indispensability in the present day and its usefulness. The study aims to explain that although the essential character of electric energy, this has been taxed inversely to its purpose, so that social desires end up being left aside, especially in the paraense legislation. Therefore, it seeks to argue that the irradiation of the principle of selectivity in tax law, should be contemplated, under penalty of violation of the right of the dignity of the human person.

Keywords: principle of selectivity, essentiality, electricity.

1. Introdução

O presente trabalho gira em torno do estudo acerca da aplicabilidade do princípio da seletividade em função da essencialidade de bens e serviços ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, no qual discute-se sua obrigatoriedade ou facultatividade. Entendendo-se pela obrigatoriedade, o ponto a ser superado é o modo de classificação de tais bens e serviços considerando-se sua relevância na vida humana. Dentre tais serviços, elegeu-se a energia elétrica como destaque, demonstrado sua elevada tributação na legislação paraense que dispõe sobre o ICMS, qual seja, a Lei n. 5.530, de 13 de janeiro de 1989.

Na esfera dos princípios tributários, o princípio da seletividade é o impulso que move e orienta o legislador na fixação de alíquotas, considerando a essencialidade dos bens e serviços. Assim, quando da aplicação deste princípio, no momento de sua positivação em lei, o legislador deve valer-se da essencialidade para praticar a tributação, sempre ponderando o que seria mais essencial e o que seria supérfluo.

Contudo, para se considerar algo como essencial, o legislador dispõe de certa discricionariedade, pois não existe no ordenamento jurídico brasileiro um rol delimitando o que é essencial e o que é supérfluo. Em razão disso, acabam por burlar o motivo de existência do princípio e determinam alíquotas de tributação elevadíssimas, o que prejudica os contribuintes e a sociedade como um todo. Exemplo disso é o que ocorre com a energia elétrica em praticamente todo o país, mas delimitou-se aqui a abordagem em relação ao Estado do Pará.

O estudo demonstra que apesar de aparente facultatividade, o princípio da seletividade deve ser aplicado ao ICMS, especialmente no que diz respeito à adoção de alíquotas destinadas à energia elétrica, que demonstrar-se-á ser essencial. Mesmo assim, sua essencialidade está sendo maculada na legislação paraense, pois tal princípio está disposto de forma precária.

O objetivo deste estudo é demonstrar a obrigatória vinculação do legislador infraconstitucional em aplicar o princípio da seletividade e o quanto o legislador paraense agiu de modo a violar este princípio, ao adotar alíquotas altas para a energia elétrica, por ser um serviço essencial, sendo o essencial não interpretado como aquilo que atende somente às necessidades básicas, mas o que garante uma vida digna ao homem. Trazendo inclusive decisões que corroboram com o exposto.

A relevância do tema encontra respaldo na própria vida atual da sociedade brasileira. Os brasileiros são um dos povos que mais pagam tributos no mundo, apesar de não se discutir aqui sua correta e transparente aplicação, o fato é que tudo é onerado. Com relação aos bens de consumo, que são coisas necessárias a todas as pessoas, não se deveria imputar alíquotas tão elevadas, como no serviço assinalado no presente trabalho. A energia elétrica é de extrema necessidade na vida humana, com todas as tecnologias hoje existentes não há que se pensar em não ter energia elétrica. Por conta disso, bem tão essencial suplica por tributação justa, assim como a sociedade anseia por sua correta observância.

Para a construção deste trabalho, a metodologia de pesquisa a se utilizar baseia-se em bibliográfica, por meio de livros, artigos, legislações e jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, além de outros meios vistos como necessários para esclarecimento e exposição da problemática a ser vislumbrada.

2. Princípio da seletividade

Os princípios, no ordenamento jurídico brasileiro, se revestem de enorme importância. São fontes do Direito, suprem eventuais lacunas normativas, valem de proteção ao cidadão e são “proposições que expressam, da forma mais ampla possível, o conteúdo ideal do Direito e que servem de paradigma tanto para elaboração quanto para aplicação das normas jurídicas”, conforme Zelmo Denari (2008, p. 57).

Neste sentido, as palavras do ilustre Celso de Mello se fazem fundamentais:

“Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. Isto porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada.” (MELLO, 2000, p. 748)

Percebe-se que, dada a relevância dos princípios, sua violação ou incorreta apreciação geram danos imensuráveis ao povo. E, quando tais princípios se tratam de princípios tributários, os contribuintes suportam o peso dessa imprudência.

Os princípios tributários são garantias aos contribuintes, ao passo que se delineiam como limitadores do poder de tributar dos entes no exercício de suas atribuições. Portanto, quando da atuação tributária, devem-se observar os princípios em consonância com a restrição por eles impostas.

O princípio da seletividade, constitucionalmente previsto no rol dos princípios tributários, também deve ser contemplado e aplicado de modo coerente, a fim de satisfazer suas finalidades e principalmente preservar o direito dos contribuintes. Em simples conceito, o princípio da seletividade é a possibilidade que se vale o legislador de atuar elevando ou diminuindo a carga tributária, por meio de alíquota, tendo em vista a essencialidade dos bens e serviços.

A essência é o que constitui as coisas em sua íntegra. Essencial é tudo aquilo que é indispensável e necessário, e dependendo de sua natureza, certos bens ou serviços são entranhados de mais essencialidade que determinados outros. A atual Constituição Federal não traz rol ou ao menos fala quais produtos e serviços devem ser considerados essenciais, parte-se de uma interpretação do texto constitucional juntamente com os princípios do ordenamento jurídico brasileiro, chegando à conclusão que aquilo que atenda às necessidades básicas e indispensáveis humanas, tais como saúde, alimentação, moradia, lazer, serviço de energia elétrica etc. são bens e serviços essenciais.

Rosane Beatriz J. Danilevicz (2009, p. 229-245) define bem essencial como não só aquele que atende necessidades biológicas básicas, mas também o exigível para assegurar a adequada integração social do cidadão, com mínimo à dignidade humana.

Neste ínterim, existem produtos e serviços que são mais ou menos essenciais à vida humana. Não se deve supor que bens essenciais são apenas os indispensáveis à vida humana biológica, abrangem-se também os bens e serviços que proporcionem ao homem uma vida social digna. Portanto, o princípio basilar que deve acompanhar a essencialidade é o princípio da dignidade humana, sendo este um valor moral inerente a todo ser humano e um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, apresentando-se como elemento referencial para interpretação de normas jurídicas.

Ao se traçar tal entendimento percebe-se que os bens e serviços não receberam tributação com alíquotas iguais entre si, pois a essencialidade guiará o legislador no momento de se designar qual alíquota incidirá sobre determinado bem ou serviço, considerando sua relevância na vida humana, tanto biológica como socialmente. O legislador então, valendo-se do princípio da seletividade e da dignidade da pessoa humana, determina a incidência tributária, por meio de alíquota, de maneira que os produtos de primeira necessidade, os mais indispensáveis ao homem, devem ser tributados de forma menos onerosa – tornando-os assim mais acessíveis – que produtos mais dispensáveis, ou seja, os supérfluos.

Nas palavras de Aliomar Baleeiro, o que vem a ser essencialidade:

“Refere-se à adequação do produto à vida do maior número de habitantes do país. As mercadorias essenciais à existência civilizada deles devem ser tratadas mais suavemente ao passo que as maiores alíquotas devem ser reservadas aos produtos de consumo restrito, isto é, o supérfluo das classes de maior poder aquisitivo. Geralmente são os artigos mais raros e, por isso, mais caros.” (BALEEIRO, 1977, p. 90)

Existe estrita relação entre a essencialidade e o mínimo existencial, pois aquele está contido neste, de modo que o essencial é o que proporciona o mínimo existencial. Ou seja, mínimo existencial abrange o conjunto de prestações materiais que são indispensáveis e essenciais a todo ser humano para que tenha uma vida digna. Por conseguinte, ele é tão importante que é assinalado como núcleo do princípio da dignidade humana.

Conclui-se que o princípio da seletividade nada mais é que a seleção realizada pelo legislador, de como tributar cada bem ou serviço, em função da essencialidade de cada um. Onde, para se chegar a esta conclusão deve-se levar em conta princípios como a dignidade da pessoa humana e o mínimo existencial.

Apesar da aparente magnitude deste princípio, as Constituições Federais brasileiras nem sempre lhe atribuíram incidência nos impostos que lhe cabem, mais precisamente o Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI e Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, somente mudando o cenário tributário com o advento da Carta de 1988.

2.1. Princípio da seletividade na Constituição Federal de 1988

A Constituição Federal de 19691, precedente da atual, já apreciava em seu texto o princípio da seletividade em relação ao Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI. Conforme transcrição:

“Art. 21. Compete à União instituir impôsto sôbre:

[...]

V – produtos industrializados, também observado o disposto no final do item I;

[...]

§ 3º O impôsto sôbre produtos industrializados será seletivo em função da essencialidade dos produtos, e não cumulativo, abatendo-se, em cada operação, o montante cobrado nas anteriores.”

Contudo, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS não era agraciado com tal princípio, como se vê:

“Art. 23. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sôbre:

[...]

II – operações relativas à circulação de mercadorias, realizadas por produtores, industriais e comerciantes, impostos que não serão cumulativos e dos quais se abaterá nos têrmos do disposto em lei complementar, o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado.

[...]

§ 5º A alíquota do impôsto à que se refere o item II será uniforme para tôdas as mercadorias nas operações internas e interestaduais; o Senado Federal, mediante resolução tomada por iniciativa do Presidente da República, fixará as alíquotas máximas para as operações internas, as interestaduais e as de exportação.”

Percebe-se que a expressão “uniforme” destinada à alíquota atribuída ao ICMS, traduz-se na não utilização de critérios, ou de qualquer outro modo, para diferenciação entre uma mercadoria ou outra, portanto, todas eram tributadas igualmente, nas operações internas e interestaduais. Apenas com o advento da Constituição Federal de 1988, houve inovação quanto à aplicação do princípio da seletividade ao ICMS, que, apesar de ainda não vir com redação similar ao disposto para o IPI, teve seu texto alterado e passou a ser também um imposto seletivo.

Da leitura da atual Constituição, mantendo os traços da anterior, percebe-se claramente que o IPI deverá atender ao princípio da seletividade, conforme art. 153:

“Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

[...]

IV – produtos industrializados;

[...]

§ 3º O imposto previsto no inciso IV:

I – será seletivo, em função da essencialidade do produto;”

Agora, com redação diferenciada da antiga Constituição, a atual dispõe, em relação ao ICMS, o seguinte:

“Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

[...]

II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

[...]

§ 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

[...]

III – poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços.”

Como se percebe, o princípio da seletividade abarca o IPI e o ICMS, ou seja, quando o detentor do poder de legislar for exercê-lo diante destes dois impostos, deverá se debruçar sobre suas hipóteses de incidência, para, considerando suas peculiaridades, e por óbvio, sua essencialidade, classificá-las no grau de sua essência.

Especificamente quanto à aplicação do princípio ao ICMS, existem certas questões, um tanto problemáticas numa primeira leitura, a serem postas em destaque. Trata-se da expressão contida no art. 155 da CF/1988, o qual prevê vinculação ao princípio da seletividade de forma diferenciada do que dispõe o art. 153 da CF/1988. “Será” e “poderá” claramente são palavras diferentes, que aparentam designar imposições diferentes. No entanto, expor-se-á que não se trata de mera facultatividade a aplicação do princípio só por constar tal expressão, análises serão feitas e se passará a demonstrar o porquê de tal afirmação.

2.2. Seletividade e o ICMS

Da leitura do art. 155 da CF/1988, percebe-se com clareza que não está literalmente escrita a expressão “deverá ser seletivo”, o que gera discussões na doutrina e na jurisprudência acerca da aplicabilidade obrigatória do princípio da seletividade ao ICMS.

Aliomar Baleeiro aduz que:

“O art. 155, § 2º, III, em sua literalidade, parece estabelecer a seletividade no Imposto sobre Operações de Circulação de Mercadorias e serviços como uma faculdade, diferentemente da imperatividade, do mesmo princípio, em relação ao imposto sobre produtos industrializados (art. 153, § 3º, I).

Entretanto, uma interpretação sistemática da Constituição Federal, que consagra o princípio da igualdade e da capacidade contributiva, evidencia que o verbo ‘poderá’, utilizado na redação do art. 150, § 2º, III, como sói acontecer com muitas expressões legislativas, tem conotação de dever, ou de imperatividade.” (BALEEIRO, 2006, p. 436)

A colação do doutrinador se faz bastante pertinente para o presente trabalho. Contudo, não se pode simplesmente ignorar o fato de o legislador constitucional expressamente designar versões diferentes, optando pela facultatividade em relação ao ICMS. Nesse sentido Hugo de Brito Machado nos explica que:

“Na verdade, o ICMS poderá ser seletivo. Se o for, porém, essa seletividade deverá ocorrer de acordo com a essencialidade das mercadorias e serviços e não de acordo com critérios outros, principalmente. Se inteiramente contrários ao preconizado pela Constituição. Em outros termos, a Constituição facultou aos Estados a criação de um imposto proporcional, que representaria ônus de percentual idêntico para todos os produtos e serviços por ele alcançados, ou a criação desse mesmo imposto com caráter seletivo, opção que, se adotada, deverá guiar-se obrigatoriamente pela essencialidade dos produtos e serviços tributados. A seletividade é facultativa. O critério da seletividade é obrigatório.” (MACHADO, 2001, p. 113)

O que se retira do posicionamento é que existem dois caminhos ao legislador estadual, tornar o ICMS seletivo ou não. Optando por adotar alíquotas variáveis dentre suas hipóteses de incidência, isso faz com que passe a existir um vínculo obrigatório de adoção do critério da seletividade para eleição de alíquotas. Deste modo, a facultatividade existe em termos, pois quando se elege tributar bens e serviços de modo diferenciado entre si, a graduação do tributo terá de atender à seletividade, ou seja, à essencialidade de cada coisa a ser tributada.

Hoje, não há como imaginar tributar com alíquotas iguais uma bolsa de certa marca famosa, que apenas pessoas com alto poder aquisitivo teriam acesso, com produtos da cesta básica, por exemplo. Assim, deve-se seguir o direcionamento da necessidade e vinculação do legislador à adoção da seletividade do imposto discutido, mesmo que aparentemente se tenha certa facultatividade.

Na mesma linha de pensamento de Aliomar Baleeiro, Roque Carrazza expõe:

“Convém salientarmos, desde logo, que, a nosso ver, este singelo ‘poderá’ equivale, na verdade, a um peremptório ‘deverá’. Não se está diante de uma mera faculdade do legislador, mas de uma norma cogente, de observância obrigatória. Ademais, quando a Constituição confere a uma pessoa política um ‘poder’, ela, ipso facto, lhe impõe um ‘dever’. É por isso que se costuma falar que as pessoas políticas têm poderes deveres.” (CARRAZZA, 2007, p. 438/439)

Em vista disso, a consequência gerada é que esse poder concedido ao legislador infraconstitucional, é, na verdade, um dever. Em melhor versão, é um poder-dever do legislador, pois todas as atribuições concedidas aos governantes devem ser interpretadas como obrigações destes de prestar algo à sociedade, um vínculo a ser cumprido. Por conseguinte, o princípio da seletividade em função da essencialidade dos bens e serviços deve ser observado por tais legisladores, adotando alíquotas equivalentes para os bens e serviços do ICMS. Ou seja, quanto mais um produto é considerado essencial, menor deverá ser a alíquota incidente sobre ele, assim como o inverso, quanto menos essencial (mais supérfluo) um produto, maior sua alíquota.

Portanto, a aplicação de alíquotas deve orientar-se de acordo com a relevância dos bens e serviços dentro das necessidades humanas, sempre com respeito aos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da capacidade contributiva2 e da justiça fiscal.

Neste sentido, produtos como remédios, alimentos, instrumentos de trabalho, materiais escolares, peças básicas de vestuário, bem como serviços de fornecimento de gás natural e fornecimento de energia elétrica, devem ocupar lugar na categoria de bens essenciais e sofrerem tributação menor à que designada para bens supérfluos. Elegendo a energia elétrica como propulsora para discussões no presente trabalho, destaca-se que apesar de seu alto teor de essencialidade, hoje, na maioria dos estados brasileiros, é tributada com alíquotas elevadíssimas. Encontra-se uma média de alíquota de 25%, a qual deveria ser atribuída apenas a bens e serviços considerados supérfluos, sendo de 17% a alíquota geral3.

De modo que, por se entender aqui pela adoção obrigatória do princípio da seletividade ao ICMS, e a energia elétrica como um de seus serviços tributados, externar-se que tal princípio se encontra violado em várias Leis Estaduais que dispõem sobre o imposto. Então, se percebe a contramão seguida pelo legislador ao não preponderar de modo correto o grau de essencialidade desse serviço.

Tais considerações se adequam perfeitamente ao caso do Estado do Pará, em razão do conteúdo de sua Lei que dispõe sobre o ICMS, a qual será abordada posteriormente. Antes, faz-se necessária consideração sobre o porquê de a energia elétrica ser algo essencial, se é que passível de questionamento tal atribuição, remetendo-se assim ao próximo tópico.

3. Energia elétrica como bem essencial

O surgimento da eletricidade modificou por completo o modo de vida dos humanos, em todos os aspectos possíveis, trazendo significativas melhoras à qualidade de vida. Basicamente, não tem como se cogitar a vida sem eletricidade, basta pesar que televisão, geladeira, lâmpadas, computadores, celulares, tabletes etc., lugares como fábricas, shoppings, e boa parte da residência de cada um, apenas funcionam por conta da energia elétrica.

A energia se faz indispensável tanto quando destinada individualmente como quando destinada à coletividade. Sem a energia não seria possível o uso de geladeiras, por exemplo, para se conservar boa parte dos alimentos. Bem como não seria possível manter hospitais que prestam serviços indispensáveis à população. Conclui-se então que, na atualidade não há dúvidas de que a energia se reveste de essencialidade, para todas as pessoas, não apenas em residências, mas como em empresas, o que a torna essencial também para o desenvolvimento econômico social.

Inclusive, a essencialidade da energia elétrica foi reconhecida pela Lei n. 7.783/19894, que dispõe sobre o exercício do direito de greve, define as atividades essenciais, regula o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, e dá outras providências:

“Art. 10. São considerados serviços ou atividades essenciais:

I – tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis.”

No mesmo sentido, a Organização das Nações Unidas – ONU, definiu como um dos aspectos elementares para o desenvolvimento de uma sociedade o acesso à energia elétrica:

“The Sustainable Energy for All initiative is a multi-stakeholder partnership between governments, the private sector, and civil society. Launched by the UN Secretary-General in 2011, it has three interlinked objectives to be achieved by 2030:

1. Ensure universal access to modern energy services.

2. Double the global rate of improvement in energy efficiency.

3. Double the share of renewable energy in the global energy mix. These objectives are complementary. Progress in achieving one can help with progress toward the others.

The Sustainable Energy for All initiative also acts in support of the 2014-2024 Decade of Sustainable Energy for All, as declared by the UN General Assembly.”5

Ou seja, foram traçados três objetivos internacionais para que se tornasse a energia elétrica universal até o ano de 2030. Como resultado disso, vários impactos positivos podem sobrevir, dentre os quais a redução da pobreza.

Tem-se ainda o Decreto n. 7.520, de 8 de julho de 20116, que instituiu o Programa Nacional de Universalização do Acesso e Uso de Energia Elétrica, mais conhecido como “Luz para todos”, para o período de 2011 e 2014.

Portanto, com base não apenas na vivência diária que já demonstra ser a energia elétrica algo indispensável e imprescindível na vida humana atual, a referida lei, bem como a ONU, e ainda o decreto estabelecem a energia como algo de elevada importância e essencialidade.

Por essa razão, a energia elétrica, com base no conceito traçado do princípio da seletividade, o qual se entrelaça com o princípio da dignidade humana, se apresenta como um garantidor deste último, ao passo que proporciona não um luxo a quem possui, mas algo que torna a vida do ser humano mais humana. Por conseguinte, se reveste de indispensabilidade, algo que seria insuportavelmente difícil de se viver sem. Basta pensar quando ocorrem quedas de energia, mesmo que por poucas horas, já impetra-se um caos, são comidas que podem vir a estragar, são aparelhos que não funcionarão, uma diversidade de coisas.

Assim, não há óbices a se afirmar que a energia elétrica é sim bem essencial. Apesar disso, surge outra questão a qual foi rapidamente pincelada no final do capítulo anterior, que diz respeito ao critério de escolha dos bens e serviços a serem classificados como essenciais. Para isso, o legislador possui discricionariedade, contudo não é absoluta, como nada o é.

Dessa forma, mesmo que delineados vários motivos da essencialidade presente no serviço de energia elétrica, alguns legisladores infraconstitucionais se valem da discricionariedade concedida a eles, e terminam por adulterar a realidade dos fatos, tornando essência em superfície.

3.1. Discricionariedade para eleição da essencialidade

A discricionariedade aqui será tratada como a possibilidade de atuação da autoridade, livre de vinculação, para avaliação de oportunidade e conveniência na escolha dos bens essenciais, desde que aja dentro dos limites legais e em defesa da ordem pública.

Como já traçado em linhas anteriores, a Constituição não designa quais bens são essenciais e quais são supérfluos para incidência tributária do ICMS, portanto isso fica a critério do legislador infraconstitucional. No entanto, deve-se ter em mente que apesar de possuir certa discricionariedade, esta não é absoluta, pois o legislador deve agir em consonância com as normas legais e principalmente, em observância aos anseios sociais. O próprio conceito de essencialidade nos remete a uma limitação imposta à tal escolha, pois, mesmo não possuindo demarcações cristalinas, deve ser observado no momento da eleição do ônus tributário que recairá sobre determinado bem ou serviço, considerando a essencialidade destes na vida humana.

Quanto à energia elétrica, demostrou-se os motivos do porquê sua categorização como essencial e, portanto, com fundamento em outra limitação à discricionariedade, que é o anseio social, isso remete à noção de que esse serviço deveria ser tributado com alíquota compatível à sua essencialidade.

O fornecimento de energia elétrica é considerado um serviço público de competência da União, prestado em forma de concessão, como dispõe a Lei n. 9.074/19957, e nas palavras de Celso Bandeira de Mello, entende-se serviço como:

“[...] toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais –, instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo.” (MELLO, 2011, p. 679)

Em contraposição a isso, o que ocorre na realidade não é a satisfação da coletividade, mas o mau uso da discricionariedade por parte dos Governantes de Estado ao classificar a energia elétrica como produto supérfluo e fazer o contribuinte pagar absurdos a título de imposto, por algo que na teoria deveria ser de exígua tributação.

A legislação paraense, a qual será tratada no tópico seguinte, deixa claro o que se aduziu. Pois a decisão tomada pelo legislador não faz jus ao interesse público, com tal atitude busca-se unicamente aumentar a arrecadação do ICMS, não atentando à relação do serviço com sua essencialidade.

4. Tributação da energia elétrica

O ICMS possui predominantemente função fiscal, ou seja, sua finalidade maior com a tributação é a mera arrecadação de pecúnia. Contudo, excepcionalmente, o imposto exercerá função extrafiscal, trata-se da hipótese prevista no art. 155, § 2º, III, da CF/1988, sendo ela a seletividade do ICMS, em função da essencialidade das mercadorias e serviços.

A extrafiscalidade, nas palavras de Sacha Calmon:

“A extrafiscalidade, basicamente, é o manejo de figuras tributárias, diminuindo ou exasperando o quantum a pagar com o fito de obter resultados que transcendem o simples recolhimento do tributo, muito embora a instrumentação extrafiscal não signifique, necessariamente, perda de numerário. Muitas vezes redunda em maior receita, como em certos casos de agravamento de alíquotas, visando a inibir determinados comportamentos, hábitos ou atividades consideradas inconvenientes. É o caso, no Brasil, da pesada tributação sobre o consumo de bebidas e cigarros.” (COÊLHO, 2015, p. 315-316)

Percebe-se que a extrafiscalidade do ICMS possui fins em seus meios, ela pode atuar para que pessoas com maior capacidade contributiva sofram tributação mais incisiva, assim como pode, como se refere o autor, desestimular a comercialização de certo bem ou serviço considerado prejudicial ou nocivo, dentre outras funções de intervenção na economia.

Analisando a tributação da energia elétrica no Brasil tem-se que doze Estados brasileiros, dentre eles o Pará, adotam a alíquota de 25% na cobrança do ICMS sobre a energia elétrica, seis Estados adotam alíquota de 27%, três adotam alíquota de 29%, dois adotam de 17%, e um adota alíquota de 12%8. A conclusão disto é que a maioria dos Estados adotam alíquotas bastantes elevadas, e caso se pense que isto é uma estratégia para desestimular a utilização da energia elétrica, por considerá-la algo inconveniente ou nociva, estar-se-á pensando erroneamente.

Já foi amplamente discutida a essencialidade da energia elétrica, a qual se vê como algo praticamente impossível de se viver sem, portanto, pela atitude dos legisladores em adotar tais alíquotas a conclusão que se chega é que suas intenções são de arrecadação para os cofres públicos, sem levar em consideração os anseios da população. Por conseguinte, a essência da extrafiscalidade, relativa ao desestímulo de comercialização de mercadorias e serviços considerados prejudiciais, está sendo burlada ao ser aplicada à energia elétrica, quando não deveria o ser.

Há outra finalidade pontuada acerca da função extrafiscal, qual seja, a de se vislumbrar a capacidade contributiva do contribuinte no momento de se determinar a tributação incidente. Contudo, a aplicação deste conceito ao ICMS, por conta de sua seletividade, encontra barreiras.

4.1. Capacidade contributiva

Ao serem questionados, imagina-se em qual argumento os Estados se baseiam para determinar a tributação sobre a energia elétrica. O que alguns podem usar como contra-argumento seria a adoção do critério da capacidade contributiva do contribuinte.

O art. 145, § 1º, da CF/1988 dispõe que os impostos serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte. A capacidade contributiva é uma espécie desta, e se traduz na capacidade de arcar com determinada carga tributária. Sendo assim, pode-se se onerar mais quem possui maior capacidade econômica. A capacidade contributiva se divide em objetiva, que considera o nível de riqueza do bem ou serviço, e subjetiva, que considera o sujeito da tributação. No ICMS, não se tem como auferir a condição econômica pessoal, subjetiva do indivíduo que vai adquirir a mercadoria ou serviço, assim o legislador deveria eleger com sabedoria o que onerará mais ou menos, considerando o princípio da seletividade.

A seletividade então age como barreira para se tributar segundo a capacidade contributiva, na medida em que produtos essenciais são consumidos por pobres e ricos, como energia elétrica e itens da cesta básica, os quais satisfazem necessidades básicas de se viver com dignidade e com o mínimo existencial. Portanto, não havendo como se auferir a capacidade do contribuinte individualmente, o Estado deveria se abster de tributar elevadamente bens essenciais, elevando a tributação somente quanto aos bens supérfluos, que não são de necessidade absoluta na vida, e portanto apenas quem optasse por adquiri-los estaria sendo onerado.

Concluiu-se que a capacidade contributiva não é o melhor guia para a igualdade nos tributos indiretos sobre o consumo, como é o caso do ICMS. O melhor é vislumbrar o princípio da seletividade pela essencialidade dos bens e serviços, tributando a energia elétrica proporcionalmente à sua essencialidade, atendendo assim às necessidades básicas de consumo.

No Estado do Pará, o legislador acabou por fazer uso, em parte, da capacidade contributiva, pois estabelece alíquotas progressivas de acordo com o consumo, onde quem consome menos, paga menos.

4.2. Legislação paraense

A Lei n. 5.530, de 13 de janeiro de 1989, que disciplina o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transportes Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, em seu art. 12, dispõe das alíquotas:

“Art. 12. As alíquotas internas são seletivas em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços, na forma seguinte:

I – a alíquota de 30% (trinta por cento):

a) nas operações com mercadorias ou bens considerados supérfluos, conforme definido em lei específica;

b) nas prestações de serviço de comunicação;

II – a alíquota de 28% (vinte e oito por cento), nas operações com gasolina, para ser aplicada a partir de setembro de 2010, inclusive;

III – a alíquota de 25% (vinte e cinco por cento):

a) nas operações com energia elétrica;

b) nas operações com álcool carburante;

IV – a alíquota de 21% (vinte e um por cento), nas operações com refrigerante;

V – a alíquota de 12% (doze por cento);

a) nas operações com fornecimento de refeições;

b) nas operações com veículos automotores novos, quando estas sejam realizadas ao abrigo do regime jurídico-tributário da sujeição passiva por substituição, com retenção do imposto relativo às operações subsequentes

VI – a alíquota de 7% (sete por cento), na entrada de máquinas e equipamentos importados do exterior, destinados ao ativo permanente do estabelecimento industrial ou agropecuário importador;

VII – a alíquota de 17% (dezessete por cento), nas demais operações e prestações.

Parágrafo único. A alíquota prevista na alínea ‘b’, do inciso V, deste artigo aplica-se, ainda, ao recebimento de veículos importados do exterior, por contribuinte do imposto, para o fim de comercialização ou integração no ativo imobilizado.”

Nota-se pela redação do artigo que o legislador paraense aplicou o princípio da seletividade em função da essencialidade para determinar qual alíquota incidira sobre determinada mercadoria ou serviço. Contudo, pela análise do presente trabalho, esta aplicação não se deu de modo satisfatório. Ao passo que a alíquota destinada a energia elétrica – 25% – não condiz com seu grau de essencialidade.

A alíquota do ICMS paraense pode variar, como visto no artigo transcrito, entre 7%, 12%, 17%, 21%, 25%, 28%, 30%. O inciso VII designa para o restante das operações e prestações não taxadas nos demais incisos, a alíquota geral de 17%. Para as operações com mercadorias e bens supérfluos incide a alíquota de 30%. Ao se analisar a porcentagem incidente, a energia elétrica está sendo classificada com nível menor de essencialidade, pois é notável o quanto a sua alíquota aproxima-se da alíquota destinada a bens supérfluos.

É válido ressaltar que a energia elétrica, no Pará, não é considerada supérflua. Contudo, ao se comparar a alíquota incidente sobre ela em outros estados, que a consideram supérflua, percebe-se que sofrem a mesma tributação. Como por exemplo no Estado de Alagoas, dispõe a Lei n. 5.900/1996 a alíquota de 25% para energia elétrica.

Portanto, o legislador paraense desrespeitou o princípio da seletividade, quando da adoção de alíquota majorada, para se tributar um bem essencial – por todas as razões já expostas acerca da essencialidade da energia elétrica – como se supérfluo fosse.

Ainda com relação à alíquota, adota-se o sistema de alíquotas progressivas em razão da quantidade do consumo de energia elétrica, ou seja, quanto menor o uso pelo indivíduo, menor o gasto pecuniário. Não se trata de medir propriamente a capacidade contributiva do contribuinte, como dito no final do tópico anterior, mas há uma substituição do princípio da seletividade pela progressividade.

No Estado do Pará existem três tipos de alíquota para se tributar a energia elétrica. Na faixa de consumo de 0 a 100kwh, em classe de consumo residencial ou rural, estão isentos de pagamento; para consumo entre 101 a 150kwh, tem-se 40% de desconto sobre a alíquota de 25%, em classe de consumo residencial ou rural; e para acima de 150kwh, incide a alíquota de 25%9. Tal sistema isenta ou reduz o pagamento de tributo por parte da população de baixa renda, isso foi adotado pois as alíquotas não são condizentes com a essencialidade da energia elétrica, fazendo isso procurou-se reverter os efeitos do ato do legislador para não se atingir de modo brutal a população pobre.

Mesmo que levantados tais argumentos, ainda não existe pacificação quanto à questão da justa alíquota que deveria incidir sobre a energia elétrica, existindo decisões para ambos os lados, tanto reconhecendo como justa a alíquota de 25%, como a considerando inconstitucional.

4.3. Decisões judiciais

Não existe, no cenário atual, unanimidade de interpretação quanto à questão discutida, nem súmula vinculante ou mesmo decisões judicias em um único sentido. Isso se dá pelo fato de os estados não possuírem vinculação obrigatória a algo, além da Constituição Federal, o que permite que cada um dos vinte e seis estados interpretem a essencialidade da energia elétrica ao seu bel-prazer.

Sendo assim, decisões em ambos os sentidos podem existir. O Tribunal do Rio Grande do Sul se manifestou pela constitucionalidade da alíquota de 25% destinada à energia elétrica:

“Tributário. ICMS. Energia elétrica. Seletividade. Essencialidade. Alíquota. 1. O ICMS poderá ser seletivo em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços. Art. 155, § 2º, III, da CR. 2. No Estado do Rio Grande do Sul, o ICMS é seletivo, variando as alíquotas do imposto de acordo com a essencialidade das mercadorias e dos serviços. Em relação à energia elétrica, as alíquotas são de 12% e 25%, de acordo com a natureza do consumo (rural, residencial e industrial). Lei Estadual 8.820/89. O fato de o serviço de energia elétrica ser essencial não impede o legislador dentro da sua liberdade conformadora de fixar em 25% a alíquota para os demais usuários. Os princípios da seletividade e da essencialidade invocados não impõe a limitação pretendida pela parte. Recurso desprovido.” (TJRS, Apelação Cível n. 70059908293, Rel. Des. Maria Isabel de Azevedo Souza, 22ª Câmara Cível, publicado em 03.07.2014)

Contudo, algumas decisões acatam a presente causa e declaram que a energia elétrica é bem essencial e sua tributação com alíquota de 25%, como se dá no Estado do Pará, não se reveste de constitucionalidade. Dentre tais decisões, tem-se posicionamento do Supremo Tribunal Federal – STF, nos autos do Recurso Extraordinário n. 634.457, agravo regimental interposto pelo Estado do Rio de Janeiro:

“Agravo regimental no recurso extraordinário. Tributário. ICMS. Serviço de energia elétrica e de telecomunicações. Majoração de alíquota. Princípio de seletividade. Declaração de inconstitucionalidade pelo órgão especial do Tribunal de Justiça. Agravo regimental a que se nega provimento. I – Não obstante a possibilidade de instituição de alíquotas diferenciadas, tem-se que a capacidade tributária do contribuinte impõe a observância do princípio da seletividade como medida obrigatória, evitando-se, mediante a aferição feita pelo método da comparação, a incidência de alíquotas exorbitantes em serviços essenciais. II – No caso em exame, o órgão especial do Tribunal de origem declarou a inconstitucionalidade da legislação estadual que fixou em 25% a alíquota sobre os serviços de energia elétrica e de telecomunicações – serviços essenciais – porque o legislador ordinário não teria observado os princípios da essencialidade e da seletividade, haja vista que estipulou alíquotas menores para produtos supérfluos. III – Estabelecida essa premissa, somente a partir do reexame do método comparativo adotado e da interpretação da legislação ordinária, poder-se-ia chegar à conclusão em sentido contrário àquela adotada pelo Tribunal a quo. IV – Agravo regimental a que se nega provimento.” (STF, RE n. 634.457/RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 05.08.2014, Segunda Turma, DJe-157, divulg. 14.08.2014, public. 15.08.2014)

Na mesma linha jurisprudencial, tem-se posicionamento do Supremo Tribunal Federal – STF, nos autos do Recurso Extraordinário n. 714.139, com repercussão geral reconhecida:

“Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços – energia elétrica – serviços de telecomunicação – seletividade – alíquota variável – artigos 150, inciso II, e 155, § 2º, inciso III, da Carta Federal – alcance – recurso extraordinário – repercussão geral configurada. Possui repercussão geral a controvérsia relativa à constitucionalidade de norma estadual mediante a qual foi prevista a alíquota de 25% alusiva ao Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços incidente no fornecimento de energia elétrica e nos serviços de telecomunicação, em patamar superior ao estabelecido para as operações em geral – 17%.” (STF, RG RE n. 714.139/SC, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 12.06.2014, DJe-188 26.09.2014)

Sobre o referido recurso há parecer da Procuradoria Geral da República – PGR se posicionando favoravelmente à declaração de inconstitucionalidade da lei estadual, assinado pelo Procurador Geral da República, Rodrigo Janot:

“É que, por mais que, diferentemente do IPI, em que imperativo da seletividade é mais evidente, mais não faria sentido tributar bens essenciais sem qualquer critério, quando se tem à disposição marco principiológico apresentado pelo próprio constituinte. No ponto, há previsão legal expressa acerca da essencialidade de energia elétrica e telecomunicações no art. 10 da Lei nº 7.783/89.

Ademais, fosse o caso de fazer incidir sem qualquer discrimen a tributação do ICMS, seria despicienda a mudança operada pela Constituição de 1988 em face da Constituição de 1967/69, que se limitava a tratar da seletividade do IPI e, quanto ao ICMS, estabelecia apenas sua uniformidade pela aplicação de alíquota igual para todas as mercadorias (CF 1967/69, art. 24).

O reconhecimento da obrigatoriedade de aplicação da seletividade por critério de comparação é desdobramento do princípio da igualdade tributária (CF, art. 150, II), na perspectiva dos impostos reais e indiretos. O seu paralelo, no contexto dos impostos pessoais, é a progressividade, que, na dicção do art. 145, § 1º, da Carta Constitucional, será adotada sempre que possíveis nos impostos, de modo a compatibilizá-los com a capacidade econômica do contribuinte.

De mais a mais, ainda que fosse o caso de considerar-se facultativa a aplicação da seletividade ao ICMS, uma vez feita a opção do legislador estadual pelo princípio da seletividade, passará, por lógica a ser obrigatória a utilização do critério de comparação em virtude da essencialidade dos bens e serviços. Os mais essenciais deverão ser submetidos a alíquotas menores às destinadas aos supérfluos. As alíquotas devem ser inversamente proporcionais à essencialidade, para impedir que sua definição seja permeada de subjetivismo. Ao tomar de empréstimo do IPI a seletividade para colocá-la no contexto do ICMS, o constituinte introduziu nesta exação, antes eminentemente fiscal o componente de extrafiscalidade presente no imposto de importação, imposto de exportação, IOF e IPI.

Tem o ICMS, na sua atual conformação constitucional, não só a função de arrecadar receitas para Estados e Distrito Federal, mas também de facilitar a circulação de mercadorias e a prestação de serviços essenciais, de um lado, e de desestimular a de supérfluos e produtos prejudiciais à saúde da população, de outro.”

No presente parecer percebe-se muito do que se discutiu no decorrer deste trabalho, e muito do que procurou-se defender. Em suma, o Estado do Pará, a exemplo de outros estados, está violando o princípio da seletividade quanto à alíquota destinada à energia elétrica, e, assim, prejudicando o contribuinte. Sua alíquota de 25% não se blinda de constitucionalidade e pouco menos se adéqua à realidade.

5. Conclusão

No decorrer do trabalho discutiu-se a aplicabilidade do princípio da seletividade ao ICMS, em função da essencialidade, bem como a discricionariedade para escolha de bens e serviços supérfluos e essenciais.

Conclui-se que a seletividade, nos dias de hoje, se reveste de tremenda importância e deve ser aplicada também ao ICMS, apesar de sua aparente facultatividade, criando-se uma obrigatoriedade para o legislador infraconstitucional. Onde este deve observar os princípios do ordenamento jurídico brasileiro, bem como a realidade imposta pela sociedade, para se considerar o que é ou não essencial.

Dentre os bens e serviços essenciais, destacou-se a energia elétrica, a qual é fundamental e de total indispensabilidade para concretização da dignidade humana, com o mínimo existencial. Mesmo se revestindo de tal destaque, alguns legisladores acabam por tributá-la excessivamente e descontroladamente.

Analisou-se sua aplicação na legislação paraense, que, apesar de se encontrar na média da tributação perante outros estados, ainda está elevada. Ainda que, por tentar encobrir tal fato, isenta certa parte da população do pagamento deste tributo, sendo que o restante dos contribuintes paraenses arcam com um ônus tributário injusto. Por essa razão, considera-se a Lei n. 5.530, de 13 de janeiro de 1989, que disciplina o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transportes Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, dotada de inconstitucionalidade.

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1 A Constituição Federal de 1967 recebeu emenda em 1969, o que acabou por transformá-la em uma nova Constituição, conforme entendimento do STF: “A Emenda 1, de 1969, equivale a uma nova Constituição pela sua estrutura e pela determinação de quais dispositivos anteriores continuariam em vigor.” Conforme se vislumbra no Guia de Direito Constitucional, encontrado em <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=bibliotecaConsultaProdutoBibliotecaGuiaDC&pagina=constituicaoanterior1988>.

2 O conceito será traçado e mais bem discutido posteriormente.

3 Fonte extraída de dados da SEMAS. Disponível em: <https://www.semas.pa.gov.br/2015/03/09/icms-sobre-energia-eletrica-cobrado-no-para-esta-na-media-nacional/>. Acesso em: 22 nov. 2018.

4 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7783.htm>. Acesso em: 12 dez. 2018.

5 Disponível em: <http://www.un.org/millenniumgoals/pdf/SEFA.pdf>. Tradução feita pela autora: A iniciativa Energia Sustentável para Todos é uma parceria multipartite entre governos, setor privado e sociedade civil. Lançada pelo Secretário-Geral da ONU em 2011, tem três objetivos interligados a serem alcançados em 2030: 1. Assegurar o acesso universal aos serviços elétricos modernos. 2. Dobrar a taxa global de melhoria da eficiência energética. 3. Dobrar a participação das energias renováveis no mix global de energia. Esses objetivos são complementares. O progresso na obtenção de um pode ajudar com o progresso em direção aos outros. A iniciativa Energia Sustentável para Todos também atua em apoio da Década 2014-2024 da Energia Sustentável para Todos, conforme declarado pela Assembleia Geral da ONU. Acesso em: 12 dez. 2018.

7 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9074cons.htm>. Acesso em: 9 nov. 2018.

8 Fonte extraída de dados da SEMAS. Disponível em: <https://www.semas.pa.gov.br/2015/03/09/icms-sobre-energia-eletrica-cobrado-no-para-esta-na-media-nacional/>. Acesso em: 7 dez. 2018.

9 Conforme Nota Técnica de Estimativa das Perdas de Arrecadação do ICMS de energia elétrica no Estado do Pará (2004-2014). Disponível em: <http://www.fapespa.pa.gov.br/upload/Arquivo/anexo/907.pdf?id=1474449950>. Acesso em: 22 abr. 2019.