O Teste de Recuperabilidade (Impairment) e suas Implicações Fiscais

The Impairment Test and its Tax Implications

Paulo Coviello Filho

Graduado em Direito e em Ciências Contábeis pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário. Advogado em São Paulo. E-mail: paulo.coviello@marizadvogados.com.br.

Recebido em: 31-08-2018

Aprovado em: 03-04-2019

Resumo

O presente artigo tem como escopo o estudo da figura do teste de recuperabilidade (impairment), bem como seus efeitos na seara tributária, inclusive eventuais situações controvertidas. O objetivo deste trabalho é verificar se todas as eventuais implicações fiscais decorrentes do instituto do impairment estão devidamente regulamentadas.

Nesse cenário, a partir do presente estudo foram identificadas duas situações que podem gerar controvérsias, quais sejam: (i) o valor do goodwill a ser amortizado em caso de incorporação, fusão ou cisão; e (ii) a apropriação dos créditos da contribuição ao PIS e da COFINS sobre bens do ativo imobilizado, em caso de redução do valor do bem por impairment, sendo que a primeira foi expressamente regulamentada pela legislação e a segunda não, havendo inclusive posicionamento do Fisco a respeito, o qual também será objeto de análise.

Palavras-chave: teste de recuperabilidade, impairment, goodwill, ativo imobilizado, não cumulatividade, créditos.

Abstract

The present paper has as scope the study of the figure of the impairment test, as well as its effects in the tax area, including eventual controversial situations. The purpose of this paper is to verify if all possible tax implications of the impairment are properly regulated.

In this scenario, two situations that may generate controversies were identified, namely: (i) the amount of the goodwill that will be amortized in case of merger; and (ii) the allowance to calculate tax credits the contribution to the social integration program (“PIS”) and the contribution to social security financing (“COFINS”) on fixed assets, in the event of a reduction of the value of the asset due to the impairment test, the former being expressly regulated by legislation and the latter not.

Keywords: impairment, goodwill, fixed assets, non-cumulative system, credits.

1. Introdução

O presente artigo tem como escopo o estudo da figura do teste de recuperabilidade (impairment), bem como seus efeitos na seara tributária, inclusive eventuais situações controvertidas1.

Em tradução literal a palavra impairment significa deterioração, diminuição, prejuízo. É justamente essa a ideia do teste de recuperabilidade, que visa identificar se há algum ativo supervalorizado registrado pela pessoa jurídica. Em suma, caso se verifique que determinado ativo está supervalorizado, a empresa registrará uma redução do seu valor com impacto na apuração do lucro líquido. A figura do impairment não possui definição no ordenamento jurídico, tratando-se de instituto da ciência contábil, sendo que, no Brasil, é regulado pelo Pronunciamento Técnico CPC 01 (R1).

Como é cediço, a Lei n. 11.638, de 2007, visou adequar as normas contábeis brasileiras ao padrão internacional (International Financial Reporting Standards – IFRS). Foi justamente nesse cenário que o ordenamento passou a prever a realização, pela pessoa jurídica, da análise sobre a recuperação do valor de ativos, prevista no § 3º do art. 183 da Lei n. 6.404, de 1976, com as alterações das Leis n. 11.638, de 2007, e n. 11.941, de 2009.

A Lei n. 11.941, de 2009, instituiu o regime tributário de transição (RTT), o qual neutralizava os efeitos fiscais decorrentes das novas normas contábeis editadas a partir da Lei n. 11.638, de 2007. Esse regime foi revogado pela Lei n. 12.973, de 2014, que teve o objetivo de adequar a legislação tributária à legislação societária e às normas contábeis. Vale ressaltar que a Lei n. 12.973, de 2014, em geral, também buscou, a partir dos ajustes lá previstos, conferir efeito neutro às novas normas contábeis2, mas esse efeito não se concretizou por inteiro, de modo que houve importantes mudanças decorrentes dos novos padrões contábeis3.

É nesse contexto que interessa a análise das implicações fiscais decorrentes do teste de recuperabilidade; é importante verificar se os impactos fiscais decorrentes desse critério de avaliação de ativos foram efetivamente neutralizados do ponto de vista fiscal.

Assim, inicialmente será estudada a figura do teste de recuperabilidade na ciência contábil, tendo em vista que ela não possui conceituação no ordenamento jurídico. Posteriormente serão abordados os efeitos decorrentes do teste de recuperabilidade na seara fiscal, principalmente no que diz respeito à apuração do lucro real, à base de cálculo do imposto sobre a renda da pessoa jurídica (IRPJ), e da base de cálculo da contribuição social sobre o lucro líquido (CSL), bem como eventuais efeitos na apuração da contribuição ao programa de integração social (contribuição ao PIS) e da contribuição para financiamento da seguridade social (COFINS).

Em resumo, portanto, o objetivo principal deste trabalho é analisar com maior profundidade o instituto do impairment e verificar se todas as eventuais implicações fiscais decorrentes desse critério de avaliação de ativos foram devidamente regulamentadas pelo ordenamento jurídico.

2. O impairment

Conforme exposto no tópico preliminar, a Lei n. 11.638, de 2007, buscou adequar as normas contábeis brasileiras ao padrão internacional (International Financial Reporting Standards – IFRS), sendo responsável pela inclusão do § 3º do art. 183 da Lei n. 6.404, de 1976, posteriormente alterado pela Lei n. 11.941, de 2009, o qual dispõe sobre o teste de impairment, que visa identificar se há algum ativo supervalorizado registrado pela pessoa jurídica.

É importante registrar que as normas contábeis internacionais (International Financial Reporting Standards – IFRS) têm como principal objetivo conferir às demonstrações financeiras uma visão prospectiva da entidade, de modo a dar maior subsídio aos investidores para a tomada de decisões4. Nesse cenário, o teste de impairment e a avaliação a valor justo dos bens proporcionam o reconhecimento antecipado de ganhos e perdas, garantindo que as demonstrações financeiras evidenciem com clareza e transparência a situação patrimonial da pessoa jurídica na perspectiva econômica. Esse tipo de abordagem dinâmica do patrimônio, vinculada ao real valor econômico da empresa, difere da abordagem estática anteriormente utilizada, a qual era baseada no custo de aquisição, que não retrata eventuais variações/oscilações relacionadas a situações de mercado.

Conforme adiantado no tópico introdutório ao presente trabalho, o Pronunciamento Técnico CPC 01 (R1), Redução do Valor Recuperável de Ativos5, regulamenta a figura do impairment. O item 1 do referido Pronunciamento assevera que o seu objetivo é estabelecer procedimentos que a pessoa jurídica deve adotar para assegurar que os ativos não estejam registrados por valor superior ao seu valor de recuperação. Ainda segundo esse item, “um ativo está registrado contabilmente por valor que excede seu valor de recuperação se o seu valor contábil exceder o montante a ser recuperado pelo uso ou pela venda do ativo”. Nesse caso, a entidade deverá reconhecer uma perda, reduzindo o lucro líquido, sendo que o Pronunciamento estabelece quando deve ser realizado esse ajuste, bem como quando ele deve ser revertido.

Nos termos do item 2, a avaliação do valor de recuperação de ativos, para fins de contabilização de ajuste para perdas por desvalorização, é aplicável para todos os ativos registrados pela companhia, salvo determinadas exceções listadas no referido item, para as quais há Pronunciamentos Técnicos CPC específicos.

Em seu item 6 o Pronunciamento prevê definições acerca de determinados termos utilizados no texto. Merecem destaque as seguintes definições:

“Perda por desvalorização é o montante pelo qual o valor contábil de um ativo ou de unidade geradora de caixa excede seu valor recuperável.

Valor recuperável de um ativo ou de unidade geradora de caixa é o maior montante entre o seu valor justo líquido de despesa de venda e o seu valor em uso.”

A perda por desvalorização é a diferença entre o valor contábil do ativo e o seu valor recuperável, sendo que esse último é o maior valor entre o valor justo do ativo líquido de despesa de venda e o seu valor em uso. É importante destacar, ainda, que o valor justo do ativo representa, também segundo o Pronunciamento em comento, o preço que seria recebido pela venda de um ativo numa transação entre partes independentes não forçada, nos termos do Pronunciamento Técnico CPC 46 – Mensuração do Valor Justo.

Como visto, há dois métodos de avaliação de eventual perda no valor do ativo: valor justo líquido de despesa de venda e valor em uso. O valor justo líquido de despesa de venda é determinado, geralmente, a partir de preços verificados no mercado, ao passo que o valor em uso expressa a suscetibilidade de a pessoa jurídica gerar caixa a partir de determinado ativo ou unidade geradora de caixa6.

Vale ressaltar que o Pronunciamento trata de ativo, mas nos termos do item 7 é aplicável também para uma unidade geradora de caixa, definida como “o menor grupo identificável de ativos que gera entradas de caixa, entradas essas que são em grande parte independentes das entradas de caixa de outros ativos ou outros grupos de ativos”.

O item 9 determina que a pessoa jurídica verifique sempre ao fim do período de reporte se há ativos que possam ter sofrido desvalorização e, em caso positivo, deverá estimar o valor recuperável do ativo para viabilizar o reconhecimento da perda por desvalorização. O item 10 afirma que a pessoa jurídica deverá testar anualmente o valor recuperável de ativo intangível com vida útil indefinida ou ainda não disponível para uso, bem como o ágio pago por expectativa de rentabilidade futura (goodwill).

Ao prever uma periodicidade máxima para realização do impairment percebe-se a preocupação do procedimento com o fato de um ativo estar supervalorizado. Assim, com a realização periódica do teste, busca-se extirpar, ou ao menos mitigar, o risco de supervalorização de um ativo. A correta precificação de ativos é imprescindível para os usuários da informação contábil, eis que é a partir das demonstrações financeiras que os diversos usuários – investidores, credores, fisco etc. – tomam as decisões relativas a determinadas empresas, como a compra e venda de ações, concessão de empréstimos, dentre outros aspectos.

O item 12 trata das informações que a entidade deve considerar para realizar o teste de recuperabilidade. Esse item cita duas fontes que devem ser analisadas: internas (obsolescência, dano físico, planos de descontinuidade, nova avaliação, desempenho ruim etc.) e externas (valor de mercado, mudanças econômicas, tecnológicas e legais etc.)7. O item 13 afirma, porém, que o rol de informações do item 12 não é exaustivo, de forma que outras informações poderão ser utilizadas para verificar eventual redução do valor recuperável dos ativos.

Os itens 19 a 57 dispõem sobre a mensuração do valor recuperável e possuem disposições específicas aplicáveis, ao passo que os itens 59 a 64 estabelecem exigências relativas ao reconhecimento e mensuração das perdas por desvalorização. Nos termos do item 60, a perda por desvalorização do ativo deverá ser reconhecida na demonstração de resultado do exercício (DRE) imediatamente, com exceção das hipóteses em que o bem tenha sido objeto de reavaliação. Nesse caso, eventual redução deverá ser registrada como diminuição do saldo da reavaliação e será reconhecida, conforme item 61, em outros resultados abrangentes.

Interessante ressaltar uma diferença entre o impairment e a avaliação a valor justo de bens. Enquanto o primeiro, via de regra, é registrado no resultado, impactando-o negativamente, a avaliação a valor justo, salvo determinadas exceções, é registrada na conta de ajustes de avaliação patrimonial, no patrimônio líquido da entidade, conforme § 3º do art. 182 da Lei n. 6.404, de 19768, sem impacto no resultado do período.

O item 62 estabelece que no caso de o valor estimado da perda por desvalorização ser superior ao valor contábil do bem, a entidade deverá reconhecer um passivo somente se outro Pronunciamento Técnico assim determinar. Em regra, portanto, o limite é o valor do custo contábil. O item subsequente, 63, afirma que após o reconhecimento da perda a entidade deverá ajustar, nos períodos futuros, os encargos de depreciação, amortização ou exaustão do ativo, considerando o novo valor do ativo, bem como eventual valor residual.

Por fim quanto ao reconhecimento da perda, o item 64 prevê que no caso de reconhecimento da perda por desvalorização a empresa deverá reconhecer os efeitos decorrentes relativamente a ativos ou passivos fiscais diferidos, em conformidade com o Pronunciamento Técnico CPC 32 – Tributos sobre o Lucro.

A partir do item 80 o Pronunciamento trata do teste de recuperabilidade efetuado para o ágio por expectativa de rentabilidade futura apurado em operação de combinação de negócios. Nos termos do próprio item 80, para efetuar o teste em questão a entidade adquirente deverá, a partir da data da operação, alocar o ágio a suas unidades geradoras de caixa ou a grupos de unidades geradoras de caixa que podem auferir benefícios decorrentes da sinergia entre os negócios combinados. Veja-se que para fins do teste de recuperabilidade o ágio deverá ser alocado em relação às unidades da adquirente.

Os itens 126 e seguintes dispõem sobre a divulgação das perdas pela sociedade, que deverá indicar o montante das perdas reconhecido no resultado por classe de ativos, o montante das reversões de perdas anteriormente reconhecidas no resultado e, igualmente, o montante das perdas e eventuais reversões de perdas de ativos reavaliados reconhecidas em outros resultados abrangentes.

No Apêndice A do Pronunciamento há orientações sobre técnicas de avaliação do valor presente na avaliação do valor dos ativos em uso. O Apêndice B foi eliminado. Já o Apêndice C trata do teste de recuperabilidade do valor do ágio por expectativa de rentabilidade futura (goodwill) e os efeitos da participação de não controladores que impactam na mensuração.

Como se viu, o Pronunciamento que trata do impairment é bastante detalhado, conferindo à entidade uma série de diretrizes para realização do teste de recuperabilidade. Assim, resta evidente a importância conferida para esse teste, que, conforme exposto inicialmente, está inserido num contexto de conferir às demonstrações financeiras das entidades uma perspectiva mais próxima da realidade econômica.

3. O impairment na legislação fiscal

Nos termos do art. 183, § 3º, da Lei n. 6.404, de 1976, a pessoa jurídica deve efetuar, periodicamente, análise sobre a recuperação dos valores registrados no imobilizado e no intangível, com o intuito de registrar eventuais perdas de valor do capital aplicado. Conforme exposto acima, porém, o Pronunciamento Técnico CPC 01, de forma mais abrangente do que o art. 183, § 3º, da Lei n. 6.404, de 1976, prevê que a análise da recuperabilidade de valores deve ser aplicada a todos os bens do ativo de uma maneira geral, desde que relevantes.

A lógica por traz dessa disposição é que nenhum ativo pode estar registrado na contabilidade por valor superior ao de sua recuperação, seja pela venda, seja pela sua utilização. Caso isso ocorra, a perda correspondente a essa diferença deve ser reconhecida por meio da constituição de uma provisão. Em outras palavras, o valor contábil de um bem do ativo deve estar limitado ao valor que ele pode gerar no futuro com a sua aplicação nas atividades da empresa ou com sua venda. Com isso, os diversos usuários da contabilidade terão elementos concretos para a identificação da situação econômico-patrimonial da uma empresa.

Vale ressaltar que, independentemente da alteração efetuada na legislação societária, a legislação tributária sempre contemplou normas que tratam da dedutibilidade de perdas decorrentes da redução do valor de ativos imobilizados.

O art. 47 da Lei n. 4.506, de 1964, regulamenta a dedução de custos e despesas incorridos no desenvolvimento das atividades da empresa, sendo que o seu § 6º admite a dedutibilidade, a título de despesas operacionais, de perdas extraordinárias de ativos, decorrentes de obsolescência de casos fortuitos ou força maior.

Por sua vez, o art. 57 dessa mesma Lei prevê a dedutibilidade de despesa de depreciação de bens do ativo, em razão do desgaste natural pelo uso, ação da natureza ou obsolescência normal. O § 11 desse dispositivo merece especial atenção por autorizar a dedução do valor não depreciado dos bens que se tornarem imprestáveis. Veja-se:

“§ 11. O valor não depreciado dos bens sujeitos à depreciação que se tornarem imprestáveis, ou caírem em desuso, importará na redução do ativo imobilizado.”

O Decreto-lei n. 1.598, de 1977, por outro lado, em seu art. 31, prevê a dedutibilidade de perdas de capital verificadas no momento da baixa do bem por perecimento, extinção, desgaste, obsolescência ou exaustão. Veja-se:

“Art. 31. Serão classificados como ganhos ou perdas de capital, e computados na determinação do lucro real, os resultados na alienação, inclusive por desapropriação (§ 4º), na baixa por perecimento, extinção, desgaste, obsolescência ou exaustão, ou na liquidação de bens do ativo não circulante, classificados como investimentos, imobilizado ou intangível.”

Há, portanto, uma série de normas regulando a dedutibilidade de perdas no valor dos ativos para fins de apuração do IRPJ e da CSL. O que se percebe, porém, da análise dessas normas é que elas dispõem sobre o tratamento de perdas efetivamente incorridas, o que difere da situação do teste de recuperabilidade, que é uma estimativa de perda, pois decorre de avaliação efetuada pela própria empresa. Os dispositivos acima analisados, ao revés, tratam de perdas definitivamente incorridas. Prova disso é que o Parecer Normativo CST n. 146, de 1975, estabelece que a dedutibilidade da perda seja acompanhada pela baixa física do bem na contabilidade, fato que somente ocorre em perdas definitivas.

As normas acima comentadas seguem vigentes, eis que dispõem, como exposto, de perdas definitivamente incorridas9. Já a Lei n. 12.973, de 2014, ao tratar do teste de recuperabilidade, veio apenas regulamentar um critério de avaliação de ativos, ou seja, algo distinto das situações previstas pelas normas acima. Essa diferença é importante porque o teste de recuperabilidade nada mais é que uma provisão, uma estimativa de eventual perda auferida.

Ciente da natureza provisória dos ajustes decorrentes do teste de recuperabilidade, o art. 32 da Lei n. 12.973, de 2104, do ponto de vista tributário, especificamente para o IRPJ e para a CSL, conferiu neutralidade ao teste de recuperabilidade, ao menos até a realização do bem. Confira-se:

“Art. 32. O contribuinte poderá reconhecer na apuração do lucro real somente os valores contabilizados como redução ao valor recuperável de ativos que não tenham sido objeto de reversão, quando ocorrer a alienação ou baixa do bem correspondente.

Parágrafo único. No caso de alienação ou baixa de um ativo que compõe uma unidade geradora de caixa, o valor a ser reconhecido na apuração do lucro real deve ser proporcional à relação entre o valor contábil desse ativo e o total da unidade geradora de caixa à data em que foi realizado o teste de recuperabilidade.”

Esse dispositivo foi regulamentado pelos arts. 129 e 130 da Instrução Normativa RFB n. 1.700, de 2017 (IN RFB n. 1.700/2017):

“Art. 129. O contribuinte poderá reconhecer na apuração do lucro real e do resultado ajustado somente os valores contabilizados como redução ao valor recuperável de ativos que não tenham sido objeto de reversão, quando ocorrer a alienação ou baixa do ativo correspondente.

§ 1º No caso de alienação ou baixa de um ativo que compõe uma unidade geradora de caixa, o valor a ser reconhecido na apuração do lucro real e do resultado ajustado deve ser proporcional à relação entre o valor contábil desse ativo e o total da unidade geradora de caixa à data em que foi realizado o teste de recuperabilidade.

§ 2º Para efeitos de apuração do ganho ou da perda de capital, as perdas estimadas no valor de ativos deverão ser deduzidas do valor contábil do bem.

§ 3º A perda estimada de que trata o caput deverá ser adicionada na parte A do e-LALUR e do e-LACS no período de apuração em que for reconhecida, e registrada na parte B para ser excluída conforme disposto no caput ou no § 1º, ou na reversão a que se refere o art. 130.

Art. 130. As reversões das perdas por desvalorização de bens que foram objeto de redução ao valor recuperável de ativos não são computadas na apuração do IRPJ e da CSLL.”

Como se vê, tanto a Lei n. 12.973 quanto a IN RFB n. 1.700/2017 estabelecem um tratamento neutro à perda reconhecida em razão do teste de recuperabilidade, que só afetará o resultado tributário no momento da realização do ativo, que ocorre com sua a alienação ou baixa.

Outro dispositivo que merece atenção é o art. 59 da Lei n. 12.973, de 2014, que reconheceu a natureza de mera provisão para o teste de recuperabilidade:

“Art. 59. Para fins da legislação tributária federal, as referências a provisões alcançam as perdas estimadas no valor de ativos, inclusive as decorrentes de redução ao valor recuperável.”

Registre-se que, como regra, as provisões são indedutíveis, salvo se sua dedução estiver expressamente autorizada pela legislação10. A provisão para redução ao valor recuperável de ativos, como visto, não está excepcionada. Logo, será indedutível o ajuste de impairment quando da sua constituição, mas poderá afetar o cálculo do lucro real e da base de cálculo da CSL no momento da alienação ou baixa do bem.

Em estudo sobre o assunto, João Francisco Bianco11 também anotou que essa perda não é definitiva, elogiando o tratamento de provisão conferido pela Lei n. 12.973, de 2014. Confiram-se as palavras do jurista:

“Ora, parece claro que a perda correspondente ao valor do decréscimo patrimonial sofrido pelo bem do ativo imobilizado ou intangível, que foi submetido ao teste de recuperabilidade, não é definitiva ou incondicional. Pelo contrário, essa perda é provisória, temporária, estimada, sujeita a periódicas revisões para mais ou para menos, ou seja, ela é tudo menos uma perda cujo valor seja líquido e cuja obrigação seja certa. Daí por que não pode ser considerada uma perda ou despesa dedutível para fins de apuração do imposto de renda. Trata-se de mera provisão estimada de perda, reconhecida na contabilidade, mas necessariamente indedutível para efeitos fiscais.”

Em suma, portanto, o art. 32 reconhece a neutralidade da constituição dessa provisão para efeitos fiscais (IRPJ e CSL). Corretamente, o art. 32 da Lei n. 12.973, de 2014, reconhece efeitos fiscais para os montantes contabilizados como redução do valor recuperável de ativos somente quando das respectivas alienações ou baixas. Isto porque é nesse momento que a perda de capital torna-se definitivamente incorrida. Antes disso, o que se registra é simplesmente uma provisão de ajuste a valor de recuperação, isto é, é simples expectativa, não efetivada, ou materializada.

O fato de somente as perdas definitivas poderem ser deduzidas fiscalmente é coerente com o conceito de renda defendido por Ricardo Mariz de Oliveira, para quem o conceito de patrimônio é elemento fundamental para a incidência do imposto de renda12. Ora, se o bem segue no patrimônio da pessoa jurídica, ainda que haja uma perda esperada, não há que se falar em dedução da referida perda para fins fiscais.

É importante ressaltar, outrossim, que essa neutralidade está em linha também com o tratamento conferido pela legislação para a avaliação a valor justo. De fato, nos termos do art. 13 da Lei n. 12.973, de 2014, o ganho decorrente da avaliação a valor justo de ativo ou passivo não será computado no lucro real e na apuração da base de cálculo da CSL, desde que seja evidenciado contabilmente em subconta vinculada ao ativo ou passivo. O § 1º desse dispositivo prevê que o ganho somente seja computado na apuração do lucro real quando o ativo for realizado, inclusive mediante depreciação, amortização, exaustão, alienação ou baixa, ou quando o passivo for liquidado ou baixado.

Igualmente, o art. 14 também estabelece que a perda decorrente de avaliação a valor justo somente afetará a apuração do IRPJ e da CSL quando o ativo for realizado, inclusive mediante depreciação, amortização, exaustão, alienação ou baixa, ou quando o passivo for liquidado ou baixado.

Esses dispositivos são coerentes com toda a sistemática de apuração do IRPJ, que tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade jurídica ou econômica da renda, nos termos do art. 43 do Código Tributário Nacional, que pode ser entendido como a concretização do princípio da realização da renda13. Dessa forma, não se pode admitir a tributação de ganho reconhecido por mera avaliação de ativo, como é o caso da avaliação a valor justo, assim como também não se admite que perdas estimadas, provisórias, afetem a apuração desses tributos, como é o caso do próprio valor justo e do impairment14.

É importante destacar que a realização da renda está intimamente ligada à ideia de capacidade contributiva, princípio regente do direito tributário brasileiro15. E é justamente nesse contexto que se insere o tratamento conferido pela Lei n. 12.973, de 2014, para o impairment.

Analisando a questão da realização da renda, especialmente sobre as perdas dos valores de ativos, Ricardo Mariz de Oliveira16 ensina que:

“É de se observar que, com os custos de aquisição de ativos, também pode ocorrer situação inversa, de aquisição por valor superior ao valor de mercado ou de desvalorização progressiva do bem, em virtude de cujos acontecimentos a adquirente passa a acumular perdas potenciais. Muito embora, no regime da Lei n. 6404, essas perdas possam e até devam ser provisionadas, as respectivas provisões não são dedutíveis fiscalmente, e a dedução perante o imposto de renda somente é possível quando a perda for ‘realizada’ em definitivo por um negócio de alienação.”

Portanto, o tratamento conferido pela Lei n. 12.973, de 2014, ao impairment está em total consonância com os princípios que fundamentam o imposto sobre a renda. Admite-se, nesse cenário, que somente no momento da realização do bem, mediante alienação ou baixa, é que a perda se torna definitiva. Antes disso, trata-se de mera estimativa de perda, que pode nem se realizar efetivamente, o que justifica o seu não computo na apuração do lucro real e da base de cálculo da CSL.

4. Questões práticas

Feitas essas observações de ordem introdutória e teórica, que servem como referencial teórico do presente trabalho, passa-se a abordar duas questões práticas que podem gerar controvérsias, quais sejam: (i) o valor do goodwill a ser amortizado em caso de incorporação, fusão ou cisão; e (ii) a apropriação dos créditos da contribuição ao PIS e da COFINS sobre bens do ativo imobilizado, em caso de redução do valor do bem por impairment. Ver-se-á ao final do trabalho que a primeira controvérsia foi efetiva e expressamente regulamentada pelo ordenamento jurídico, ao passo que a segunda controvérsia não foi abordada. Diante do silêncio do legislador, o presente trabalho irá propor a solução mais consentânea com o ordenamento jurídico para a referido assunto.

a) O ágio por expectativa de rentabilidade futura (goodwill) e o impairment. O valor dedutível no momento da fusão, incorporação ou cisão

A Lei n. 12.973 trouxe relevantes alterações relativas ao regime do ágio por expectativa de rentabilidade futura (goodwill). Com a edição da Lei, o contribuinte que avaliar investimento de acordo com o método da equivalência patrimonial (“MEP”) deverá, por ocasião da aquisição da participação, desdobrar o custo de aquisição em: (i) valor de patrimônio líquido na época da aquisição; (ii) mais ou menos-valia, que corresponde à diferença entre o valor justo dos ativos líquidos da investida, na proporção da porcentagem da participação adquirida, e o valor de que trata o item (i) anterior; e (iii) goodwill (ágio por rentabilidade futura) ou ganho proveniente de compra vantajosa, relativo à diferença entre o custo de aquisição do investimento e o somatório dos valores de que tratam os itens (i) e (ii) acima.

Desse modo, a partir da Lei n. 12.973, de 2014, houve grande mudança na sistemática de mensuração e a alocação do ágio por rentabilidade futura para fins fiscais, que passou a seguir a sistemática do Pronunciamento Técnico CPC 15 – Combinação de Negócios.

Conforme exposto no tópico 2 do presente trabalho, o Pronunciamento Técnico CPC 01 estabelece que o goodwill deve ser objeto de teste de recuperabilidade, para que se verifique se eventualmente ele está registrado por valor superior ao que efetivamente possa ser recuperado pela entidade. Assim, a sociedade investidora submete o goodwill registrado ao teste de recuperabilidade periódico, ao menos uma vez ao ano, sendo que o valor do goodwill poderá ser reduzido nesses testes.

Posteriormente, se a pessoa jurídica que detém o investimento com ágio absorver o patrimônio da investida, poderá amortizar o goodwill, desde que preenchidos os requisitos previstos no art. 20 do Decreto-lei n. 1.598, de 1977, e aqueles contidos no art. 22 da Lei n. 12.973, de 2014. Ocorre que é possível que, no momento da absorção do patrimônio, o valor do ágio reconhecido contabilmente seja inferior ao valor originalmente reconhecido, justamente em razão do impairment.

Nesse cenário, poderia surgir dúvida a respeito de qual o valor passível de amortização, nos termos do art. 22 da Lei n. 12.973, de 2014. De fato, no passado, quando a questão da amortização do ágio era tratada pela Lei n. 9.532, de 1997, as autoridades fiscais glosavam a amortização fiscal do ágio já amortizado contabilmente pela investidora, antes do evento de absorção do patrimônio de que tratam os arts. 7º e 8º da referida lei. Esse tema foi analisado, por exemplo, no Acórdão n. 1102-000.873, de 11 de junho de 2013, do CARF, no qual restou consignado que “Não é possível aproveitar, para fins exclusivamente fiscais, as parcelas do ágio ou deságio já amortizado contabilmente em períodos anteriores”.

É importante registrar que a amortização contábil do ágio difere do reconhecimento de perda em razão de impairment. Realmente, ao passo que a amortização representa o reconhecimento do custo incorrido para aquisição de determinado ativo no decorrer do tempo, o impairment está relacionado à perda de valor do ativo não em razão do tempo, mas diante de outros fatores, internos ou externos, que impactem no valor registrado, nos termos da análise feita no tópico 2. A despeito disso, é possível traçar um paralelo entre as situações, pois tanto a amortização quanto o impairment acarretam a diminuição do valor do ágio registrado na contabilidade.

Nesse cenário, importa ressaltar que o problema verificado na legislação anterior não mais existe na legislação atual, tendo em vista que o art. 22 da Lei n. 12.973, de 2014, afasta qualquer dúvida ao reconhecer que o ágio amortizável é aquele reconhecido no momento da aquisição da participação societária.

De fato, o referido dispositivo estabelece que poderá ser deduzido na apuração do lucro real “o saldo do referido ágio existente na contabilidade na data da aquisição da participação societária”. Destarte, o art. 22 da Lei n. 12.973, de 2014, garante que o valor a ser amortizado fiscalmente é o saldo existente na contabilidade na data de aquisição do investimento, independentemente de eventual teste de recuperabilidade (impairment) realizado posteriormente.

Confirma tal entendimento o fato de essa disposição não ter constado originalmente da Medida Provisória n. 627, de 2013, tendo sido incluída no projeto de conversão em lei, o que atesta que o intuito do legislador foi regular o tema expressamente, de modo a afastar qualquer dúvida decorrente. Da mesma forma, a IN RFB n. 1.700/17, em seu art. 185, também confirma que o saldo amortizável será aquele apurado na data de aquisição do investimento.

Nesse contexto, atualmente não há qualquer dúvida quanto ao fato de que o valor do goodwill amortizável após a absorção do patrimônio da pessoa jurídica a que se referia o ágio pela investidora (ou vice-versa) será o valor registrado no momento da aquisição, independentemente de eventuais reduções posteriores, reconhecidas em razão do teste de recuperabilidade.

b) Créditos da contribuição ao PIS e da COFINS do regime não cumulativo sobre bens do ativo imobilizado. Os efeitos do impairment

O segundo aspecto a ser abordado pelo presente trabalho diz respeito à apuração de créditos da contribuição ao PIS e da COFINS no regime da não cumulatividade sobre bens do ativo imobilizado. As Leis n. 10.637, de 2002, e n. 10.833, de 2003, assim dispõem sobre o assunto:

“Art. 3º Do valor apurado na forma do art. 2º a pessoa jurídica poderá descontar créditos calculados em relação a:

[...]

VI – máquinas, equipamentos e outros bens incorporados ao ativo imobilizado, adquiridos ou fabricados para locação a terceiros ou para utilização na produção de bens destinados à venda ou na prestação de serviços.

[...]

§ 1º O crédito será determinado mediante a aplicação da alíquota prevista no caput do art. 2º desta Lei sobre o valor:

[...]

III – dos encargos de depreciação e amortização dos bens mencionados nos incisos VI, VII e XI do caput, incorridos no mês;”

Como se vê, nos termos do art. 3º, inciso VI, e § 1º, inciso III, das Leis n. 10.637, de 2002, e n. 10.833, de 2003, o valor do crédito apurado sobre os bens do ativo imobilizado será determinado mediante a aplicação das respectivas alíquotas (1,65% para a contribuição ao PIS e 7,6% para a COFINS) sobre os encargos de depreciação dos bens do ativo imobilizado.

Especialmente no que se refere a eventual impacto do impairment na apuração do valor do crédito, deve-se notar que quando determinado bem sofre um ajuste em razão da realização do teste de recuperabilidade, o seu valor contábil diminui e consequentemente também diminuem os encargos de depreciação, amortização ou exaustão registrados contabilmente17. No tópico 2 do presente trabalho, verificou-se que o item 63 do Pronunciamento Técnico CPC 01 estabelece que, após o reconhecimento da perda por desvalorização, a entidade deverá ajustar, nos períodos futuros, os encargos de depreciação, amortização ou exaustão do ativo, considerando o novo valor do ativo, bem como eventual valor residual.

É exatamente nesse cenário que se verifica a controvérsia em questão. Isto porque não existe na legislação uma norma expressa estabelecendo o tratamento a ser conferido à apropriação do crédito sobre a parcela relativa ao impairment. Sobre essa questão surgem dois caminhos possíveis: a perda de parte do crédito relativo ao impairment ou a apropriação do crédito integralmente.

Diante do silêncio da legislação, impõe-se chamar atenção para a Solução de Consulta da Coordenação-Geral de Tributação (COSIT) n. 672, de 2017, publicada no Diário Oficial da União de 2 de janeiro de 2018.

Naquela oportunidade, a COSIT foi provocada a se manifestar a respeito da apuração de créditos sobre bens do ativo imobilizado, calculados com base nos encargos de depreciação. Mais precisamente, o consulente indagou se era possível a apropriação de créditos da contribuição ao PIS e da COFINS sobre quotas de depreciação calculadas com base nas taxas de depreciação fiscal previstas na Instrução Normativa SRF n. 162, de 1998, aplicável somente ao IRPJ e à CSL, conforme autorizava a Instrução Normativa SRF n. 457, de 2004.

A decisão concluiu no sentido de que era possível a apropriação de créditos da contribuição ao PIS e da COFINS com base nas taxas de depreciação aplicáveis para o IRPJ. A fundamentação para tal entendimento, segundo a decisão, é a interpretação conjunta da IN SRF n. 457/2004 e do art. 124, § 1º e Anexo III, da IN RFB n. 1. 700/2017.

Ocorre que, além de se manifestar sobre o questionamento apresentado, a Solução de Consulta em referência também abordou aspecto relativo ao impairment, tendo afirmado que, em caso de redução do valor recuperação de ativos, a pessoa jurídica não poderá apropriar créditos relativos à diferença entre os encargos de depreciação admitidos pela RFB e aqueles registrados contabilmente. Confira-se a ementa da decisão:

“Regime tributário de transição. Lei nº 12.973, de 2014. Novas normas contábeis. Encargos de depreciação.

Para efeitos de apuração dos encargos de depreciação que servem de base de cálculo dos créditos estabelecidos pelo inciso VI do caput do art. 3º da Lei nº 10.637, de 2002, permanecem aplicáveis as taxas de depreciação fixadas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) (Instrução Normativa SRF nº 162, de 1998, sucedida pelo Anexo III da Instrução Normativa RFB nº 1.700, de 2017), mesmo após a vigência da Lei nº 12.973, de 2014.

A aplicação do instituto contábil da redução ao valor recuperável de ativos (impairment test) (Resolução 2010/001292 NBC TG 01- Redução ao Valor Recuperável de Ativos, do Conselho Federal de Contabilidade) enseja alteração do valor dos encargos de depreciação relativos a determinado ativo utilizado no cálculo do crédito da Contribuição para o PIS/PASEP estabelecido pelo inciso VI do caput do art. 3º da Lei nº 10.637, de 2002.

É vedada a apuração de créditos da não cumulatividade da Contribuição para o PIS/PASEP sobre a diferença entre o valor dos encargos de depreciação registrados contabilmente mediante aplicação do instituto contábil da redução ao valor recuperável de ativos (impairment test) e os encargos de depreciação tradicionalmente permitidos para fins fiscais (calculados com base no custo de aquisição do ativo).” (Destaques aqui apostos)

Especialmente sobre o instituto do impairment, a decisão asseverou que ele recebeu expresso tratamento pela Lei n. 12.973, de 2014, do ponto de vista do IRPJ e da CSL, mas não houve regulamentação para fins das contribuições em foco. Diante disso, a COSIT afirmou que a inexistência de tratamento específico desse instituto é indicativo da intenção do legislador de permitir que a aplicação desse instituto contábil produza efeito na apuração das contribuições.

Assim, considerando que a aplicação do impairment representa redução do montante dos encargos de depreciação do ativo, diante do silêncio da Lei n. 12.973, de 2014, a solução de consulta conclui no sentido de que “é vedada a apuração de créditos da não cumulatividade da COFINS sobre a diferença entre o valor dos encargos de depreciação registrados contabilmente mediante aplicação do instituto contábil da redução ao valor recuperável de ativos (impairment test) e os encargos de depreciação tradicionalmente permitidos para fins fiscais (calculados com base no custo de aquisição do ativo).”

Antes de iniciar a análise da controvérsia propriamente dita, deve-se destacar a aparente incoerência entre as conclusões da manifestação do Fisco. Isto porque a própria COSIT admite a adoção de regras de IRPJ para fins de determinar as taxas de depreciação aplicáveis para se apurar o valor do crédito das contribuições em foco sobre bens do ativo imobilizado, mas não segue a mesma linha para definição de qual será o valor do ativo sobre o qual serão aplicadas as referidas taxas. No que se refere ao IRPJ, conforme exposto no tópico 3 do presente trabalho, a depreciação é calculada sobre o custo de aquisição do bem, não sendo consideradas, consequentemente, as perdas reconhecidas em razão do impairment, as quais são indedutíveis até a realização do bem mediante baixa ou alienação (art. 32 da Lei n. 12.973, de 2014). Assim, parece mais coerente que a admissibilidade da aplicação de regras do IRPJ para as contribuições em tela ocorra por inteiro, e não somente com relação às taxas definidas em instruções normativas da Receita Federal.

Além desse primeiro aspecto, também deve ser contestado o raciocínio defendido pela decisão, no sentido de que as normas contábeis que não se encontram expressamente neutralizadas deveriam gerar efeitos tributários, o que levaria à conclusão de que, em razão da inexistência de regulamentação específica, não seria permitida a apropriação de créditos sobre o montante baixado em razão do impairment.

Primeiramente, deve-se registrar que a decisão não faz nenhuma consideração a respeito da possibilidade de apropriação de créditos sobre o valor baixado. Ao contrário, a solução de consulta afirma expressamente que a diferença entre o valor dos encargos registrados mediante a aplicação do impairment e o valor dos encargos previstos para fins fiscais não seria passível de apropriação de créditos. A conclusão que se extrai da decisão, portanto, é que o contribuinte perderia o crédito calculado sobre essa parcela do valor do bem baixada em razão do impairment, em razão de não haver previsão legal que permita tais créditos.

A referida interpretação parece decorrer da previsão contida no art. 58 da Lei n. 12.973, de 2014:

“Art. 58. A modificação ou a adoção de métodos e critérios contábeis, por meio de atos administrativos emitidos com base em competência atribuída em lei comercial, que sejam posteriores à publicação desta Lei, não terá implicação na apuração dos tributos federais até que lei tributária regule a matéria.”

Admitindo que as normas contábeis sigam sendo alteradas após a Lei n. 12.973, o legislador editou o referido dispositivo, estabelecendo que as novas normas contábeis não terão efeito até a sua efetiva regulação por lei. Consequentemente, para novas normas contábeis posteriores à Lei n. 12.973, de 2014, há um cenário de neutralização. A partir dessa previsão, ou seja, da neutralização fiscal de atos posteriores à Lei n. 12.973, de 2014, pode-se entender que os atos anteriores a essa lei não regulados expressamente devem acarretar efeitos na apuração dos tributos.

Esse entendimento nem sempre está correto, conforme bem destacou Ricardo Mariz de Oliveira18. Segundo o ilustre jurista a Lei n. 12.973, de 2014, deve ser interpretada e aplicada de forma harmônica com as demais normas vigentes no ordenamento jurídico. E não poderia ser diferente, tendo em vista que a Lei n. 12.973, de 2014, não inaugurou a tributação sobre a renda, tendo somente trazido novidades num cenário preexistente. Assim, é mandatória a sua interpretação em conformidade com as demais normas vigentes.

Feitas essas primeiras observações, relativas à manifestação do Fisco sobre o assunto, passa-se a analisar qual a melhor solução para essa controvérsia: a admissibilidade da apropriação do crédito integralmente, inclusive sobre a parcela relativa ao impairment ou, ao contrário, a vedação da apropriação do crédito sobre a perda registrada em razão do impairment.

Para iniciar a análise, cumpre atentar para o fato de que a edição do regime da não cumulatividade das contribuições em foco busca a correção de distorções do regime cumulativo, mitigando o efeito da tributação em cascata, ou seja, a incidência de tributo sobre tributo. Assim, o regime da não cumulatividade intenta a tributação sobre o valor agregado, reduzindo o efeito danoso da tributação em cascata, buscando aumentar a competitividade das empresas brasileiras no cenário nacional e internacional19.

Desse modo, o legislador previu um regime da não cumulatividade, adotando o Método Subtrativo Indireto, ou simplesmente “base contra base”, por meio do qual são previstas uma série de hipóteses legais que conferem direito à apropriação de créditos. Essas hipóteses estão previstas nos incisos do art. 3º das Leis n. 10.637, de 2002, e n. 10.833, de 2003.

Como se pode inferir das hipóteses de creditamento previstas na legislação, o sentido é justamente conferir crédito sobre os itens aplicados na produção ou prestação de serviço, com o intuito de mitigar o mencionado efeito danoso da tributação em cascata. Assim, ao conferir crédito sobre custos e despesas incorridos na produção ou prestação de serviço, em tese há a extinção ou mitigação do efeito cascata em questão, o que, também numa perspectiva hipotética, aumenta a eficiência de toda a cadeia produtiva, aumentando a competitividade do empresário brasileiro.

Nessa ordem de ideais é que o inciso VI do art. 3º das Leis n. 10.637, de 2002, e n. 10.833, de 2003, permite a apropriação de crédito sobre “máquinas, equipamentos e outros bens incorporados ao ativo imobilizado, adquiridos ou fabricados para locação a terceiros ou para utilização na produção de bens destinados à venda ou na prestação de serviços”. Realmente, como no custo de aquisição de ativos também estão embutidos valores das contribuições ao PIS e COFINS sobre as receitas do alienante desses bens, e considerando que esses ativos são utilizados para viabilizar a produção ou a prestação de serviços, direta ou indiretamente, a admissibilidade do crédito nessa hipótese atinge perfeitamente o intuito do legislador e a própria coerência do sistema da não cumulatividade.

Dessa forma, não é necessário muito esforço para se verificar que a vedação ao direito ao crédito sobre a parcela de redução do valor do ativo, em razão do impairment, contraria frontalmente a própria sistemática da não cumulatividade, pois não há qualquer sentido em vedar a apropriação de crédito relativo a custo efetivamente pago pela pessoa jurídica. A linha de raciocínio defendida pela decisão em questão parece contrariar não apenas a letra fria do inciso VI do art. 3º das Leis n. 10.637, de 2002, e n. 10.833, de 2003, mas também a sua própria finalidade.

Os incisos em questão admitem o desconto de créditos sobre “máquinas, equipamentos e outros bens incorporados ao ativo imobilizado”, o que significa a admissibilidade de créditos sobre as aquisições dos bens. O dispositivo que autoriza a apropriação do crédito admite que ele seja calculado sobre o valor de aquisição do bem. O inciso III do § 1º, que dispõe sobre a determinação do crédito, prevê a forma de cálculo e o momento de apropriação do crédito, sendo que o legislador determinou que se fosse apropriado o crédito a partir dos encargos de depreciação incorridos.

De fato, os incisos do art. 3º são os responsáveis por prever as hipóteses de creditamento no âmbito do regime da não cumulatividade, ao passo que o § 1º prevê a metodologia de cálculo do referido crédito. Essa disposição, contudo, deve ser interpretada em conjunto com a previsão contida nos incisos do art. 3º, que admite o creditamento sobre o bem adquirido e incorporado ao ativo imobilizado. Não se pode, consequentemente, admitir a limitação do valor do crédito a ser apropriado pela pessoa jurídica em razão do impairment, tendo em vista que a norma que autoriza o crédito, inciso VI do art. 3º das Leis n. 10.637, de 2002, e n. 10.833, de 2003, admite a apropriação do crédito sobre o valor do bem.

Tal raciocínio se confirma, também, pelo fato de o ordenamento jurídico possuir disposições extraordinárias sobre a apropriação de crédito especificamente sobre máquinas e equipamentos. É o caso, por exemplo, dos arts. 1º da Lei n. 11.774, de 2008, e do § 14 do art. 13 da Lei n. 10.833, de 2003, o qual se transcreve a seguir:

“§ 14. Opcionalmente, o contribuinte poderá calcular o crédito de que trata o inciso III do § 1º deste artigo, relativo à aquisição de máquinas e equipamentos destinados ao ativo imobilizado, no prazo de 4 (quatro) anos, mediante a aplicação, a cada mês, das alíquotas referidas no caput do art. 2º desta Lei sobre o valor correspondente a 1/48 (um quarenta e oito avos) do valor de aquisição do bem, de acordo com regulamentação da Secretaria da Receita Federal.”

As normas em questão permitem opcionalmente, no caso de aquisição de máquinas e equipamentos, que a apropriação do crédito seja desvinculada dos encargos de depreciação, em quatro anos (§ 14 do art. 3º da Lei n. 10.833, de 2003) ou imediatamente (art. 1º da Lei n. 11.774, de 2008). Essas disposições confirmam que a legislação autoriza o crédito sobre o valor integral de aquisição do bem, não havendo sentido na sua limitação em razão do reconhecimento de perda pelo impairment.

Ora, qual o sentido da norma geral impor uma limitação ao valor do crédito no caso do impairment e as normas excepcionais não possuírem tal disposição? Percebe-se, portanto, que a alternativa de vedação do crédito sobre a parcela de redução do valor do bem decorrente do impairment milita não somente contra a lógica do sistema, mas também contra a própria coerência que se espera do ordenamento tributário, o que evidencia que tal alternativa não pode prosperar.

Caso se analise a situação sob outra perspectiva, chegar-se-á à mesma conclusão. Conforme exposto acima, a Solução de Consulta concluiu que as taxas de depreciação previstas para a legislação do imposto de renda são aplicáveis para definição dos créditos da contribuição ao PIS e da COFINS a serem apropriados.

No tópico 3 do presente trabalho, foi visto que no âmbito da legislação do imposto de renda o impairment tem efeitos neutros, conforme art. 59 da Lei n. 12.973, de 2014, não impactando, consequentemente, no valor da depreciação dedutível fiscalmente (art. 57 da Lei n. 4.506, de 1964). Desse modo, se é admitida a aplicação da legislação do imposto de renda para apuração da base de cálculo das contribuições, quando se afirma que os créditos podem ser calculados a partir da taxa de depreciação fiscal definida pela Receita Federal do Brasil para o imposto sobre a renda, deve ser admitida também a neutralidade do impairment na apuração dos referidos créditos. Ou seja, deve-se admitir o crédito sobre a integralidade do valor de aquisição do bem, também para prestigiar a lógica, a coerência e a integralidade do ordenamento jurídico.

Essa linha de raciocínio permite um sistema coeso e uniforme, em que as normas de ambos os tributos são convergentes, partindo da própria premissa já utilizada pelo Fisco, no sentido de que determinadas normas da legislação do imposto sobre a renda são aplicáveis às contribuições em análise. Essa linha de interpretação também encontra suporte no postulado do legislador coerente, que estabelece que o legislador não deve adotar caminhos incoerentes com o que já fez no passado, pois está comprometido com as suas decisões anteriores, a menos que haja justificação e fundamentação para tal distanciamento20.

Esse é mais um fundamento que afirma que a legislação permite o crédito sobre o valor do bem adquirido, conforme exposto acima, não havendo supedâneo legal para entendimento diverso, que vede a apropriação sobre a perda reconhecida em razão do impairment.

E o crédito será apropriado no momento do reconhecimento da perda, ou seja, quando for registrado o impairment. O suporte legal para o reconhecimento da perda nesse momento, senão o inciso VI do art. 3º, será o inciso II do mesmo art. 3º, que admite o creditamento sobre os insumos aplicados na produção.

Importante registrar que, a despeito de a perda não ser um item aplicado na produção ou prestação de serviço, o que em tese afastaria a possibilidade de se considerar essa redução do valor como insumo, trata-se da perda de valor de um bem efetivamente utilizado pela empresa em suas atividades, de modo que ela se encaixa na disposição legal em questão, sendo permitido o creditamento seja com base no inciso VI, seja com base no inciso II.

O recurso ao inciso II se faz necessário porque a norma do inciso III do § 3º, que prevê a metodologia de cálculo do crédito relativo ao bem do ativo imobilizado, vincula esse creditamento aos encargos de depreciação. Como a perda decorrente do impairment não representa encargo de depreciação, a apropriação do crédito fica, numa interpretação literal do dispositivo, impossibilitada com base no inciso VI, pois a situação não se encaixa na norma que define o momento e o valor do crédito que será apropriado.

Contudo, no caso dos insumos, o inciso I do § 1º dispõe que o crédito é calculado sobre o valor de aquisição do bem, onde se enquadra a situação do impairment, que é justamente a redução do valor contábil do ativo, inicialmente registrado pelo seu valor de aquisição.

Por fim, a exposição feita acima também se confirma a partir do princípio da isonomia, eis que se admitida a vedação ao creditamento sobre a perda decorrente do impairment também se estará privilegiando uma distinção odiosa entre pessoas jurídicas em situação similar, sem qualquer fundamento para tanto, em evidente afronta ao princípio da isonomia.

Nesse ponto, vale ressaltar que a isonomia é sempre relativa, devendo ser verificada diante de determinado parâmetro preestabelecido, de modo que duas pessoas podem ser iguais ou diferentes, dependendo do parâmetro de comparação definido21.

Pois bem. A aplicação do princípio da isonomia na presente situação pode ser explicada por um exemplo. Suponha-se que duas empresas, A e B, adquiram máquinas idênticas para a produção de determinado produto. Nos termos da legislação em vigor, as empresas estão autorizadas a se apropriar de créditos da contribuição ao PIS e da COFINS sobre essa máquina. Ocorre que somente a empresa A, em determinado período, reconhece perda por desvalorização de bem em razão de impairment.

Nestas duas hipóteses, partindo-se da premissa adotada pela COSIT, a empresa A apurará créditos da contribuição ao PIS e da COFINS em valores inferiores àqueles apurados pela empresa B, sem qualquer fundamento legal para esse tratamento distinto.

Realmente, essa diferenciação de tratamentos não encontra respaldo nas Leis n. 10.637, de 2002, n. 10.833, de 2003, e n. 12.973, de 2014, visto que em nenhum momento se encontra tal comando normativo naquela norma. Dessa forma, a interpretação conferida pela decisão ora comentada acarreta um tratamento diferente a duas situações idênticas, visto que o antecedente da norma, qual seja, aquisição de máquina utilizada para a produção de determinado produto foi preenchido em ambos os casos.

Ademais, deve-se notar que, ainda partindo do exemplo acima citado, a pessoa jurídica A que teve o seu patrimônio diminuído em razão do impairment, de modo que se admitindo o raciocínio exposto na Solução de Consulta, também teria direito a crédito inferior do que B, sendo que ambas adquiriram o bem com tributação idêntica.

Aqui é importante registrar que toda norma possui um antecedente e um consequente. No presente cenário, o antecedente é justamente a aquisição de bem efetivamente tributado pelas contribuições em tela e a incorporação do bem em seu ativo imobilizado. O consequente é a apropriação do crédito. Somente isso. Não há nenhuma previsão de diminuição ou restrição do crédito em razão da avaliação contábil do bem.

Tal assertiva encontra lastro no primado “ubi lex non distinguir, nec nos distinguere debemus”, segundo o qual onde a lei não distingue não cabe ao interprete distinguir. Ora, se a lei não fez qualquer distinção neste sentido, até porque tal distinção é contra o próprio intuito da norma, tem-se que não pode o intérprete assim o fazer22.

Segundo Leandro Paulsen, ocorre ofensa à isonomia quando contribuintes em situações equivalentes são tratados de forma distinta, sem que haja um critério justificável para tal diferenciação23. Similarmente, Humberto Ávila consigna que o tratamento desigual deve estar fundamentado em justificativa fundamentada, não bastando que haja autorização para tal distinção24.

Portanto, percebe-se que ofensa à isonomia ocorre quando o tratamento distinto entre pessoas em situações iguais não possui fundamento legal. Esse tratamento distinto também contraria o postulado do legislador coerente, segundo o qual o legislador deve adotar caminhos congruentes com o que já fez no passado. Esse postulado não significa, como ensina Humberto Ávila, que o legislador não possui liberdade de configuração, mas significa que há um limite para a atividade legislativa, para que essa ação seja justificada e congruente. Nas palavras daquele jurista, “legislador é livre, desde que coerente”25.

Finalmente, impõe-se, ainda, fazer algumas considerações sobre dois aspectos: a possibilidade de creditamento sobre uma perda estimada e o tratamento no caso de reversão da perda por impairment.

Nos tópicos preliminares foi visto que o impairment é uma perda estimada e que a legislação do imposto sobre a renda confere um tratamento de provisão, ou seja, neutro fiscalmente na apuração daqueles tributos. Foi dito também que esse tratamento está de acordo com o princípio da realização, que rege a incidência do imposto sobre a renda. Diante disso, surge a dúvida se seria permitida a apropriação do crédito sobre uma perda estimada.

Apesar de aparentemente contrariar a lógica do imposto sobre a renda, em que não se admite a dedução de perdas estimadas, a apropriação do crédito no momento do registro do impairment visa garantir a coerência do próprio regime da não cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS, bem como evitar a distorção relativa à não apropriação de crédito garantido legalmente.

Assim, ainda que chame atenção o fato de estar se defendendo a apropriação de crédito sobre a perda estimada, deve-se ressaltar que o direito em questão nasceu no momento da aquisição do bem, de modo que, a todo rigor, a apropriação do crédito no momento do reconhecimento do impairment está em linha com a própria sistemática de apropriação do crédito com a depreciação, pois ambos os institutos preveem a redução do valor do bem.

O segundo ponto digno de comentário é a possível reversão do impairment, aspecto tratado no tópico 2 do presente trabalho. Imagine-se que em determinado período a pessoa jurídica reconheça o impairment, reduzindo o valor de determinado bem e apropriando o crédito com base na redução em questão. A partir do novo valor do bem, a pessoa jurídica deverá ajustar os encargos de depreciação que serão reconhecidos contabilmente e que servirão como base para o creditamento no regime da não cumulatividade. Ainda hipoteticamente, caso a perda seja revertida posteriormente, com aumento do valor do bem, quando a empresa deverá novamente ajustar os encargos de depreciação que serão reconhecidos, a empresa deverá cuidar para que não haja tomada de crédito em duplicidade. Destarte, em caso de reversão da perda, com o consequente aumento das quotas de depreciação, a pessoa jurídica deverá apropriar o crédito somente até o limite do que ainda não foi apropriado em razão do impairment, evitando a tomada em duplicidade.

Diante do exposto, conclui-se que a legislação autoriza a apropriação do crédito sobre o valor integral do bem registrado no ativo imobilizado, independentemente de eventual redução desse valor em razão do reconhecimento do impairment, tendo em vista que:

i) Negar o crédito significa contrariar a própria lógica e a finalidade do regime da não cumulatividade, que é afastar a tributação em cascata e privilegiar a eficiência tributária;

ii) Há autorização expressa à apropriação do crédito sobre o valor do bem adquirido (inciso VI do art. 3º das Leis n. 10.637, de 2002, e n. 10.833, de 2003), não se podendo admitir que o dispositivo que trata da metodologia de cálculo do crédito (inciso III do § 1º) se sobreponha sobre a norma que efetivamente o concede; e

iii) Negar o crédito é afrontar o princípio da isonomia, eis que, estar-se-ia diante de distinção odiosa entre pessoas em situações idênticas.

5. Conclusão

Conforme exposto inicialmente, o intuito do presente trabalho era aprofundar o estudo da figura do impairment e verificar qual o tratamento conferido pela legislação tributária para ela.

Foi visto que a Lei n. 12.973, de 2014, confere total neutralidade ao instituto no que diz respeito à apuração do IRPJ e da CSL, o que se verifica a partir dos arts. 22, 32 e 59.

No item 4 foram analisadas duas situações distintas, uma em que o impairment foi expressamente neutralizado para fins fiscais e outra que não foi expressamente regulada, que é o caso do crédito da contribuição ao PIS e da COFINS sobre bens do ativo imobilizado sujeitos ao impairment.

Como exposto no tópico 4.2, a legislação garante o direito da pessoa jurídica de apropriar-se do crédito sobre o montante integral do custo de aquisição do bem registrado no ativo imobilizado, de modo que eventual perda em razão de impairment não pode acarretar a vedação do direito à apropriação do crédito integral, sob pena de contrariar o regime da não cumulatividade.

Em suma, o que se verifica é que apesar de o legislador aparentemente ter buscado conferir neutralidade para o instituto do impairment, é possível que haja situações não regulamentadas, as quais requerem uma análise acurada e individualizada, para que os eventuais conflitos decorrentes sejam devidamente solucionados.

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1 O presente estudo foi elaborado como requisito para conclusão do curso de especialização em Direito Tributário no Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT), do ano de 2017, sob a orientação do Dr. Bruno Fajersztajn, a quem agradeço pela orientação profícua e desafiadora, assim como pelo apoio e ensinamentos transmitidos em nosso convívio profissional diário no escritório Mariz de Oliveira e Siqueira Campos Advogados.

2 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Lei n. 12.973/2014 – efeitos tributários das modificações contábeis (escrituração x realismo jurídico). In: RODRIGUES, Daniele Souto; e MARTINS, Natanael (coord.). Tributação atual da renda: estudo da Lei n. 12.973/2014: da harmonização jurídico-contábil à tributação de lucros do exterior. 1 ed. São Paulo: Noeses, 2015, p. 333/334.

3 BIFANO, Elidie Palma. Reflexões sobre alguns aspectos da Lei nº 12.973/2014. In: RODRIGUES, Daniele Souto; MARTINS, Natanael (coord.). Tributação atual da renda: estudo da Lei n. 12.973/14: da harmonização jurídico-contábil à tributação de lucros do exterior. São Paulo: Noeses, 2015, p. 82-83.

4 PINTO, Alexandre Evaristo. A avaliação a valor justo e a disponibilidade econômica da renda. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; e LOPES, Alexsandro Broedel (coord.). Controvérsias Jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2015. v. 6, p. 24.

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5 O referido Pronunciamento foi aprovado pela Deliberação n. 527, de 2007, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que tornou obrigatória a utilização para as companhias abertas.

6 BOLLMANN, Frank; e JOEST, Andreas. Teste para redução ao valor recuperável. In: CATTY, James P. IFRS: guia de aplicação do valor justo. Porto Alegre: Bookman, 2013.

7 BIFANO, Elidie Palma. Aspectos contábeis da Lei 11.638/07: reflexos legais. In: ROCHA, Sergio André (coord.). Direito tributário, societário e a reforma da Lei das S/A – inovações da Lei 11.638. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 64-66.

8 ANDRADE FILHO, Edmar de Oliveira. Questões jurídicas em torno da figura do AAP – Ajuste de Avaliação Patrimonial. In: ROCHA, Sergio André (coord.). Direito tributário, societário e a reforma da Lei das S/A – alterações das Leis nº 11.638/07 e nº 11.941/09. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p. 148 e 149.

9 Realmente, a Lei n. 12.973, de 2014, não revogou esses dispositivos, de modo que os mesmos seguem em vigor, conforme art. 9º da Lei Complementar n. 95, de 1998. Ademais, o próprio art. 1º da Lei n. 12.973, de 2014, afirma que “o IRPJ, a CSL, a contribuição ao PIS e a COFINS serão determinados segundo as normas da legislação vigente, com as alterações desta Lei”.

10 Art. 13, inciso I, da Lei n. 9.249, de 1995.

11 BIANCO, João Francisco. Impairment: reflexos contábeis e tributários. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; e LOPES, Alexsandro Broedel (coord.). Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2015. v. 6, p. 280.

12 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 37 e seguintes.

13 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 373 a 375.

POLIZELLI, Victor Borges. O princípio da realização da renda. Reconhecimento de receitas e despesas para Fins do IRPJ. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 31.

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14 A despeito disso, é importante ressaltar que a legislação possui autorização, em seu art. 9º da Lei n. 9.430, de 1996, para a dedutibilidade de perdas de forma antecipada, desde que cumpridos determinados requisitos. Essa norma, contudo, está de acordo com a sistemática do imposto sobre a renda, tendo em vista que admite que a pessoa jurídica reconheça perda referente a crédito inadimplido, o qual provavelmente já afetou o resultado tributário anteriormente, mediante o reconhecimento da receita. Essa norma, além de representar correta disposição do ponto de vista econômico, também atende ao princípio da capacidade contributiva, admitindo a antecipação de perda relativa à receita já reconhecida e tributada anteriormente.

15 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 373 a 375.

POLIZELLI, Victor Borges. O princípio da realização da renda. Reconhecimento de receitas e despesas para Fins do IRPJ. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 31.

16 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 375.

17 Importante destacar que, durante a vigência do RTT, nos termos do art. 21 do Parecer Normativo COSIT n. 1, de 2011, eventuais diferenças no cálculo da depreciação de bens do ativo imobilizado decorrentes dos novos critérios contábeis não tinham efeito na apuração do IRPJ, da CSLL, da contribuição ao PIS e da COFINS.

18 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Lei n. 12.973/2014 – efeitos tributários das modificações contábeis (escrituração x realismo jurídico). In: RODRIGUES, Daniele Souto; e MARTINS, Natanael (coord.). Tributação atual da renda: estudo da Lei n. 12.973/2014: da harmonização jurídico-contábil à tributação de lucros do exterior. 1. ed. São Paulo: Noeses, 2015, p. 329-346.

19 A Exposição de Motivos da Medida Provisória n. 135, de 2003, que originou a Lei n. 10.833, de 2003, é cristalina: “O principal objetivo das medidas ora propostas é o de estimular a eficiência econômica, gerando condições para um crescimento mais acelerado da economia brasileira nos próximos anos. Neste sentido, a instituição da COFINS não cumulativa visa corrigir distorções relevantes decorrentes da cobrança cumulativa do tributo, como por exemplo a indução a uma verticalização artificial das empresas, em detrimento da distribuição da produção por um número maior de empresas mais eficientes – em particular empresas de pequeno e médio porte, que usualmente são mais intensivas em mão de obra.”

20 ÁVILA, Humberto Bergman. O “postulado do legislador coerente” e a não-cumulatividade das contribuições. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Grandes questões atuais do direito tributário. 1. ed. São Paulo: Dialética, 2007. v. 11, p. 177/178.

21 TIPKE, Klaus. Princípio da igualdade e ideia de sistema no direito tributário. Tradução de Luís Eduardo Schoueri. In: MACHADO, Brandão (coord.). Direito tributário: estudos em homenagem ao Prof. Ruy Barbosa Nogueira. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 518-520.

22 Carlos Maximiliano (Hermenêutica e aplicação do direito. 20. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 201) ensina que “quando o texto dispõe de modo amplo, sem limitações evidentes, é dever do intérprete aplicá-lo a todos os casos particulares que se possam enquadrar na hipótese geral prevista explicitamente; não tente distinguir entre as circunstâncias da questão e as outras; cumpra a norma tal qual é, sem acrescentar condições novas, nem dispensar nenhuma das expressas.”

23 PAULSEN, Leandro. Direito tributário. Constituição e Código Tributário à luz da doutrina e da jurisprudência. 12. ed. Porto Alegre, 2010, p. 183.

24 ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 197.

25 ÁVILA, Humberto Bergman. O “postulado do legislador coerente” e a não-cumulatividade das contribuições. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (coord.). Grandes questões atuais do direito tributário. 1. ed. São Paulo: Dialética, 2007. v. 11, p. 175/183.