Inconstitucionalidade da Tributação na Adoção Inicial da Lei n. 12.973/2014 dos Resultados Oriundos de Concessões de Serviços Públicos
The Unconstitutional Taxation of Public Service Concession Arrangements in the Initial Adoption of Law 12,973/2014
Diego Aubin Miguita
Mestrando em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo. Pós-graduado em Gestão Tributária pela FIPECAFI – FEA/USP. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Advogado em São Paulo. E-mail: dmiguita@vbso.com.br.
Resumo
Após anos de neutralidade tributária das normas internacionais de contabilidade assegurada pelo Regime Tributário de Transição – RTT, a Lei n. 12.973/2014 estabeleceu regras que consideram os novos paradigmas contábeis para fins da apuração do IRPJ, da CSLL, da contribuição ao PIS e da COFINS. No caso de contratos de concessão de serviços públicos, a adoção inicial da Lei n. 12.973/2014 previu a tributação da diferença positiva entre o resultado que serviu de ponto de partida para apuração do lucro real até a edição da Lei n. 12.973/2014 e aquele que seria verificado caso a apuração tributária seguisse as normas previstas nesse diploma legal. Este trabalho busca demonstrar a inconstitucionalidade dessa previsão, considerando que a tributação de resultados de períodos pretéritos com base em regras posteriormente criadas viola o princípio da irretroatividade. Da perspectiva infraconstitucional, procura-se demonstrar que houve afronta à neutralidade tributária assegurada durante o período de vigência do RTT.
Palavras-chave: tributário, padrões internacionais de contabilidade, Lei n. 12.973/2014, RTT, concessionárias de serviço público.
Abstract
After years of tax neutrality of the international accounting standards ensured by the Transitional Tax Regime, the Law 12,973/2014 set forth a set of rules that established the new accounting paradigms as an initial parameter of corporate taxes calculation (income and revenue taxes). In the specific case of public service concession contracts, the initial adoption of Law 12,973/2014 gave rise to the taxation of the positive difference between (i) the result that served as tax basis for calculating the taxable income until Law 12,973/2014 and (ii) the result that would be verified if the tax basis had observed the rules established in that law, assuming it had to have been applied. This paper aims to demonstrate the unconstitutionality of such prediction, based on the fact that new legislation is not allow to set forth taxation of results related to previous periods due to the principle of non-retroactivity of tax law. From the infraconstitutional perspective, it is demonstrated that there are substantial arguments to support the understanding that the aforementioned taxation – related to the initial adoption of Law 12,973/2014 – is unconstitucional and violates the premisses of income taxatiom.
Keywords: taxation, international accounting standards, Law 12,973/2014, RTT, public service concession contracts
Introdução
Há cerca de dez anos, a legislação comercial brasileira iniciou o processo de convergência aos padrões internacionais de contabilidade, seguindo a tendência mundial de harmonização dos métodos e critérios contábeis, com vistas à melhoria da informação contábil transmitida aos mais diversos usuários1. Esse início da ruptura legal com os padrões contábeis geralmente aceitos no Brasil ocorreu por meio da promulgação da Lei n. 11.638/2007 e da Lei n. 11.941/2009 (fruto da conversão da Medida Provisória n. 449/2008), as quais introduziram significativas mudanças na disciplina jurídico-contábil constante da Lei n. 6.404/1976, fruto dos International Financial Reporting Standards – IFRS.
A exposição de motivos da Lei n. 11.638/20072 evidenciou o escopo da alteração dos métodos e critérios contábeis aplicáveis no Brasil no que tange à elaboração e divulgação de demonstrações financeiras: “modernizar e harmonizar as disposições da lei societária em vigor com os princípios fundamentais e melhores práticas contábeis internacionais”.
Nesse ponto, é válido destacar, ainda que brevemente, a influência de diversos fatores sobre a normatização contábil de um país, como, por exemplo, a cultura, a economia, o pensamento jurídico, o poder, os interesses em jogo, entre outros3. No Brasil, por conta do sistema jurídico baseado no Direito romano, a normatização contábil foi, historicamente, guiada por regras previstas em lei, permeada pelo pensamento de que tanto melhor quanto mais e em maiores detalhes fossem previstos os procedimentos (rules oriented).
E não somente o sistema jurídico interferiu definitivamente na normatização contábil ao longo das últimas décadas, mas os destinatários principais da informação contábil, que eram – no Brasil – os credores das entidades. Dado o papel pouco expressivo do mercado de capitais no financiamento das atividades empresariais, a concentração do poder econômico sempre se concentrou nas instituições financeiras, principal fonte de financiamento externo das empresas. A junção do poder estatal com o poder econômico dominante se traduz na estipulação de regras detalhadas de contabilização, com a finalidade precípua de proteção dos credores.
Disso decorre a consagração, em países como o Brasil, do princípio do conservadorismo, como forma de proteger o credor e privilegiar os seus interesses. E, considerando que a arrecadação tributária é a principal receita pública, bem como diante de sistema jurídico que tem a normatização intensa por base, fica fácil perceber que o Estado, na condição de ente tributante, passa a editar leis em prol da regulamentação detalhada da contabilidade, sempre com o objetivo de facilitar a atividade fiscalizatória e arrecadatória4.
Martins5 destaca ponto curioso com relação ao conservadorismo como referencial teórico do período da contabilidade voltada ao Fisco e aos credores. O desenvolvimento da tributação sobre a renda faz com que, da perspectiva do empresário, quanto mais conservadora fosse a contabilidade (postergando o reconhecimento de lucros), mais postergado seria o pagamento do imposto.
Conquanto tal afirmação comporte ressalvas com relação à aptidão de métodos e critérios contábeis interferirem – em absoluto – na base de cálculo do imposto de renda, não retira o mérito de servir como uma das justificativas para a aceitação – ao menos no Brasil – da contabilidade orientada à arrecadação tributária, muito mais, aliás, do que para os credores, como fora nos primórdios. Este resumido histórico da adoção dos IFRS no Brasil é suficiente para contextualizar os intensos debates que têm surgido desde o início desse processo de separação entre direito tributário e contabilidade.
Especialmente com relação aos principais tributos corporativos, a saber IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, cuja materialidade captura conceitos precipuamente oriundos da legislação comercial e das ciências contábeis, a interface é indiscutível. Nesse campo, figuras como receita, custo, despesa, lucro líquido, patrimônio líquido, entre outras, assumem papel relevante, mesmo que seja para delimitar quais grandezas podem ou não integrar os critérios materiais e quantitativos da obrigação tributária.
A esse respeito, são extremamente pertinentes as reflexões de Schoueri e Tersi6, que destacam a importância atribuída pela legislação brasileira à forma como “os fenômenos contábeis deveriam ser registrados para que posteriormente sofressem tributação”. Bifano7, em sentido semelhante, também nota como o legislador, em relação aos tributos acima mencionados, “vale-se da contabilidade da entidade para determinar as suas bases de cálculo”.
No contexto de mudanças nos paradigmas contábeis e, consequentemente, da produção de efeitos em relação à tributação, o § 7º do art. 177 da Lei das S.A., na redação vigente até a promulgação da Lei n. 11.941/2009, exigia que os lançamentos efetuados exclusivamente para harmonização de normas contábeis e as demonstrações e apurações com eles elaboradas não poderiam ser tomados como base de incidência de impostos e contribuições e não poderiam gerar quaisquer outros efeitos tributários. Era a pregação da neutralidade absoluta para fins tributários.
Em seguida, com a promulgação da Lei n. 11.941/2009, a neutralidade fiscal das alterações contábeis foi reafirmada com a criação do chamado Regime Tributário de Transição (“RTT”), segundo o qual as alterações na legislação que modificassem o critério de reconhecimento de receitas, custos e despesas computadas na apuração do lucro líquido do exercício não teriam efeitos para fins de apuração do lucro real, devendo ser considerados, para fins tributários, os métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007.
Extinguindo o RTT, a Lei n. 12.973/2014 disciplinou (ainda que não integralmente) os efeitos tributários decorrentes da adoção dos novos métodos e critérios contábeis – neutralizando-os ou não, além de prever mecanismos de controle, os quais, conquanto relevantes, fogem ao escopo deste artigo.
O nosso foco está nas regras de tributação na adoção inicial dos novos paradigmas contábeis para fins de apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL previstas na Lei n. 12.973/2014. Nesse ponto, há flagrante inconstitucionalidade no que se refere aos contratos de concessão de serviços públicos, e, em atenção à clareza do racional que será construído, devemos rememorar, brevemente, as regras de apuração do lucro real.
De acordo com o art. 44 do Código Tributário Nacional, a base de cálculo do imposto de renda “é o montante, real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis”. Lucro real, por sua vez, nos termos do art. 6º do Decreto-lei n. 1.598/1977, é o “lucro líquido do exercício ajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas pela legislação tributária”. Ainda de acordo com este dispositivo legal, o lucro líquido “deverá ser determinado com observância dos preceitos da lei comercial”.
A partir do momento em que o resultado comercial apurado com base nos IFRS passa a ser o ponto de partida de apuração do IRPJ e da CSLL, o legislador tributário, ciente de que a neutralidade tributária decorrente do RTT não fora suficiente à preservação dos interesses fazendários, estabeleceu regras de tributação na adoção inicial das disposições da Lei n. 12.973/2014.
Basicamente, como será visto, o legislador adotou dois procedimentos distintos: (i) comparação de valor de ativos antes e após a introdução dos novos métodos e critérios contábeis, tributando-se eventual diferença positiva após entrada em vigor da Lei n. 12.973/2014; ou, (ii) no caso de contratos de concessão de serviços públicos, estabeleceu tributação sobre a diferença positiva de resultados, isto é, entre aquele que serviu de ponto de partida para apuração do lucro real até a edição da Lei n. 12.973/2014, e aquele que seria verificado caso a apuração tributária seguisse o novo parâmetro estabelecido pela referida lei desde o início da vigência do contrato. Nossa análise recairá sobre a situação indicada no item (ii) acima.
1. Da neutralidade tributária dos novos métodos e critérios contábeis
Dada a íntima relação guardada entre Direito Tributário e Contabilidade, havia consenso, na edição da Lei n. 11.638/2007, de que seria necessário um certo período de adaptação aos novos métodos e critérios contábeis, durante o qual a neutralidade tributária seria preservada. Se o chamado “padrão IFRS” ou “Nova Contabilidade”8 implicaria profunda alteração nos critérios de reconhecimento, mensuração e evidenciação de figuras contábeis (ativo, passivo, patrimônio líquido, receita, custo e despesa), neutralizar os seus efeitos significava não alterar as bases tributárias que se apoiavam em tais figuras.
Não foi por outra razão que a redação do § 7º do art. 177 da Lei das S.A., dada pela Lei n. 11.638/2007, na redação vigente até a edição da Lei n. 11.941/2009, determinava que os lançamentos efetuados exclusivamente para harmonização de normas contábeis e as demonstrações e apurações com eles elaboradas não poderiam ser base de incidência de impostos e contribuições nem ter quaisquer outros efeitos tributários.
A edição da Lei n. 11.941/2009, ao instaurar o RTT, neutralizou, de modo mais específico, apenas as alterações na legislação comercial que modificassem o critério de reconhecimento de receitas, custos e despesas computadas na apuração do lucro líquido do exercício não terão efeitos e ao prever que, para fins tributários, deveriam ser considerados os métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007. Este tratamento (de neutralidade) era válido para o IRPJ, a CSLL, o PIS e a COFINS.
Parece sutil a diferença entre a neutralidade inicialmente propagada pela Lei n. 11.638/2007 e aquela que ficou consagrada na Lei n. 11.941/2009, mas entendemos ser de fundamental relevância para uma série de discussões que estão surgindo a respectivo dos impactos tributários da Nova Contabilidade. Confira-se a revogação da neutralidade ampla e irrestrita pela Lei n. 11.941/2009, passando a ser aplicável somente às modificações nos critérios de reconhecimento de receitas, custos e despesas:
Lei n. 11.638/2007 |
Lei n. 11.941/2009 |
Lei n. 11.941/2009 |
Art. 177 da Lei das S.A.:
§ 7º Os lançamentos de ajuste efetuados exclusivamente para harmonização de normas contábeis, nos termos do § 2º deste artigo, e as demonstrações e apurações com eles elaboradas não poderão ser base de incidência de impostos e contribuições nem ter quaisquer outros efeitos tributários. |
Art. 16. As alterações introduzidas pela Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007, e pelos arts. 37 e 38 desta Lei que modifiquem o critério de reconhecimento de receitas, custos e despesas computadas na apuração do lucro líquido do exercício definido no art. 191 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, não terão efeitos para fins de apuração do lucro real da pessoa jurídica sujeita ao RTT, devendo ser considerados, para fins tributários, os métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007 |
Art. 79. Ficam revogados:
X – o § 7º do art. 177, o inciso V do caput do art. 179, o art. 181, o inciso VI do caput do art. 183 e os incisos III e IV do caput do art. 188 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976. |
Embora muitos defendessem a neutralidade tributária ampla e irrestrita da Nova Contabilidade (até a produção de efeitos da Lei n. 12.973/2014, que a disciplina no âmbito tributário), inclusive a Receita Federal do Brasil (“RFB”), como será visto adiante, entendemos que a evolução da legislação não deixa dúvida: a neutralidade se aplica somente aos critérios de reconhecimento de receita/ganho, custos e despesas/perdas.
Para a RFB, o RTT implicava considerar ativos, passivos, patrimônio líquido e contas de resultado (receita, custo e despesa) como se não houvesse a Nova Contabilidade, nos termos do art. 2º, § 2º, da Instrução Normativa n. 1.397/20149. De maneira objetiva, cabe dizer que discordamos de tal posicionamento, registrando que somente as contas de resultado eram neutralizadas pelo RTT.
Diante das fases do processo contábil (reconhecimento, mensuração e evidenciação), conforme descrito por Martins e Lopes10, parece-nos que o termo “reconhecimento” fora empregado em sentido técnico, não corriqueiro11.
Nesta ordem de ideias, se a etapa do “reconhecimento” diz respeito à classificação de natureza econômica, é certo que, nos termos do art. 16 da Lei n. 11.941/2009, a neutralidade somente se aplica à modificação de critérios que implique, por exemplo, reconhecer determinada receita que antes não era reconhecida; deixar de reconhecer uma despesa que, pela Antiga Contabilidade, era reconhecida. Com isso, afirma-se que a neutralidade tributária do RTT se encontra no campo do “se e quando” reconhecer determinada receita, custo ou despesa, isto é, neutralizar, para fins tributários, tudo aquilo que na Nova Contabilidade diretamente afetou – positiva ou negativamente – o resultado contábil.
Existe sentido específico para “reconhecimento” em Teoria da Contabilidade, como etapa integrante do processo contábil. Se a lei tributária que, evidentemente, trata de assunto técnico (regime de transição em virtude da Nova Contabilidade), restringe a neutralidade ao reconhecimento de receitas, custo e despesa, como estender essa neutralidade, por meio de ato infralegal, a elementos de ativo, passivo e patrimônio líquido?
Parece-nos, portanto, que não se sustenta a previsão integral do art. 2º, § 2º, da IN RFB n. 1.397/2013, porquanto demonstrado que a neutralidade tributária recaía apenas sobre efeitos diretos da Nova Contabilidade, isto é, sobre contas de resultado. Para além disso, referido dispositivo regulamentar, além de inovar o ordenamento jurídico, papel que não cabe a ato dessa natureza, pressupõe, equivocadamente, a existência de duas contabilidades no Brasil, isto é, como se houvesse, ao lado da contabilidade oriunda da legislação comercial e contábil, uma suposta “contabilidade fiscal”.
Lucro líquido existe apenas um. Assim também ocorre com ativo, passivo e patrimônio líquido. Todos são frutos das demonstrações financeiras elaboradas de acordo com a Lei n. 6.404/1976 e com base nas orientações normativas de órgãos legalmente competentes para emiti-las. Não procede, portanto, a tentativa da RFB de positivar, via instrução normativa, que qualquer referência a ativo, passivo ou patrimônio líquido na legislação tributária deve ser interpretada como aquela que existiria na Antiga Contabilidade.
Obviamente, não estamos a sustentar que o direito tributário seja “direito de sobreposição”, subserviente ao Direito Privado12. O legislador tributário tem autonomia para, a seu critério e observados os limites da Constituição Federal e do Código Tributário Nacional, criar institutos próprios, sem, necessariamente, ter que se utilizar de remissões normativas que conduzam ao Direito Privado.
O que importa é saber se, quando a legislação tributária faz referência a conceitos que existam no Direito Privado, pretendeu o legislador se valer do sentido e alcance que lá, na outra seara, goza o instituto, ou, por outro lado, pretendeu atribuir conteúdo e sentido próprios13. É sob essa perspectiva que entendemos não haver outro sentido para ativos, passivos, patrimônio líquido e lucro líquido que não aquele constante da legislação comercial14.
Cabem, obviamente, ressalvas no contraste de conceitos de mesma denominação15. Conquanto haja conceito de receita para fins contábeis, há, neste caso, conceito jurídico-tributário que não é afetado diante da mudança de métodos e critérios contábeis. Longe de haver fórmulas teóricas prontas e inflexíveis, queremos esclarecer que a análise dependerá de cada caso concreto, ou, mais especificamente, de cada conflito interpretativo.
Feitas essas considerações a respeito da neutralidade tributária prevista no RTT, concluímos que: (i) não foi ampla e irrestrita, especialmente por conta da revogação do art. 177, § 7º, da Lei n. 6.404/1976, alcançando, assim, apenas os efeitos diretos da Nova Contabilidade, isto é, contas de resultado (receita/ganhos, custo e despesa/perda); (ii) reconhecimento, em Teoria da Contabilidade, significa processo de classificação de natureza econômica, não se confundindo com outras etapas do processo contábil); (iii) o emprego do termo “reconhecimento” na Lei n. 11.941/2009 foi em seu sentido técnico; (iv) não existem dois balanços patrimoniais, mas somente aquele decorrente da Lei n. 6.404/1976 e da aplicação das normas regulamentares expedidas por órgãos legalmente competentes; não há base legal para que se adote a Antiga Contabilidade quando a legislação tributária fizer referência a elementos do ativo, do passivo e do patrimônio líquido.
2. A tributação na adoção inicial da Lei n. 12.973/2014
Entre temas exaustivamente debatidos na vigência do RTT e a respeito da interface entre direito tributário e contabilidade, a discussão sobre a isenção de lucros e dividendos distribuídos e o pagamento ou crédito de juros sobre capital próprio no contexto da Nova Contabilidade ganhou especial atenção. Em linhas gerais, o ponto de controvérsia entre Fisco e contribuintes surge da premissa adotada quanto ao alcance da neutralidade tributária do RTT16.
Como se sabe, a posição da RFB e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional não se sustentava, propagando a ideia de que existiriam dois “balanços patrimoniais” e duas “demonstrações de resultado”. Não cabe, na ausência de ressalva expressa na legislação que trata da isenção de lucros e dividendos e do pagamento ou crédito de juros sobre capital próprio, admitir a adoção de elementos que não aqueles constantes das demonstrações financeiras levantadas com base na Lei n. 6.404/197617.
Entretanto, em linha com o famigerado Parecer n. 202/2013, da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que defendia a isenção prevista no art. 10 da Lei n. 9.249/1995 somente aos lucros e dividendos apurados com base na Antiga Contabilidade, a RFB buscou positivar, via instrução normativa, a neutralidade ampla e irrestrita da Nova Contabilidade. É fácil observar a ausência de base constitucional e legal das referidas previsões regulamentares, que foram duramente criticadas pela doutrina tributária18.
Diante da evidente inconstitucionalidade e ilegalidade da IN RFB n. 1.397/2013, o Governo Federal buscou, na MP n. 627/2013, compatibilizar o entendimento jurídico mais adequado – que reconhece a isenção total dos lucros e dividendos distribuídos, bem como do cálculo de juros sobre capital próprio a partir das demonstrações financeiras elaboradas de acordo com a Lei n. 6.404/1976 – com o seu interesse de pressionar os contribuintes à antecipação dos efeitos da norma, como forma de evitar discussões a respeito do princípio da anterioridade.
Havia, em resumo, suposto “perdão” aos contribuintes que optassem por antecipar os efeitos da MP n. 627/2013 com relação aos lucros e dividendos distribuídos com base na Nova Contabilidade que superassem aqueles apurados com base na Antiga Contabilidade.
O contexto acima serve para demonstrar que, diante do insucesso da tributação dos “dividendos em excesso” via instrução normativa, buscou o legislador – influenciado pelo Poder Executivo – estabelecer regras de adoção inicial que, em última análise, capturam tal acréscimo patrimonial pretérito19.
Para os contribuintes em geral, a Lei n. 12.973/2014 previu que, na sua adoção inicial, o contribuinte deveria comparar o valor dos ativos com base na Nova Contabilidade com aquele que seria obtido na Antiga Contabilidade. Caso a diferença fosse positiva, o valor deveria ser tributado imediatamente ou, controlando-se em subcontas, à medida de sua realização, inclusive mediante depreciação, amortização, exaustão, alienação ou baixa.
Parece-nos questionável referida previsão legal, pois alcança, indiretamente, acréscimos patrimoniais pretéritos. De qualquer modo, alguém poderia sustentar que o controle de diferença de mensuração significa regra tributária retrospectiva, alcançando a majoração no valor dos ativos ocorrida no passado, mas que cause repercussão tributária em períodos futuros já submetidos à nova legislação.
Entretanto, o objeto do presente artigo é justamente a regra de adoção inicial para as concessionárias de serviços públicos, que não se submeteram à regra de comparação de mensuração de itens do balanço patrimonial (ativo, por exemplo) conforme a Antiga e a Nova Contabilidade. Para os contribuintes titulares de concessões de serviços públicos, a solução dada pela Lei n. 12.973/2014 na adoção inicial é inconstitucional: tributa-se lucro “imaginário” de períodos anteriores na data da adoção inicial20, violando-se a irretroatividade e a anterioridade da lei tributária, e afrontando a neutralidade consagrada pelo RTT durante a sua vigência. É do que passamos a tratar.
3. Impossibilidade de tributação de diferença positiva de resultados na adoção inicial da Lei n. 12.973/2014 por concessionárias de serviços públicos
Conforme se observa do art. 69 da Lei n. 12.973/2014, na adoção inicial, no caso de contratos de concessão de serviços públicos, o contribuinte deveria: (i) calcular o resultado tributável até 31 de dezembro de 2013 ou 2014 (conforme opção por antecipação dos efeitos da lei), considerando os critérios vigentes até 31 de dezembro de 2007; (ii) calcular o resultado que seria tributável até 31 de dezembro de 2013/2014, considerando os novos métodos e critérios contábeis e a nova legislação tributária; e (iii) calcular a diferença entre os itens (i) e (ii). Se for negativa (“resultado IFRS” maior que o resultado apurado com base na Antiga Contabilidade), a concessionária deverá adicionar a diferença na apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL, em quotas fixas mensais, durante o prazo remanescente da concessão.
Parece-nos fora de dúvida que tal artigo tenta capturar a parcela do lucro “em excesso” não oferecida à tributação anteriormente por conta da vigência do RTT, e impõe a sua tributação, mensalmente, via adição em quotas fixas mensais pelo prazo restante do contrato de concessão. Interessante observar que a legislação não determinou o controle de diferença positiva de ativos para as concessionárias de serviços públicos, conforme se observa do art. 306 da IN RFB n. 1.700/201721.
Conquanto as peculiaridades da contabilização de contratos de concessão pública pudessem justificar a ausência de tal controle, é indiscutível que, na vigência do RTT não fora estabelecido nenhum controle legal específico para tributação futura. Isso quer dizer que eventual inconsistência da legislação ordinária não é suficiente a suplantar garantias constitucionais inafastáveis.
Outra forma de enxergar a questão é a seguinte: ao dispensar o registro em subcontas da diferença positiva de ativos, para, alternativamente, tributar a diferença apurada diretamente no resultado, parece-nos que está a tributar exatamente os “lucros em excesso” cujo panorama foi descrito no tópico anterior deste artigo.
Na prática, tributa-se, indiscutivelmente, resultado pretérito. Melhor dizendo, pretendeu-se tributar renda auferida em períodos anteriores à vigência da Lei n. 12.973/2014. O pano de fundo da regra de adoção inicial sob análise é a neutralidade tributária, e é interessante observar a leitura da RFB a respeito dos efeitos tributários relacionados aos novos métodos e critérios contábeis22:
“O que deve ser considerado como resultado tributável da concessão? Seriam todos os ajustes relativos ao Regime Tributário de Transição ‘RTT’ ou apenas determinados ajustes? Neste caso, quais seriam tais ajustes?
A partir da data da adoção inicial os contratos de concessão serão tributados conforme determinado pela Lei nº 6.404, de 1976, Lei nº 12.973, de 2014 e IN nº 1.515, de 2014. Desta forma, para manter a neutralidade tributária, a concessionária terá que: (1) calcular a diferença entre o resultado que foi tributado até a data da adoção inicial e o resultado que seria tributado caso fossem observadas a Lei nº 6.404, de 1976, a Lei nº 12.973, de 2014 e a IN nº 1.515, de 2014, desde o início do contrato de concessão, e (2) adicionar, se negativa, ou excluir, se positiva, a diferença na apuração do lucro real em quotas fixas mensais durante o prazo restante do contrato.” (Destacado)
Nos termos da própria RFB, a tributação sobre acréscimo patrimonial pretérito se torna evidente: “resultado que seria tributado caso fossem observadas a Lei nº 6.404, de 1976, a Lei nº 12.973, de 2014 e a IN nº 1.515, de 2014, desde o início do contrato de concessão”. Vamos a um exemplo didático do que se pretende tributar retroativamente.
Resultado tributável RTT até 2014 |
R$ 600.000,00 |
Resultado tributável (IFRS) até 2014 |
R$ 1.000.000,00 |
Diferença |
– R$ 400.000,00 |
De acordo com o art. 69 da Lei n. 12.973/2014, a diferença de R$ 400.000,00 será adicionada em quotas fixas mensais ao longo do período remanescente da concessão.
Há, a nosso ver, flagrante inconstitucionalidade: viola a regra da irretroatividade da lei tributária, estabelecida no art. 150, III, alínea “a”, da Constituição Federal.
Conforme leciona Paulsen23, a irretroatividade tributária implica a impossibilidade de que lei tributária impositiva mais onerosa seja aplicada relativamente a situações pretéritas, independentemente de qualquer outro condicionamento. Prossegue o referido autor ensinando que o art. 150, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal, visa garantir o contribuinte contra exigências tributárias sobre atos, fatos ou situações passadas relativamente aos quais já suportou ou suportará os ônus tributários ou que não ensejaram imposições tributárias pelas leis vigentes à época, que eram de seu conhecimento24.
Traduzindo para o caso do RTT e as concessionárias de serviços públicos: se não havia determinação legal no sentido de tributar o “resultado IFRS” até 2014, não poderia a Lei n. 12.973/2014 determinar que todo resultado pretérito (que poderia remontar ao início da década passada) seja tributado a partir da sua vigência.
Como bem alerta Schoueri25, no sistema brasileiro, a lei tributária deve ser anterior ao próprio fato submetido à tributação, daí por que não cabe ao legislador, ainda que por meio do veículo adequado (por lei) e a pretexto de consertar eventuais inconsistências da legislação, estabelecer tributação sobre fatos pretéritos.
Cabe ver que não se trata de previsão legal retrospectiva, a partir da qual, segundo Schoueri26, o legislador reconhece transações passadas, mas modifica, para o futuro, suas consequências, sem mudar o passado. No caso do art. 69 da Lei n. 12.973/2014, eventos passados são adotados como referência (resultado), ajustados no passado condicional (resultado que seria tributado caso, nos anos anteriores, outro critério de apuração de IRPJ e CSLL fosse aplicado), para, então, impor tributação atual (ou seja, sem modificação para o futuro).
Isso faz lembrar a declaração de inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 74 da MP n. 2.158-35/2001, que pretendia retroagir e tributar resultado já apurado pelos contribuintes. Em linha com o posicionamento do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.588, a conclusão nos parece ser a mesma:
“Violação do conceito constitucional de renda (art. 143, III da Constituição). Aplicação da nova metodologia de apuração do tributo para a participação nos lucros apurada em 2001. Violação das regras da irretroatividade e da anterioridade. MP 2.158-35/2001, art. 74. Lei 5.720/1966, art. 43, § 2º (LC 104/2000). 1. Ao examinar a constitucionalidade do art. 43, § 2º do CTN e do art. 74 da MP 2.158/2001, o Plenário desta Suprema Corte se dividiu em quatro resultados: [...] 2.3. A inconstitucionalidade do art. 74 par. ún., da MP 2.158-35/2001, de modo que o texto impugnado não pode ser aplicado em relação aos lucros apurados até 31 de dezembro de 2001. Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida e julgada parcialmente procedente, para dar interpretação conforme ao art. 74 da MP 2.158-35/2001, bem como para declarar a inconstitucionalidade da cláusula de retroatividade prevista no art. 74, par. ún., da MP 2.158/2001.” (ADI n. 2.588, Rel. Min. Ellen Gracie, Rel. p/ Acórdão: Min. Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, j. 10.04.2013, DJe-027, divulg. 07.02.2014, public. 10.02.2014, ement. vol. 2719-01, p. 1)
Neste julgado, foi afastada, por inconstitucionalidade, a tentativa do parágrafo único do art. 74 da Medida Provisória n. 2.158-35/2001 de se considerar disponibilizado, em 2002, lucros auferidos até 2001.
Conforme determina o art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Ainda no âmbito da Carta Magna, deve ser observado o art. 150, inciso III, alínea “a”, que veda a cobrança de tributos em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado.
E nem se alegue que o racional que guiou a criação da regra de tributação na adoção inicial permitiria excetuar a aplicação da irretroatividade da lei tributária ao caso concreto. Além de ser inválida qualquer tentativa de afastamento pelo legislador ordinário, é certo que a Constituição Federal não contemplou exceções à sua aplicação em matéria tributária, reforçando a sua aplicação, inclusive, por meio da anterioridade (anual e nonagesimal)27.
Isso nos faz voltar a atenção ao art. 43 do CTN, segundo o qual o imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, ou de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no conceito de renda.
Queremos dizer com isso que, se houve acréscimo patrimonial antes da edição da Lei n. 12.973/2014, e não havia regra específica de controle para tributação futura (ao contrário, a regra neutralizava os efeitos tributários), não pode o art. 69 da Lei n. 12.973/2014 alcançar renda auferida antes da sua vigência.
Note-se que o lucro apurado de acordo com a legislação comercial durante a vigência do RTT pode ter sido distribuído aos sócios e acionistas, e o fato de determinados componentes terem sido excluídos por expressa determinação legal implica, a nosso ver, que não haveria dúvida sobre a disponibilidade econômica ou jurídica da renda em períodos de apuração pretéritos.
Sustentar o contrário, isto é, que não haveria renda disponível nos períodos anteriores submetidos ao art. 69 da Lei n. 12.973/2014 implicaria reconhecer, naturalmente, a impossibilidade de tributação a partir da vigência desta lei.
Ora, se não atendia aos pressupostos autorizadores da tributação sobre a renda previstos no art. 43 do CTN no momento anterior à Lei n. 12.973/2014, não há nenhum elemento novo que possa autorizar a premissa de que a realização (disponibilidade) tenha se dado justamente na entrada em vigor da Lei n. 12.973/2014.
Para que a inconstitucionalidade aqui defendida fique ainda mais clara, basta compararmos, graficamente, a situação da adoção inicial da Lei n. 12.973/2014 com o parágrafo único do art. 74 da Medida Provisória n. 2.158-35/2001. Eis a previsão legal declarada inconstitucional:
Lucros auferidos por controlada ou coligada no exterior até 31 de dezembro de 2001
Disponibilização ficta declarada inconstitucional: lucros apurados até 31 de dezembro de 2001 seriam considerados disponibilizados em 31 de dezembro de 2002, salvo se ocorrida, antes desta data, qualquer das hipóteses de disponibilização previstas na legislação
31 de dezembro de 2002
A semelhança com o art. 69 da Lei n. 12.973/2014 é inequívoca. Confira-se:
Resultado que seria tributável caso a Lei n. 12.973/2014 fosse aplicável à época
Lei nº 12.973/2014
Tributação, em quotas fixas mensais, durante o prazo remanescente da concessão, da diferença positiva entre aquilo que seria o resultado tributável se a Lei n. 12.973/2014 fosse aplicável nos períodos anteriores e aquilo que efetivamente foi o resultado tributável com base na legislação aplicável
Há um elemento adicional que reforça a aplicação da conclusão adotada na ADI n. 2.588 ao art. 69 da Lei n. 12.973/2014. No caso da disponibilização ficta de lucros auferidos por controladas ou coligadas até 31 de dezembro de 2001, pretendeu-se tributar lucro efetivamente apurado pelas controladas e coligadas, ainda que não disponibilizados.
No caso do art. 69 da Lei n. 12.973/2014, recorre-se, novamente, à figura da disponibilização ficta, mas, desta vez, sobre resultados igualmente fictos, isto é, sobre o resultado que teria sido apurado caso a própria Lei n. 12.973/2014 fosse aplicável mesmo antes de sua vigência. Com isso, fica fácil perceber que a sua aplicação deve ser afastada em atenção ao art. 150, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal.
Aliás, não é outra a conclusão que se extrai dos arts. 105 e 106 do CTN, segundo os quais a legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início, mas não esteja completa, com exceção feita a leis meramente interpretativas e relativas a certas situações envolvendo penalidades aplicadas. Obviamente, o art. 69 da Lei n. 12.973/2014 não veicula norma interpretativa e tampouco trata de penalidades. Portanto, não há exceção que sustente a sua aplicação retroativa.
Irreparáveis são as palavras da E. Ministra Regina Helena Costa28, do Superior Tribunal de Justiça, a respeito da noção de irretroatividade. Confira-se:
“A noção de irretroatividade da lei repousa em norma expressa, hospedada no artigo 5º, XXXVI, CR, que estatui que ‘a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada’.
Mais uma manifestação clara do sobreprincípio da segurança jurídica, ao preconizar que a lei deve irradiar seus efeitos para o futuro, traduz proteção a situações já consolidadas, tornando intangível o passado sempre que se tratar de instituição de ônus a alguém.
No âmbito tributário, a norma correspondente vem abrigada no art. 150, III, a, CR, segundo a qual é vedado às pessoas políticas cobrar tributos ‘em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado’.”
Também é digna de nota a clareza dos ensinamentos de Sacha Calmon Navarro Coêlho, segundo os quais “o princípio da irretroatividade da lei tributária deflui da necessidade de assegurar-se às pessoas segurança e certeza quanto a seus atos pretéritos em face da lei”29.
Conforme mencionado, não havia, na vigência do RTT, qualquer controle legal de ajuste que permitisse a tributação futura de resultados. Ainda que fosse coerente e esperado tal controle, a sua ausência no momento oportuno não implica concessão ao conserto retroativo, ainda que por lei, por intuitivo óbice constitucional.
Daí por que também poderia se falar em violação ao princípio da segurança jurídica, tão caro ao sistema jurídico brasileiro e à própria ideia de Estado Democrático de Direito. Embora Schoueri, acertadamente, entenda não caiba a invocação da segurança jurídica no caso de tributo afetado por retroatividade própria, pois a solução estará contida na Constituição Federal, a conclusão pela inconstitucionalidade do art. 69 da Lei n. 12.973/2014 é reforçada sob o prisma da segurança jurídica.
Ávila30 enfatiza que a segurança jurídica se traduz em conceito fundamental à própria noção de Direito, delineando-a como aquilo que, no caso sob análise no presente artigo, deve ser preservado: “a possibilidade de prever as consequências jurídicas de fatos ou comportamentos”. Se o legislador, ao instituir o RTT, não previu o tratamento adequado para lidar com as alterações nos métodos e critérios contábeis, não cabe ao legislador – ainda que a previsão possa soar consistente do ponto de vista técnico – violar a irretroatividade e estabelecer tributação que fragiliza a segurança jurídica, já que recai sobre eventos ocorridos no passado e adota como referência resultados tributáveis “imaginários”.
Conclusão
Em conclusão, entendemos que, a partir da vigência da Lei n. 12.973/2014, é absolutamente válido o controle em subcontas, como, por exemplo, ocorre na avaliação a valor justo. Tal fórmula não é inovadora e preserva a tributação da renda (vide o antigo controle – previsto em lei, diga-se de passagem – da reserva de reavaliação, inclusive a reflexa, na controladora). Entretanto, não pode ser admitida tentativa de correção de distorções da legislação tributária por meio de medidas que violam direitos constitucionais e contrariam outras disposições legais vigentes à época.
É exatamente o que se verifica no caso de concessionárias de serviços públicos: a pretexto de corrigir distorções causadas pela legislação tributária na vigência do RTT, pretende tributar resultados apurados em anos anteriores no momento da entrada em vigor, tributação esta que, a depender do caso concreto, pode se alongar por quotas fixas mensais por trinta anos.
É certo dizer, portanto, que as regras referentes à adoção inicial dos efeitos da Lei n. 12.973/2014 para fins da tributação de concessionárias de serviços públicos são inconstitucionais, na medida em que provocam a tributação retroativa de receitas e resultados produzidos antes da vigência da referida lei, contrariando o art. 150, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal.
Referências bibliográficas
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MARTINS, Eliseu; MARTINS, Vinícius A.; e MARTINS, Eric A. Normatização contábil: ensaio sobre sua evolução e o papel do CPC. Revista de Informação Contábil – RIC/UFPE v. 1, n. 1. Recife, setembro 2007.
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______. O mito do lucro real na passagem da disponibilidade jurídica para a disponibilidade econômica. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; e LOPES, Alexsandro Broedel (coord.). Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2010.
______; e TERSI, Vinicius Feliciano. A limitação à isenção dos dividendos pelo Parecer PGFN/CAT 202/2013. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; e LOPES, Alexsandro Broedel (coord.). Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2013. v. 4.
______. As inter-relações entre a contabilidade e o direito: atender ao RTT significa obter neutralidade tributária? In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; e LOPES, Alexsandro Broedel (coord.). Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2011. v. 2.
1 Não é nosso objetivo ingressar no mérito da terminologia empregada na literatura contábil ao longo dos anos (“padronização”, “convergência”, “harmonização” etc.), de modo que, para fins do presente artigo, adotaremos os termos sem a investigação de seu sentido e alcance técnico, o que não altera as nossas conclusões.
2 De fato, o Anteprojeto de Reforma da Lei das S.A., como foi denominado, com relação à matéria contábil, indicou os seguintes objetivos na pretendida mudança à época: (i) adequar a parte contábil da lei de forma a atender a necessidade de maior transparência e qualidade das informações contábeis; (ii) criar condições para harmonização da lei com as melhores práticas contábeis internacionais; e (iii) buscar eliminar ou diminuir as dificuldades de interpretação e de aceitação das nossas informações contábeis, principalmente quando existem dois conjuntos de demonstrações contábeis, um para fins internos e outro para fins externos, com valores substancialmente diferentes.
3 Para uma leitura aprofundada sobre esse tema, que embasa as considerações a respeito da normatização contábil deste artigo: MARTINS, Eliseu; MARTINS, Vinícius A.; e MARTINS, Eric A. Normatização contábil: ensaio sobre sua evolução e o papel do CPC. Revista de Informação Contábil – RIC/UFPE v. 1, n. 1. Recife, setembro 2007, p. 7-30.
4 A este propósito, confira-se Fonseca, para quem “Historicamente, e para desespero de seus estudiosos, a contabilidade brasileira sempre foi vista como uma ferramenta para a apuração de tributos. Sua função primordial, a de bem informar seus usuários acerca da real situação econômica da entidade, era colocada em segundo plano, ficando muitas vezes restrita às companhias listadas em bolsas de valores, que conviviam com as necessidades de um exigente mercado de capitais. Para as demais, uma contabilidade informativa tinha pequena ou nenhuma relevância, o que gerou uma ‘quase identidade’ entre as contabilidades societária e tributária.” (FONSECA, Fernando Daniel de Moura. Normas tributárias e a convergência das regras contábeis internacionais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014)
5 Op. cit.
6 SCHOUERI, Luís Eduardo; e TERSI, Vinicius Feliciano. As inter-relações entre a contabilidade e o direito: atender ao RTT significa obter neutralidade tributária? In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; e LOPES, Alexsandro Broedel (coord.). Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2011. v. 2, p. 111.
7 BIFANO, Elidie Palma. As novas normas de convergência contábil e seus reflexos para os contribuintes. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; e LOPES, Alexsandro Broedel (coord.). Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2011. v. 2, p. 52.
8 No presente artigo, adotaremos, para facilidade de compreensão e apenas para fins didáticos, a expressão “Nova Contabilidade” para designar os métodos e critérios contábeis introduzidos a partir da Lei n. 11.638/2007. Para os métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007, adotaremos a expressão “Antiga Contabilidade”.
9 “Art. 2º As alterações introduzidas pela Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007, e pela Lei nº 11.941, de 2009, que modifiquem o critério de reconhecimento de receitas, custos e despesas computadas na apuração do lucro líquido do exercício definido no art. 191 da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, não terão efeitos para fins de apuração do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) da pessoa jurídica sujeita ao RTT, devendo ser considerados, para fins tributários, os métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007.
§ 1º Aplica-se o disposto no caput às normas expedidas pela Comissão de Valores Mobiliários, com base na competência conferida pelo § 3º do art. 177 da Lei nº 6.404, de 1976, e pelos demais órgãos reguladores que visem alinhar a legislação específica com os padrões internacionais de contabilidade.
§ 2º Nas referências da legislação do Imposto sobre a Renda e da CSLL a elementos do Ativo, do Passivo e do Patrimônio Líquido, bem como a Resultados, Receitas, Custos e Despesas, deverão ser considerados os métodos e critérios contábeis vigentes em 31 de dezembro de 2007.”
10 “O processo contábil é composto pelas etapas de reconhecimento, mensuração e evidenciação das atividades econômicas, sendo resultado de um amplo conjunto de forças econômicas, sociais, institucionais e políticas. Essas forças delineiam as principais características do processo contábil tendo em vista o grau de influência dos agentes interessados em sua evolução. [...] Reconhecimento: envolve o processo de classificação da ação da natureza econômica. Por exemplo, uma empresa sacrifica recursos investindo-os em pesquisas e desenvolvimento de novos produtos. Temos nesse caso um problema inicial de classificação. Trata-se de um ativo ou de uma despesa? Se for classificado como ativo, a qual grupo deve pertencer? Dessa forma, temos o processo de definição qualitativa da natureza do item sendo estudado. Em muitos casos, essa classificação é relativamente simples. Quando um supermercado adquire produtos para revenda, não há dúvida de que estamos falando de um ativo, mais especificamente do estoque. Podemos ver que para que essa etapa possa ser realizada é necessário que tenhamos um conjunto de definições acerca da natureza das transações econômicas representadas pela contabilidade. O que é ativo? Receita? Temos nessa etapa um processo de qualificação. [...]”
(LOPES, Alexsandro Broedel; e MARTINS, Eliseu. Teoria da contabilidade: uma nova abordagem. São Paulo: Atlas, 2005, p. 52)
11 Nos termos do art. 11, inciso I, alínea “a”, da Lei Complementar n. 95/1998.
12 SCHOUERI, Luís Eduardo; e TERSI, Vinicius Feliciano. As inter-relações entre a contabilidade e o direito: atender ao RTT significa obter neutralidade tributária? In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; e LOPES, Alexsandro Broedel. Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2011. v. 2, p. 107.
13 Concordamos com Luís Eduardo Schoueri sobre o Direito Tributário não ser mero “direito de sobreposição: “É comum, com efeito, tomarem-se os artigos 109 e 110 do Código Tributário Nacional, em conjunto, como comandos que dariam prevalência ao Direito Privado, restando ao Direito Tributário um papel subalterno, como mero direito de sobreposição. Ocorre que muitas vezes, uma expressão empregada pelo legislador tributário não tem o mesmo sentido que ganha no Direito Privado. Um exemplo pode ser encontrado na expressão ‘propriedade, empregada pelo constituinte para definir o campo de competência do IPTU. Uma leitura estrita do artigo 110 implicaria afirmar que o imposto somente incidiria se houvesse o direito de propriedade sobre um imóvel, enquanto o mesmo Código Tributário Nacional, em seu artigo 32, estende a incidência do imposto aos direitos de posse e domínio útil. Para que se explique tal fenômeno, importa reconhecer que a expressão ‘propriedade’ não se referiu ao direito de igual nome, no Direito Privado; ao contrário, para o leigo, a expressão ‘propriedade’ é tomada como sinônimo de bem imóvel. Diz-se que Fulano adquiriu a ‘propriedade’ vizinha. Assim, é perfeitamente possível acreditar que quando o constituinte previu o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana, não cogitou de um imposto sobre o Direito de Propriedade Predial e Territorial Urbana, mas sim de um Imposto sobre as Propriedades (leia-se: bens imóveis) Prediais e Territoriais Urbanas. Assim, tanto o direito de propriedade, como a posse ou o domínio útil poderiam ser suficientes para que se tributasse a capacidade contributiva que a ‘propriedade’ (bem imóvel) indica. [...]” (SCHOUERI, Luís Eduardo. O mito do lucro real na passagem da disponibilidade jurídica para a disponibilidade econômica. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; e LOPES, Alexsandro Broedel (coord.). Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2010, p. 249-250)
14 BIFANO, Elidie Palma. As novas normas de convergência contábil e seus reflexos para os contribuintes. Op. cit., p. 58.
15 Schoueri e Tersi propõem uma tipologia de conflitos interpretativos entre conceitos contábeis e jurídicos: contraste de conceitos de mesma denominação; alteração de base contábil e eliminação de alternativas contábeis. Afirmam os autores que haverá contraste de conceitos de mesma denominação quando um conceito utilizado pela legislação tributária também existe na nova contabilidade (exemplos: encargos de depreciação e receita) (SCHOUERI, Luís Eduardo; e TERSI, Vinicius Feliciano. As inter-relações entre a contabilidade e o direito: atender ao RTT significa obter neutralidade tributária? Op. cit., p. 115-116).
16 A nosso ver, eventuais pagamentos ou créditos de lucros e dividendos decorrentes da aplicação da Nova Contabilidade sempre fizeram jus à isenção prevista no art. 10 da Lei n. 9.249, de 26 de dezembro de 1995.
17 A este propósito, cumpre mencionar que o art. 59 da Lei n. 11.941/2009 previa, durante a vigência do RTT, que não se incluem entre as contas do patrimônio líquido sobre as quais os juros deveriam ser calculados os valores relativos a ajustes de avaliação patrimonial, conta criada a partir da Nova Contabilidade. Se a neutralidade tributária do RTT, criado por essa mesma Lei, fosse ampla e irrestrita, não haveria razão para se prever a exclusão de conta contábil surgida na Nova Contabilidade. Confirma-se, mais uma vez, que a suposta neutralidade tributária somente se aplicava aos efeitos diretos, isto é, em contas de resultado, não podendo ser invocada quando houver referência, na legislação tributária, a elementos de ativo, passivo e patrimônio líquido, salvo se houver, como no caso do art. 59 da Lei n. 11.941/2009, ressalva nesse sentido. Embora possam apresentar valores distintos na comparação entre a Antiga Contabilidade e a Nova Contabilidade (ou seja, não estão no campo do “reconhecimento”, mas da “mensuração”), não tiveram o critério de reconhecimento alterado.
Também não nos parece adequado o argumento da PGFN de que o lucro isento é somente aquele que foi oferecido à tributação. Não há, necessária e automaticamente, na sistemática do lucro real, lucro presumido ou lucro arbitrado, coincidência entre o lucro societário e o “lucro fiscal”. Basta ver o art. 48 da revogada Instrução Normativa SRF n. 93/1997, que indicava, de maneira bastante clara, que lucro passível de distribuição isenta é aquele apurado em balanço societário, independente do lucro considerado para fins fiscais. A mesma disciplina consta, atualmente, do art. 238 da IN RFB n. 1.700/2017. Ainda sobre essa independência entre lucro contábil e “lucro fiscal”, cumpre registrar que, no passado, existia, de fato, a necessidade de coincidência entre ambos, isto é, somente era isento o dividendo que não ultrapassasse o valor que serviu de base de cálculo do IRPJ. Esta previsão constava do art. 46 da Lei n. 8.981/1995, mas foi revogado pela Lei n. 9.249/1995. Apesar dessa previsão que buscava a coincidência entre os dividendos isentos distribuídos e a base de cálculo do IRPJ, não havia, em nenhum momento, conceito “fiscal” de dividendos, mas tão somente limites à isenção.
18 Neste sentido: “O Parecer PGFN/CAT 202/2013 não é vinculativo para as autoridades fiscais, mas é um parecer de orientação interna com possibilidade de ser adotado como entendimento em fiscalizações. A fundamentação jurídica do Parecer, porém, merece questionamento. Primeiramente, o Parecer PGFN/CAT 202/2013 assume que o art. 10 da Lei 9.249/1995, base normativa da isenção dos dividendos, é uma norma tributária. Por mais que o fato seja verdadeiro (a norma estabelece uma isenção), o conceito de dividendo é o previsto na legislação societária, não tributária. E as normas de apuração do lucro societário foram alteradas, mudando a base de cálculo dos dividendos. [...] No caso dos dividendos, porém, a legislação tributária tomou o atalho de tornar isenta uma grandeza medida pela legislação societária, sem um critério fiscal autônomo. Nesses termos, não há como pretender que a mudança do cálculo contábil seja neutralizada dentro do RTT.
O Parecer PGFN/CAT 202/2013 vai além, ao aduzir que o art. 10 da Lei 9.249/1995 não poderia ser lido em desacordo com a pretendida neutralidade tributária do RTT. Este teria cindido o conceito de lucro tributável e lucro passível de distribuição como dividendos. Essa pretendida cisão do conceito de lucro, porém, não é encontrada na leitura dos arts. 16 e 17 da Lei 11.941/2009. Como mencionado, o legislador optou por isentar os dividendos definidos pela legislação societária, o que não permite aplicar uma legislação societária revogada. Apenas se a lei houvesse criado um conceito de dividendos “fiscais”, pautados na contabilidade societária de 31 de dezembro de 2007, haveria essa possibilidade.” (SCHOUERI, Luís Eduardo; e TERSI, Vinicius Feliciano. A limitação à isenção dos dividendos pelo Parecer PGFN/CAT 202/2013. In: MOSQUERA, Roberto Quiroga; e LOPES, Alexsandro Broedel (coord.). Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2013. v. 4, p. 120-121)
19 A exemplo do art. 66 da Lei n. 12.973/2014: “Art. 66. Para fins do disposto no art. 64, a diferença positiva, verificada em 31 de dezembro de 2013, para os optantes conforme o art. 75, ou em 31 de dezembro de 2014, para os não optantes, entre o valor de ativo mensurado de acordo com as disposições da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e o valor mensurado pelos métodos e critérios vigentes em 31 de dezembro de 2007, deve ser adicionada na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL em janeiro de 2014, para os optantes conforme o art. 75, ou em janeiro de 2015, para os não optantes, salvo se o contribuinte evidenciar contabilmente essa diferença em subconta vinculada ao ativo, para ser adicionada à medida de sua realização, inclusive mediante depreciação, amortização, exaustão, alienação ou baixa.
Parágrafo único. O disposto no caput aplica-se à diferença negativa do valor de passivo e deve ser adicionada na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL em janeiro de 2014, para os optantes conforme o art. 75, ou em janeiro de 2015, para os não optantes, salvo se o contribuinte evidenciar contabilmente essa diferença em subconta vinculada ao passivo para ser adicionada à medida da baixa ou liquidação.”
20 “Art. 69. No caso de contrato de concessão de serviços públicos, o contribuinte deverá: (Vigência)
I – calcular o resultado tributável acumulado até 31 de dezembro de 2013, para os optantes conforme o art. 75, ou até 31 de dezembro de 2014, para os não optantes, considerados os métodos e critérios vigentes em 31 de dezembro de 2007;
II – calcular o resultado tributável acumulado até 31 de dezembro de 2013, para os optantes conforme o art. 75, ou até 31 de dezembro de 2014, para os não optantes, consideradas as disposições desta Lei e da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976;
III – calcular a diferença entre os valores referidos nos incisos I e II do caput; e
IV – adicionar, se negativa, ou excluir, se positiva, a diferença referida no inciso III do caput, na apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL, em quotas fixas mensais e durante o prazo restante de vigência do contrato.
§ 1º A partir de 1º de janeiro de 2014, para os optantes conforme o art. 75, ou a partir de 1º de janeiro de 2015, para os não optantes, o resultado tributável de todos os contratos de concessão de serviços públicos será determinado consideradas as disposições desta Lei e da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976.
§ 2º O disposto neste artigo aplica-se ao valor a pagar da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS.”
21 “Título VIII – Do demonstrativo das diferenças na adoção inicial
Art. 306. A pessoa jurídica tributada com base no lucro real e no resultado ajustado deverá elaborar demonstrativo das diferenças verificadas na data da adoção inicial entre os elementos do ativo, do passivo e do patrimônio líquido constantes na contabilidade societária e no FCONT.
§ 1º Para cada conta de último nível que apresente diferença a pessoa jurídica deverá informar:
I – o código da conta;
II – a descrição da conta;
III – o saldo da conta na ECD;
IV – o saldo da conta no FCONT;
V – o valor da diferença de saldos;
VI – no caso de elemento do ativo ou do passivo, se a diferença:
a) é controlada por subconta;
b) é controlada por subconta, mas na forma prevista nos §§ 3º e 4º do art. 300;
c) não é controlada por subconta, mas é controlada na forma prevista no § 5º do art. 300; ou
d) não é controlada por subconta porque não haverá ajustes decorrentes das diferenças na forma prevista nos arts. 294 a 299, tais como nas participações em coligadas e controladas de que trata o art. 304 e nos contratos de concessão de serviços públicos de que trata o art. 305;
VII – o código da subconta, nas hipóteses previstas nas alíneas ‘a’ e ‘b’ do inciso VI; e
VIII – a descrição da subconta.
§ 2º O demonstrativo de que trata o caput será informado no LALUR de que trata o caput do art. 310.”
22 Disponível em: <http://idg.receita.fazenda.gov.br/orientacao/tributaria/declaracoes-e-demonstrativos/ecf-escrituracao-contabil-fiscal/perguntas-e-respostas-pessoa-juridica-2016-arquivos/capitulo-xxviii-efeitos-tributarios-relacionados-aos-novos-metodos-e-criterios-contabeis-2016.pdf>.
23 PAULSEN, Leandro. Segurança jurídica, certeza do direito e tributação: a concretização da certeza quanto à instituição de tributos através das garantias da legalidade, da irretroatividade e da anterioridade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006, p. 121.
24 Ibidem.
25 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 346.
26 Ob. cit., p. 347.
27 Neste sentido, Paulsen leciona: “A ausência de exceções ou mesmo de atenuações à irretroatividade e a necessidade de se assegurar ao contribuinte o máximo de certeza quanto ao direito aplicável, buscando a otimização do valor contemplado no princípio e nas garantias constitucionais em questão fazem com que não seja correto admitir nenhuma espécie de retroatividade, seja máxima, média ou mínima, seja ‘retroativa’ ou retrospectiva, em sentido próprio ou em sentido impróprio. [...] Aliás, a Constituição não apenas se abstém de admitir qualquer exceção à irretroatividade como estabelece garantias adicionais, quais sejam, os interstícios mínimos entre a publicação da lei tributária impositiva mais onerosa e o início da sua incidência estampados nas anterioridades de exercício e nonagesimal mínima. Não há que se perquirir, pois, de flexibilizações ou de fragilizações à irretroatividade, mas, sim, do seu reforço pelas anterioridades.” (PAULSEN, Leandro. Segurança jurídica, certeza do direito e tributação: a concretização da certeza quanto à instituição de tributos através das garantias da legalidade, da irretroatividade e da anterioridade. Op. cit., p. 125)
28 COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. 1. ed., 2. tiragem. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 68.
29 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 175.
30 ÁVILA, Humberto. Segurança jurídica: entre permanência, mudança e realização no direito tributário. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 108.