Um Tributo ao Perdão – A Incidência de PIS/COFINS sobre a Remissão de Dívidas

A Tribute to Forgiveness – The Taxation of PIS/COFINS on Remission of Debts

Carlos Augusto Daniel Neto

Doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo. Mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Especialista em Direito Tributário pelo IBET/SP. Conselheiro Titular da 1ª Seção do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF. Ex-Conselheiro da 3ª Seção do CARF. Professor do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (CEDES) e do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT). E-mail: carlosaugustodanielneto@gmail.com.

Fábio Piovesan Bozza

Mestre em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Professor convidado em cursos de Pós-graduação. Ex-Conselheiro do CARF. Advogado em São Paulo. E-mail: piovesan_bozza@yahoo.com.

Recebido em: 28-12-2018

Aprovado em: 17-04-2019

Resumo

O presente artigo tem a finalidade de apresentar os elementos centrais do perdão de dívida, para em seguida analisar a possibilidade da incidência do PIS/COFINS sobre o crédito que foi, por liberalidade, dispensado pelo credor. Primeiramente, o tema será analisado a partir de uma perspectiva do Direito Privado, para a caracterização do instituto, e contábil, para o seu enquadramento no conceito contábil de receita. Em seguida, será analisada a assimetria entre o conceito de receita contábil e a receita tributável, apontando as diferenças entre eles, com base na doutrina e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Por fim, serão analisados os argumentos que foram utilizados em precedentes recentes julgados no âmbito do CARF sobre o tema, à luz das conclusões apresentadas no trabalho.

Palavras-chave: PIS/COFINS, perdão de dívida, remissão, receita.

Abstract

This article aims to present the central elements of debt forgiveness, and then analyze the possibility of PIS/COFINS taxation on the credit value that was, by liberality, dispensed by the creditor. Firstly, the theme will be analyzed from a private law perspective, for the characterization of the institute, and accounting, for its framing in the accounting concept of revenue. After that, the asymmetry between the accounting revenue concept and taxable revenue will be analyzed, pointing out the differences between them, based on the doctrine and jurisprudence of the Federal Supreme Court. Finally, the arguments that have been used in recent precedents judged by CARF about the subject will be analyzed in the light of the conclusions presented in the paper.

Keywords: PIS/COFINS, debt forgiveness, remission, revenue.

Introdução

O perdão é uma figura central na construção da consciência ética ocidental, mormente em razão da intensa contribuição cristã, através dos ensinamentos evangélicos, que sugere a superação da pura ordem jurídica para a criação de uma nova ordem de reconciliação1. Trata-se de um ato que exprime a suprema misericórdia em relação ao outro, cuja significação é bem posta por Alexander Pope, celebrado poeta britânico, em conhecida citação que diz “errar é humano, perdoar é divino”.

Apesar do mencionado caráter divino do perdão, o Fisco brasileiro, muitas vezes, ignora a máxima bíblica de tributação – dita por Jesus ao ser perguntado sobre o dever do judeu de pagar impostos, “Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.” (Mateus 22:21) – e procura formas e fundamentos para tributar o perdão de dívidas.

Na Solução de Consulta COSIT n. 17/20102, o entendimento corrente da Receita Federal é de que o perdão de dívida atrai a tributação tanto do imposto de renda quanto das contribuições sociais sobre a receita bruta (PIS/COFINS), o que gera uma profusão de autuações.

No âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), a possibilidade ou não de tributação da redução de passivos decorrente do perdão de dívidas já foi enfrentada algumas vezes, com divergência entre as decisões. O tema assume grande relevância contemporânea, sobretudo, em razão do aumento da realização de perdões de dívida em períodos de crise, no contexto de recuperações judiciais de empresas, na negociação de débitos antigos, ou mesmo através da adesão a programas de parcelamento de tributos que preveem a anistia de multas devidas. Todos esses casos atraem a discussão que se pretende empreender aqui.

Almeja-se, neste artigo, analisar a possibilidade jurídica de incidência da contribuição ao PIS e da COFINS (PIS/COFINS) sobre o perdão de dívida e confrontar as conclusões alcançadas com a jurisprudência atual do CARF, no que couber.

Para tanto, será apresentado o conceito de “perdão de dívida” sob três enfoques distintos, todos relevantes para a questão: sob a perspectiva do Direito Privado, a partir da regulação presente no Código Civil Brasileiro; sob a perspectiva da Contabilidade, à luz do conceito contábil de receita; e sob a perspectiva do Direito Tributário, à luz do conceito jurídico de receita, consolidado na legislação e na jurisprudência pátrias. Esses enfoques subsidiarão a análise crítica dos argumentos que permeiam as discussões no CARF, de modo a possibilitar a verificação da respectiva consistência técnica.

É o que se pretende expor a seguir.

1. O perdão de dívida no Direito Privado

O perdão de dívida recebe a denominação de “remissão de dívida” no Código Civil Brasileiro e qualifica-se como forma de extinção das obrigações, por meio da qual o credor renuncia ao crédito a que teria direito, com a anuência do devedor.

Previamente à edição do Código Civil de 2002, debatia-se a natureza da remissão: se negócio jurídico bilateral, a exigir acordo entre credor e devedor, ou se ato unilateral do credor, de renúncia a um direito, com o efeito de extinguir o crédito. Com o advento do Código atual, o art. 385 estabeleceu que “a remissão da dívida, aceita pelo devedor, extingue a obrigação, mas sem prejuízo de terceiro”, fazendo prevalecer a condição bilateral do negócio jurídico, mediante a aceitação do devedor, em consideração à concepção da relação moderna fundada na boa-fé objetiva, permitindo a este recusar o perdão por razões de natureza não econômica3.

Fica claro que não basta a declaração abdicativa ou renunciativa do credor para extinguir a obrigação. Esse efeito só resulta do acordo entre os sujeitos da relação obrigacional, sob pena de o respectivo vínculo perdurar. Havendo recusa da remissão, o devedor poderá se valer da ação em consignação em pagamento.

O ato de disposição é gratuito. Se recebe por remitir, a qualificação do ato é outra, como dação em pagamento, transação ou mesmo novação, se modificado o objeto4. Na remissão, o credor perdoa a dívida sem nada receber. Pratica, portanto, ato de liberalidade ao desfalcar o seu patrimônio. Tal característica aproxima a remissão da figura da doação5. A equiparação dos institutos, porém, não é plena nem pacífica na doutrina, havendo quem a aceite e quem a rejeite. Mas a controvérsia normalmente se dá porque os autores dissertam sobre diferentes aspectos desses institutos. Globalmente, eles são incompatíveis porque a doação pressupõe o deslocamento patrimonial do objeto, circunstância que não se dá na remissão6. Contudo, há aspectos comuns – e são esses que ora interessam – a equiparar remissão e doação, por exemplo, quando acarretam redução do patrimônio para o credor e incremento para o devedor, sem qualquer contraprestação7.

Remissão e doação são caracterizadas primordialmente pela gratuidade, em oposição à onerosidade. A ausência de contraprestação ou de correspectivo, mais do que a mera normalidade, seria necessária à própria conceituação jurídica desses institutos8, a sua razão típica objetivada (causa)9.

Como explica Orlando Gomes10:

“A causa de uma remissão a título gratuito é, quase sempre, a doação. Por outras palavras, o credor que perdoa uma dívida, sem nada receber, pratica, sem dúvida, ato de liberalidade, pois desfalca seu patrimônio de um valor ativo para aumentar o do devedor pela eliminação do valor negativo que pesava no seu passivo. Normalmente, o perdão de dívida é ato gratuito, ainda se não praticado em favor do devedor, porquanto, em qualquer hipótese, o beneficia.”

Interessante é o conteúdo da liberalidade ou gratuidade. Não se trata de perquirir uma particular qualificação subjetiva da vontade dos envolvidos, cujo teor consiste em cumprir um ato atributivo sem correspectivo (animus donandi) e que é correlato a uma vontade igualmente qualificada de receber da outra parte (animus donum accipiendi). Tampouco afigura-se adequado escorá-la em motivos altruístas, benevolentes ou que o negócio seja praticado sob o influxo do amor, da relação paternal ou da pia caridade cristã.

Esses elementos subjetivos podem ter relevância quando o ordenamento assim o indicar11, mas não definem a liberalidade como causa suficiente da remissão ou da doação. Aliás, uma pessoa pode perdoar uma dívida ou doar uma coisa sem ter a intenção de fazer o bem ao outro, ou até mesmo com o intuito de prejudicar; mas isso não deve afetar os elementos constitutivos da remissão ou da doação12.

A liberalidade comporta um viés objetivo e negativo: um ato que se faz (perdão de dívida, na remissão; ou dação de bem, na doação) sem ter em vista uma contraprestação suficiente a tornar o liame entre as partes um contrato comutativo, isto é, sem existir um acordo no qual as contraprestações estabelecidas são certas e equivalentes. Não há reciprocidade, e o ato não é feito com o propósito de adimplir um dever jurídico preexistente13. Presente a comutatividade, o negócio não poderá ser qualificado como remissão, de acordo com os limites conceituais do instituto ora adotados.

As características da gratuidade e da não comutatividade igualmente ajudam a realizar a diferenciação entre remissão e desconto. Embora ambos sejam originários de um acordo e conduzam, em alguma medida, ao não pagamento, as finalidades de um e de outro instituto são distintas. Enquanto na remissão as partes simplesmente “desistem” do adimplemento de uma das prestações que compõem a obrigação, no desconto existe um esforço e um sacrifício comum para alcançar o adimplemento da prestação, ainda que em menor medida às pretensões iniciais. Enfim, a remissão lida com a descrença da posição credora e concentra-se na parte “morta” da prestação, dispensando-a, ao passo que o desconto lida com a esperança da posição credora de ver a prestação que lhe interessa satisfeita e concentra-se na parte ainda “viva”, passível de salvamento. Nesse contexto, a remissão poderá ser total ou parcial, ao contrário do desconto, que deverá ser necessariamente parcial, nunca total.

Apresentados os contornos cíveis da remissão de dívida, cabe agora aprofundar o tema sob a perspectiva contábil, como forma de bem descrever o modo pelo qual esse ato repercute sobre o patrimônio e sobre os resultados de uma empresa, antes de entrar na análise das decisões do CARF a esse respeito.

2. Conceito contábil de receita e perdão de dívida

Inicialmente, uma observação singela, mas relevante: a precisão matemática alcançada pelos balanços constitui mera decorrência formal da técnica baseada nos lançamentos em partidas dobradas, não tendo o efeito de tornar a Contabilidade uma ciência exata. Ela é tão ciência social quanto o Direito, visto que se encontra sujeita a princípios e regras, mutáveis e adaptáveis que são, conforme as demandas do ambiente em que inserida. Não fosse assim, situações semelhantes, ocorridas em diferentes países, mas submetidas “a condições normais de temperatura e pressão”, deveriam resultar informações contábeis igualmente semelhantes, o que, como já se sabe, não é verdadeiro14.

E foi justamente em razão da inerente subordinação a princípios e regras que as relevantes funções de reconhecimento, mensuração e divulgação de informações econômicas proporcionadas pela Contabilidade sofreram, por muito tempo, a ingerência do Direito no Brasil, notadamente da legislação fiscal15. Afinal, o lucro líquido contábil tem sido historicamente utilizado como o ponto de partida para, mediante ajustes de adição ou de exclusão, apurar a base de cálculo dos tributos incidentes sobre a renda (IRPJ/CSLL). O sucesso dessa abordagem – que evitou a obrigação de se elaborar uma contabilidade puramente fiscal – teria supostamente acarretado a extensão dessa sistemática para a apuração de outros tributos, notadamente aqueles incidentes sobre as receitas, como é o caso do PIS/COFINS.

Nesses tempos, as informações contábeis produzidas refletiam os critérios para arrecadação de tributos, os quais eram baseados em fatos passados, reconhecidos em conformidade com figuras jurídicas, mensurados pelo custo histórico e lastreados em documentos formais. Tudo para capturar a capacidade contributiva manifestada por aqueles que incorreram nos fatos geradores dos tributos.

Contudo, diante de um movimento mundial de harmonização de normas contábeis entre países, eclodido em razão da globalização dos negócios, o Brasil experimentou mudanças profundas em sua matriz contábil. A partir da edição da Lei n. 11.638/2007, adotou-se o padrão internacional IFRS, que privilegia os interesses dos investidores e é escorado na visão preditiva dos fatos, capaz de facilitar decisões empresariais, mediante a antecipação da existência de fluxos de caixa futuros. Para conferir efetividade a tal intento, o novo modelo contábil brasileiro passou a observar os postulados (i) da primazia da essência econômica sobre a forma jurídica, (ii) do subjetivismo responsável e (iii) da visão prospectiva, mediante a mensuração de determinados ativos e passivos pelo valor presente e pelo valor justo, dentre outras diretivas.

As mudanças nos critérios contábeis foram tão significativas que exigiram a introdução de um regime fiscal de transição (Lei n. 11.941/2009), com aplicação do antigo padrão contábil brasileiro (BRGAAP) para fins de apuração dos tributos; afinal, o resultado contábil era o ponto de partida para a apuração fiscal. A disparidade entre os critérios que iluminavam o padrão IFRS e a tributação no Brasil, entretanto, é muito acentuada, uma vez que esta, ao contrário daquele, é retrospectiva e está calcada em princípios e regras constitucionais que, de um lado, prestigiam a segurança jurídica, a capacidade contributiva e a certeza do Direito e, de outro lado, estão vinculadas às formas de Direito Privado. No momento de extinguir aquele regime de transição, a Lei n. 12.973/2014 praticamente tornou perene a separação entre a noção de patrimônio contábil e as normas de incidência tributária. Certa ou errada, esta foi a decisão do legislador brasileiro.

Consequentemente, os critérios contábeis para reconhecimento e mensuração do desempenho econômico das entidades estão cada vez mais distantes dos critérios fiscais considerados válidos para determinação das bases de cálculo dos tributos. Enquanto um contenta-se por estar aproximadamente certo a fim de promover decisões empresariais que sejam tempestivamente eficazes, o outro não abre mão da exatidão e da segurança. Por isso, está cada vez mais difícil partir do resultado contábil para se alcançar a base imponível, porque o encadeamento sistemático entre a contabilidade e a tributação está mais complicado.

Determinadas regras contábeis de apuração do lucro líquido não se conformam com as diretrizes do sistema tributário nacional: é o caso dos registros contábeis da doação e do perdão de dívida.

Em sua redação original, a Lei n. 6.404/1976 (Lei das S/A), ao discorrer sobre a estrutura básica dos principais registros contábeis no Brasil, determinava que as doações recebidas deveriam ser classificadas diretamente como reserva de capital, no patrimônio líquido, sem trânsito pelas contas de resultado, o que equivale a dizer que as doações recebidas não constituíam receitas contábeis das pessoas jurídicas16. As transferências de capital eram submetidas a tratamento contábil distinto em relação às transferências de rendas, estas sim registradas como receitas ou despesas nas contas de resultado. Embora a legislação brasileira não dispusesse expressamente sobre o tratamento contábil do perdão de dívida, isso não impediu que a ele fosse aplicada a mesma norma a respeito das doações, por extensão analógica.

A adoção do padrão IFRS, contudo, alterou essa concepção. A Lei n. 11.638/2007, ao modificar a estrutura das contas do patrimônio líquido, também alterou a forma de registro das doações, não permitindo mais o seu apontamento diretamente em conta de reserva de capital, devendo agora transitar pelo resultado do período. A distinção entre transferência de capital e transferência de renda é afastada em prol da divulgação de todos os fatores que contribuíram para o desempenho da entidade no período, por meio do lançamento em conta de resultado. Tanto assim que o Pronunciamento Conceitual Básico (R1), emitido pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), incluiu expressamente o perdão de dívida como receita a ser reconhecida em conta de resultado:

“4.47. A receita deve ser reconhecida na demonstração do resultado quando resultar em aumento nos benefícios econômicos futuros relacionado com aumento de ativo ou com diminuição de passivo, e puder ser mensurado com confiabilidade. Isso significa, na prática, que o reconhecimento da receita ocorre simultaneamente com o reconhecimento do aumento nos ativos ou da diminuição nos passivos (por exemplo, o aumento líquido nos ativos originado da venda de bens e serviços ou o decréscimo do passivo originado do perdão de dívida a ser paga).”

É preciso que fique claro, entretanto, que o conceito contábil de receita não determina o tratamento fiscal dos atos praticados pelos contribuintes, visto que as demonstrações financeiras têm uma finalidade diversa daquela buscada pelas normas tributárias17.

Como não poderia deixar de ser, não cabe ao Conselho Federal de Contabilidade ou a qualquer órgão de pronunciamento de normas contábeis a definição da hipótese de incidência dos tributos brasileiros, sob risco de subversão do sistema tributário nacional, relativamente à atribuição constitucional de competências e à definição legal das imposições tributárias.

É verdade que a Lei n. 12.973/2014 – editada com o propósito de adaptar a legislação tributária às inovações contábeis, já que o ponto de partida para apuração de determinados tributos continuaria sendo o resultado contábil18 – não fez qualquer ressalva quanto à exclusão da incidência tributária sobre receita contábil advinda do perdão de dívida. Mas isso não significa que a incidência do PIS/COFINS sobre essa verba esteja autorizada, porque a cobrança em questão está submetida a outros parâmetros, de ordem constitucional, conforme se verá a seguir.

3. Conceito tributário de receita e perdão de dívida

A Constituição Federal de 1988 (CF/1988), além de estabelecer quais tributos cada ente federativo é capaz de instituir, através das competências tributárias, também determina, para a maioria dos casos, os limites do próprio conteúdo material da hipótese de incidência do tributo a ser criado por lei (por exemplo, incidência sobre renda, sobre faturamento, sobre circulação de mercadoria, sobre serviços de qualquer natureza). Ou seja, prescreve qual signo presuntivo de riqueza será passível de oneração por cada ente federado.

A discussão sobre o sentido e o alcance dessas expressões empregadas pela CF/1988 é vasta na doutrina e na jurisprudência brasileiras19-20. Mas o entendimento prevalecente no Supremo Tribunal Federal (STF) dá conta de que as normas constitucionais atributivas de competência estabelecem conceitos, os quais podem ser explícitos, por meio dos quais o texto constitucional já enuncia a conotação pretendida, ou implícitos, nos quais o constituinte acolhe os sentidos do termo de acordo com o Direito Privado, com o Direito Tributário, com ciências não jurídicas ou com norma infralegal preexistente ao tempo da promulgação da CF/1988. A jurisprudência da Suprema Corte é generosa na análise desses “conceitos”, “figurinos constitucionais” ou “balizas constitucionais”21.

Para bem compreender o conceito constitucional de receita, é preciso analisar a evolução da legislação e da jurisprudência, bem como as manifestações da doutrina especializada a respeito do PIS/COFINS.

No âmbito legislativo, duas fases se destacam, a partir da vigência da CF/1988.

Na primeira fase – compreendida entre a promulgação da CF/1988 e a edição da Emenda Constitucional n. 20/1998 – a norma constitucional outorgava competência legislativa para a União instituir contribuição social sobre faturamento22, mas a legislação infraconstitucional criadora do tributo determinava que o faturamento corresponderia à receita bruta da pessoa jurídica.

A jurisprudência do STF, interpretando a lei ordinária de criação das contribuições (art. 3º da Lei n. 9.718/1998) em conformidade com o texto constitucional, “consolidou-se no sentido de tomar as expressões receita bruta e faturamento como sinônimas, jungindo-as à venda de mercadorias, de serviços ou de mercadorias e serviços”. Qualquer exigência que extrapolasse esses parâmetros seria considerada inconstitucional23.

Na segunda fase, iniciada com a edição da Emenda Constitucional n. 20/1998, a competência constitucional para criação de contribuições sociais foi alargada, passando a abranger, alternativamente, a “receita” ou o “faturamento”24. A legislação ordinária instituidora do regime não cumulativo das contribuições (Leis n. 10.637/2002 e n. 10.833/2003) fez incidir o PIS/COFINS sobre o “faturamento”, assim entendido o total das receitas auferidas25.

É interessante perceber que, em ambas as fases, a legislação ordinária fez as contribuições recaírem sobre “faturamento”, a denotar sempre a retribuição por alguma atividade exercida pelo contribuinte, mesmo que sob diferentes alcances. E mais, pode-se verificar o escopo do legislador de onerar o produto de atividades operacionais da empresa, porque essa mesma legislação ordinária sempre excluiu da base de cálculo as receitas ditas não operacionais, “decorrentes da venda de bens do ativo não circulante, classificado como investimento, imobilizado ou intangível”. Diante desse contexto legislativo, não há espaço para tributação do perdão de dívida aceito, no qual sequer ocorre ingresso26, ou mesmo da doação recebida.

No âmbito jurisprudencial, ao analisar se o PIS/COFINS incidia ou não sobre a cessão onerosa de créditos de ICMS a terceiros, a Suprema Corte foi incisiva ao afirmar três aspectos acerca do conceito de receita:

Primeiro, quanto à abrangência, a CF/1988 efetivamente estatuiu um conceito constitucional de receita que, embora amplo, é passível de delimitação, não podendo ser ultrapassado pelo legislador ordinário ou pelo Fisco27.

Segundo, quanto à autonomia, o conceito constitucional de receita, acolhido para fins de delimitação de competência tributária, é independente do conceito contábil. No momento de determinar os diversos aspectos que compõem o fato gerador, a informação contábil constitui mero ponto de partida, sujeita aos ajustes decorrentes da observância dos princípios e das regras próprios do Direito Tributário28.

Ora, tal ponto é reforçado pela própria legislação infraconstitucional, que faz deferência à supremacia do conceito jurídico-tributário de receita ao estabelecer que a incidência do PIS/COFINS ocorrerá sobre o total de receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, “independentemente de sua denominação ou classificação contábil”. Essa ressalva final do dispositivo legal possui um duplo significado: inclui na base de cálculo os valores tributáveis que não foram registrados contabilmente como receitas, bem como exclui aqueles não tributáveis, ainda que registrados contabilmente como receitas.

Terceiro, quanto ao conteúdo, a receita passível de tributação pelo PIS/COFINS pode ser definida como o ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivo para a mutação patrimonial, sem reservas ou condições, de acordo com as definições doutrinárias de Aliomar Baleeiro29 e de Ricardo Mariz de Oliveira30.

Aliás, na lição doutrinária desse último autor – expressamente referenciada pela Suprema Corte no acórdão que julgou o RE n. 606.107 –, conclui-se que o perdão de dívida feito por liberalidade ou gratuidade, que não represente contraprestação de obrigação anteriormente assumida, tal qual qualificado no item precedente deste trabalho, não pode ser considerado receita tributável:

“Em suma, redução ou extinção de obrigação, sem pagamento, também é receita, salvo se, pelo exame das características de cada caso, se puder equiparar a exoneração da dívida a uma doação, hipótese em que será aplicável a mandatória definição legal de ‘não receita’ e do respectivo crédito à reserva de capital.” (Destaque nosso)31

E não poderia ter sido de outro modo, pois receita consiste num fluxo de riqueza nova adquirida pela pessoa jurídica, para livre disposição. É o que diz, em outras palavras, Bulhões Pedreira: “Receita é quantidade de valor financeiro, originário de outro patrimônio, cuja propriedade é adquirida pela sociedade empresária ao exercer as atividades que constituem as fontes de seu resultado. [...] O processo de recebimento de receita consiste, portanto, na aquisição de um direito patrimonial e de poder sobre o objeto desse direito, que tem um valor financeiro. [...] Receita é valor financeiro cuja propriedade é adquirida por efeito do funcionamento da sociedade empresária.”32

O conceito constitucional de receita, portanto, traduz o incremento patrimonial que a pessoa jurídica produz por qualquer meio, e não o que vem de fora dela, a título de transferência patrimonial, como ocorre com o perdão de dívida ou com a doação.

Tal concepção de receita, vinculada à consecução de atividades pela pessoa jurídica, por quaisquer meios de produção, também se encontra expressamente incorporada na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

“Tributário. Agravo regimental no recurso especial. Não inclusão dos valores referentes a créditos presumidos de ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS. Precedentes desta Corte Superior. Conceito de receita, para o fim de imposição tributária. Inaplicabilidade da cláusula da reserva do Plenário. Interpretação de lei. Agravo regimental da Fazenda Nacional desprovido. [...] 2. Há generalizado consenso, entre os doutos, que se entende por receita, para fins de incidência de tributos que a têm como suporte, o ingresso financeiro que se incorpore, positiva e definitivamente, ao patrimônio de quem o recebe e, ademais, represente retribuição ou contraprestação de atos, operações ou atividades da pessoa jurídica ou, ainda, seja contraprestacional do emprego de fatores produtivos titulados pela sociedade.” (STJ, AgRg no REsp n. 1.363.902, Primeira Turma, Rel. Min. Napoleão Maia, julgado em 05.08.2014)

Uma última menção cabe à alteração promovida nas Leis n. 10.637/2002 e n. 10.833/2003 pela Lei n. 12.973/2014, que eliminou qualquer menção ao termo “faturamento” da hipótese de incidência do PIS/COFINS no regime não cumulativo (embora a expressão ainda seja utilizada pela legislação no regime cumulativo), que passou a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 1º A Contribuição para o PIS/PASEP, com a incidência não cumulativa, incide sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.”

A leitura açodada do dispositivo pode conduzir o intérprete à conclusão de que o legislador alterou o conceito de receita tributável pelas contribuições, eliminando o óbice do conceito de faturamento, que se mencionou aqui ao expor a fase após a EC n. 20/1998, permitindo a tributação de qualquer elemento que impacte positivamente no resultado da empresa. Parece-nos que não.

A lei deve guardar compatibilidade material com a CF/1988, e não o contrário. É dizer, cabe ao legislador editar leis que se balizem pelos elementos do conceito constitucional de receita bruta, consolidados pela jurisprudência do STF. A alteração do art. 1º das Leis n. 10.637/2002 e n. 10.833/2003 não tem o condão de afetar os marcos definitórios estabelecido pelo STF, devendo a interpretação adequada do dispositivo alcançar necessariamente um conteúdo semântico compatível com eles33.

Portanto, parece-nos que a alteração legislativa, nesse ponto, não tem o efeito de infirmar as conclusões apresentadas anteriormente, pois o conceito constitucional de receita deverá estar adstrito àquele consolidado pelo RE n. 606.107, julgado sob a sistemática da repercussão geral.

Pois bem, abordado o tema do conceito de receita para fins de PIS/COFINS, fica evidente carecer ao perdão de dívida um elemento essencial à sua caracterização: a natureza de ingresso financeiro novo, afetando positivamente o patrimônio, visto que, em rigor, corresponde à redução de um passivo já existente, por liberalidade do credor.

Além disso, a jurisprudência tem, cada vez mais consolidado, que a receita tributável pelo PIS/COFINS é a receita bruta, que represente contraprestação por atividades operacionais da pessoa jurídica ou, ainda, seja contraprestacional do emprego de fatores produtivos titulados pela sociedade, novamente se distanciando da figura da remissão, na qual não há qualquer emprego de ativos da empresa na geração de receitas.

Cumpre, agora, analisar a forma como o CARF tem analisado a questão, e quais argumentos têm sido suscitados em seus julgados sobre a matéria.

4. Análise da jurisprudência do CARF

A tributação do perdão de dívida possui precedentes proferidos nas três seções de julgamento do CARF, pois podem envolver IRPJ e CSLL (1ª Seção), IRPF (2ª Seção) ou PIS/COFINS (3ª Seção). Como o escopo deste trabalho limita-se aos reflexos do perdão de dívida sobre a incidência ou não das contribuições sociais, eventuais alusões a decisões administrativas relativas a outros tributos serão feitas meramente como reforço argumentativo, naquilo que for compatível e pertinente, ficando resguardadas as peculiaridades dos respectivos fatos geradores (por exemplo, a existência de acréscimo patrimonial, no caso do imposto de renda).

Nos poucos acórdãos localizados sobre o tema, a discussão gira em torno de um ponto em comum, qual seja, o conceito de receita que deve ser levado em consideração para a delimitação da hipótese de incidência do PIS/COFINS.

No julgamento do Acórdão CARF n. 3402-004.00234, discutia-se a cobrança de PIS/COFINS sobre a diferença apurada entre o valor de uma dívida e o valor de face de um direito de crédito que foi dado em pagamento para a extinção dela. Entendendo o Fisco que a dívida era superior ao valor do direito, a diferença deveria ser tratada como perdão de dívida e reconhecida como receita operacional da empresa.

O voto da relatora, vencido, entendeu que a baixa parcial ou total das dívidas, sem o correspondente pagamento, constitui receita, fundamentando sua posição na Resolução CFC n. 750/1993, que no seu art. 9º, § 3º, II, determina que a realização da receita se dê “quando da extinção, parcial ou total, de um passivo, qualquer que seja o motivo, sem o desaparecimento concomitante de um ativo de valor igual ou maior”, e referiu-se também à Resolução CFC n. 1.374/2011, que menciona expressamente o perdão de dívida como uma espécie de receita35.

A discorrer sobre a natureza contábil do perdão de dívida, a relatora invocou a Solução de Consulta n. 306/2007, da SRRF/9ªRF/DISIT, para concluir que a operação não tem natureza de desconto financeiro, mas seria uma espécie de desconto incondicional, não considerado como receita financeira, mas sim como receita operacional da empresa devedora beneficiada.

No voto vencedor, a matéria foi abordada tanto sob a perspectiva da dação em pagamento, para afirmar que sua eficácia liberatória plena implicaria a inexistência de relação de débito e crédito posterior à sua ocorrência36, quanto sob a perspectiva da definição de receita tributável pelas contribuições sociais, esta última relevante para nossa análise.

De fato, reconheceu-se que as normas de contabilidade tratavam do perdão de dívida como uma hipótese de receita das empresas, mas ressalvou que todos os pronunciamentos contábeis devem ser compreendidos à luz do escopo expresso de cada um deles. Assim, o reconhecimento do perdão de dívida como receita era determinado apenas para fins de demonstração do resultado – um escopo específico e distinto do reconhecimento de receita para fins de tributação, como expressamente contemplado no item 8A do Pronunciamento CPC n. 30, verbis:

“8A. A divulgação da receita na demonstração do resultado deve ser feita a partir das receitas conforme conceituadas neste Pronunciamento. A entidade deve fazer uso de outras contas de controle interno, como ‘Receita Bruta Tributável’, para fins fiscais e outros.”37 (Destaques nossos)

Desse modo, resta erodido o fundamento contábil para o enquadramento do perdão de dívida dentro do conceito jurídico-tributário de receita, em razão da distinção das noções existentes na Contabilidade e no Direito Tributário, restando verificar o atendimento aos critérios propriamente jurídicos de qualificação. Invocou-se o decidido no RE n. 606.107, já analisado anteriormente, para ressaltar a existência de um posicionamento vinculante do STF quanto ao conceito constitucional de receita, para fins das contribuições sociais, com destaque para o fato de a contabilidade ser tomada como ponto de partida, sem que isso subordine a tributação.

Ora, não há como ser diferente. Não cabe, e nem deve caber, ao Conselho Federal de Contabilidade ou aos demais órgãos definidores de regras contábeis a definição da hipótese de incidência dos tributos brasileiros, sob pena de subversão da sistemática normativa de delimitação de competência pela CF/1988 e definição da incidência pelas leis.

Por fim, ressaltou-se também o voto do Conselheiro Antonio Carlos Atulim no Acórdão CARF n. 3402-003.071, que faz uma recursão histórica para demonstrar que a União sempre tentou, indevidamente, ampliar a hipótese de incidência das contribuições sociais, com sucessivos rechaces por parte dos Tribunais Superiores. Aduz o referido voto que, mesmo com a modificação introduzida pela EC n. 20/1998, autorizando a tributação da receita de forma plena, os legisladores não se valeram dessa autorização de forma irrestrita, inicialmente vinculando “a totalidade das receitas” ao termo “faturamento” na redação original das Leis n. 10.637/2002 e n. 10.833/2003, mas também excluíram de forma expressa e literal da tributação as receitas não operacionais nos §§ 3º dos arts. 1º dessas duas leis.

Mais ainda, a própria legislação fornece indícios claros de que o conceito jurídico de receita exige um ingresso novo, como sustentado pelo STF, não se furtando, em diversas oportunidades, em deixar claro que a eliminação de um passivo, conquanto represente um ganho, não deve ingressar na base de cálculo do PIS/COFINS, como no art. 1º, § 3º, inciso V, “b”, da Lei n. 10.637/200238. Caso contrário, teríamos que conceber a tributação, como receita operacional, de qualquer provisão revertida na contabilidade, pois teria o mesmo efeito de redução de um passivo e impacto positivo no patrimônio líquido da empresa, situação esta que beira o absurdo.

Cabe ressaltar, de forma complementar, que o voto vencido enquadrou o perdão de dívida como um desconto incondicional, o que, por si, seria suficiente para justificar a sua não sujeição ao PIS/COFINS não cumulativos, visto que o art. 1º, § 3º, V, “a”, das leis de regência, estabelece a exclusão da base de cálculo das contribuições da receita decorrente de descontos incondicionais.

O mesmo colegiado, sob nova composição, ao proferir o Acórdão CARF n. 3402-004.95439, mudou o entendimento que havia sido consolidado, acatando, por voto de qualidade, a incidência de PIS/COFINS sobre o perdão de dívida. Neste julgamento, os argumentos suscitados por ambos os lados da discussão foram exatamente os mesmos, razão pela qual não há necessidade de reiterá-los integralmente.

No Acórdão CARF n. 3201-002.11740, o colegiado entendeu, por voto de qualidade, pela incidência de PIS sobre o perdão de dívida, ressaltando novamente o conceito contábil de receita como hipótese de incidência das contribuições (ainda que não tenha o feito de forma tão expressa quanto o acórdão analisado anteriormente). Entendeu o relator que o PIS abrangeria todas as receitas da empresa, inclusive aquelas decorrentes da reversão de uma despesa, cujo lançamento deveria se realizar mediante crédito em conta de receita operacional.

Em sentido contrário, o Conselheiro Cássio Schappo apresentou declaração de voto, suscitando que o conceito de faturamento deveria ser respeitado no presente caso, em razão da disposição expressa do art. 1º da Lei n. 10.637/2002, ressaltando, por se tratar de um conceito constitucional, não ser possível se cogitar de dois conceitos de faturamento distintos no ordenamento brasileiro, um para as contribuições sociais cumulativas, e outro para as contribuições não cumulativas.

Esse caso tem uma peculiaridade digna de nota: por se tratar de fatos geradores ocorridos no ano de 2002, a Lei n. 10.637/2002 já estava vigente e foi aplicada para o PIS, mas a COFINS ainda estava sujeita ao regramento da Lei n. 9.718/1998. Em razão disso, a própria DRJ exonerou o lançamento na parcela da COFINS, por entender que o perdão de dívida estaria dentro do alargamento da base de cálculo promovido pelo art. 3º, § 1º, da Lei n. 9.718/1998, declarado inconstitucional pelo STF.

Nessa mesma linha, o Acórdão CARF n. 1802-001.61841 excluiu a cobrança das contribuições sociais sobre o perdão de dívida, em virtude de a empresa ser optante do lucro presumido e estar sujeita à apuração cumulativa do PIS/COFINS, razão pela qual se aplicou o decidido pelo STF nos RE n. 390.840, n. 346.084 e n. 358.273, que julgaram inconstitucionais o alargamento da base de cálculo das contribuições.

No âmbito da 1ª Seção do CARF, é pacífica a possibilidade de incidência de IRPJ/CSLL sobre o perdão de dívidas, por se caracterizar como elemento gerador de acréscimo patrimonial no período, contribuindo para a composição do lucro líquido do exercício, que será utilizado para o cômputo do lucro real42. Essa situação não se mantém na Segunda Seção, entretanto, mormente em razão da previsão estabelecida pelo art. 55, I, do RIR/1999 (atual art. 47, I, do RIR/2018), para o IRPF, verbis:

“Art. 55. São também tributáveis:

I – as importâncias com que for beneficiado o devedor, nos casos de perdão ou cancelamento de dívida em troca de serviços prestados;”

Analisando esse dispositivo no Acórdão CARF n. 2402-005.29843, o relator entendeu que o perdão de dívida só seria tributável pelo IRPF se a sua concessão estivesse condicionada à prestação de algum serviço – é dizer, se a remissão estivesse desprovida de liberalidade –, na esteira da Solução de Consulta COSIT n. 70/201344, o que não ocorrera no caso sob julgamento.

Esse dispositivo (art. 55, I, do RIR/1999) e a posição exarada pela Receita Federal na solução de consulta indicada acima põem em evidência a real natureza do perdão de dívida: um negócio jurídico bilateral, dotado de liberalidade ou gratuidade. Como dito anteriormente, estando presente a comutatividade – como na hipótese de o perdão de dívida ser condicionado à prestação de um serviço –, o negócio não poderá ser qualificado como remissão, mas sim como uma novação, mediante a introdução de uma forma alternativa de satisfação de uma prestação anteriormente pendente. Assim, por exemplo, a liquidação em dinheiro é substituída por uma obrigação de fazer dotada de conteúdo econômico.

O elemento condicional (ou, ainda, o caráter retributivo) nos parece essencial para afastar a qualificação como perdão de dívida. Quando a desistência da prestação pelas partes é feita de modo condicionado (ou retributivo), exigindo-se em contraprestação a entrega de um bem ou a prestação de um serviço, não há uma verdadeira dispensa da prestação, mas sim a substituição por outra – hipótese esta que o RIR/1999 sujeita expressamente à tributação pelo IRPF.

Seja como for, o próprio entendimento da Receita Federal, no sentido de compreender a remissão pura como um desconto incondicional, posição esta constante da Solução de Consulta n. 306/2007, da SRRF/9ªRF/DISIT, e também em votos proferidos por conselheiros representantes da Fazenda Nacional, no âmbito do CARF, corrobora a tese de impossibilidade de cobrança de PIS/COFINS sobre estes valores.

Mais ainda, essa circunstância põe uma tônica especial sobre a liberalidade da remissão, que passa a ser um elemento imprescindível para a justificativa da tributação ou não da baixa do passivo. É ônus da fiscalização, no momento da lavratura do auto de infração, comprovar que o perdão de dívida foi concedido de forma comutativa ou condicionada, para justificar a sua tributação pelo PIS/COFINS – caso contrário, há de tratá-lo como um desconto incondicional (na visão do Fisco), que impacta, sim, no lucro líquido do exercício, mas que não tem o condão de se caracterizar como receita tributável pelas contribuições sociais.

Conclusões

Como se verificou na análise de alguns julgados mais recentes do CARF, o exame do perdão de dívida foi balizado principalmente sobre definições da contabilidade, hauridas de pronunciamentos contábeis, do que propriamente em definições jurídicas desenvolvidas no âmbito da doutrina e na jurisprudência dos Tribunais Superiores.

Há uma grande aderência, por parte da Receita Federal e dos acórdãos do CARF, ao conceito contábil de receita, mesmo diante de previsão expressa, no Pronunciamento CPC n. 47 – Receita de Contrato com Cliente, do dever de a entidade fazer uso de uma conta de controle interno para a “Receita Bruta Tributável”, para fins fiscais, evidenciando de forma inequívoca a existência de uma assimetria desse conceito entre os âmbitos da Contabilidade e do Direito Tributário.

Uma leitura adequada da legislação de regência das contribuições sociais evidencia isto, ao determinar a incidência sobre o total de receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, “independentemente de sua denominação ou classificação contábil”, comando este que evidencia a irrelevância da caracterização contábil para o enquadramento ou não na hipótese de incidência juridicamente determinada.

Da mesma forma, o STF já consolidou o conceito constitucional de receita, para fins de PIS/COFINS, através do RE n. 606.107, definido como o ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivo para a mutação patrimonial, sem reservas ou condições. Afastou-se, portanto, a possibilidade de se reconhecer como receita tributável a reversão de passivos, pois não implicariam novo ingresso, mantendo-se, por exemplo, a impossibilidade de tributação da reversão de provisões, mesmo que não existisse previsão legislativa expressa.

Por outro lado, a compreensão da remissão de dívida pura como uma espécie de desconto incondicional, por parte da própria Receita Federal, estabelece o caminho argumentativo para justificar a sua tributação ou não pelo PIS/COFINS, com base em previsão do art. 1º, § 3º, V, “a”, das leis de regência. Caberia à fiscalização, para descaracterizar essa natureza jurídica e viabilizar sua tributação, a demonstração de ausência de liberalidade e gratuidade no perdão da dívida, é dizer, demonstrando que o perdão foi dado mediante contraprestação, descaracterizando o seu caráter incondicional.

É preciso, portanto, trazer a discussão para o campo da linguagem jurídica e suas definições próprias, reconhecendo à contabilidade o seu importante papel de ponto de partida, mas sem adjudicar consequências jurídicas exclusivamente a partir dela. Há, pois, assimetrias conceituais entre termos utilizados em campos distintos do conhecimento, que ora se aproximam, ora se distanciam.

A controvérsia da incidência do PIS/COFINS sobre o perdão de dívida é um sintoma de uma questão mais profunda que tormenta e grassa por todos os julgamentos do CARF: a relação entre o Direito Tributário e a Contabilidade.

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1 LIBÂNIO, José Carlos. Fatores culturais na formação da consciência ética do ocidente. Disponível em: <https://www.ufmg.br/bioetica/trabalhos/FATORES_CULTURAIS_NA_FORMACAO-J_B_LIBANIO.doc>. Acesso em: 18.11.2018.

2 “Ementa: remissão de dívida. Incidência de IRPJ, CSLL, PIS/PASEP e COFINS. A remissão de dívida importa para o devedor (remitido) acréscimo patrimonial (receita operacional diversa da receita financeira), por ser uma insubsistência do passivo, cujo fato imponível se concretiza no momento do ato remitente.”

3 Por exemplo, o devedor poderia recusar o perdão da dívida para não ser humilhado ou para obter a declaração judicial de inexistência da relação obrigacional (PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Teoria geral das obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2009. v. II, p. 267).

4 MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo Código Civil: do direito das obrigações, do adimplemento e da extinção das obrigações. Tomo I. Rio de Janeiro: Forense, 2003. v. V, p. 653. Em sentido contrário, defendendo a existência de remissão a título oneroso, cite-se o autor português VARELA, João de Matos Antunes. Das obrigações em geral. 7. ed. Coimbra: Almedina, 1999. v. 2.

5 Como coloca André Comte-Sponville: “É o que o perdão registra ou exprime, pelo que coincide com a generosidade (em perdoar há doar): é como uma superabundância de liberdade, que vê bem demais a que falta aos culpados para lhes querer mal absolutamente, e que lhes concede a graça de compreendê-los, de desculpá-los, de perdoá-los por existirem e serem o que são.” (Pequeno tratado das grandes virtudes. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 65)

6 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Teoria geral das obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2009. v. II, p. 267.

7 AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de direito civil. Teoria geral das obrigações. 9. ed. São Paulo: RT, 2001, p. 169.

8 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Teoria geral das obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2009. v. II, p. 267.

9 Os motivos que inspiraram as pessoas a realizar os negócios jurídicos são, como regra, irrelevantes para o ordenamento jurídico brasileiro. Eles não integram o conteúdo do contrato e, por serem individuais, subjetivos, internos, contingentes, variáveis e até contraditórios, são indiferentes para fins jurídicos, não afetando a validade ou a eficácia do negócio. Já a causa relaciona-se com a função típica do negócio selecionado (causa abstrata) e com o fim concreto almejado pelas partes (causa concreta).

10 GOMES, Orlando. Obrigações. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 154.

11 É o caso da ingratidão que, quando externalizada, pode constituir hipótese de revogação da doação, nos termos do art. 555 do Código Civil. Ainda assim, a revogação da doação por ingratidão não ocorre de forma automática, já que depende de declaração de vontade posterior ao acontecimento que revela a ingratidão. A doação valeu e foi eficaz, sendo que a revogação baseia-se em ato posterior. Consequentemente, a sentença que determina a revogação tem caráter predominantemente constitutivo negativo (PENTEADO, Luciano de Camargo. Doação com encargo e causa contratual. Campinas: Millennium, 2004, p. 130).

12 PENTEADO, Luciano de Camargo. Doação com encargo e causa contratual. Campinas: Millennium, 2004, p. 121-122.

13 PENTEADO, Luciano de Camargo. Doação com encargo e causa contratual. Campinas: Millennium, 2004, p. 125.

14 COMPARATO, Fábio Konder. Ensaios e pareceres de direito empresarial. Rio de Janeiro: Forense, 1977, p. 32-33. LOPES, Alexsandro Broedel; e MOSQUERA, Roberto Quiroga. O direito contábil – fundamentos conceituais, aspectos da experiência brasileira e implicações. Controvérsias jurídico-contábeis (aproximações e distanciamentos). São Paulo: Dialética, 2010. v. 1, p. 59.

15 BOZZA, Fábio Piovesan. O novo padrão contábil brasileiro e os impactos fiscais no registro das despesas de depreciação. Revista Dialética de Direito Tributário n. 166. São Paulo: Dialética, 2009, p. 78.

16 Lei n. 6.404/1976: “Art. 182. [...] § 1º Serão classificadas como reservas de capital as contas que registrarem: [...] d) as doações e as subvenções para investimento” (redação original).

17 O Pronunciamento CPC n. 47 – Receita de Contrato com Cliente reconhece tal distinção: “112A. A divulgação da receita na demonstração do resultado deve ser feita conforme conceituada neste pronunciamento. Todavia, a entidade deve fazer uso de outras contas de controle interno, como, por exemplo, ‘Receita Bruta Tributável’, para fins fiscais e outros. A conciliação entre os valores registrados para finalidades fiscais e os evidenciados como receita para fins de divulgação de acordo com este pronunciamento deve ser evidenciada em nota explicativa às demonstrações contábeis.”

18 Exposição de motivos da Medida Provisória n. 627/2013, convertida na Lei n. 12.973/2014: “15.2. [...] A manutenção da sistemática de ajustes em Livro Fiscal para os ajustes do lucro líquido decorrentes do RTT foi pleiteada pela comunidade empresarial brasileira em detrimento da possível adoção da Contabilidade Fiscal segregada da Contabilidade Societária (two books of account), o que elevaria o custo Brasil para as empresas. Porém, ao adotar o Livro Fiscal como solução de controle da apuração do resultado fiscal, faz-se necessária uma identificação mais clara e precisa dos fatos passíveis de ajustes ao lucro líquido e a integração com a escrituração contábil. Esse grau de transparência garante maior segurança jurídica ao contribuinte e confere maior segurança para aplicação de recursos pelos investidores, em função da diminuição dos riscos e surpresas com relação à diminuição do patrimônio e capacidade de geração de lucros.”

19 Acerca das diversas posições doutrinárias a respeito, vale citar: ÁVILA, Humberto. Contribuição social sobre o faturamento. COFINS. Base de cálculo. Distinção entre receita e faturamento. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Revista Dialética de Direito Tributário n. 166. São Paulo: Dialética, 2004, p. 96. SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 252-255. BARRETO, Paulo Ayres. Elisão tributária: limites normativos. Tese de livre-docência apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2008, p. 74-75.

20 Voto do Min. Cezar Peluso: “Quando não haja conceito jurídico expresso, tem o intérprete de se socorrer, para a reconstrução semântica, dos instrumentos disponíveis no próprio sistema do direito positivo, ou nos diferentes corpos de linguagem. 6. Como já exposto, não há, na Constituição Federal, prescrição de significado do termo ‘faturamento’. Se se escusou a Constituição de o definir, tem o intérprete de verificar, primeiro, no próprio ordenamento, não havia então algum valor semântico a que pudesse filiar-se o uso constitucional do vocábulo, sem explicitação de sentido particular, nem necessidade de futura regulamentação por lei inferior. É que, se há correspondente semântico na ordem jurídica, a presunção é de que a ele se refere o uso constitucional. Quando u’a mesma palavra, usada pela Constituição sem definição expressa nem contextual, guarde dois ou mais sentidos, um dos quais já incorporado ao ordenamento jurídico, será esse, não outro, seu conteúdo semântico, porque seria despropositado supor que o texto normativo esteja aludindo a objeto extrajurídico.” (STF, Pleno, RE n. 346.084, julgado em 09.11.2005).

21 A título exemplificativo, mencionem-se os seguintes julgados do STF que explicitaram o conceito de termos empregados pela Constituição Federal para atribuir competência tributária aos entes federativos: (a) ITBI e conceito de transmissão de bem imóvel (RE n. 94.580, de 30 de agosto de 1984); (b) imposto de renda e conceito de renda (RE n. 117.887, de 11 de fevereiro de 1993, RE n. 195.059, de 02 de maio de 2000); (c) contribuição previdenciária e conceito de folha de salários (RE n. 166.772, de 12 de maio de 1994); (d) ICMS e conceito de mercadoria (RE n. 203.075, de 05 de agosto de 1998, RE n. 176.626, de 10 de novembro de 1998, RE n. 199.464, de 02 de março de 1999); (e) IOF e conceito de títulos e valores mobiliários (RE n. 232.467, de 29 de setembro de 1999); (f) ISS e conceito de serviço (RE n. 166.121, de 11 de outubro de 2000).

22 “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I – dos empregadores, incidente sobre a folha de salários, o faturamento e o lucro;”

23 “Contribuição social – PIS – receita bruta – noção – inconstitucionalidade do § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98. A jurisprudência do Supremo, ante a redação do artigo 195 da Carta Federal anterior à Emenda Constitucional nº 20/98, consolidou-se no sentido de tomar as expressões receita bruta e faturamento como sinônimas, jungindo-as à venda de mercadorias, de serviços ou de mercadorias e serviços. É inconstitucional o § 1º do artigo 3º da Lei nº 9.718/98, no que ampliou o conceito de receita bruta para envolver a totalidade das receitas auferidas por pessoas jurídicas, independentemente da atividade por elas desenvolvida e da classificação contábil adotada.” (STF, Pleno, RE n. 346.084, RE n. 358.273, RE n. 357.950 e RE n. 390.840, julgados em 09 de novembro de 2005). Anteriormente, a mesma solução já havia sido dada ao FINSOCIAL: “III. Contribuição para o FINSOCIAL exigível das empresas prestadoras de serviço, segundo o art. 28 L. 7.738/89: constitucionalidade, porque compreensível no art. 195, I, CF, mediante interpretação conforme a Constituição. [...] no art. 28 da L. 7.738/89, a alusão a ‘receita bruta’, como base de cálculo do tributo, para conformar-se ao art. 195, I, da Constituição, há de ser entendida segundo a definição do DL 2.397/87, que é equiparável à noção corrente de ‘faturamento’ das empresas de serviço.” (STF, Pleno, RE n. 150.755, julgado em 18.11.1992).

24 “Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: [...] b) a receita ou o faturamento;”

25 Art. 1º das Leis n. 10.637/2003 e n. 10.833/2004: “Art. 1º A contribuição para o PIS/PASEP tem como fato gerador o faturamento mensal, assim entendido o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil.”

26 GRECO, Marco Aurélio. COFINS na Lei 9.718/98 – variações cambiais e regime da alíquota acrescida. Revista Dialética de Direito Tributário n. 50. São Paulo: Dialética, 1999, p. 130-131.

27Trata-se de um conceito constitucional, cujo conteúdo, em que pese abrangente, é delimitado, específico e vinculante, impondo-se ao legislador e à Administração Tributária. Cabe ao intérprete da Constituição Federal defini-lo, à luz dos usos linguísticos correntes, dos postulados e dos princípios constitucionais tributários, dentre os quais sobressai o princípio da capacidade contributiva (art. 145, § 1º, da CF).” (STF, Pleno, RE n. 606.107 (repercussão geral), tema 283, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 22.05.2013)

28 “... o conceito constitucional de receita, acolhido pelo art. 195, I, ‘b’, da CF, não se confunde com o conceito contábil. Isso, aliás, está claramente expresso nas Leis 10.637/02 (art. 1º) e Lei 10.833/03 (art. 1º), que determinam a incidência da contribuição ao PIS/PASEP e da COFINS não cumulativas sobre o total das receitas, ‘independentemente de sua denominação ou classificação contábil’ [...]. Ainda que a contabilidade elaborada para fins de informação ao mercado, gestão e planejamento das empresas possa ser tomada pela lei como ponto de partida para a determinação das bases de cálculo de diversos tributos, de modo algum subordina a tributação. Trata-se, apenas, de um ponto de partida. Basta ver os ajustes (adições, deduções e compensações) determinados pela legislação tributária. A contabilidade constitui ferramenta utilizada também para fins tributários, mas moldada nesta seara pelos princípios e regras próprios do Direito Tributário.” (STF, Pleno, RE n. 606.107 (repercussão geral), tema 283, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 22.05.2013)

29 “Receita pública é a entrada que, integrando-se no patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspondências no passivo, vem acrescer o seu vulto, como elemento novo e positivo.” (BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 126)

30 “Quanto ao conteúdo específico do conceito constitucional, a receita bruta pode ser definida como o ingresso financeiro que se integra no patrimônio na condição de elemento novo e positivo, sem reservas ou condições, na esteira da clássica definição que Aliomar Baleeiro cunhou acerca do conceito de receita pública: ‘Receita pública é a entrada que, integrando-se no patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspondências no passivo, vem acrescer o seu vulto, como elemento novo e positivo.’ Ricardo Mariz de Oliveira especifica ser a receita ‘algo novo, que se incorpora a um determinado patrimônio’, constituindo um ‘dado positivo para a mutação patrimonial’.” (STF, Pleno, RE n. 606.107 (repercussão geral), tema 283, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 22.05.2013)

31 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Conceito de receita como hipótese de incidência das contribuições para a seguridade social (para efeitos da COFINS e da contribuição ao PIS). Repertório IOB de Jurisprudência: tributário, constitucional e administrativo n. 1, jan. 2001, p. 30.

32 PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Finanças e demonstrações financeiras da companhia. Rio de Janeiro: Forense, 1989, p. 455 e 456.

33 Nesse sentido, aduz Maysa Deligne: “A receita é um signo de riqueza indicado no texto constitucional pela Emenda Constitucional nº 20/1998, tendo por conceito jurídico os ingressos que se incorporaram ao patrimônio da pessoa jurídica de forma inaugural, na condição de elemento novo e positivo dentro da perspectiva de circulação de riquezas. Quaisquer parcelas identificadas pela contabilidade como receita que não se enquadrem nesse conceito jurídico não podem ser admitidas como incidência das contribuições para o PIS e a COFINS não cumulativos [...].” (DELIGNE, Maysa de Sá Pittondo. Receita como elemento de incidência do PIS e da COFINS: conceito jurídico x conceito contábil. In: MURICI, Gustavo Lanna; CARDOSO, Oscar Valente; e RODRIGUES, Raphael Silva (org.). Estudos de direito processual e tributário em homenagem ao Ministro Teori Zavascki. 1. ed. Belo Horizonte: D’Plácido, 2018, p. 859

34 Rel. Cons. Maria Aparecida Martins de Paulo, Redator Designado Cons. Carlos Augusto Daniel Neto, julgado em 30.03.2017.

35 “4.47. A receita deve ser reconhecida na demonstração do resultado quando resultar em aumento nos benefícios econômicos futuros relacionado com aumento de ativo ou com diminuição de passivo, e puder ser mensurado com confiabilidade. Isso significa, na prática, que o reconhecimento da receita ocorre simultaneamente com o reconhecimento do aumento nos ativos ou da diminuição nos passivos (por exemplo, o aumento líquido nos ativos originado da venda de bens e serviços ou o decréscimo do passivo originado do perdão de dívida a ser paga).”

36 Aduziu o Conselheiro: “É preciso frisar, mais uma vez, que a natureza consensual da dação em pagamento é o que lhe garante a eficácia liberatória independente do valor da dívida e do bem ou serviço aceito como contraprestação, por exemplo, seria possível que um devedor de uma dívida de R$ 100 mil reais oferecesse como pagamento um imóvel do valor de R$ 150 mil, sem que sequer se pudesse cogitar do surgimento de uma inversão nas posições originais, passando o credor a ser devedor da diferença de R$ 50 mil.”

37 O dispositivo encontra teor análogo no CPC 47, como reproduzido na nota 15.

38 “Art. 1º [...] § 3º Não integram a base de cálculo a que se refere este artigo, as receitas:

V – referentes a: [...] b) reversões de provisões e recuperações de créditos baixados como perda, que não representem ingresso de novas receitas, o resultado positivo da avaliação de investimentos pelo valor do patrimônio líquido e os lucros e dividendos derivados de participações societárias, que tenham sido computados como receita.”

39 Rel. Cons. Thais de Laurentiis, Redator Designado Cons. Pedro de Sousa Bispo, julgado em 28.02.2018.

40 Rel. Cons. Charles Mayer de Castro, julgado em 17.03.2016.

41 Rel. Cons. Marciel Eder Costa, Redator Designado Cons. Nelso Kichel, julgado em 10.04.2013.

42 E.g. Acórdão CARF n. 101-97.057, julgado em 16.12.2008, Rel. Cons. Sandra Faroni; Acórdão CARF n. 1802-001.295, julgado em 04.07.2012, Rel. Cons. Nelso Kichel; Acórdão CARF n. 1401-001.114, julgado em 11.02.2014, Rel. Cons. Antonio Bezerra Neto.

43 Rel. Cons. Ronnie Soares Anderson, julgado em 12.05.2016.

44 “Assunto: Imposto sobre a Renda de Pessoa Física – IRPF. Ementa: Rendimentos Oriundos de Perdão ou Cancelamento de Dívida. Tratamento Tributário. O perdão ou cancelamento de dívida somente terá repercussão tributária para o beneficiário se corresponder à contraprestação de serviços ao credor. Dispositivos Legais: Regulamento do Imposto de Renda, aprovado pelo Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999, art. 55, I.”