Análise da Constitucionalidade Material da Inclusão do Valor do AFRMM na Base de Cálculo do ICMS-Importação

Analysis of the Material Constitutionality of the Inclusion of the Value of AFRMM in the Tax Basis of ICMS-Importation

Paulo Roberto Coimbra Silva

Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre em Direito pela UFMG. Pós-graduado em International Taxation pela Harvard Law School e pela Universidad de Santiago de Compostela. Graduado em Direito pela UFMG. Professor de Direito Tributário e Financeiro da UFMG. Conselheiro da Associação Brasileira de Direito Financeiro. Advogado em Minas Gerais. Sócio do Coimbra & Chaves Advogados. E-mail: p.coimbra@coimbrachaves.com.br.

Marianne Dolher Souza Baker Rodrigues

Mestranda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Graduada em Direito pela UFMG. Advogada em Minas Gerais. Sócia do Coimbra & Chaves Advogados. E-mail: m.baker@coimbrachaves.com.br.

Recebido em: 14-01-2019

Aprovado em: 11-11-2019

Resumo

O ICMS-Importação incide sobre a entrada de bem ou mercadoria importada por pessoa física ou jurídica, qualquer que seja a sua finalidade, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário do bem ou da mercadoria. A base de cálculo do imposto deve ser delineada e interpretada em harmonia com as balizas constitucionais, sendo limitada à materialidade de incidência estabelecida pela competência outorgada aos Estados. O Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante – AFRMM é devido em decorrência da utilização do transporte aquaviário, mas, apesar de tal modalidade de transporte ser recorrentemente utilizada nas operações de importação de bens e mercadorias, a elas não se vincula. Portanto, considerando a desvinculação do valor do transporte aquaviário das operações de importação, o valor devido a título de AFRMM não pode ser incluído no cômputo da base de cálculo do ICMS-Importação.

Palavras-chave: ICMS-Importação, hipótese de incidência, base de cálculo, Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante, AFRMM.

Abstract

The ICMS-Importation is levied on the entry of goods and merchandise imported by a natural or legal person, regardless of the purpose of the importation. The tax is due to the State where the receiver of the goods, merchandise or services is domiciled or has a permanent establishment. The tax basis must be defined in accordance with constitutional legal guidelines and is limited to the materiality of incidence established by the competence granted to the States. The Additional to Freight for Renewal of the Merchant Navy is due as a result of the use of maritime transport, but despite the fact that such form of transport is routinely used in the import of goods and merchandise, it is not linked thereto. Therefore, considering the detachment of the value of maritime transport from import operations, the amount due of Additional to Freight for Renewal of the Merchant Navy cannot be included in the ICMS-Importation tax basis.

Keywords: ICMS-Importation, incidence hypothesis, tax basis, Additional to Freight for Renewal of the Merchant Navy.

1. Introdução

Frequentes e triviais se tornaram as relações comerciais internacionais no cenário econômico atual, diante do já consolidado fenômeno da globalização, que propicia a comunicação de longa distância e aproxima compradores e vendedores de diversas partes do mundo. A acessibilidade facilitada ao mercado internacional incentiva a importação por quem procura por tecnologia avançada, menores custos, melhor qualidade ou produtos com maior desempenho que, por qualquer razão, não estejam disponíveis em seu país de residência.

O transporte aquaviário, frequentemente utilizado como meio para as importações, atrai uma série de despesas específicas, dentre as quais está incluído no Brasil o AFRMM – Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante, Contribuição Especial de Intervenção Estatal no Domínio Econômico – CIDE instituída pelo Decreto-Lei n. 2.404/1987 e atualmente regulada pela Lei n. 10.893/2004. Trata-se de tributo devido pelo consignatário do objeto transportado, incidente sobre o valor da remuneração do transporte aquaviário da carga de qualquer natureza descarregada em porto brasileiro1. A par disso, a importação de bens e mercadorias também envolve diversas outras despesas com armazenagem, capatazia, estiva e paletização, além de ser onerada pela incidência do ICMS-Importação.

Ao delimitar a base de cálculo sobre a qual pode incidir o ICMS-Importação, a Lei Complementar n. 87/1996, conhecida sob a alcunha de “Lei Kandir”, prevê a incidência da referida exação sobre o valor da mercadoria ou do bem constante dos documentos de importação, acrescido do imposto de importação, do imposto sobre produtos industrializados, do imposto sobre operações de câmbio e de quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras2. No diapasão da referida lei complementar e lastreados na competência outorgada pela Constituição da República de 1988 – CR/1988, os Estados-membros em geral instituíram e regulamentaram a incidência do ICMS-Importação, nela fazendo incluir todos os impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras que oneram a importação da mercadoria.

As frequentes controvérsias entre o Fisco e os contribuintes em torno do tema, a jurisprudência incipiente a respeito do assunto3, além da expressiva repercussão econômica4, evidenciam a relevância da investigação da finalidade de criação e da natureza jurídica do AFRMM, bem como dos limites constitucionalmente impostos à base de cálculo do ICMS-Importação, a fim de aferir a constitucionalidade da inclusão do valor do AFRMM no seu cômputo. Por essas razões, revela-se pertinente a análise da legislação de regência do ICMS-Importação dos dez Estados brasileiros que concentram os maiores indicativos de importação do País5, em relação aos quais a inclusão (ou exclusão) do valor do AFRMM no cômputo da base de cálculo do ICMS-Importação tem impacto mais relevante.

2. AFRMM: breve histórico e natureza jurídica

O Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante – AFRMM, instituído pelo art. 1º do Decreto-lei n. 2.404/19876 e atualmente regulado pela Lei n. 10.893/20047, incide sobre o frete, que é a remuneração do transporte aquaviário de carga de qualquer natureza descarregada em porto brasileiro, assim entendida a remuneração para o transporte da carga porto a porto, incluídas todas as despesas portuárias com a manipulação de carga, anteriores e posteriores a esse transporte, e outras despesas de qualquer natureza a ele pertinentes8. O AFRMM tem a finalidade de atender às despesas da intervenção da União no apoio ao desenvolvimento da Marinha Mercante e da indústria de construção e reparação naval brasileiras, constituindo fonte básica do Fundo da Marinha Mercante – FMM9.

A instituição desse tributo remonta à época do governo de Getúlio Vargas, quando da criação da Comissão da Marinha Mercante – CMM, em 1941, pelo Decreto-lei n. 3.100/1941. A CMM foi criada como uma autarquia pública federal, com autonomia administrativa e financeira, competindo-lhe definir as políticas de orientação, organização e financiamento para navegação brasileira. Nos anos seguintes à criação da CMM, os combates na Segunda Guerra Mundial foram responsáveis pela deterioração de grande parte das embarcações brasileiras, e a então frágil industrialização do País não possibilitava a reconstrução e renovação da frota. Diante da constatação de que a ausência de um sistema aquaviário de transporte robusto impedia o desenvolvimento econômico do País, Goularti Filho relembra a iniciativa de criação da Taxa de Renovação da Marinha Mercante (TRMM) e do Fundo da Marinha Mercante (FMM) pela Lei n. 3.381/1958:

“As dificuldades para renovar a frota oficial e fazer novas aquisições para os armadores privados deveriam ser resolvidas com duas iniciativas: 1) desenvolver a indústria da construção naval estimulando as empresas nacionais e atraindo multinacionais; e, 2) criação de uma linha de financiamento para renovar a frota. Ambas deveriam ser feitas mediante a criação de uma taxa de reaparelhamento da marinha mercante que formaria um fundo específico para financiá-la. [...] Com a criação da Taxa de Renovação da Marinha Mercante (TRMM) e do Fundo da Marinha Mercante (FMM), o setor foi dotado de um poderoso mecanismo de financiamento que possibilitou a execução das metas propostas no Plano [de Metas do governo]”10.

Portanto, desde a criação da Taxa de Renovação da Marinha Mercante, pela Lei n. 3.381/1958, e sua posterior substituição pelo AFRMM, por meio do Decreto-lei n. 2.404/1987, e da atual Lei n. 10.893/2004, a finalidade da exação incidente sobre o custo do transporte aquaviário é a arrecadação para a destinação específica de renovação da Marinha Mercante.

A análise dos dispositivos que instituem o AFRMM à luz da teoria da norma é valiosa à melhor compreensão do fenômeno jurígeno tipificado pela regra matriz instituidora do tributo. Oportuno recordar que a ciência do Direito é regida pela metodologia da imputação condicional, pela qual são imputados determinados efeitos prescritos no consequente da norma desde que ocorra determinado pressuposto fático previamente estabelecido no antecedente normativo11. Por essa razão, a compreensão clara do antecedente normativo possibilita a adequada identificação do fato gerador na realidade concreta, sobre o qual deverão incidir os efeitos prescritos pelo comando normativo, evitando eventuais exigências tributárias equivocadas sobre fatos alheios à correlata hipótese de incidência.

O antecedente normativo compreende a hipótese de incidência, como descrição legal, prévia e genérica de um determinado fato12, que, uma vez ocorrido, atrai a incidência da norma tributária. O nascimento da obrigação tributária demanda o perfeito enquadramento de seu pressuposto fático a todos os aspectos da hipótese de incidência, a saber, os aspectos material, temporal, espacial e pessoal.

O aspecto material descreve a substância tributável, a manifestação de riqueza, mediante a especificação de um determinado fato de conteúdo econômico, eleito como o signo presuntivo de riqueza alvejado pela tributação13. No caso do AFRMM, o aspecto material é o transporte aquaviário marítimo, lacustre ou fluvial que destine carga a porto brasileiro.

O aspecto temporal estabelece “o átimo de tempo em que se considera ocorrido, de forma completa e acabada, o fato gerador do tributo”14. O aspecto espacial, por sua vez, indica o lugar em que se tem por ocorrido o fato gerador do tributo. No caso do AFRMM, o aspecto temporal é consubstanciado pelo descarregamento da embarcação, que deve ocorrer em porto brasileiro para que seja preenchido o aspecto espacial da norma15. Relembre-se que a própria Lei n. 10.893/2004 estabelece o conceito de porto, indicado como aspecto espacial do antecedente normativo, assim compreendido “o atracadouro, o terminal, o fundeadouro ou qualquer outro local que possibilite o carregamento e o descarregamento de carga”16.

O aspecto pessoal da hipótese de incidência, por fim, aponta o “sujeito que protagoniza e a quem aproveita o signo presuntivo de riqueza descrito em seu aspecto material”17. No caso do AFRMM, o aspecto pessoal recai sobre o sujeito responsável pela remuneração do transporte aquaviário.

Por outro lado, “no consequente da norma se encontra a prescrição, in abstracto, da obrigação tributária, com todos os seus elementos essenciais e acidentais”18. A compreensão adequada do comando normativo demanda a sistematização de seu conteúdo conforme os critérios subjetivo e quantitativo, entendidos como elementos essenciais da obrigação tributária, e o critério operacional, fracionado nos aspectos temporal, espacial e modal, que consubstanciam os elementos acidentais da obrigação tributária19.

O critério subjetivo do comando normativo identifica os sujeitos integrantes do polo ativo e passivo da obrigação tributária, podendo este último ser subdivido entre as categorias de contribuinte e responsável. No caso do AFRMM, o critério subjetivo é delineado da seguinte forma:

i) a União, como sujeito ativo, mediante a administração das atividades relativas a cobrança, fiscalização, arrecadação, restituição e concessão de incentivos pela Receita Federal do Brasil20;

ii) o consignatário constante do conhecimento de embarque, como contribuinte, e o proprietário da carga transportada, como responsável solidário, ambos como sujeitos passivos21;

iii) o proprietário da carga transportada, na hipótese em que não houver obrigação de emissão do conhecimento de embarque, como contribuinte e único sujeito passivo22.

O critério quantitativo estipula os elementos essenciais à determinação do quantum debeatur que deverá ser recolhido a título de tributo, incluindo usualmente a indicação da base de cálculo e da alíquota23. No caso do AFRMM, a base de cálculo consiste no frete, assim compreendido como a remuneração do transporte aquaviário da carga de qualquer natureza descarregada em porto brasileiro24, valor sobre o qual incidirão as alíquotas de 25% para os casos de navegação de longo curso, 10% para os casos de navegação de cabotagem ou 40% para os casos de navegação fluvial e lacustre, quando do transporte de granéis líquidos nas regiões Norte e Nordeste25.

A Lei n. 10.893/2004 conceitua a navegação de longo curso como “aquela realizada entre portos brasileiros e portos estrangeiros, sejam marítimos, fluviais ou lacustres”, a navegação de cabotagem, como “aquela realizada entre portos brasileiros, utilizando exclusivamente a via marítima ou a via marítima e as interiores”, e a navegação fluvial e lacustre, como “aquela realizada entre portos brasileiros, utilizando exclusivamente as vias interiores”26.

O critério operacional do comando da norma estabelece os elementos acidentais da obrigação tributária, subdividindo-se nos aspectos temporal, espacial e modal. O aspecto temporal, indicativo do momento do vencimento da obrigação, e o aspecto modal, acerca da forma de cumprimento da obrigação tributária, do AFRMM são previstos pelo art. 11 da Lei n. 10.893/200427, que prevê o dever de pagamento do tributo antes da autorização de entrega da mercadoria correspondente pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, mediante a utilização do Sistema de Controle de Arrecadação do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante – MERCANTE.

Após várias discussões travadas acerca da natureza jurídica do AFRMM – havendo, inclusive, linha doutrinária que entende pela inconstitucionalidade do tributo por invasão de competência dos Estados28 – o STF consolidou entendimento de se tratar o aludido adicional de um tributo, nos moldes do art. 3º do CTN, com finalidade específica, consistindo em contribuição parafiscal ou especial de intervenção estatal no domínio econômico – CIDE29. A respeito do tema, o STF editou o enunciado da Súmula n. 553 nos seguintes termos: “O Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) é contribuição parafiscal, não sendo abrangido pela imunidade prevista na letra ‘d’, III, do art. 19 da Constituição Federal”. O entendimento do STF foi fundamentado no fato de que a instituição do AFRMM foi destinada a atender aos encargos da União nas atividades de navegação mercante, consistindo em verdadeira intervenção no domínio econômico para apoio à Marinha Mercante brasileira e à indústria de construção naval.

Diante do exposto, depreende-se que o fato gerador do AFRMM é a operação de transporte aquaviário marítimo, lacustre ou fluvial que destine carga a porto brasileiro, e a sua base de cálculo é o valor da remuneração do transporte aquaviário da carga de qualquer natureza, sobre o qual incidirão alíquotas variáveis conforme o tipo de navegação que houver sido praticado para possibilitar o transporte aquaviário das cargas.

Note-se, portanto, que, embora o AFRMM seja devido em decorrência do transporte aquaviário e apesar de tal modalidade de transporte ser recorrentemente utilizada nas operações de importação de bens e mercadorias, o valor devido a título de AFRMM a elas não se vincula e não pode ser qualificado como uma contribuição aduaneira. O transporte aquaviário também é frequentemente aplicado às operações internas, por meio de navegação de cabotagem e navegação fluvial e lacustre, que ocorrem entre portos brasileiros e também atraem a incidência de AFRMM, conforme os termos legais. Além disso, a arrecadação decorrente da exigência do AFRMM tem destinação específica à intervenção da União no apoio ao desenvolvimento da marinha mercante e da indústria de construção e reparação naval brasileiras, constituindo fonte básica do Fundo da Marinha Mercante.

Essas razões, que decorrem da adequada compreensão da estrutura normativa do AFRMM, conduzem à indesviável conclusão de que esse tributo não tem o seu espectro de incidência limitado ao transporte aquaviário relacionado às operações de importação, tampouco está vinculado à importação em si – que pressupõe a entrada de carga no território nacional, independentemente do meio –, consistindo, na verdade, em exação que onera quaisquer operações de transporte de produtos que ocorram mediante a utilização de transporte aquaviário.

3. ICMS-Importação: limitações constitucionais e composição da base de cálculo

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 outorgou aos Estados e ao Distrito Federal a competência para instituição de imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS), ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior30.

O ditame constitucional estabelece como regra matriz da hipótese de incidência do imposto as operações de circulação de mercadorias, enquanto materialização da transferência de sua propriedade. É doutrinária e jurisprudencialmente pacífico o entendimento de que o ICMS não incide sobre o mero deslocamento físico de mercadorias que não represente verdadeira operação comercial e que não importe em transferência de titularidade31.

Portanto, a transferência de mercadoria entre os estabelecimentos de mesmo titular não é hipótese de incidência do ICMS, uma vez que não há operação mercantil que transfira a titularidade da mercadoria, que é, na verdade, objeto de mero deslocamento físico, como reconhecem diversos precedentes do STF32 e conforme o entendimento do STJ cristalizado na Súmula nº 16633.

Embora a Constituição tenha outorgado à União a competência para instituir imposto sobre a importação de produtos estrangeiros34, também há previsão específica, posterior à Emenda Constitucional nº 33/2001, viabilizando que os estados instituam ICMS sobre a entrada de bem ou mercadoria importada por pessoa física ou jurídica, qualquer que seja a sua finalidade, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço35.

Note-se que, para o ICMS-Importação, há previsão constitucional de incidência sobre a entrada de bens em geral no País, não sendo esta limitada apenas às mercadorias destinadas à revenda, conforme a atual redação do art. 155, § 2º, inciso IX, “a”, da CR/1988, alterada pela Emenda Constitucional n. 33/2001.

Embora a legitimidade da alteração operada pela Emenda Constitucional n. 33/2001 no art. 155, § 2º, inciso IX, “a”, da CR/1988 tenha sido objeto de controvérsia levantada por fundamentada insurgência dos contribuintes36, prevaleceu o entendimento de que incide ICMS-Importação mesmo sobre os bens destinados ao uso próprio do importador, ainda que sejam desvinculados de qualquer finalidade mercantil.

Em conformidade com a determinação constitucional sobre a matéria, a Lei Complementar n. 87/1996 (Lei Kandir) determina que se considera competente para a cobrança do imposto o Estado em que estiver o domicílio do adquirente ou o estabelecimento em que ocorrer a entrada física do bem ou da mercadoria importada37. Estabelece, ainda, que se considera ocorrido o fato gerador no momento do desembaraço aduaneiro das mercadorias e bens importados38.

A base de cálculo do ICMS-Importação, por sua vez, é definida pela Lei Kandir como a soma dos valores da mercadoria ou bem constante dos documentos de importação, do imposto de importação, do imposto sobre produtos industrializados, do imposto sobre operações de câmbio e de quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras39.

Nesse contexto, não são quaisquer impostos, taxas e contribuições que têm inclusão legítima na base de cálculo do ICMS-Importação, mas tão somente aqueles tributos que tenham relação de pertinência com a regra matriz do referido tributo – a saber, a operação mercantil internacional –, e que onerem a operação aduaneira.

Com efeito, uma vez estabelecida pela Constituição a regra matriz do imposto, a respectiva base de cálculo deve ser determinada e interpretada em harmonia com as balizas constitucionais, haja vista que a base de cálculo é a medida da amplitude da própria hipótese de incidência.

De fato, a base de cálculo deve guardar relação de pertinência para com a dimensão economicamente apreciável do aspecto material da hipótese de incidência e deve, necessariamente, ser igual ou menor à riqueza manifesta com a ocorrência do fato gerador.

A noção de riqueza manifesta distingue-se do conceito de base de cálculo na medida em que exprime a capacidade contributiva do sujeito que, em princípio, ocupará o polo passivo da obrigação tributária, ao passo que a base de cálculo traduz a grandeza, contida e refletida pela capacidade contributiva, utilizada como ponto de partida para a determinação do quantum debeatur. Diante do indissociável encadeamento, inafastável é a necessária coerência entre a base de cálculo do tributo e a riqueza manifesta pelo contribuinte, pois, caso contrário, restará tributada riqueza irreal. Nesse sentido:

“De se notar que riqueza manifesta e base de cálculo – a primeira inferida da materialidade do fato imponível e a segunda contida no comando normativo – não se confundem, muito embora, no mais das vezes, expressem em valores coincidentes. Contudo, ressalte-se, com a devida ênfase, que a base de cálculo jamais poderá superar a riqueza manifesta, sob pena de se tributar uma capacidade econômica superior (fictícia, irreal ou surreal) àquela revelada com a ocorrência do fato gerador.

Sinteticamente, descreva-se o axioma:

BC = RM

ou, por razões extrafiscais,

BC < RM

BC: base de cálculo

RM: riqueza manifesta com a ocorrência do fato gerador”40-41.

Além de assegurar a integridade do sistema, o respeito à determinação normativa é essencial à concreção da segurança jurídica, que deve abranger a elaboração, a aplicação, a intepretação e a própria positivação do ordenamento jurídico42.

Portanto, considerando a incidência do ICMS sobre as operações de circulação que importem em transferência de titularidade, e a incidência do ICMS-Importação sobre a entrada de bens e mercadorias, como resultado de operação mercantil internacional, a base de cálculo deve ser limitada ao valor do próprio bem ou mercadoria que seja objeto de circulação interna ou de entrada no País em virtude da mudança de sua titularidade.

A introjeção de outros valores à base de cálculo do imposto que não sejam os dos próprios objetos da operação mercantil representa impropriedade técnica e pretensão de ilegítimo alargamento da hipótese de incidência, em violação direta ao texto constitucional.

Dessa forma, constitucionalmente adequada é a circunscrição da base de cálculo do ICMS estritamente ao valor inerente à sua hipótese de incidência, a saber, o valor das mercadorias que circulam internamente ou dos bens e mercadorias importados, sem incluir os demais custos adicionados à operação por fatores alheios ao fato gerador do imposto.

4. Da inclusão do valor do AFRMM na base de cálculo do ICMS-Importação pela legislação infraconstitucional

4.1. Lei Kandir

Conforme mencionado, a base de cálculo do ICMS-Importação é definida pela Lei Kandir como a soma do valor da mercadoria ou do bem constante dos documentos de importação, do valor do imposto de importação, do valor do imposto sobre produtos industrializados, do valor do imposto sobre operações de câmbio e do valor de quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras.

A alteração operada pela Lei Complementar n. 114/2002 no art. 13, inciso V, “e”, da Lei Complementar n. 87/1996 incluiu a expressão “quaisquer outros impostos, taxas, contribuições” à alínea deste dispositivo que já previa o cômputo das despesas aduaneiras na base de cálculo do ICMS-Importação.

Antes da Lei Complementar n. 114/2002

Após a Lei Complementar n. 114/2002

“Art. 13. A base de cálculo do imposto é: [...]

V – na hipótese do inciso IX do art. 12, a soma das seguintes parcelas: [...]

e) quaisquer despesas aduaneiras;”

“Art. 13. A base de cálculo do imposto é: [...]

V – na hipótese do inciso IX do art. 12, a soma das seguintes parcelas: [...]

e) quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras; (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002)”

Essa alteração possibilitou, a partir de então, a edição de lei ordinária formalmente constitucional pelos Estados incluindo expressamente o valor dos tributos diretamente relacionados à operação mercantil internacional no cômputo da base de cálculo do ICMS-Importação e, valendo-se desta autorização, diversos Estados incluíram também na referida base o valor do AFRMM.

Ainda que essa alteração na Lei Kandir tenha sido realizada por meio de outra lei complementar (no caso, a LC n. 114/2002) para dispor sobre a base de cálculo de imposto constitucionalmente discriminado, o conteúdo da alteração em questão deve ser interpretado conforme a Constituição.

Almeida Júnior destaca o dever do intérprete, em nosso Estado Democrático de Direito, de revelar um conteúdo possível de constitucionalidade da lei, em respeito à expressão da vontade popular que se realiza através da manifestação de um órgão político dotado de representatividade, e a fim de que seja preservada a harmonia e coerência do sistema.

“Ainda que uma interpretação conforme a Constituição não seja aquela que se destaca de forma mais evidente, constitui dever do intérprete revelar, em qualquer situação, um conteúdo possível de constitucionalidade da lei, orientado que está pelos princípios da unidade do ordenamento jurídico e da supremacia da Constituição, os quais demandam concretização por meio da atividade interpretativa e, dessa forma, justificam essa conduta por parte do intérprete”43.

Portanto, considerando os parâmetros constitucionais do ICMS-Importação, uma interpretação do art. 13, inciso V, “e”, da Lei Kandir conforme a Constituição impõe que o adjetivo “aduaneiras” seja compreendido como qualificador de todos os substantivos que o precedem na redação da alínea. O adjetivo “aduaneiras” decorre do aspecto material da hipótese de incidência do ICMS-Importação, sendo indissociavelmente restringente a todos os elementos introjetáveis na base de cálculo do imposto em questão.

Nessa indisputável ordem de ideias, não são quaisquer impostos, taxas e contribuições que poderão ser incluídos na base de cálculo do ICMS-Importação, mas tão somente o podem aqueles impostos aduaneiros, taxas aduaneiras, contribuições aduaneiras e despesas aduaneiras. Em se tratando de tributos e despesas aduaneiros, entende-se por aqueles que tenham relação de pertinência com a hipótese de incidência do referido tributo – a saber, a operação mercantil internacional –, dentre os quais não se inclui o AFRMM, haja vista que não é relacionado à operação de importação em si, mas tem o seu fato gerador estritamente ligado à operação de frete aquaviário.

4.2. Leis estaduais dos dez Estados brasileiros que mais importaram em 2017 e no primeiro semestre de 2018

Pertinente é a análise da legislação de regência do ICMS-Importação dos dez Estados brasileiros que concentraram os maiores indicativos de importação do País no ano de 2017 e no primeiro semestre de 2018, em relação aos quais a inclusão (ou exclusão) do valor do AFRMM no cômputo da base de cálculo do ICMS-Importação tem impacto mais relevante44. No quadro abaixo, foi analisada a inclusão de “quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras” na base de cálculo do ICMS-Importação pela legislação dos Estados mencionados, em linha com a autorização concedida pela Lei Kandir, após a sua alteração pela LC n. 114/2002.

UF

N. da Lei

Previsão Original

Alterações

SP

Lei n. 6.374/1989, art. 24, inciso IV

Valor constante do documento de importação, acrescido do valor dos Impostos de Importação, sobre Produtos Industrializados e sobre Operações de Câmbio, bem como das demais despesas aduaneiras.

– Substituição de “desembaraço aduaneiro” por “hipótese”. (Redação dada pela Lei n. 9.399/1996)

– Retorno à redação original. (Redação dada pela Lei n. 10.619/2000)

– Substituição de “demais despesas aduaneiras” por “quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras”. (Redação dada pela Lei n. 11.001/2001)

SC

Lei n. 10.297/1996, art. 10, inciso V, “e”

Quaisquer outras despesas devidas às repartições alfandegárias.

Quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas devidas às repartições alfandegárias. (Redação dada pela Lei n. 12.567/2003 por conversão da MP n. 108/2002)

PR

Lei n. 11.580/1996, art. 6º, inciso V, “e”

Quaisquer despesas aduaneiras.

Quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras (Lei Complementar n. 114/2002). (Redação dada pela Lei n. 14.050/2003)

RJ

Lei n. 2.657/1996, art. 4º, inciso V, “e”

Quaisquer despesas aduaneiras, assim entendidos os valores pagos ou devidos à repartição alfandegária até o momento do desembaraço da mercadoria, tais como taxas e os decorrentes de diferenças de peso, erro na classificação fiscal ou multa por infração.

– Substituição de “despesas aduaneiras” por “impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras”. (Redação dada pela Lei n. 3.733/2001)

– Quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras. (Redação dada pela Lei n. 6.462/2013)

RS

Lei n. 8.820/1989, art. 10, inciso V, “e”

Quaisquer despesas aduaneiras.

Quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras. (Redação dada pela Lei n. 12.107/2004)

AM

Lei n. 19/1997, art. 13, inciso V, “e”

Quaisquer despesas aduaneiras, assim entendidas aquelas definidas em lei.

– Quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras. (Redação dada pela Lei n. 37/2004)

– Quaisquer outros impostos, taxas, contribuições federais e despesas aduaneiras definidas em lei. (Redação dada pela Lei n. 46/2005)

MG

Lei n. 6.763/1975, art. 13, inciso I, “d” e “e”

O valor constante do documento de importação, acrescido do valor dos Impostos de Importação, sobre Produtos Industrializados e sobre Operações de Câmbio e de despesas aduaneiras.

Substituição por “quaisquer outros impostos, taxas e contribuições; e despesas aduaneiras”. (Redação dada pela Lei n. 14.557/2002)

BA

Lei n. 7.014/1996, art. 17, inciso VI, “e”

Quaisquer despesas aduaneiras cobradas ou debitadas ao adquirente.

– Quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras. (Redação dada pela Lei n. 8.542/2002)

– Redação anterior acrescida de “cobradas ou debitadas ao adquirente, relativas ao adicional ao frete para renovação da marinha mercante, armazenagem, capatazia, estiva, arqueação e multas por infração”. (Redação dada pela Lei n. 11.899/2010)

PE

Lei n. 11.408/1996, art. 6º, inciso V, “e”

N/A

Quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras, assim consideradas as importâncias devidas às repartições alfandegárias. (Redação dada pela Lei n. 12.335/2003)

ES

Lei n. 7.000/2001, art. 6º, inciso V, “e”

Quaisquer despesas aduaneiras.

– Quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras, assim entendidos os valores pagos ou devidos à

repartição alfandegária até o momento do desembaraço da mercadoria, tais como taxas e os decorrentes de diferença de peso, erro na classificação fiscal ou multa por infração. (Redação dada pela Lei n. 7.295/2002)

– Retorno à redação original. (Redação anterior dada pela Lei n. 7.684/2003)

– Quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras.

(Redação dada pela Lei n. 7.965/2004)

5. Da inconstitucionalidade material da inclusão do valor do AFRMM na base de cálculo do ICMS-Importação

Em sendo o ICMS-Importação um tributo incidente sobre a importação de bens ou mercadorias, por força do disposto no art. 155, inciso II, e § 2°, inciso IX, “a”, da CR/198845, a sua base de cálculo somente pode incluir elementos que guardam relação direta com essa operação, de modo a serem hábeis a servir de medida do fato econômico tributável.

Com efeito, a base de cálculo é elemento que deve refletir a dimensão economicamente apreciável do aspecto material da hipótese de incidência tributária e, como tal, precisa guardar relação de pertinência com a situação eleita pela Constituição como fato imponível da exação, sob pena de se viabilizar por vias transversas a exigência tributária sobre fato que extrapola a competência constitucionalmente outorgada ao ente federado46.

A alteração efetuada pela Lei Complementar n. 114 na base de cálculo do ICMS-Importação, para a inclusão de quaisquer impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras47, deve ser interpretada em consonância com a competência outorgada pela Constituição aos Estados, de forma que os tributos aduaneiros e despesas aduaneiras que eventualmente sejam incluídos na base de cálculo pelos Estados sejam tão somente aqueles relacionados à operação mercantil de importação. Portanto, uma interpretação adequada dessa alteração não legitima a inclusão do AFRMM na base de cálculo do imposto, uma vez que incongruente com o núcleo essencial estabelecido pela CR/1988 em seu art. 155, inciso II, e § 2°, inciso IX, “a”48.

Por força da Emenda Constitucional n. 33/2001, foi outorgada competência aos Estados para a instituição do ICMS-Importação sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior. Ainda que não explicitado pelo texto constitucional em relação ao ICMS-Importação, a dimensão economicamente apreciável da entrada de produtos estrangeiros é o valor aduaneiro, em idêntico diapasão ao que a CR/1988 reconheceu de maneira expressa no caso das contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, também por força da Emenda Constitucional n. 33/200149.

A interpretação sistemática da Constituição indica que o conceito de valor aduaneiro, previsto pelo art. 149, § 2º, inciso III, “a”, da CR/1988 em relação às contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, também é aplicável ao ICMS-Importação, pois indica a dimensão economicamente apreciável do fenômeno importação.

Nesse sentido, pertinente é a definição do conceito de valor aduaneiro estabelecida pelo STF no julgamento do RE n. 559.937/RS, em 20 de março de 2013, ocasião em que apreciou a matéria em sede de Repercussão Geral e concluiu pela inconstitucionalidade da inclusão do valor do ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS-Importação. A Ministra Ellen Gracie, relatora do caso, definiu o conceito de valor aduaneiro da seguinte forma:

Vê-se que a dimensão do que seja valor aduaneiro decorre de acordo internacional sobre tributação. Aliás, é relevante ter em conta que o Decreto Legislativo 30/94 aprovou Acordo sobre a implementação do artigo VII do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – GATT 1994, [...]. A regulamentação do controle do valor aduaneiro consta da IN SRF 327/03. E o novo Regulamento Aduaneiro também cuidou da matéria. Vejam-se os arts. 76 e 77 do Dec. 6.759/09 (Novo Regulamento Aduaneiro):

‘Art. 76. Toda mercadoria submetida a despacho de importação está sujeita ao controle do correspondente valor aduaneiro. Parágrafo único. O controle a que se refere o caput consiste na verificação da conformidade do valor aduaneiro declarado pelo importador com as regras estabelecidas no Acordo de Valoração Aduaneira.

Art. 77. Integram o valor aduaneiro, independentemente do método de valoração utilizado (...): I – o custo de transporte da mercadoria importada até o porto ou o aeroporto alfandegado de descarga ou o ponto de fronteira alfandegado onde devam ser cumpridas as formalidades de entrada no território aduaneiro; II – os gastos relativos à carga, à descarga e ao manuseio, associados ao transporte da mercadoria importada, até a chegada aos locais referidos no inciso I; e III – o custo do seguro da mercadoria durante as operações referidas nos incisos I e II’.

Cabe observar que o valor aduaneiro compreende também os custos de transporte, de carga, descarga e manuseio e de seguro, de modo que corresponda ao valor do produto posto no país importador, ou seja, ao preço CIF (cost, insurance and freight) e não ao simples preço FOB (free on board). Relevante, ainda, é saber que o valor aduaneiro pode ou não corresponder ao valor declarado pelo importador com base nos documentos fiscais de aquisição da mercadoria. Há critérios substitutivos de apuração, para utilização sucessiva, nos termos do art. VII do GATT, de modo que não prevaleçam distorções de preços”. (destaque nosso)

Por sua vez, o Ministro Dias Toffoli, redator do Acórdão, entendeu no seguinte sentido:

“Sobre o conceito de valor aduaneiro, registro que, quando da edição da já citada EC nº 33/01 – a qual, combinada com a EC nº 42/03, passou a permitir a incidência do PIS/COFINS sobre a importação –, o referido conceito já estava definido no art. 2º do Decreto-Lei nº 37/66, o qual dispõe sobre a base de cálculo do imposto de importação e remete, nos casos de alíquota ad valorem (inciso II), ao conceito de valor aduaneiro ‘apurado segundo as normas do art. 7º do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio – GATT’. (...) Tal norma vem, igualmente, prevista no art. 75, inciso I, do Decreto nº 6.759, de 5/2/09, o qual, atualmente, regulamenta a administração das atividades aduaneiras e a fiscalização, o controle e a tributação das operações de comércio exterior. Essa norma dispõe ser a base de cálculo do imposto, ‘quando a alíquota for ad valorem, o valor aduaneiro apurado segundo as normas do Artigo VII do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – GATT 1994’. Portanto, na ausência de estipulação expressa do conteúdo semântico da expressão ‘valor aduaneiro’ pela EC nº 42/03, há de se concluir que o sentido pressuposto, e incorporado pela Constituição Federal, quando da utilização do termo para conferir competência legislativa tributária à União, remete àquele já praticado no discurso jurídico-positivo preexistente à sua edição. (destaque nosso)

O entendimento do STF é de que o conceito de valor aduaneiro estabelecido na CR/1988 deve ser interpretado conforme a regulamentação normativa preexistente à sua inclusão no texto constitucional, o que remete à observância do art. 2º, inciso II, do Decreto-lei n. 37/1966, no qual há remissão ao conceito de valor aduaneiro apurado segundo as normas do art. 7º do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio – GATT, que foi regulamentado pelo art. 77 do Decreto n. 6.759/2009.

Este último dispositivo determina que integram o valor aduaneiro, apenas: I – o custo de transporte da mercadoria importada até o porto ou o aeroporto alfandegado de descarga ou o ponto de fronteira alfandegado onde devam ser cumpridas as formalidades de entrada no território aduaneiro; II – os gastos relativos à carga, à descarga e ao manuseio, associados ao transporte da mercadoria importada, até a chegada aos locais referidos no inciso I; e III – o custo do seguro da mercadoria durante as operações referidas nos incisos I e II. Portanto, o valor aduaneiro corresponde ao valor do produto posto no país importador, ou seja, ao preço CIF (cost, insurance and freight), conforme asseverou a Ministra Ellen Gracie.

Precisamente no mesmo sentido é o entendimento do STJ em relação ao valor aduaneiro, firmado nos reiterados precedentes que reconhecem a ilegalidade da inclusão das despesas com capatazia no conceito de valor aduaneiro e, consequentemente, na base de cálculo do Imposto de Importação50.

Assim, considerando os parâmetros constitucionais: (i) de aplicabilidade do conceito de valor aduaneiro à definição da base de cálculo do ICMS-Importação; e (ii) da limitação do valor aduaneiro ao preço CIF (cost, insurance and freight), revela-se patente a inconstitucionalidade da inclusão do AFRMM na base de cálculo do ICMS-Importação, haja vista que não se trata de custo do bem ou mercadoria, de custo de transporte, carga, descarga ou manuseio até o porto aduaneiro e de custo do seguro, nos termos em que foi delineado pelo art. 77 do Decreto n. 6.759/2009.

O AFRMM é tributo que incide sobre o frete aquaviário de carga descarregada em porto brasileiro, mas com este não se confunde. Não se trata de valor inerente à operação de importação, seja porque também incide sobre operações de transporte interno (como a navegação fluvial ou de cabotagem), seja porque há operações de importação que não atraem a sua incidência (como aquelas que ocorrem mediante outros tipos de transporte, como aéreo, ferroviário ou rodoviário). Portanto, insista-se, são inconstitucionais as leis estaduais que pretendem alargar a base de cálculo do ICMS-Importação incluindo o valor do AFRMM, haja vista a sua impertinência com o aspecto material da hipótese de incidência constitucionalmente estabelecida para esse imposto.

6. Considerações finais

A definição constitucional da competência dos Estados para a instituição do ICMS limita a discricionariedade do legislador para a definição de sua base de cálculo. No que diz respeito às operações mercantis, o ICMS deve incidir apenas sobre o valor dos próprios bens ou mercadorias que circulem internamente ou que sejam importados, como fruto de operação que importa em mudança de sua titularidade. Portanto, a absorção de outros valores à base de cálculo do imposto que não sejam inerentes e estejam contidos nos próprios objetos da operação mercantil representa impropriedade técnica e pretensão de alargamento inconstitucional da hipótese de incidência, em violação direta ao texto constitucional.

O AFRMM não é exação vinculada à importação da mercadoria propriamente dita, mas à atividade de navegação mercante, sendo devido sobre o valor da remuneração do transporte aquaviário da carga de qualquer natureza descarregada em porto brasileiro, do que decorre a inconstitucionalidade da inclusão do seu valor na base de cálculo do ICMS-Importação pela Lei Complementar n. 87/1996.

Para além do reconhecimento da inconstitucionalidade no caso em questão, o respeito aos estritos termos constitucionais com a coerência da base de cálculo em relação à regra matriz de incidência da competência outorgada pela Constituição aos entes tributantes é imprescindível para a construção de uma interpretação do Sistema Tributário Nacional que seja constitucionalmente adequada aos princípios da segurança jurídica e da capacidade contributiva.

Referências bibliográficas

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BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 544.

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Estudo doutrinário e jurisprudencial sobre o tributo denominado Adicional de Frete para a Renovação da Marinha Mercante. Revista Tributária e de Finanças Públicas v. 8, p. 117-138, 1994.

GOULARTI FILHO, Alcides. A trajetória da Marinha Mercante Brasileira: administração, regime jurídico e planejamento. Pesquisa & Debate v. 38, n. 2, p. 247-278, São Paulo, 2010.

SILVA, Paulo Roberto Coimbra. Obrigação tributária. Belo Horizonte: D’Plácido, 2018. (Coleção Paulo Coimbra)

TORRES, Ricardo Lobo. A legalidade tributária e os seus subprincípios constitucionais. Revista de Direito Processual Geral v. 58, p. 193-219, Rio de Janeiro, 2004.

_____. A segurança jurídica e as limitações constitucionais ao poder de tributar. Revista Eletrônica de Direito do Estado n. 4, Salvador, 2005. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/artigo/ricardo-lobo-torres/a-seguran-
ca-juridica-e-as-limitacoes-constitucionais-ao-poder-de-tributar>. Acesso em: 11 jun. 2018.

1 Conforme item 2 infra.

2 “Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento: [...]

IX – do desembaraço aduaneiro de mercadorias ou bens importados do exterior; (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002)

Art. 13. A base de cálculo do imposto é: [...]

V – na hipótese do inciso IX do art. 12, a soma das seguintes parcelas:

a) o valor da mercadoria ou bem constante dos documentos de importação, observado o disposto no art. 14;

b) imposto de importação;

c) imposto sobre produtos industrializados;

d) imposto sobre operações de câmbio;

e) quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras; (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002)”

3 Até a submissão deste artigo, foram identificados quatro precedentes do TJSP em que a legitimidade da inclusão do valor do AFRMM na base de cálculo do ICMS-Importação foi apreciada, dos quais três tiveram o escopo de exame limitado à legitimidade da Lei Estadual n. 11.001/2001, que determinou a referida inclusão, com resultados favoráveis aos contribuintes (Apelações n. 1008868-64.2017.8.26.0224 (Rel. Des. Décio Notarangeli, j. 30.08.2017), 1008611-67.2017.8.26.0053 (Rel. Coimbra Schmidt, j. 06.11.2017), 1005595-08.2017.8.26.0053 (Rel. Luis Fernando Camargo de Barros Vidal, j. 05.02.2018) e 1020026-18.2015.8.26.0053 (Rel. Luis Fernando Camargo de Barros Vidal, j. 21.05.2018)). Em consulta à jurisprudência do TJMG, foram identificados três precedentes em que a questão específica do AFRMM foi analisada, nos quais prevaleceu entendimento desfavorável aos contribuintes (Apelações n. 1.0000.16.007403-5/001 (Rel. Des.(a) Carlos Roberto de Faria, DJe 18.04.2016), 1.0000.16.007813-5/001 (Rel. Des.(a) Peixoto Henriques, DJe 04.12.2017) e 1.0000.16.014083-6/001 (Rel. Des.(a) Albergaria Costa, DJe 04.07.2016)). Até a data de publicação do artigo, o tema ainda não havia sido apreciado pelos Tribunais Superiores.

4 O valor devido a título de AFRMM corresponde a 25% do frete cobrado na navegação de longo curso, que é o tipo de navegação relacionado às importações. Por conseguinte, a inclusão do valor do AFRMM na base de cálculo do ICMS-Importação representa o aumento desta em montante proporcional a ¼ do custo do transporte de toda a carga importada pelo contribuinte, repercutindo no aumento direto da carga tributária efetiva a que está sujeito o contribuinte do ICMS-Importação.

5 Conforme levantamento de dados disponibilizado pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, os dez Estados brasileiros que mais importaram no ano de 2017, considerando o valor total de FOB (“Free On Board”) em dólares americanos, foram:

Janeiro/Dezembro 2017

1

São Paulo

55.248.413.613,00

2

Santa Catarina

12.582.589.424,00

3

Paraná

11.516.626.302,00

4

Rio de Janeiro

11.082.377.581,00

5

Rio Grande do Sul

9.921.631.745,00

6

Amazonas

8.717.967.909,00

7

Minas Gerais

7.342.083.166,00

8

Bahia

7.197.481.975,00

9

Pernambuco

5.695.338.222,00

10

Espírito Santo

4.605.885.557,00

No período de janeiro a novembro de 2018, considerando os mesmos critérios, os dez maiores importadores foram:

Janeiro/Novembro 2018

1

São Paulo

56.509.077.614,00

2

Rio de Janeiro

22.999.473.219,00

3

Santa Catarina

14.415.164.592,00

4

Paraná

11.414.214.101,00

5

Rio Grande do Sul

10.366.253.802,00

6

Amazonas

9.418.277.905,00

7

Minas Gerais

8.410.154.674,00

8

Bahia

7.109.630.947,00

9

Pernambuco

6.154.943.090,00

10

Espírito Santo

4.669.582.876,00

Dados disponíveis em: <http://www.mdic.gov.br/comercio-exterior/estatisticas-de-comercio-exterior/series-historicas>. Acesso em: 21 dez. 2018, às 11:45.

6 “Art. 1º. O Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante (AFRMM) destina-se a atender aos encargos da intervenção da União nas atividades de navegação mercante nos termos deste decreto-lei.

Parágrafo único. A intervenção de que trata este artigo consiste no apoio ao desenvolvimento da marinha mercante e da indústria de construção e reparação naval brasileiras. (Redação dada pelo Decreto-lei n. 2.414, de 1988)”

7 “Art. 1º. Esta Lei estabelece normas sobre o Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante – AFRMM e o Fundo da Marinha Mercante – FMM.”

8 Lei n. 10.893/2004: “Art. 5º. O AFRMM incide sobre o frete, que é a remuneração do transporte aquaviário da carga de qualquer natureza descarregada em porto brasileiro.

§ 1º Para os fins desta Lei, entende-se por remuneração do transporte aquaviário a remuneração para o transporte da carga porto a porto, incluídas todas as despesas portuárias com a manipulação de carga, constantes do conhecimento de embarque ou da declaração de que trata o § 2º do art. 6º desta Lei, anteriores e posteriores a esse transporte, e outras despesas de qualquer natureza a ele pertinentes”.

9 Lei n. 10.893/2004: “Art. 3º. O AFRMM, instituído pelo art. 1º do Decreto-lei nº 2.404, de 23 de dezembro de 1987, destina-se a atender aos encargos da intervenção da União no apoio ao desenvolvimento da marinha mercante e da indústria de construção e reparação naval brasileiras, e constitui fonte básica do FMM”.

10 GOULARTI FILHO, Alcides. A trajetória da Marinha Mercante Brasileira: administração, regime jurídico e planejamento. Pesquisa & Debate v. 38, n. 2, São Paulo, 2010, p. 251.

11 SILVA, Paulo Roberto Coimbra. Obrigação tributária. Belo Horizonte: D’Plácido, 2018. p. 32. (Coleção Paulo Coimbra)

12 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 58.

13 SILVA, Paulo Roberto Coimbra. Op. cit., p. 41.

14 Idem, p. 49.

15 Lei n. 10.893/2004: “Art. 4º. O fato gerador do AFRMM é o início efetivo da operação de descarregamento da embarcação em porto brasileiro”.

16 “Art. 2º. Para os efeitos desta Lei: I – porto é o atracadouro, o terminal, o fundeadouro ou qualquer outro local que possibilite o carregamento e o descarregamento de carga;”

17 SILVA, Paulo Roberto Coimbra. Op. cit., p. 64.

18 Idem, p. 69.

19 Idem, p. 71.

20 Lei n. 10.893/2004: “Art. 3º. O AFRMM, instituído pelo art. 1º do Decreto-Lei nº 2.404, de 23 de dezembro de 1987, destina-se a atender aos encargos da intervenção da União no apoio ao desenvolvimento da marinha mercante e da indústria de construção e reparação naval brasileiras, e constitui fonte básica do FMM.

§ 1º Compete à Secretaria da Receita Federal do Brasil a administração das atividades relativas a cobrança, fiscalização, arrecadação, restituição e concessão de incentivos do AFRMM previstos em lei. (Redação dada pela Lei nº 12.788, de 2013)”

21 Lei n. 10.893/2004: “Art. 10. O contribuinte do AFRMM é o consignatário constante do conhecimento de embarque.

§ 1º O proprietário da carga transportada é solidariamente responsável pelo pagamento do AFRMM, nos termos do art. 124, inciso II, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional”.

22 Lei n. 10.893/2004: “Art. 10. [...] § 2º Nos casos em que não houver obrigação de emissão do conhecimento de embarque, o contribuinte será o proprietário da carga transportada”.

23 SILVA, Paulo Roberto Coimbra. Op. cit., p. 90.

24 Lei n. 10.893/2004: “Art. 5º. O AFRMM incide sobre o frete, que é a remuneração do transporte aquaviário da carga de qualquer natureza descarregada em porto brasileiro.

§ 1º Para os fins desta Lei, entende-se por remuneração do transporte aquaviário a remuneração para o transporte da carga porto a porto, incluídas todas as despesas portuárias com a manipulação de carga, constantes do conhecimento de embarque ou da declaração de que trata o § 2º do art. 6º desta Lei, anteriores e posteriores a esse transporte, e outras despesas de qualquer natureza a ele pertinentes.

§ 2º O somatório dos fretes dos conhecimentos de embarque desmembrados não pode ser menor que o frete do conhecimento de embarque que os originou”.

25 Lei n. 10.893/2004: “Art. 6º. O AFRMM será calculado sobre a remuneração do transporte aquaviário, aplicando-se as seguintes alíquotas:

I – 25% (vinte e cinco por cento) na navegação de longo curso;

II – 10% (dez por cento) na navegação de cabotagem; e

III – 40% (quarenta por cento) na navegação fluvial e lacustre, quando do transporte de granéis líquidos nas regiões Norte e Nordeste.

§ 1º O conhecimento de embarque é o documento hábil para comprovação do valor da remuneração do transporte aquaviário.

§ 2º Nos casos em que não houver a obrigação de emissão do conhecimento de embarque, o valor da remuneração do transporte aquaviário, para fins de cálculo do AFRMM, será apurado por declaração do contribuinte.

§ 3º Sobre as mercadorias destinadas a porto brasileiro que efetuarem transbordo ou baldeação em um ou mais portos nacionais não incidirá novo AFRMM referente ao transporte entre os citados portos, se este já tiver sido calculado desde a sua origem até seu destino final”.

26 “Art. 2º. Para os efeitos desta Lei:

I – porto é o atracadouro, o terminal, o fundeadouro ou qualquer outro local que possibilite o carregamento e o descarregamento de carga;

II – navegação de longo curso é aquela realizada entre portos brasileiros e portos estrangeiros, sejam marítimos, fluviais ou lacustres;

III – navegação de cabotagem é aquela realizada entre portos brasileiros, utilizando exclusivamente a via marítima ou a via marítima e as interiores;

IV – navegação fluvial e lacustre é aquela realizada entre portos brasileiros, utilizando exclusivamente as vias interiores;”

27 “Art. 11. O pagamento do AFRMM, acrescido da Taxa de Utilização do Sistema de Controle de Arrecadação do Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante – MERCANTE, será efetuado pelo contribuinte antes da autorização de entrega da mercadoria correspondente pela Secretaria da Receita Federal do Brasil. (Redação dada pela Lei nº 12.599, de 2012)”

28 Nesse sentido é o entendimento de Sacha Calmon: “Do mesmo modo, uma ‘contribuição de intervenção econômica’, como o AFRMM, tendo por base de cálculo um percentual do preço do serviço de transporte marítimo invade a competência do Estado-membro para tributar com o ICMS os transportes de qualquer natureza, salvo os estritamente municipais, cuja base de cálculo é justamente o valor do serviço, ou seja, o valor do frete”. (COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Estudo doutrinário e jurisprudencial sobre o tributo denominado Adicional de Frete para a Renovação da Marinha Mercante. Revista Tributária e de Finanças Públicas v. 8, p. 117-138, 1994.)

29 “Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante – AFRMM: Contribuição parafiscal ou especial de intervenção no domínio econômico. CF art. 149, art. 155, § 2º, IX. ADCT, Art. 36. O AFRMM é uma contribuição parafiscal ou especial, contribuição de intervenção no domínio econômico, terceiro gênero tributário, distinta do imposto e da taxa. (CF, art. 149).” (RE 177.137, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 24.05.1995, Plenário, DJ de 18.04.1997.)

30 “Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: [...] II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;”

31 A respeito do tema, assim leciona Misabel Abreu Machado Derzi em atualização da obra de Aliomar Baleeiro:

“Podemos, então, concentrar o exame doutrinário da hipótese de incidência do ICMS nos seguintes pontos, igualmente relevantes e a serem observados cumulativamente:

• qualquer operação jurídica mercantil, que transfira a titularidade da mercadoria (sua propriedade ou posse-exteriorização do domínio), como a compra e venda, a dação em pagamento, etc.; além disso, é necessário que ocorra a

• circulação, representativa da tradição, como fenômeno jurídico de execução de ato ou negócio translativo da posse indireta ou da propriedade da mercadoria. [...]

Não interessam para a delimitação da hipótese tributária nem a operação que seja inábil à transferência do domínio (como locação, comodato, arrendamento mercantil, consignação mercantil, etc.), tampouco o contrato de compra e venda em si, isoladamente, que, embora perfeito, não transfere o domínio, quer no Direito Civil, quer no Direito Comercial, sem a tradição; portanto, a circulação de mercadoria é conceito complementar importante porque representa a tradição da coisa móvel, execução de um contrato mercantil, translativo, movimentação que faz a transferência do domínio e configura circulação jurídica, marcada pelo animus de alterar a titularidade”. (BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 544)

32 A título exemplificativo, cite-se RE n. 113.090/PB, RE n. 596.983-AgR, AI n. 481.584-AgR.

33 Súmula n. 166 do STJ: “Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”.

34 “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: I – importação de produtos estrangeiros;”

35 O art. 155, § 2º, inciso IX, da CR/1988 prevê a possibilidade de incidência do ICMS “sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço”. Em relação ao local da incidência, o STF firmou entendimento no sentido de que o sujeito ativo da relação jurídico-tributária do ICMS na operação de importação é o estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário jurídico da mercadoria, pouco importando onde o desembaraço aduaneiro tenha ocorrido. Nesse sentido, confira-se: ARE n. 989.361 AgR-segundo, Relator(a): Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, j. 29.09.2017, Processo Eletrônico DJe 234, divulgado em 11.10.2017, publicado em 13.10.2017; ARE n. 1.056.229 AgR, Relator(a): Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, j. 04.06.2018, Processo Eletrônico DJe 116, divulgado em 12.06.2018, publicado em 13.06.2018; ARE n. 966.455 AgR-segundo, Relator(a): Min. Rosa Weber, Primeira Turma, j. 26.05.2017, Processo Eletrônico DJe 138, divulgado em 22.06.2017, publicado em 23.06.2017. Ainda aguarda apreciação, em sede de Repercussão Geral, a controvérsia acerca de qual é o sujeito ativo constitucional do ICMS incidente sobre operação de importação de matéria-prima que tem seu desembaraço aduaneiro realizado em determinado Estado, é enviada a estabelecimento localizado em Estado diverso para ser industrializada e retorna ao Estado em que é realizado o desembaraço aduaneiro para comercialização (Tema 520 de Repercussão Geral – ARE n. 665.134 RG, Relator(a): Min. Joaquim Barbosa, j. 10.02.2012, Acórdão Eletrônico DJe 47, divulgado em 06.03.2012, publicado em 07.03.2012, RT v. 101, n. 921, 2012, p. 675-681).

36 A alteração operada pela EC n. 33/2001 ampliou a hipótese de incidência do ICMS-Importação para alcançar as importações de forma mais ampla, fazendo-a coincidir com o fato tributável pelo IPI, que é de competência da União. Entretanto, o STF apreciou a matéria ao julgar o RE n. 439.796/PR, em sede de Repercussão Geral, tendo reconhecido a legitimidade da alteração introduzida pela EC n. 33/2001, por entender que “É constitucional a tributação das operações de circulação jurídica de bens amparadas pela importação. A operação de importação não descaracteriza, tão-somente por si, a classificação do bem importado como mercadoria”. Nessa mesma oportunidade, o Supremo estabeleceu que a incidência de ICMS nesses termos demanda a edição de lei posterior à EC.n. 33/2001.

37 “Art. 11. O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é: I – tratando-se de mercadoria ou bem: [...] d) importado do exterior, o do estabelecimento onde ocorrer a entrada física; e) importado do exterior, o do domicílio do adquirente, quando não estabelecido;”

38 “Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento: [...] IX – do desembaraço aduaneiro de mercadorias ou bens importados do exterior;”

39 Confira-se a redação do art. 13, inciso V, da Lei Kandir: “Art. 13. A base de cálculo do imposto é: [...] V – na hipótese do inciso IX do art. 12, a soma das seguintes parcelas: a) o valor da mercadoria ou bem constante dos documentos de importação, observado o disposto no art. 14; b) imposto de importação; c) imposto sobre produtos industrializados; d) imposto sobre operações de câmbio; e) quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras; (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002)”. Note-se que o adjetivo “aduaneiras” refere-se a todos os quatro substantivos que o antecedem. Não é possível com base nesse inciso, por exemplo, que seja incluído na base de cálculo do ICMS-Importação o valor do Imposto de Renda do importador, mas tão somente o valor dos impostos, taxas, contribuições e despesas que oneram a importação. No caso dos impostos, atualmente apenas o II, o IPI e o IOF incidem sobre a importação, admitindo-se a extensão desse rol se porventura outro imposto vier a ser instituído sobre esse fato gerador, mediante o exercício da competência residual da União com base no art. 154 da CR/1988.

40 SILVA, Paulo Roberto Coimbra. Op. cit., p. 93-94.

41 Nesse sentido, também milita o magistério de Sacha Calmon (1994, p.117-138), ao ressaltar a necessidade de observância dos limites normativos para a definição da base de cálculo, a fim de que seja garantida a integridade do sistema de repartição de competências:

“Entre a base de cálculo e o fato gerador dos tributos existe uma relação de inerência quase carnal (inhaeret et ossa). Veda-se o arbítrio legislativo e a prevalência do nomen juris, i.e., da simples denominação formal sobre a ontologia jurídica e conceitual dos tributos, base científica do Direito Tributário. Uma taxa de fiscalização do arroz, para prover, desde a sua comercialização, a sanidade do cereal, em prol dos consumidores (serviço do poder de polícia) que tiver por base de cálculo o valor de mercado do arroz fiscalizado e não o trabalho fiscalizatório ainda que estimado, será um imposto sobre venda de mercadoria, no caso o arroz, desimportante até que esta mercadoria seja imune ou isenta. Não se haverá de falar em taxa.

Eis aí grande a serventia da base de cálculo como dado ou elemento veritativo, além de suas funções puramente quantitativas (cálculo do valor a pagar) e valorativa (elemento auxiliar para a fixação da capacidade contributiva, pela valoração do fato gerador em função do contribuinte). [...] O dispositivo sob comento, além de conferir à base de cálculo esta missão de controle, de sobredobro, assegura integridade ao sistema de repartição de competências tributárias estatuído na Constituição Federal (LGL\1988\3), tido por um dos mais perfeitos do mundo”.

42 TORRES, Ricardo Lobo. A segurança jurídica e as limitações constitucionais ao poder de tributar. Revista Eletrônica de Direito do Estado n. 4, Salvador, 2005, p. 3. Disponível em: http://www.direitodoestado.com.br/artigo/ricardo-lobo-torres/a-seguranca-juridica-e-as-limitacoes-
constitucionais-ao-poder-de-tributar. Acesso em: 11 jun. 2018.

43 ALMEIDA JÚNIOR, Fernando Osorio de. Interpretação conforme a Constituição e direito tributário. São Paulo: Dialética, 2002. p. 21-24.

44 Conforme dados disponibilizados pelo Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, esses Estados foram São Paulo, Santa Catarina, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Amazonas, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco e Espírito Santo. (Dados disponíveis em: <http://www.mdic.gov.br/comercio-exterior/estatisticas-de-comercio-exterior/series-historicas>. Acesso em: 21 dez. 2018, às 11:45.)

46 Conforme asseverado por um dos autores em outra oportunidade: “A base de cálculo consiste numa determinada dimensão econômica ou expressão monetária tomada como referência inicial para a apuração do crédito tributário. Importante asseverar, com o merecido realce, não possuir o legislador ampla liberdade para sua fixação. Ao contrário, sua discricionariedade é limitada, porquanto a base de cálculo encontra limite intransponível na dimensão economicamente apreciável do aspecto material da hipótese de incidência.

Nessa ordem de ideias, a base de cálculo, estipulada no critério quantitativo do comando normativo, não poderá ultrapassar a expressão monetária inerente à riqueza manifesta com a realização do fato gerador. De se ver a existência de uma necessária correlação lógica indissociável entre as duas partes integrantes da norma tributária, hipótese de incidência (‘A’) e comando (‘B’)79, não podendo a base de cálculo fixada no consequente (‘B’) superar a expressão monetária imanente ao aspecto material do fato jurígeno tributário descrito no antecedente (‘A’), sob pena de distorção da tributação e maior propensão a abusos e inconstitucionalidades” (SILVA, Paulo Roberto Coimbra. Op. cit., p. 91).

47 “Art. 13. A base de cálculo do imposto é: (...) V – na hipótese do inciso IX do art. 12, a soma das seguintes parcelas: (...) e) quaisquer outros impostos, taxas, contribuições e despesas aduaneiras; (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002)”

48 Conforme o princípio da superlegalidade, proposto por Ricardo Lobo Torres, “não basta ao Direito Tributário que o imposto seja criado por lei formal; é necessário, ainda, que tal lei seja compatível com a Constituição” (TORRES, Ricardo Lobo. A legalidade tributária e os seus subprincípios constitucionais. Revista de Direito Processual Geral v. 58, p. 193-219, Rio de Janeiro, 2004).

49 “Art. 149. (...) § 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: (...) III – poderão ter alíquotas:

a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro; (Incluído pela Emenda Constitucional n. 33, de 2001)”

50 Confira-se: REsp n. 1.734.773/RS, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, j. 18.09.2018, DJe 26.09.2018; AgInt no REsp n. 1.585.854/SC, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, j. 21.06.2018, DJe 07.08.2018; AgInt no AREsp n. 1.148.741/RS, Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, j. 20.02.2018, DJe 06.03.2018; REsp n. 1.528.204/SC, Rel. Ministro Humberto Martins, Rel. p/ Acórdão Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. 09.03.2017, DJe 19.04.2017.