Conceito de Insumo para Fins de Crédito de PIS/COFINS: Parâmetros para Aplicação do Precedente do STJ

Concept of Input for PIS/COFINS Crediting Purposes: Guidelines for Application of the STJ Precedent

Belisa Ferreira Liotti

LLM em Direito Tributário Internacional pela Vienna University of Economics and Business (Wirtschaftsuniversität Wien – WU). Advogada. E-mail: belisa.liotti@gmail.com.

Thiago de Mattos Marques

Mestre em Direito Fiscal pela Universidade de Coimbra. LLM em Direito Tributário Internacional pela Vienna University of Economics and Business (Wirtschaftsuniversität Wien – WU). Advogado. E-mail: thiagodemattosmarques@gmail.com.

Recebido em: 26-02-2019

Aprovado em: 28-10-2019

Resumo

O presente estudo visa, inicialmente, delimitar o conteúdo vinculante da decisão proferida pelo STJ no julgamento, como recurso repetitivo, do REsp n. 1.221.170/PR, distinguindo o trecho que deve ser tomado como paradigma daquele que configura mera análise do caso concreto. Em seguida, o artigo demonstra que já foram proferidas decisões inadequadas ao precedente pelos próprios Ministros do STJ. Ao final, são apresentadas ponderações sobre o papel do STJ nas discussões ainda em curso sobre o tema.

Palavras-chave: créditos de PIS/COFINS, conceito de insumo, recurso repetitivo, efeito vinculante, papel do STJ.

Abstract

The present study aims, initially, to delimit the binding content of the decision rendered in the judgment by Brazilian Superior Court of Justice (STJ), as a repetitive appeal, of REsp n. 1.221.170/PR, distinguishing the binding part of the decision from the part that constitutes a simply analysis of the specific case. Subsequently, the study shows that inappropriate decisions to the precedent have already been rendered by STJ Justices. Finally, considerations on the role of the STJ in the ongoing disputes on the subject are presented.

Keywords: PIS/COFINS credits, concept of input, repeated appeals, biding precedent, STJ role.

I. Introdução

A discussão envolvendo o conceito de insumo para fins de apuração de créditos da Contribuição para o PIS e da COFINS figura entre as maiores controvérsias jurídico-tributárias brasileiras das primeiras décadas do século XXI. A indeterminação normativa somada à interpretação equivocada e indevidamente restritiva por parte da Receita Federal instalaram um quadro de incerteza que, infelizmente, ainda perdura.

Em 2018, o STJ enfrentou tal questão sob o rito dos recursos repetitivos, o que se deu no julgamento do Recurso Especial n. 1.221.170/PR, sob relatoria do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. A decisão proferida pela 1ª Seção do Tribunal1 declarou a ilegalidade da orientação fazendária e postulou a necessidade de o conceito de insumo ser avaliado casuisticamente, diante da imprescindibilidade ou importância de determinado bem ou serviço para a atividade econômica desenvolvida pela empresa contribuinte.

Conquanto a decisão proferida no repetitivo configure indiscutível avanço da jurisprudência na defesa dos direitos dos contribuintes, o exato alcance de seu efeito vinculante aparentemente causa algumas confusões. Mais do que isso, a própria decisão extrapolou seu papel e adentrou análise que caberia, naquele momento, à instância inferior, fazendo com que outras decisões tenham adotado como paradigma algo que apenas fora analisado naquele julgamento como especificidade do caso concreto.

Este, portanto, o escopo do presente estudo: delimitar o conteúdo vinculante da decisão proferida sob o rito dos recursos repetitivos no REsp n. 1.221.170/PR, distinguindo o trecho do acórdão que deve ser tomado como paradigma daquele que configura mera análise do caso concreto que o Tribunal enfrentou, considerando decisões posteriores dos Ministros do Tribunal Superior com base nesse precedente, ponderando, ao final, o papel do STJ nas discussões ainda em curso sobre o tema.

II. Recurso repetitivo: REsp n. 1.221.170/PR

O julgamento do REsp n. 1.221.170/PR fez jus à intricada matéria sobre a qual versou e contou com aditamentos e realinhamentos que conferiram alguma dificuldade no que tange à definição dos exatos contornos da decisão, inclusive no que se refere às teses fixadas sob o rito dos recursos repetitivos – que não abarcaram a integralidade da decisão proferida ao término do julgamento. Nada obstante, uma análise mais detida da concatenação dos votos e realinhamentos permite distinguir o conteúdo do voto condutor que efetivamente prevaleceu, o trecho ao qual foram conferidos efeitos vinculantes, bem como manifestações dos Ministros que optaram por registrar seu voto que, apesar de eventualmente indicarem alguma contrariedade pontual em relação ao voto condutor, não foram abarcadas por esse, tendo sido registradas tão somente com o peso de voto-vista dessa emblemática decisão. Importa, desse modo, avaliar com atenção o voto dos quatro ministros que compuseram a maioria no julgamento pela 1ª Seção do STJ.

II.1) Ministro Napoleão Nunes Maia Filho: voto condutor

Abrindo o acórdão, o voto condutor do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho faz uma breve digressão sobre “o chamado rito repetitivo”, alertando que “não é obrigatório que os julgamentos repetitivos sirvam apenas para reiterar ou consolidar entendimentos jurisprudenciais anteriores”, diante da possibilidade de que nesses julgamentos sejam acolhidas “soluções judiciais que até mesmo divirjam de orientações pretéritas, firmando diretriz em sentido oposto”2. Essa passagem marca o ânimo progressista do julgado se comparada com a jurisprudência que vinha então se consolidando no STJ.

Feito o esclarecimento, o Ministro Relator destaca a importância do conceito de insumo para elucidar a controvérsia3, propondo a seguir que o conceito seja fixado “no sentido de identificar a totalidade do que condiciona necessariamente a produção dos bens e serviços que a unidade de produção produz ou fornece”4. Nessa leitura, “tudo o que entra na confecção de um bem [...] deve ser entendido como sendo insumo da sua produção, quando sem aquele componente o produto não existiria”5, em interpretação alinhada, até aqui, ao critério da essencialidade presente em decisões anteriores do STJ6.

No entanto, o voto condutor não se restringiu ao critério da essencialidade – que até então vinha sendo acolhido nas decisões do STJ –, evoluindo para o contraste entre a essencialidade e a acidentalidade7. Após tal contraste, o voto condutor registra que o conceito de insumo para fins de creditamento de PIS/COFINS vai além daquilo que é essencial à produção, compreendendo “todas as despesas diretas e indiretas do contribuinte, abrangendo, portanto, as que se referem à totalidade dos insumos”. Nessa forma de ver, não seria possível “separar o que é essencial [...] do que seria acidental, em termos de produto final”8. É dizer, o voto condutor do acórdão do REsp n. 1.221.170/PR não se limitou ao critério da essencialidade, dando um passo além na fixação de um novo entendimento sobre o conceito de insumo para fins de apuração de créditos de PIS/COFINS.

Ao longo da exposição que culminou com a opção por um critério mais abrangente do que o da essencialidade para aferição do conceito de insumo, o voto condutor passou, ainda, por temas relevantes, como a descabida confusão entre creditamento de IPI e de PIS/COFINS perpetrada pela regulamentação fazendária, que desvirtua “o propósito da não cumulatividade, afastando-se do padrão legal que supostamente estaria a disciplinar”9, evidenciando a ilegalidade das Instruções Normativas n. 247/2002 e n. 404/2004, e também a indevida equiparação do mecanismo de apropriação de créditos a um benefício fiscal, registrando que “o creditamento não consiste em benefício fiscal, [...] de modo que não há de ser interpretado necessariamente de forma literal ou restritiva”10.

Fixadas as bases para a superação da adoção isolada do critério da essencialidade, o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho transcreveu a análise do mérito do voto proferido pela Ministra Regina Helena Costa, do qual foram inclusive extraídas as teses assentadas sob o rito dos recursos repetitivos, a demandar sua análise igualmente cuidadosa.

II.2) Ministra Regina Helena Costa: voto transcrito pelo voto condutor

Apesar de não ser possível apontar a Ministra Regina Helena Costa como “relatora para o acórdão” no julgamento do REsp n. 1.221.170/PR diante do realinhamento do voto do Ministro Relator, é indiscutível a relevância de sua manifestação para a decisão final, tendo parte significativa de seu voto sido transcrita para o voto condutor do acórdão.

A exemplo do voto condutor, a exposição da Ministra Regina Helena Costa inicia reconhecendo a relevância do conceito de insumo para a sistemática não cumulativa das contribuições11 e destacando o descompasso entre a previsão legal e a disciplina da matéria por meio das Instruções Normativas n. 247/2002 e n. 404/2004, concluindo “pela ilegalidade da disciplina de creditamento estatuída” por tais instruções normativas12.

Na sequência, o voto analisa o “conceito de insumo segundo os critérios da essencialidade ou relevância”, que exige a consideração, para fins de classificação de um dispêndio como insumo, da “importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte”13. Percebe-se logo o emprego da conjunção alternativa “ou”, indicativa de que quer o critério da essencialidade, quer o critério da relevância, isoladamente considerados, bastam para a classificação de um gasto como insumo. A essencialidade, como registrado na análise do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, já era bastante utilizada nas decisões do STJ, de modo que o passo adiante dado no voto da Ministra Regina Helena Costa foi no sentido de acrescer o critério da relevância como também indicativo da presença de insumo sob a perspectiva do desenvolvimento de determinada atividade. Por convergirem os entendimentos nos dois votos, foi possível simplesmente transcrever, sem necessidade de adaptações, o voto da Ministra Regina Helena Costa para o corpo do voto do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho14. Ambos indicam a necessidade de se atentar não apenas para o critério da essencialidade, mas também para o critério da relevância. As distinções entre estes critérios (e outros) foram esclarecidas em seguida.

Após dividir em três as orientações até então mais comuns nas decisões do STJ15, a Ministra Regina Helena Costa se concentra nos contornos do critério da essencialidade, que remete ao gasto “do qual dependa, intrínseca e fundamentalmente, o produto ou o serviço, constituindo elemento estrutural e inseparável do processo produtivo ou da execução do serviço, ou, quando menos, a sua falta lhes prive de qualidade, quantidade e/ou suficiência.”16 O critério da essencialidade abarca, como se vê, itens indispensáveis para a produção ou prestação ou, ao menos, para preservar sua qualidade, quantidade ou suficiência. Eventual adoção isolada do critério da essencialidade – sem o componente alternativo da relevância – autorizaria, por exemplo, a utilização do chamado “teste de subtração”. O teste não é válido, contudo, quando se acolhe também o critério da relevância17, que aponta para bem ou serviço “cuja finalidade, embora não indispensável à elaboração do próprio produto ou à prestação do serviço, integre o processo de produção, seja pelas singularidades de cada cadeia produtiva [...] seja por imposição legal”18. Para além da essencialidade (sem a negar), a relevância abarca gastos dispensáveis à atividade – que, a rigor, poderia ser desenvolvida sem os mesmos –, mas importantes, seja em virtude das singularidades da atividade, seja em decorrência de exigência normativa.

Percebe-se dos esclarecimentos constantes do voto da Ministra Regina Helena Costa que a orientação ali defendida não se alinhou a nenhuma das três correntes anteriormente identificadas19. O entendimento da Ministra colocou-a a meio caminho entre as orientações “intermediária” e “ampliada”, acolhendo o critério da essencialidade, mas também reconhecendo como insumo o gasto que atenda ao critério da relevância20. Se do critério da essencialidade se extrai a imprescindibilidade do gasto para determinada atividade, o critério da relevância informa a importância da despesa no contexto dessa atividade.

Evidentemente, o critério da essencialidade é englobado pelo critério da relevância, na medida em que tudo o que é essencial é também relevante (ou tudo que é imprescindível é também importante). Mas o contrário não necessariamente se verifica: nem tudo que é relevante é obrigatoriamente essencial (ou nem tudo que é importante é obrigatoriamente imprescindível). Atendido qualquer desses critérios, estar-se-á diante de uma despesa que deve ser considerada insumo para fins de creditamento de PIS/COFINS21. Daí a proposta de teses para efeito do rito dos repetitivos (acolhida sem alterações pelo voto condutor):

“I. É ilegal a disciplina de creditamento prevista nas Instruções Normativas da SRF ns. 247/2002 e 404/2004, porquanto compromete a eficácia do sistema de não cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS, tal como definido nas Leis ns. 10.637/2002 e 10.833/2003; e

II. O conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, vale dizer, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.”22

Após o voto da Ministra Regina Helena Costa, o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho alterou sua posição inicial (a chamada “orientação ampliada”) para realinhar o voto condutor ao da Ministra, sendo seguro dizer que ambos se posicionaram a meio caminho entre as chamadas orientações “intermediária” e “ampliada”, no que foram seguidos por aqueles que acompanharam o voto condutor após o realinhamento23.

Encerrada o que se pode chamar de “parte geral” da decisão proferida pelo STJ no julgamento do REsp n. 1.221.170/PR – parte geral essa em relação à qual foram atribuídos os efeitos vinculantes – e como que abrindo um novo capítulo em seu voto, a Ministra Regina Helena Costa passa então ao julgamento do caso concreto.

Tendo em vista o que ficou assentado como tese, ou seja, “à luz dos critérios da essencialidade ou relevância”, a análise do caso concreto – qualquer que seja o caso – demanda que se perquira a dimensão de tais critérios face às atividades desenvolvidas pela empresa contribuinte. Nas palavras da Ministra, “há que se analisar, casuisticamente, se o que se pretende seja considerado insumo é essencial ou de relevância para o processo produtivo ou à atividade desenvolvida pela empresa”24. Considerando as peculiaridades do caso da empresa Anhambi Alimentos Ltda., a Ministra decidiu que algumas despesas, “em princípio, inserem-se no conceito de insumo para efeito de creditamento”, o que deveria ser confirmado pela instância inferior, não tendo a mesma sorte outras despesas, entre as quais os gastos com “promoções e propagandas”25.

Nota-se aqui, infelizmente, uma contradição. Em que pese a singular qualidade da decisão proferida pela Ministra Regina Helena Costa, essa é contraditória ao, de um lado, afirmar que não pode o STJ decidir se algumas despesas configuram insumo, tendo em vista que tal análise compete à instância inferior, e, de outro, decidir (ainda que de forma indireta26) que outros gastos não configuram insumo, subtraindo da corte de origem a análise da imprescindibilidade ou importância desses gastos para a atividade da empresa. Respeitada a possibilidade de o STJ oportunamente reavaliar a decisão da instância inferior, inclusive no que se refere à adequação da classificação (ou não) de determinados dispêndios como insumo, a exigência de coerência interna na decisão impõe que, uma vez adotado o entendimento de que o STJ não deve julgar favoravelmente ao contribuinte em relação a algumas despesas, tal entendimento seja aplicado para também obstar possível decisão desfavorável do Tribunal acerca de outras despesas27. Parece que melhor solução consistiria na devolução, para a apreciação por parte do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, da análise de todas as despesas objeto de discussão.

De qualquer forma, fica claro que o voto da Ministra Regina Helena Costa – com efeitos sobre o voto condutor, em virtude de sua transcrição neste – divide-se em um trecho de considerações gerais, sobre as quais assentam as teses acolhidas pela 1ª Seção do STJ para fins do rito dos recursos repetitivos, e um trecho pertinente ao caso concreto sub judice, importante para o deslinde do feito, mas desprovido de efeitos vinculantes.

II.3) Ministro Mauro Campbell Marques: voto-vista

Em uma primeira manifestação, o Ministro Mauro Campbell Marques transcreveu voto de sua autoria de 201528 e sustentou que a definição de insumo exige que “o bem ou serviço tenha sido adquirido para ser utilizado na prestação do serviço ou na produção, ou para viabilizá-los” (critério da pertinência), que “a produção ou prestação do serviço dependa daquela aquisição” (critério da essencialidade), não sendo necessário “o consumo do bem ou a prestação do serviço em contato direto com o produto” (viabilidade do emprego indireto do item). A partir desses parâmetros, o Ministro propôs uma definição de insumo abrangente dos bens e serviços “pertinentes ao, ou que viabilizam o processo produtivo e a prestação de serviços”, admitida a utilização indireta, “e cuja subtração importa na impossibilidade mesma da prestação do serviço ou da produção, isto é, cuja subtração obsta a atividade da empresa, ou implica em substancial perda de qualidade do produto ou serviço daí resultantes.”29 Quando proferido tal voto, ainda não havia votado a Ministra Regina Helena Costa, tampouco havia sido realinhado o voto do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho. Naquele momento, portanto, o Ministro Relator acolhia a chamada “orientação ampliada”, razão pela qual o Ministro Mauro Campbell Marques indicou sua divergência parcial do Ministro Relator, “que adotou a posição mais ampla de creditamento associada aos custos para efeito de IRPJ”30.

Após votar a Ministra Regina Helena Costa, a divergência parcial do Ministro Mauro Campbell Marques não foi logo alterada. Pelo contrário, no primeiro aditamento ao voto o Ministro registra sua opinião no sentido de que “há três e somente três posições conhecidas” sobre o conceito de insumo, consistentes na “que adota o sistema de crédito físico do IPI” (a chamada “orientação restrita” pela Ministra Regina Helena Costa31), na “que adota o sistema de crédito financeiro de forma restrita (emprego direto ou indireto no processo produtivo), tendo em vista a pertinência e a essencialidade ao processo produtivo”, a demandar “a aplicação do ‘teste de subtração’ a fim de se verificar se há ou não há insumo” (a chamada “orientação intermediária”), e na “que adota o sistema de crédito financeiro de forma ampla, fazendo uso dos conceitos de ‘Custos Operacionais’ e ‘Despesas Operacionais’ previstos na legislação do IRPJ” (a chamada “orientação ampliada”). Contrapondo sua, até ali, “orientação intermediária” à “orientação ampliada” inicialmente adotada pelo Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, e aparentemente não observando o fato de que a Ministra Regina Helena Costa inaugurara uma quarta e nova orientação (a meio caminho entre essas duas orientações), o Ministro Mauro Campbell Marques mantém a divergência parcial32. Até esse ponto, os votos da Ministra Regina Helena Costa e do Ministro Mauro Campbell Marques divergiam33. Enquanto a Ministra introduzia uma nova orientação, acrescendo ao critério da essencialidade o critério da relevância, o Ministro mantinha-se apegado à orientação ancorada nos critérios da essencialidade e pertinência, inclusive aludindo ao “teste da subtração”.

Apenas em seu segundo aditamento o Ministro Mauro Campbell Marques diz ter se sensibilizado com os argumentos expostos no voto da Ministra Regina Helena Costa de que “a essencialidade e a pertinência ao processo produtivo não abarcariam as situações em que há imposição legal para a aquisição dos insumos”, reconhecendo a necessidade de “ser adicionado o critério da relevância para abarcar tais situações”, incorporando ao seu voto “as observações feitas no voto da Min. Regina Helena especificamente quanto ao ponto”, inclusive realinhando seu voto ao voto da Ministra34.

Na sequência, porém, o Ministro Mauro Campbell Marques sustenta a suposta compatibilidade entre a “orientação intermediária” que defende, com o chamado “teste de subtração”, e a orientação definida pela Ministra Regina Helena Costa, transcrita pelo voto condutor35. Entretanto, inexiste tal compatibilidade. Não há “idêntico conteúdo” entre os critérios da essencialidade e da pertinência, defendidos pelo Ministro, e os critérios da essencialidade e relevância, inaugurados pela Ministra – que, para o Ministro, teria apenas “batizado” os antigos critérios com nome diverso36. Nesse particular, o voto da Ministra Regina Helena Costa é claro ao afirmar que “o critério da relevância revela-se mais abrangente do que o da pertinência”37. Logo, é inconcebível a compatibilidade entre esses critérios. Justamente por isso, a “tríade” proposta pelo Ministro, qual seja: “pertinência, essencialidade e relevância”, não foi acolhida pelo voto condutor. E mais, o “teste de subtração”, além de não constar da tese adotada sob o rito dos repetitivos para fins de definição do conceito de insumo, é mesmo incompatível com tal tese, na medida em que, ainda que contemple o critério da essencialidade, não é hábil para abarcar o critério da relevância para além de eventuais exigências legais. Afinal, o critério da relevância diz respeito não apenas ao gasto incorrido “por imposição legal” – situação que seria possível detectar com sucesso através do teste, diz o Ministro –, mas também ao dispêndio com item que integre a atividade em virtude de suas “singularidades”38. Em certa medida, a conclusão pela incompatibilidade entre o “teste da subtração” e o critério da relevância é óbvia, posto que esse critério é dirigido a despesas, a rigor, dispensáveis.

Todavia, a despeito das colocações em seu voto e nos dois aditamentos realizados ao longo do julgamento que contrariam alguns pontos do conteúdo do voto condutor – em especial o voto da Ministra Regina Helena Costa, transcrito para o voto condutor –, o fato é que, por fim, o Ministro Mauro Campbell Marques, assim como fez o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, realinhou seu voto ao da Ministra39. Ao fazê-lo, acompanhou o voto do Ministro Relator, deixando, portanto, de divergir nesse julgamento40.

II.4) Ministra Assusete Magalhães: voto-vista

Depois de muitos votos, aditamentos e realinhamentos, manifestou-se a Ministra Assusete Magalhães, que detalhou em seu voto as idas e vindas dos pronunciamentos dos demais Ministros41, inclusive para distinguir a corrente que acompanharia. Oferecida sua análise do mérito, a Ministra Assusete Magalhães transcreve, para fins de comparação, os principais trechos dos votos da Ministra Regina Helena Costa e do Ministro Mauro Campbell Marques concernentes ao conceito de insumo42, evidenciando a distinção entre tais pronunciamentos. Feito isso, a Ministra reitera e acolhe o entendimento da Ministra Regina Helena Costa, “no sentido de que o critério da relevância revela-se mais abrangente e apropriado do que o da pertinência”43, acompanhando, ao final, o voto da Ministra e os votos realinhados (ao voto da Ministra) dos Ministros Napoleão Nunes Maia Filho e Mauro Campbell Marques44. Em suma, o voto da Ministra Assusete Magalhães, além das análises que traz, resume o debate, evidencia a distinção entre as posições do Ministro Mauro Campbell Marques e da Ministra Regina Helena Costa, seguindo o posicionamento dessa última e frisando que isso fora feito também pelo Ministro Relator e pelo próprio Ministro Mauro Campbell Marques, em realinhamento de seus votos.

A concatenação dos votos, bem resumida pela Ministra Assusete Magalhães, mostra que o entendimento que prevaleceu sobre o conceito de insumo para fins de apuração de créditos de PIS/COFINS foi o defendido no voto da Ministra Regina Helena Costa. Tal entendimento diverge daquele defendido pelo Ministro Mauro Campbell Marques antes do realinhamento, em especial no que diz respeito à introdução do critério da relevância, que além de ser distinto dos critérios da essencialidade e da pertinência, afasta a aplicabilidade do chamado “teste de subtração”, que, por isso, não se adequa ao decidido sob o rito dos recursos repetitivos. No que divergiram esses entendimentos, prevaleceu o defendido pela Ministra Regina Helena Costa.

III. Alcance do efeito vinculante do acórdão paradigma

Sob a égide do CPC anterior45, a decisão do STJ no julgamento dos recursos repetitivos (ou “recursos representativos de controvérsia”46) não vinculava as instâncias inferiores. Tal cenário sofreu significativa alteração com o CPC de 201547, que determina que juízes e tribunais observarão, entre outros, os acórdãos em julgamento de recurso especial repetitivo48. Dada a relevância que atualmente reveste as decisões proferidas nestes julgamentos49, é imprescindível delimitar o alcance dos efeitos vinculantes do acórdão paradigma, fruto do julgamento do REsp nº 1.221.170/PR.

Nesse viés, destaca-se o art. 1.039 do CPC de 201550 ao prever que, julgado o repetitivo, a “tese firmada” será aplicada no julgamento dos demais recursos. Trata-se, tal “tese”, do padrão decisório a partir do qual serão julgados os demais casos que versem sobre a mesma questão de direito51, por meio do qual se alcança a eficácia pacificadora de múltiplos litígios52. São as teses firmadas no julgamento dos repetitivos, portanto, que têm efeito vinculante. Por esse motivo os votos proferidos no julgamento do REsp n. 1.221.170/PR demarcam os contornos das teses assentadas, distinguindo-as da análise pertinente apenas àquele caso particular, distinção reproduzida na ementa do acordão:

“3. Recurso Especial representativo da controvérsia parcialmente conhecido e, nesta extensão, parcialmente provido, para determinar o retorno dos autos à instância de origem, a fim de que se aprecie, em cotejo com o objeto social da empresa, a possibilidade de dedução dos créditos [relativos] a custo e despesas com: água, combustíveis e lubrificantes, materiais e exames laboratoriais, materiais de limpeza e equipamentos de proteção individual – EPI.

4. Sob o rito do art. 543-C do CPC/1973 (arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015), assentam-se as seguintes teses: (a) é ilegal a disciplina de creditamento prevista nas Instruções Normativas da SRF ns. 247/2002 e 404/2004, porquanto compromete a eficácia do sistema de não cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS, tal como definido nas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003; e (b) o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de [determinado] item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo Contribuinte.”

Enquanto o item 3 da ementa trata do caso concreto, indicando o retorno dos autos ao tribunal de origem para análise da possibilidade de creditamento sobre algumas despesas, o item 4 assenta duas teses sob o rito dos repetitivos: (a) são ilegais as Instruções Normativas n. 247/2002 e n. 404/2004 no que toca ao conceito de insumo; e (b) o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, diante da imprescindibilidade ou importância do item no contexto da atividade desenvolvida pela empresa. Apenas às teses referidas no item 4 foram conferidos efeitos vinculantes.

Afastada, por ilegal, a disciplina fazendária, o repetitivo definiu como aferir se determinada despesa configura insumo. A tese (b) estabeleceu parâmetro para decisão das disputas em torno do conceito de insumo. Fixada a moldura conceitual, é natural que se devolva às cortes de origem a análise daqueles casos julgados em momento anterior à definição de tal conceito. Daí a decisão proferida no REsp n. 1.221.170/PR ter devolvido para a instância inferior essa tarefa, agora vinculada à moldura conceitual. É preciso enfatizar esse ponto: o acórdão paradigma apenas definiu o conceito de insumo para fins de creditamento. A adequação do caso a tal conceito deve ser verificada individualmente, considerando-se as peculiaridades da empresa e das atividades desenvolvidas. “Aplicar a tese” consiste, aqui, na análise fática sob o prisma da moldura conceitual definida.

Assim, considerando as decisões proferidas pelos Ministros do STJ em relação aos casos que aguardavam, na Corte Superior, o julgamento do repetitivo, são adequadas ao acórdão paradigma aquelas que, aludindo ao conceito de insumo fixado, determinaram que o exame do enquadramento do caso concreto a tal conceito fosse realizado pela corte de origem, devolvendo os autos para reavaliação. A contrario sensu, são inadequadas as decisões que decidiram de modo diverso. Tanto é assim que ao precedente se seguiram várias decisões por meio das quais os Ministros determinaram a baixa dos autos para avaliação casuística da configuração de insumo, observado o parâmetro fixado no repetitivo. No entanto, algumas decisões não respeitaram tal procedimento.

IV. Decisões adequadas ao precedente

Após a publicação do acórdão do REsp n. 1.221.170/PR foram proferidas decisões dos Ministros do STJ determinando a baixa dos respectivos autos para revisão por parte dos tribunais de origem53. Nesse sentido, o Ministro Sérgio Kukina recorda que “em casos assim, a jurisprudência do STJ, em observância ao princípio da economia processual e à própria finalidade do CPC/2015, tem determinado o retorno dos autos à origem, para que lá se realize o juízo de adequação ao acórdão proferido nos autos do recurso representativo da controvérsia”54. O Ministro Gurgel de Faria decidiu que, “tendo sido o tema julgado pela sistemática dos repetitivos, os autos devem retornar à instância a quo para que seja realizado o juízo de conformação previsto no art. 1.040 do novo CPC”55, com redação próxima daquela utilizada pelo Ministro Benedito Gonçalves em caso semelhante56. De sua parte, o Ministro Herman Benjamin julgou que “os autos devem retornar à Corte de Origem para que o exame do conceito de insumos seja delineado conforme o estabelecido no julgamento [do repetitivo]”57. Também a Ministra Assusete Magalhães determinou a baixa em processos que tratam do tema debatido no repetitivo58. São diversas as decisões que confirmam como adequado o procedimento de baixa dos autos para que os tribunais de origem procedam ao reexame dos casos considerando o acórdão paradigma do STJ e o conceito de insumo ali definido.

V. Decisões inadequadas ao precedente

V.1) Decisão monocrática no REsp n. 1.425.114/RS

Em decisão proferida no REsp n. 1.425.114/RS, o Ministro Mauro Campbell Marques deparou-se com recurso interposto contra decisão que negou direito à apuração de créditos sobre algumas despesas por considerar as Instruções Normativas n. 247/2002 e n. 404/2004 “em sintonia com as Leis nos. 10.637/2002 e 10.833/2003”. Diante de tal caso, antes de remeter ao repetitivo sobre a matéria, o Ministro aludiu a precedente da 2ª Turma do STJ, de 2014, em que teria prevalecido o entendimento pela viabilidade de apropriação de créditos de PIS/COFINS sobre despesas semelhantes59. Na sequência, após transcrever a ementa do acórdão paradigma, o Ministro reiterou a possibilidade de creditamento sobre os gastos debatidos naquele caso em particular (REsp n. 1.425.114/RS) e, conhecendo do recurso, deu-lhe parcial provimento60. Trata-se de decisão inadequada ao repetitivo, uma vez que obstou o reexame do caso pela corte de origem. Ter sido a decisão favorável ao contribuinte não muda seu descompasso com os efeitos que decorrem do repetitivo.

V.2) REsp n. 1.647.925/SP, critério da pertinência e o “teste de subtração”

Decorridos apenas 23 dias da publicação do acórdão do REsp n. 1.221.170/PR, a 2ª Turma do STJ se reuniu para julgar o REsp n. 1.647.925/SP61, em que se questionava a possibilidade de apropriação de créditos de PIS/COFINS com base no conceito de insumo, tendo concluído que os autos deveriam retornar à corte de origem para avaliação do direito ao creditamento sob a luz do que ficou decidido no repetitivo. Entretanto, nos termos do voto do Relator, Ministro Mauro Campbell Marques, tal retorno teria por finalidade propiciar o “exame da essencialidade, pertinência e relevância em relação aos ‘custos’ e ‘despesas’ apontados e aplicação do ‘teste de subtração’ a fim de identificar se correspondem ao conceito de insumos delineado [no STJ]”62. Percebe-se que o voto condutor alude ao “critério da pertinência” e também ao “teste de subtração” que, como já demonstrado, não foram acolhidos no repetitivo. Na ementa do acórdão, o erro foi apenas parcialmente sanado, constando que o retorno dos autos teria por fim o “exame da essencialidade, e relevância em relação aos ‘custos’ e ‘despesas’ apontados”63, sem alusão a eventual exame de pertinência. Contudo, não foi corrigida a menção ao “teste de subtração”. Trata-se de claro desencontro entre a decisão da 2ª Turma e aquilo que foi assentado no repetitivo, uma vez que o tal “teste de subtração” não é compatível com o exame da relevância com a abrangência que lhe foi dada pelo repetitivo64.

V.3) Caso Hering: REsp n. 1.437.025/SC

A Cia. Hering S.A. buscava, em mandado de segurança, ter reconhecido o direito à apropriação de créditos de PIS/COFINS sobre despesas com “divulgação institucional da rede (despesas com contratação de assessoria de imprensa e agências de publicidade para realizar publicidade nas mídias eleitas, utilizando o Fundo de Propaganda da rede de franqueados)”, alegando que “o fato de existir obrigação contratual para com os franqueados que lhe exige a contratação de serviços de publicidade acaba por configurar tais gastos como intrinsicamente vinculados e essenciais ao cumprimento do contrato, de modo que devem ser considerados como insumos para sua atividade”65.

V.3.a) Decisão monocrática

No dia em que foi publicado acórdão do REsp n. 1.221.170/PR, 24 de abril de 2018, o Ministro Mauro Campbell Marques decidiu monocraticamente que a Hering não teria razão em sua pretensão. Para tanto, o Ministro indicou que no repetitivo fora considerado que “as despesas com promoções, propagandas, telefone e comissões são ‘custos’ e ‘despesas’ não essenciais ao processo produtivo da empresa que atua no ramo de alimentos”, afirmando ser a conclusão válida para “empresa que atua no ramo de vestuário”, sendo “indiferente aí a condição de se estar diante de contrato de franquia, pois não há nada em tal atividade que faça as despesas com propagandas terem maior relevância que nas demais atividades que fazem uso do mesmo serviço de ‘marketing’ (v.g. alimentos)”66. Ao final, o Ministro negou provimento ao recurso e alertou para o risco de aplicação de multa em caso de interposição de agravo, remetendo ao art. 1.021, § 4º, do CPC de 201567.

V.3.b) Agravo Interno no REsp n. 1.437.025/SC

Ao julgar o AgInt no REsp n. 1.437.025/SC, a 2ª Turma do STJ acolheu a premissa que orientou a decisão monocrática no sentido de que o precedente firmado no repetitivo teria considerado “que as despesas com promoções, propagandas [...] são ‘custos’ e ‘despesas’ não essenciais ao processo produtivo da empresa que atua no ramo de alimentos”, decisão essa que seria aplicável inclusive a empresas de outros setores68. O voto condutor do Ministro Mauro Campbell Marques foi assertivo nesse ponto: “restou claro no precedente repetitivo firmado que as despesas com promoções e propagandas são ‘custos’ e ‘despesas’ não essenciais ao processo produtivo da empresa que atua no ramo de alimentação”, inexistindo óbice “para que tal conclusão seja transposta também para o ramo de vestuário”. Indo além, sustenta o voto que o fato de o caso dizer respeito a despesa incorrida no contexto da exploração da atividade de franquia seria “totalmente irrelevante”, uma vez que tal atividade “não gera qualquer especificidade das ações de marketing que permita caracterizá-las como essenciais em comparação às ações de marketing utilizadas por quaisquer outras empresas que não façam uso do contrato de franquia”. Decide, ainda, “pela desnecessidade de retorno dos autos à origem”, negando à empresa recorrente o direito de ter seu caso específico reavaliado pela instância inferior sob a luz da moldura conceitual definida pelo STJ. Além disso, a empresa foi penalizada com multa porque o recurso interposto seria “manifestamente inadmissível por insistir em tese já afastada em julgamento de recurso repetitivo”69.

Pela relevância da decisão proferida pela 2ª Turma do STJ no julgamento do AgInt no REsp n. 1.437.025/SC70 e, sobretudo, pelo risco de que se venha a adotar tal precedente como exemplo de aplicação correta das teses fixadas pelo acórdão proferido no REsp n. 1.221.170/PR, é preciso frisar que esse julgamento não aplicou adequadamente o acórdão paradigma. Não aplicou adequadamente porque tomou como vinculante trecho do julgamento do REsp n. 1.221.170/PR que não tem essa força, porque transpôs lógica desenvolvida para empresa que exerce atividade específica para sociedade com atividade distinta e porque negou à empresa contribuinte o direito de ter seu caso reavaliado pelo tribunal de origem à luz do conceito recentemente fixado pelo STJ, distinguindo-a de dezenas de outras empresas que tiveram reconhecido tal direito pelo mesmo Tribunal.

Especificamente no que diz respeito à valoração jurídica dos fatos que promoveu, a decisão proferida no AgInt no REsp n. 1.437.025/SC ampara-se em premissa válida para outro ramo de atividade, não aplicando os critérios da essencialidade e da relevância ao caso concreto da Cia Hering S.A., contrariando o repetitivo ao fazê-lo. Para respaldar tal afirmação, é cabível uma breve análise da importância desses gastos para a franquia.

V.3.c) Gastos com publicidade e propaganda na atividade de franquia

Consoante os critérios da essencialidade e da relevância, deve ser casuisticamente analisado “se o que se pretende seja considerado insumo é essencial ou de relevância para o processo produtivo ou à atividade desenvolvida pela empresa”71. Aplicar o precedente a caso no qual se discute a classificação como insumo de despesas com publicidade e propaganda72 na atividade de franquia exige a análise da imprescindibilidade (atendendo ao critério da essencialidade) ou da importância (atendendo ao critério da relevância) dos gastos no desenvolvimento dessa atividade. Para tanto, é preciso ter em vista o escopo da atividade de franquia, avaliando o papel da publicidade e propaganda em sua exploração.

Prática comercial que antecedeu sua disciplina legal73, o contrato de franquia empresarial foi definido pelo art. 2º da Lei n. 8.955/1994 como “o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semiexclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta”. Trata-se, em suma, de modelo negocial no qual o franqueador autoriza que o franqueado utilize sua marca no contexto da comercialização de produtos e/ou da prestação de serviços, observados os padrões estabelecidos pelo franqueador74.

A cessão de direito de uso de marca, como visto, consta da própria definição legal da franquia e é inerente a essa modalidade contratual75. Mais do que um simples componente do contrato de franquia, a marca constitui um dos principais atrativos para os franqueados76. Isso enfatiza a relevância da criação e manutenção da marca, o que depende de comunicação, especialmente na forma de publicidade e propaganda77. Além disso, é preciso constante investimento na marca para que ela preserve (ou aumente) seu valor78, o que também envolve custos com publicidade e propaganda.

Sendo a marca figura central da franquia e dependendo sua criação e manutenção de investimentos em publicidade e propaganda, não há como dissociar tais investimentos dessa específica modalidade contratual e da correspondente atividade79. Se a marca é imprescindível na exploração da franquia e se gastos com publicidade e propaganda são imprescindíveis para a criação e manutenção da marca, igual imprescindibilidade detêm esses gastos para a atividade de franquia80. Mesmo que, contrariando o aqui exposto, entenda-se que não cabe qualificar como imprescindíveis para a atividade de franquia os dispêndios com publicidade e propaganda, afetando o critério da essencialidade, ainda assim seria evidente a conclusão pela importância de tais gastos frente às singularidades da franquia, atendendo ao critério da relevância. Subsumindo qualquer das conclusões – seja pela imprescindibilidade ou importância desses gastos para a atividade de franquia – à tese fixada no julgamento do repetitivo, vê-se que publicidade e propaganda configuram insumo da atividade de franquia para fins de apuração de PIS/COFINS pela franqueadora81.

A necessária observância de um conceito de insumo que, conforme o acórdão paradigma, não se restringe à essencialidade, avançando sobre dispêndios que, ainda que dispensáveis, mostram-se importantes para o desenvolvimento da atividade, somada à consideração das singularidades da atividade de franquia, leva à inquestionável conclusão de que investimentos em publicidade e propaganda, necessários para a construção e a manutenção da marca, são imprescindíveis ou, ao menos, importantes para a atividade. A franqueadora incorre nesses custos para viabilizar o negócio que explora, de modo que não reconhecer o direito a crédito de PIS/COFINS sobre desembolsos dessa natureza por parte das franqueadoras significa violar a moldura conceitual de insumo definida pelo STJ. Significa, portanto, violar decisão proferida sob o rito dos recursos repetitivos.

VI. Aplicação do acórdão paradigma e o papel do STJ

O desencontro entre o julgamento do Caso Hering e o que foi decidido no acórdão paradigma alerta para importância de se ponderar sobre as decisões que aplicarão tal paradigma e a necessidade de seu controle, inclusive pelo STJ. Ao fixar apenas a moldura conceitual dos insumos para fins de PIS/COFINS, sem dizer exatamente o que é insumo, somente indicando como se pode avaliar se determinada despesa é ou não é insumo, o acordão do REsp n. 1.221.170/PR confere elevada liberdade aos julgadores das instâncias inferiores. Uma liberdade que, apesar de inerente à atividade jurisdicional, contradiz a finalidade uniformizadora subjacente ao rito dos repetitivos. Afinal, ao decidir que insumo é a despesa imprescindível ou importante sem, por outro lado, informar o que vem a ser imprescindível ou importante, apenas desloca-se a liberdade do julgador, que ao invés de dizer o que é ou não é insumo, diz o que é ou não é imprescindível ou importante. No limite, ainda se tem um conceito aberto, que pode ser manipulado em um ou outro sentido.

Essa imprecisão acerca dos contornos do que ficou decidido no repetitivo pode ter desdobramentos prejudiciais às empresas contribuintes na hipótese de não ser mantido um esforço de uniformização da jurisprudência – esforço no qual o STJ deve participar com destaque. Caso prevaleça decisão que, sob alegação de estar aplicando o paradigma, negue a determinada empresa o direito de crédito em relação a despesas imprescindíveis ou importantes à sua atividade, é provável que essa empresa se veja em situação tributária desigual em relação a outros contribuintes em situação fática semelhante, violando a igualdade tributária82 com prejuízo, ainda, à neutralidade tributária83. Sem descuidar da excepcionalidade de que se reveste o recurso especial, a decisão proferida no julgamento do REsp n. 1.221.170/PR não pode servir de escusa à prestação jurisdicional, sobretudo diante dos riscos impostos à igualdade e à neutralidade tributária por decisões de 1ª e 2ª instâncias que, alegando aplicar o paradigma, descumpram seu comando. Assim, não poderá o STJ – sob alegação de que já julgou o direito aplicável – negar a revisão de casos em que despesas tenham sido consideradas como não sendo insumos a despeito da comprovação de sua imprescindibilidade ou importância84. A noção de “valoração jurídica de fatos incontroversos” de que se vale o STJ para, quando cabível, afastar a aplicação da Súmula n. 785 deverá ser invocada sempre que isso for necessário, sendo possível inclusive o julgamento de outros repetitivos que melhor definam o conceito de insumo no contexto de atividades (ou grupos de atividades) específicas.

Não se quer, com isso, negar a relevância do precedente firmado no julgamento do REsp n. 1.221.170/PR. Ao contrário, trata-se de evolução ímpar na solução de uma das maiores discussões jurídico-tributárias brasileiras desse início de século. O objetivo é chamar atenção para a necessidade de o STJ continuar atuando ativamente na construção da jurisprudência que permitirá fixar os exatos contornos do conceito de insumo para fins de creditamento de PIS/COFINS. Não cabe apenas aos tribunais de segunda instância, com exclusividade e em caráter definitivo, definir o que é ou não é uma despesa imprescindível ou importante a determinada atividade. Corte responsável por uniformizar a interpretação da lei federal no país, o STJ deve prosseguir na padronização jurisprudencial. O julgamento de 2018 foi um importante passo no sentido da uniformização, mas foi apenas o primeiro nesse sentido. É preciso avançar. E isso não reflete uma espécie de baixo teor vinculante por parte do acórdão paradigma. Antes, confirma que se está diante de uma norma de reduzida qualidade técnica, incapaz de conferir adequada segurança jurídica e que, por isso, demanda esforço redobrado do Judiciário na definição de seu alcance.

VII. Conclusão

O acórdão proferido pela 1ª Seção do STJ no julgamento do REsp n. 1.221.170/PR indica claramente quais teses foram assentadas sob o rito dos recursos repetitivos naquela decisão, sendo estas (a) a ilegalidade das Instruções Normativas n. 247/2002 e n. 404/2004 em relação ao conceito de insumo que trazem, e (b) a moldura conceitual a ser observada para a classificação de determinado gasto como insumo para fins de apuração de créditos de PIS/COFINS, que demanda a análise do caso concreto sob o prisma dos critérios de essencialidade ou relevância, diante da imprescindibilidade ou importância do dispêndio no específico contexto da atividade econômica desenvolvida pela empresa. Apenas essas teses detêm a força vinculante atribuída às decisões proferidas sob o rito dos recursos repetitivos. O julgamento do REsp n. 1.221.170/PR tratou também de particularidades específicas do caso envolvendo a empresa Anhambi Alimentos Ltda. Essa parte da decisão, contudo, não se reveste de qualquer força vinculante.

Diante de tal constatação, em relação aos recursos que estavam aguardando no STJ a decisão do repetitivo, foram adequadas ao repetitivo as decisões dos Ministros que determinaram a baixa dos autos para reexame por parte das cortes de origem, ao passo que as decisões que adotaram procedimento diverso mostraram-se inadequadas ao acórdão paradigma. O Caso Hering talvez possa ser apontado como maior exemplo, até aqui, de decisão inadequada ao acórdão paradigma. As decisões proferidas no Caso Hering (i) adotaram a equivocada premissa de que a parte do acórdão do REsp n. 1.221.170/PR que dizia respeito apenas à empresa Anhambi Alimentos Ltda. teria efeitos vinculantes; (ii) transpuseram para empresa que exerce atividade de franquia (Cia. Hering S.A.) análise desenvolvida especificamente para empresa da indústria alimentícia (Anhambi Alimentos Ltda.), não respeitando a imprescindibilidade ou importância de que se revestem os investimentos em publicidade e propaganda no contexto da atividade de franquia e violando, com isso, o teor do próprio acórdão paradigma; e (iii) negaram à Cia. Hering S.A. o direito de ter seu caso reexaminado pelo tribunal de origem à luz da moldura conceitual definida pelo STJ, distinguindo-a de diversas outras empresas (entre as quais a própria Anhambi Alimentos Ltda.) que tiveram respeitado tal direito pelo STJ.

O Caso Hering evidencia, portanto, que a moldura conceitual definida pelo STJ no acórdão do REsp n. 1.221.170/PR é insuficiente para conferir a esperada uniformidade jurisprudencial. Ao contrário, poucos meses depois da publicação do acordão paradigma foi proferida decisão, pelo próprio STJ, que contraria o seu comando. Isso demonstra que se antes havia o risco de ser aleatoriamente afirmado o que é ou não é insumo, tal risco não foi dissipado. A diferença é que o risco atual é de vir a ser aleatoriamente afirmado o que é ou não é uma despesa imprescindível ou importante. Pior, agora a afirmação virá amparada no argumento de que é vinculada à decisão proferida em sede de recurso repetitivo, trazendo consigo riscos extras (inclusive de multa) para aqueles que porventura discordarem da valoração jurídica dos fatos demonstrados no processo.

Constata-se, portanto, que o papel do STJ na uniformização da jurisprudência atinente ao conceito de insumo em sede de PIS/COFINS está longe de ter sido concluído com o julgamento do REsp n. 1.221.170/PR sob o rito dos recursos repetitivos. Ao contrário, o STJ precisa continuar atuando ativamente na efetiva padronização jurisprudencial concernente a esse tema, sem a qual será inclusive violado o princípio da igualdade tributária, com repercussões deletérias também para a neutralidade tributária. Compete ao STJ, como tribunal responsável por uniformizar a interpretação da legislação federal no país, prosseguir nesse desiderato em relação ao conceito de insumo para fins de apropriação de créditos de PIS/COFINS.

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1 Acórdão publicado em 24 de abril de 2018.

2 Acórdão do REsp n. 1.221.170/PR, voto condutor do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, p. 13.

3 Acórdão do REsp n. 1.221.170/PR, voto condutor do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, p. 13.

4 Acórdão do REsp n. 1.221.170/PR, voto condutor do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, p. 15.

5 Acórdão do REsp n. 1.221.170/PR, voto condutor do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, p. 16.

6 Acórdão do REsp n. 1.221.170/PR, voto condutor do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, p. 21-24.

7 Acórdão do REsp n. 1.221.170/PR, voto condutor do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, p. 24.

8 Acórdão do REsp n. 1.221.170/PR, voto condutor do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, p. 25.

9 Acórdão do REsp n. 1.221.170/PR, voto condutor do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, p. 20.

10 Acórdão do REsp n. 1.221.170/PR, voto condutor do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, p. 24-25.

11 Acórdão do REsp n. 1.221.170/PR, voto da Ministra Regina Helena Costa, p. 73. Trecho transcrito também para o voto condutor do acórdão, p. 28.

12 Acórdão do REsp n. 1.221.170/PR, voto da Ministra Regina Helena Costa, p. 75. Trecho transcrito também para o voto condutor do acórdão, p. 30.

13 Acórdão do REsp n. 1.221.170/PR, voto da Ministra Regina Helena Costa, p. 75. Trecho transcrito também para o voto condutor do acórdão, p. 30.

14 Acórdão do REsp n. 1.221.170/PR, voto condutor do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, p. 25-36.

15 O voto da Ministra Regina Helena Costa (p. 79) propõe a seguinte divisão: “É importante registrar que, no plano dogmático, três linhas de entendimento são identificáveis nos votos já manifestados, quais sejam: i) orientação restrita, manifestada pelo Ministro Og Fernandes e defendida pela Fazenda Nacional, adotando como parâmetro a tributação baseada nos créditos físicos do IPI, isto é, a aquisição de bens que entrem em contato físico com o produto, reputando legais, via de consequência, as Instruções Normativas da SRF ns. 247/2002 e 404/2004; ii) orientação intermediária, acolhida pelos Ministros Mauro Campbell Marques e Benedito Gonçalves, consistente em examinar, casuisticamente, se há emprego direto ou indireto no processo produtivo (‘teste de subtração’), prestigiando a avaliação dos critérios da essencialidade e da pertinência. Tem por corolário o reconhecimento da ilegalidade das mencionadas instruções normativas, porquanto extrapolaram as disposições das Leis ns. 10.637/2002 e 10.833/2003; e iii) orientação ampliada, protagonizada pelo Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Relator, cujas bases assenhoreiam-se do conceito de insumo da legislação do IRPJ. Igualmente, tem por consectário o reconhecimento da ilegalidade das instruções normativas, mostrando-se, por esses aspectos, a mais favorável ao contribuinte.” O trecho acima também foi transcrito no voto condutor do acórdão, p. 33-34.

16 Acórdão do REsp n. 1.221.170/PR, voto da Ministra Regina Helena Costa, p. 79. Trecho transcrito também para o voto condutor do acórdão, p. 34.

17 Apesar de o chamado “teste de subtração” ser eficaz para evidenciar a presença do critério da essencialidade em relação a determinado gasto, o mesmo não pode ser dito em relação à constatação do critério da relevância. Em virtude disso, diante do que restou decidido no REsp n. 1.221.170/PR sob o rito dos recursos repetitivos, o referido “teste de subtração” não é suficiente para aferir se determinada despesa configura ou não insumo para fins de apropriação de créditos de PIS/COFINS.

18 Acórdão do REsp n. 1.221.170/PR, voto da Ministra Regina Helena Costa, p. 80. Trecho transcrito também para o voto condutor do acórdão, p. 34.

19 Vide a nota 15 para a identificação, por parte da Ministra Regina Helena Costa, das três correntes de entendimento até então adotadas pelo STJ.

20 Não cabe a tentativa de equiparação entre o critério da relevância e o critério da pertinência, pois o próprio voto da Ministra Regina Helena Costa (p. 80, em trecho também transcrito no voto condutor, p. 34) destaca que “o critério da relevância revela-se mais abrangente do que o da pertinência”.

21 A constatação de que, por um lado, tudo o que é essencial é também relevante (ou tudo que é imprescindível é também importante), ao passo que nem tudo que é relevante é obrigatoriamente essencial (ou nem tudo que é importante é obrigatoriamente imprescindível), somada à forma como foi construída a decisão paradigma (que exige que qualquer um dos critérios seja atendido), pode conduzir à conclusão lógica de que, ao final, o que importa para qualificar determinada despesa como insumo para fins de apropriação de créditos de PIS/COFINS é saber se tal despesa é ou não é relevante (ou importante). Caso prevaleça tal conclusão, o resultado do julgamento poderia ter sido sintetizado em apenas um critério, o da relevância, simplificando sua assimilação. No entanto, como essa questão não foi discutida no julgamento do REsp n. 1.221.170/PR e visando um alinhamento com os critérios ali indicados (inclusive no que diz respeito à nomenclatura utilizada), o presente estudo seguirá fazendo referência a ambos os critérios: essencialidade (a apontar para a imprescindibilidade do gasto) e relevância (voltado para a importância do dispêndio).

22 Acórdão do REsp n. 1.221.170/PR, voto da Ministra Regina Helena Costa, p. 81. Trecho transcrito também para o voto condutor do acórdão, p. 35-36. Essa proposta de tese para fins do rito dos recursos repetitivos foi integralmente acolhida pelo voto condutor (p. 36, com ajustes irrelevantes de redação, sem comprometimento do conteúdo) e também reproduzida na ementa do acórdão.

23 O voto condutor do Ministro Relator, analisado no tópico II.1, foi o fruto do realinhamento.

24 Acórdão do REsp n. 1.221.170/PR, voto da Ministra Regina Helena Costa, p. 80. Trecho transcrito também para o voto condutor do acórdão, p. 35.

25 Acórdão do REsp n. 1.221.170/PR, voto da Ministra Regina Helena Costa, p. 80-81. Trecho transcrito também para o voto condutor do acórdão, p. 34-35. Na verdade, o voto da Ministra Regina Helena Costa relaciona as despesas discutidas e, em meio a essas, indica algumas em relação às quais é possível que exista direito a crédito (possibilidade a ser confirmada pela corte de origem). Assim consta do voto:

“No caso em tela, observo tratar-se de empresa do ramo alimentício, com atuação específica na avicultura (fl. 04e).

Assim, pretende sejam considerados insumos, para efeito de creditamento no regime de não cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS ao qual se sujeitam, os valores relativos às despesas efetuadas com ‘Custos Gerais de Fabricação’, englobando água, combustíveis e lubrificantes, veículos, materiais e exames laboratoriais, equipamentos de proteção individual – EPI, materiais de limpeza, seguros, viagens e conduções, ‘Despesas Gerais Comerciais’ (‘Despesas com Vendas’, incluindo combustíveis, comissão de vendas, gastos com veículos, viagens, conduções, fretes, prestação de serviços – PJ, promoções e propagandas, seguros, telefone e comissões) (fls. 25/29e).

Como visto, consoante os critérios da essencialidade e relevância, acolhidos pela jurisprudência desta Corte e adotados pelo CARF, há que se analisar, casuisticamente, se o que se pretende seja considerado insumo é essencial ou de relevância para o processo produtivo ou à atividade desenvolvida pela empresa.

Observando-se essas premissas, penso que as despesas referentes ao pagamento de despesas com água, combustíveis e lubrificantes, materiais e exames laboratoriais, materiais de limpeza e equipamentos de proteção individual – EPI, em princípio, inserem-se no conceito de insumo para efeito de creditamento, assim compreendido num sistema de não cumulatividade cuja técnica há de ser a de ‘base sobre base’.

Todavia, a aferição da essencialidade ou da relevância daqueles elementos na cadeia produtiva impõe análise casuística, porquanto sensivelmente dependente de instrução probatória, providência essa, como sabido, incompatível com a via especial.

Logo, mostra-se necessário o retorno dos autos à origem, a fim de que a Corte a quo, observadas as balizas dogmáticas aqui delineadas, aprecie, em cotejo com o objeto social da empresa, a possibilidade de dedução dos créditos relativos a custos e despesas com: água, combustíveis e lubrificantes, materiais e exames laboratoriais, materiais de limpeza e equipamentos de proteção individual – EPI.”

Com isso, o resultado prático em relação àquelas despesas não apontadas para a reavaliação por parte do tribunal de 2ª instância (entre as quais figuram as despesas com “promoções e propagandas”) é o da negativa do direito a crédito.

26 Diz-se “de forma indireta” porque o voto não diz diretamente que não há direito a crédito sobre essas despesas. Vide, a esse respeito, o que consta da nota 25.

27 Não afasta tal contradição eventual alegação de que a análise ficou limitada à “valoração jurídica de fatos incontroversos”, posto que se foi assim para as despesas consideradas como não sendo insumos, também deveria ter sido em relação àquelas consideradas como passíveis de virem a ser qualificadas como insumos.

28 Mais especificamente o voto condutor do Acórdão do REsp n. 1.246.317/MG, julgado em 19 de maio de 2015, transcrito no voto Ministro Mauro Campbell Marques no REsp n. 1.221.170/PR (p. 43-61) e no qual restou acolhida a tese da essencialidade, nos seguintes termos (trecho extraído da ementa do acórdão): “São ‘insumos’, para efeitos do art. 3º, II, da Lei n. 10.637/2002, e art. 3º, II, da Lei n. 10.833/2003, todos aqueles bens e serviços pertinentes ao, ou que viabilizam o processo produtivo e a prestação de serviços, que neles possam ser direta ou indiretamente empregados e cuja subtração importa na impossibilidade mesma da prestação do serviço ou da produção, isto é, cuja subtração obsta a atividade da empresa, ou implica em substancial perda de qualidade do produto ou serviço daí resultantes.”

29 Acórdão do REsp n. 1.221.170/PR, voto do Ministro Mauro Campbell Marques, p. 61-62.

30 Acórdão do REsp n. 1.221.170/PR, voto do Ministro Mauro Campbell Marques, p. 63.

31 Vide a nota 15 para a identificação, por parte da Ministra Regina Helena Costa, das três correntes de entendimento até então adotadas pelo STJ.

32 Acórdão do REsp n. 1.221.170/PR, aditamento ao voto do Ministro Mauro Campbell Marques, p. 98-102.

33 Tal divergência foi detectada e relatada no voto-vista da Ministra Assusete Magalhães, visto adiante.

34 Acórdão do REsp n. 1.221.170/PR, aditamento ao voto do Ministro Mauro Campbell Marques, p. 142. O realinhamento do voto do Ministro Mauro Campbell Marques ao voto da Ministra Regina Helena Costa foi informado na certidão de julgamento do dia 9 de novembro de 2016 (p. 83).

35 Acórdão do REsp n. 1.221.170/PR, aditamento ao voto do Ministro Mauro Campbell Marques, p. 142-143.

36 Acórdão do REsp n. 1.221.170/PR, aditamento ao voto do Ministro Mauro Campbell Marques, p. 143.

37 Acórdão do REsp n. 1.221.170/PR, voto da Ministra Regina Helena Costa, p. 80. Trecho transcrito também para o voto condutor do acórdão, p. 34.

38 Acórdão do REsp n. 1.221.170/PR, voto da Ministra Regina Helena Costa, p. 80. Trecho transcrito também para o voto condutor do acórdão, p. 34.

39 O realinhamento dos votos dos Ministros Napoleão Nunes Maia Filho e Mauro Campbell Marques ao voto da Ministra Regina Helena Costa consta da certidão de julgamento do dia 9 de novembro de 2016.

40 Eventual manifestação incompatível com o voto condutor, para além de não afetar o conteúdo desse, de forma alguma pode ser tida como parte integrante do que ficou decidido sob o rito dos repetitivos.

41 Acórdão do REsp n. 1.221.170/PR, voto da Ministra Assusete Magalhães, p. 112-115.

42 Acórdão do REsp n. 1.221.170/PR, voto da Ministra Assusete Magalhães, p. 137-139.

43 Acórdão do REsp n. 1.221.170/PR, voto da Ministra Assusete Magalhães, p. 140.

44 Acórdão do REsp n. 1.221.170/PR, voto da Ministra Assusete Magalhães, p. 140-141.

45 Lei n. 5.869/1973.

46 Art. 543-C do CPC de 1973.

47 Lei n. 13.105/2015.

48 Art. 927, III, do CPC de 2015. O julgamento dos recursos repetitivos está disciplinado nos arts. 1.036 e seguintes do CPC de 2015.

50 “Art. 1.039. Decididos os recursos afetados, os órgãos colegiados declararão prejudicados os demais recursos versando sobre idêntica controvérsia ou os decidirão aplicando a tese firmada.”

51 Cf. Alexandre Freitas Câmara. O novo processo civil brasileiro. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2017, n. 23.10.2.5.2.1.

52 Para Humberto Theodoro Jr. (Curso de direito processual civil. 50. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. v. III, n. 844), a produção da “eficácia pacificadora de múltiplos litígios” se dá “mediante estabelecimento de tese aplicável a todos os recursos em que se debata a mesma questão de direito”.

53 Na verdade, mesmo antes da publicação do acórdão paradigma foram proferidas várias decisões com esse teor pelos Ministros do STJ em recursos nos quais se discute o conceito de insumo para fins de PIS/COFINS. Entretanto, a exposição será limitada a decisões publicadas após a publicação do paradigma.

54 Decisão do Ministro Sérgio Kukina no AgInt no REsp n. 1.315.979/PE, DJe de 20 de novembro de 2018. No mesmo sentido foi a decisão no REsp n. 1.500.504/RS, DJe de 14 de dezembro de 2018.

55 Decisão do Ministro Gurgel de Faria no REsp n. 1.452.957/PR, DJe de 04 de maio de 2018.

56 Vide decisão do Ministro Benedito Gonçalves no REsp n. 1.697.714/SC, DJe de 24 de agosto de 2018.

57 Decisão do Ministro Herman Benjamin no REsp n. 1.745.819/RN, DJe de 03 de setembro de 2018.

58 Nesse sentido foram as decisões proferidas pela Ministra Assusete Magalhães no REsp n. 1.448.414/CE, DJe de 24 de maio de 2018, REsp n. 1.746.382/SC, DJe de 19 de junho de 2018, REsp n. 1.395.270/SP, DJe de 10 de agosto de 2018 e REsp n. 1.760.534/CE, DJe de fevereiro de 2019.

59 A saber: “custos com peças, combustíveis e lubrificantes utilizados por empresa que, conjugada com a venda de mercadorias, exerce também a atividade de prestação de serviços de transporte da própria mercadoria que revende”. Trata-se de decisão da 2ª Turma do STJ no julgamento do REsp n. 1.235.979/RS, Relator para o Acórdão o Ministro Mauro Campbell Marques, DJe de 19 de dezembro de 2014.

60 Decisão do Ministro Mauro Campbell Marques no REsp n. 1.425.114/RS, DJe de 24 de maio de 2018.

61 Julgamento realizado em 17 de maio de 2018, acórdão publicado no DJe de 24 de maio de 2018.

62 Acórdão do REsp n. 1.647.925/SP, voto do Ministro Mauro Campbell Marques, p. 22.

63 Ementa da decisão proferida no julgamento do REsp n. 1.647.925/SP, DJe de 24 de maio de 2018.

64 A esse respeito, veja o que foi dito nos tópicos II.2, II.3 e II.4, acima.

65 Decisão monocrática proferida pelo Ministro Mauro Campbell Marques no REsp n. 1.437.025/SC, p. 3.

66 Decisão monocrática proferida pelo Ministro Mauro Campbell Marques no REsp n. 1.437.025/SC, p. 4.

67 “Art. 1.021. Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo interno para o respectivo órgão colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento interno do tribunal.

[...]

§ 4º Quando o agravo interno for declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime, o órgão colegiado, em decisão fundamentada, condenará o agravante a pagar ao agravado multa fixada entre um e cinco por cento do valor atualizado da causa.”

68 Acórdão do AgInt no REsp n. 1.437.025/SC, trecho extraído da ementa do acórdão, p. 1.

69 Acórdão do AgInt no REsp n. 1.437.025/SC, voto do Ministro Mauro Campbell Marques, p. 10.

70 Afinal, trata-se de um dos primeiros acórdãos que aplicou a decisão proferida no repetitivo.

71 Acórdão do REsp n. 1.221.170/PR, voto da Ministra Regina Helena Costa, p. 80. Trecho transcrito também para o voto condutor do acórdão, p. 35.

72 Nem sempre há rigor terminológico quando, em textos jurídicos, fala-se em publicidade, propaganda e marketing. Armando Sant’Anna et al (Propaganda: teoria, técnica e prática. 9. ed. São Paulo: Cengage Learning, 2015, p. 67), esclarece que “embora usados como sinônimos, os vocábulos publicidade e propaganda não significam rigorosamente a mesma coisa”, reconhecendo, porém, que “hoje em dia, ambos os termos são usados indistintamente, em particular no Brasil”. Por seu turno, J. Paul Peter e James H. Donnelly Jr. (Introdução ao marketing: criando valor para os clientes. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 7) informam que, com abrangência maior, a noção de marketing dirige-se inicialmente ao “reconhecimento das necessidades do consumidor, e, depois, funciona no sentido contrário para elaborar produtos e serviços que satisfaçam a essas necessidades”. Sem entrar em pormenores acerca de cada um dos termos, o presente estudo fará alusão a gastos com “publicidade e propaganda” como abrangendo também os gastos que no AgInt no REsp n. 1.437.025/SC são referidos como “despesas com marketing” ou “ações de marketing”.

73 Cf. Sílvio de Salvo Venosa. Direito civil – v. 3 – contratos. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2017, n. 46.1.

74 Cf. Arnaldo Rizzardo (Contratos. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, cap. XLIX, n. 5). José Cretella Neto (Manual jurídico do franchising. São Paulo: Atlas, 2003, p. 26) conceitua a franquia como “o contrato de natureza mercantil, firmado entre franqueador e franqueado, que tem por objeto a cessão temporária e onerosa de um conjunto de direitos materiais e intelectuais, de propriedade exclusiva do franqueador, para o franqueado, que se obriga à comercialização de produtos e/ou serviços, consoante um sistema próprio e único de rede de marketing e distribuição, estabelecido conforme as determinações e padrões do franqueador, remunerando-o, de forma única ou periódica, pela cessão dos referidos direitos e/ou pela transferência de know-how técnico, comercial e operacional, e também pela assistência técnica e mercadológica que prestará, pelo período do contrato.”

75 Cf. Fran Martins (Contratos e obrigações comerciais. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, n. 436). Para Caio Mário da Silva Pereira (Instituições de direito civil – v. III – contratos. 21. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017, n. 251-B), a franquia configura “uma autorização de exploração de nome e marca que uma empresa cede a outra”, razão pela qual “a licença de utilização de marca, de nome, e até de insígnia do franqueador” é um de seus elementos. Na verdade, a doutrina civilista é uníssona em relação à presença do licenciamento de marca no contexto do contrato de franquia. Para além dos autores já citados, Sílvio de Salvo Venosa (Direito civil – v. 3 – contratos. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2017, n. 46.2) alerta que “para que o contrato opere, é necessário que o franqueador autorize uso de marcas, patentes, símbolos etc.”

76 Cf. Arnaldo Rizzardo (Contratos. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, cap. XLIX, n. 5). Para Paulo Nader (Curso de direito civil – v. 3 – contratos. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, n. 199), o reconhecimento da marca estimula o interesse de potenciais franqueados, desejosos de a utilizarem em seus negócios.

77 Discorrendo sobre a construção de marcas, Daniela Motta Romeiro Khauaja (Construção de marcas. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 101) diz que “as marcas são criadas, principalmente, por meio de várias formas de comunicação”, informando que “a comunicação de marketing representa o conjunto de todos os elementos do composto de marketing de uma marca”, dentre os quais estão justamente a publicidade e a propaganda.

78 Como alerta Paulo Roberto Salles Garcia (Comunicação e gestão de marcas: a importância do relacionamento com a mídia. Barueri: Manole, 2018, p. 103), o fato de uma determinada marca alcançar o status de consolidada não significa que tal status, uma vez conquistado, dure para sempre.

79 Cf. Arnaldo Rizzardo (Contratos. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, cap. XLIX, n. 5). Fran Martins (Contratos e obrigações comerciais. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018, n. 435) pontua que “o franqueado, além dos produtos que vai comercializar, receberá do franqueador permanente assistência técnica e comercial, inclusive no que se refere à publicidade dos produtos”. Analisando o tema sob o viés negocial, Alexandre Freire Guerra (Relacionamentos, incentivos e conflitos em franquias. São Paulo: Cengage Learning, 2012, p. 58) elenca o “investimento em marketing” entre as principais funções dos franqueadores.

80 Maria Helena Tavares de Pinho Tinoco Soares (Direito ao crédito de PIS e de COFINS relativos às despesas “de publicidade” na atividade de franquia. São Paulo: PUC, 2016, p. 79-80) disserta que “não há como conceber uma franquia se não forem estabelecidas e expressamente determinadas as obrigações atinentes à divulgação da marca”, acrescendo que “a franquia não sobrevive sem as ações de marketing.”

81 Para Maria Helena Tavares de Pinho Tinoco Soares (Direito ao crédito de PIS e de COFINS relativos às despesas “de publicidade” na atividade de franquia. São Paulo: PUC, 2016, p. 80), “a publicidade e a propaganda são a ‘alma do negócio’, o que lhes confere essencialidade e, por decorrência, o caráter de ‘insumo’ na apuração do PIS e da COFINS”. Em virtude disso, conclui a autora (p. 126), “resta inequívoco o direito subjetivo ao aproveitamento dos créditos de [PIS/COFINS] relativos às necessárias e essenciais despesas de publicidade e propaganda incorridas durante o exercício da atividade de franquia”.

82 Valiosa, nesse particular, a lição de Paul Kirchhof (Tributação no estado constitucional. São Paulo: Quartier Latin, 2016, p. 49), no sentido de que “a igualdade exige não apenas a igualdade nas obrigações tributárias, mas também a igualdade no resultado econômico fático após a tributação. A igualdade será satisfatória apenas quando a lei tributar jurídica e faticamente todos os contribuintes igualmente.”

83 Na conceituação de Humberto Ávila (Teoria da igualdade tributária. 3. ed. São Paulo: Malheiros, p. 104), “a neutralidade evidencia o dever de atuação ou abstenção estatal em determinado nível relativamente aos efeitos que a tributação provoca quando recai sobre bens jurídicos essenciais à realização do princípio da liberdade de concorrência”, funcionando, conclui o autor, “como um limite para a atuação ou abstenção estatal referente ao tratamento de dois ou mais contribuintes em relação de concorrência”. Trata-se, nas palavras de Luís Eduardo Schoueri (Direito tributário. 7. ed. São Paulo: Saraiva, p. 382) da “neutralidade de tributação em relação à Livre Concorrência, visando garantir um ambiente de igualdade de condições competitivas, reflexo da neutralidade concorrencial do Estado”.

84 Muito embora os recursos especiais sejam, “por excelência, recursos excepcionais, isto é, recursos em que apenas questões de direito podem ser suscitadas”, consoante Alexandre Freitas Câmara (O novo processo civil brasileiro. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2017, n. 23.10.2.5.2), que chega a dizer que “neles não se admite qualquer discussão sobre matéria fática”, é imprescindível recordar, com Humberto Theodoro Jr. (Curso de direito processual civil. 50. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. v. III, n. 834), que “a limitação de apreciação apenas às questões de direito no âmbito do recurso especial somente pode ser vista como relativa, já que, na maioria dos casos, é quase impossível examinar a questão jurídica deduzida em juízo sem vinculá-la ao respectivo suporte fático. Daí considerar a jurisprudência do STJ como questão de direito aquela relacionada à valoração dos fatos incontroversos ou bem delineados no processo.”

85 A Súmula n. 7 do STJ determina que “a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”. Sem prejuízo disso, a 1ª Turma do STJ decidiu que “a valoração que o Tribunal de origem fez acerca de fatos incontroversos não inviabiliza o apelo especial” (AgRg no AREsp n. 360.313/RJ, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 01.06.2015). De modo similar, a 2ª Turma do STJ reconhece que, “embora a Súmula 7/STJ impeça o reexame de matéria fática, ela não impede a intervenção desta Corte, quando há errônea valoração jurídica de fatos incontroversos nos autos e delineados no acórdão recorrido” (AgInt no REsp n. 1.215.192/GO, Rel. Min. Assusete Magalhães, DJe 19.03.2018).